Nota do blog: Publicamos a seguir carta enviada a nós por um ex-militante da chamada fração “RR”, ou Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária, o artigo conta com uma apresentação por parte da Equipe Editorial Servir ao Povo.
Contribuição à crítica ao revisionismo
R. de Paula
Apresentação
Para onde vai a “Reconstrução Revolucionária”?
No ano passado, quando do racha do PC Brasileiro, o Servir ao Povo publicou um artigo editorial em que fazia o seguinte balanço do fato:
“A atual crise do PCBrasileiro é, na verdade, a crise do próprio revisionismo. A crise do revisionismo é resultado da radicalização da luta de classes na situação política. Ao longo dos últimos 28 anos, os comunistas marxistas-leninistas-maoistas lutaram na clandestinidade para reconstituir o Partido Comunista do Brasil – P.C.B. como partido comunista maoista militarizado, mobilizando, politizando, organizando e armando as massas, principalmente no campo, mas não somente, o que tem conduzido à radicalização da luta de classes.
(…)
A luta de classes movimentou as placas tectônicas da situação política; a massa de militantes revolucionários desperta da letargia de suas organizações, e passa a exigir respostas à altura. Incapazes de aplicar uma linha revolucionária proletária, os revisionistas e outros tantos oportunistas, nas cúpulas, em disputa pelo controle do aparato, se dividem sobre qual caminho adotar para dar uma resposta e manter as bases unidas. No caso do PCBrasileiro, o CC revisionista escolheu o caminho de enveredar explicitamente pela velha via eleitoreira do cretinismo parlamentar (Lenin) e acadêmica, o crescimento quantitativo sem princípios, expulsando abertamente os opositores. O PCBrasileiro-RR têm escolhido o caminho de dar uma fraseologia vermelha para tentar manter coesa a base e, ao mesmo tempo, tentar tomar a direção da organização. Mas, ambos rejeitam o leninismo, a aliança operário-camponesa e a luta armada como tarefa da ordem do dia (e não para um “futuro” que intimamente todos sabem que nunca chegará). Por isso, no fundo, trata-se de uma bifurcação que dará no mesmo destino: o revisionismo em ideologia e o ecletismo em filosofia; o reformismo, pacifismo, legalismo e pragmatismo em política, além do decorrente sectarismo e autoritarismo no organizativo.” (grifos nossos)1
Confessamos que não se podia prever uma definição tão rápida desta situação. Desde então, a luta no campo brasileiro tem recrudescido, com grupos paramilitares de extrema-direita de base latifundiária assassinando diversas lideranças, bem como ameaçado despejos e feito inúmeros ataques a áreas camponesas em luta pela terra, ou seja, a reação, o latifúndio e a extrema-direita declararam guerra aos camponeses pobres, povos indígenas e remanescentes de quilombolas. A bem da verdade, pode-se dizer que Bolsonaro e seus asseclas representam o partido da contrarrevolução agrária, prova maior (neste caso, pela negativa) da agudeza da contradição entre massas camponesas vs sistema latifundiário, expressão do caráter semifeudal e semicolonial do País, como sempre disseram os maoistas brasileiros, contra as injúrias e o pedantismo da esquerdalha de matiz trotskysta ou eurocomunista, que confunde meia dúzia de arranha-céus e filiais de grandes transnacionais com um capitalismo altamente desenvolvido ou, mesmo, “subimperialista”. Não por acaso, seu “combate” a Bolsonaro restringiu-se, durante o governo militar de fato que este presidiu, a “surrá-lo” pelas janelas dos condomínios ou à defesa da democracia burguesa a reboque dos politiqueiros burgueses, enquanto o movimento camponês consequente lutava em Rondônia e nos quatro cantos do País, atraindo não só os vitupérios do “mito” como os aparatos assassinos da reação. Como síntese desta situação, tivemos, em Rondônia, ao mesmo tempo o palco de vis assassinatos contra lideranças camponesas – como foi o caso do companheiro Gedeon – e a maior celebração mundial em defesa da memória do Presidente Gonzalo, quando da sua covarde execução pelo Estado peruano. E se é certo que é dever das autênticas organizações fazer-se ouvir pelos revolucionários, não é menos certo que, sobretudo a juventude, sedenta de vontade de lutar, também tem a obrigação de procurar as mensagens cujas razões justificam-se não apenas pela solidez dos seus argumentos, como pela efetividade da sua ação prática. Como diz o adágio, “quem procura acha”, mas a condição para achar é saber procurar nos lugares corretos.
Nas cidades, o protesto popular ganha vulto em meio à luta incessante contra o Estado reacionário e seus aparatos de repressão e de vigilância. Um exemplo recente foi a aplicação da dita “Lei de defesa do Estado democrático de direito” para encarcerar e processar ativistas que protestavam contra o aumento das passagens em São Paulo. Ora, alguém pode ter dúvidas de que este dispositivo legal, usado ora para condenar os pés de chinelo da extrema-direita a longas penas, será doravante aplicado, com igual ou maior rigor, contra os lutadores populares? Isso prova a inconsequência e, mesmo, mais que isso, traição dos que propugnam que a luta contra o fascismo se dê apenas através do reforçamento da legislação burguesa, como se o Judiciário não tivesse caráter de classe. Tal reles “socialismo jurídico” vale hoje tanto quanto valia no século XIX, quando foi combatido por Marx e Engels: zero e mais nada. A propósito, o massacre da juventude preta e favelada, a ação indiscriminada e crescente dos bandos paramilitares, que se revestem cada vez mais de caráter político, o dantesco quadro do encarceramento de quase 1 milhão de brasileiras e brasileiros pobres em masmorras medievais, não são prova mais do que eloquente do caráter antipovo do mesmo Judiciário? O papel “moderador” do Alto Comando das Forças Armadas, submetido, por sua vez, aos ditames do Departamento de Estado norte-americano, como revelado na publicização dos bastidores da trama golpista de 2022, não provam o caráter farsante, bananesco e tragicômico de nossa “república democrática”? Acreditar em qualquer “evolução” do capitalismo burocrático nos limites dos seus próprios marcos legais é, na boca do cidadão médio, uma ingenuidade; na boca de quem se pretende marxista, uma vil e descarada traição.
Internacionalmente, a ofensiva tática de 7 de Outubro por parte do Hamas marca com ferro, fogo e sangue o novo período de revoluções em que entrou a história mundial. A heroica Resistência Nacional Palestina contra o Estado sionista de Israel é o fato político-militar mais importante deste século até o momento. Com sua decisão em pagar a cota de sangue, o povo palestino impõe derrotas humilhantes ao imperialismo e faz resplandecer desafiadora perante o mundo a consigna de que este não é senão um tigre de papel, como estabeleceu o Presidente Mao Tsetung. Resta comprovado, ademais, que o poder nasce do fuzil e que o caminho da luta armada é incontornável para a libertação dos explorados e oprimidos.
Diante deste cenário, o que pode fazer a direção da chamada “Reconstrução Revolucionária”, cuja única ligação de teoria com prática que leva a cabo até aqui é unir uma crítica inconsequente do reformismo em seminários com o mesmo eleitoralismo cretino e personalismo nos fatos?
Das duas, uma: ou esta organização se tornará, dentro de algum tempo, uma das inúmeras correntes internas do Psol; ou desaparecerá nas brumas do tempo, como um dos tantos brinquedos passageiros com que se entretém, de tempos em tempos, certos círculos de intelectuais. Como organização, não pode vingar: o ecletismo de sua direção, que não quer nem tem capacidade de conduzir um sério processo de autocrítica e crítica do revisionismo do PC Brasileiro do qual se desligou, nem avançar no caminho do maoismo, isto é, o marxismo-leninismo de nossos dias; que não quer nem tem capacidade de se vincular às massas operárias e camponesas, rompendo com a velha concepção de centrar na pequena-burguesia ilustrada e na aristocracia operária, contaminadas de liberalismo burguês e do que Engels e Lenin chamavam de “respeitabilidade burguesa”; que não quer nem tem capacidade de construir uma sólida organização clandestina, dirigida por revolucionários profissionais; que não quer nem tem capacidade de aplicar a violência revolucionária contra a reação e os seus aparatos; tudo isso condena essa mais nova tentativa de “reconstrução revolucionária” a ser não mais do que uma nova modalidade do “reformismo renegado”. Alguém pode indagar: puxa vida, não é pedir muito? Não, não é pedir muito. Não é que sem essas condições não se tem condições de vencer o imperialismo e seus agentes internos – sem elas, não se pode nem sequer falar seriamente em começar.
Mas, se é este o destino certo dessa organização e de sua direção, também é certo que há setores ali insatisfeitos, que ao menos pressentem o cheiro da degradação futura, pelo que se batem por uma sincera e genuína preocupação militante. Neste sentido, não é perda de tempo, muito pelo contrário, acompanharmos algumas dessas manifestações de luta interna, que vêm à tona na “Tribuna de Debates” (órgão central da “RR”). Afora a avalanche de revisionismo, trotskismo, academicismo, posmodernismo e oportunismo de várias ordens que dispensam comentários, há setores que tateiam no escuro o caminho correto; que ao menos colocam as questões de um modo mais consequente, e como Lenin já dizia, fazer as perguntas certas é mais do que meio caminho para se acertar. Daí, o interesse com que publicamos a carta do militante Rocha de Paula abaixo, que toca em pontos centrais já apontados no balanço feito por Servir ao Povo, que são: a) A aliança operário-camponesa, defesa da Revolução Agrária e da Liga dos Camponeses Pobres; b) a luta armada como tarefa imediata, crítica ao “Poder Popular” sem luta armada, defendendo a construção desde já de milícias proletárias para germe do Novo Poder; e c) crítica ao cretinismo parlamentar. Alguns vão ainda mais a fundo, esboçando mesmo uma defesa do Maoismo como a atual etapa da ideologia do proletariado.
A direção da “RR” também tem escrito, pontualmente, artigos em resposta, afunilando os “descaminhos” para aquilo que já se apontou como o mesmo destino do CC revisionista do PC Brasileiro. Gostaríamos de, na ocasião da publicação da Carta do companheiro Rocha de Paula, nos deter em dois deles, de autoria do sr. Jones Manoel, que o comprovam. Um é o “Agitação, propaganda e poder popular:Para onde estamos indo?”, em que Jones faz um rechaço direto à base da militância que ainda insiste na luta interna – sabotada que era pelos fracionistas do antigo CC revisionista, de acordo com o próprio Jones – e o outro é “O ‘Partido Testemunho’ e a nossa tática eleitoral” em que lança ataques às formulações publicadas até então, particularmente às do veterano Ivan Pinheiro.
“Tática eleitoral” ou o velho cretinismo parlamentar?
Como expressão dessa intervenção de Jones no debate, no referido documento “Agitação, propaganda e poder popular…”2, Jones rebate críticas sobre seus apontamentos acerca da “tática eleitoral”. Críticas essas que, embora muito superficiais e até mesmo eivadas de pragmatismo, apontavam contra a participação em eleições.
Diz Jones: “Ando muito preocupado com a tendência que cresce no RR. Caminhar em grandes debates sobre estratégia, questão internacional (China e afins) e organização, sem conectar à conjuntura, demandas imediatas, desafios do momento e acumular força social de verdade. Por exemplo, fiquei assustado com os debates sobre a questão eleitoral. Praticamente todos eles caminham a partir de generalizações, grandes questões e debates em maior nível de abstrato. O básico, tipo qual é a especificidade de uma eleição municipal, não é abordado.” (grifos nosso)
Para que teoria revolucionária e perder tempo discutindo as coisas de um ponto de vista de princípios, não é mesmo? Concentremo-nos na “especificidade” de uma eleição municipal, isto é, vamos discutir a regulação do trânsito e o restauro das praças, afinal de contas, isso será muito mais eficiente de um ponto de vista eleitoral do que grandes debates “abstratos”. Este é um raciocínio que nem de longe, nem mesmo palidamente, lembra qualquer posição revolucionária. Com isso não se diz que os revolucionários consequentes não devam se preocupar com a “pequena política” e ocupar-se das questões afeitas aos cotidianos dos trabalhadores. Apenas um doutrinário incorrigível afirmaria semelhante barbaridade. Mas a questão é que as organizações revolucionárias não precisam das eleições para realizarem semelhante trabalho: elas devem fazê-lo todos os dias e todos os anos, vinculando, a cada passo, as demandas específicas às grandes questões, porque o marxismo é uma visão integral de mundo, visão ao mesmo tempo científica e revolucionária, e para ensiná-las a encerrar-se nos estreitos limites da rotina as massas não precisam para nada de comunistas: para isso elas já contam com os burocratas, com os pastores e os padres. No fundo, Jones Manoel evita o debate doutrinário sem resolvê-lo, e se refugia no pântano da velha rotina eleitoreira por ele apelidada de “prática”. Onde os clássicos ensinam “ligar o geral ao particular”, como método de se investigar e se transformar a realidade (isto é, o mundo na sua totalidade), o curioso intérprete traduz: ligar a eleição geral à eleição municipal! Para que teoria – se já temos a legislação eleitoral?
Sobre a posição dos comunistas frente às eleições burguesas em geral, isto é objeto de outros documentos publicados nesta página, sobre o que não vamos agora redundar.
Jones coloca em pares, como fim e meio, “defender o socialismo” e “disputar política econômica”, “defender a ditadura do proletariado” (!) e “compreensão das dinâmicas institucionais do Estado burguês”. Sobre a expressão “poder popular”, diz:
“Como é que vamos construir o poder popular se não criarmos as condições para sermos os melhores na propaganda e na agitação; na denúncia do capitalismo, na defesa do socialismo e na disputa da política econômica; na defesa da ditadura do proletariado e na compreensão de todas as dinâmicas institucionais do Estado burguês; nas grandes lutas e na luta do dia a dia, como brigar por uma praça para as crianças e famílias terem espaço de lazer”. (Grifos nossos)3
Ora se não é a velhaca política oportunista da II Internacional, originada com os renegados Kautsky e Bernstein, para quem “o objetivo final é nada, o movimento é tudo”. Ou seja, a suposta “mediação” entre o fim e o meio, o “Poder Popular”,o socialismo, a ditadura do proletariado etc.se revela, na lavra de Jones, uma mera utopia mediada por algo supostamente concreto, real, que é oimediato: OEstado burguês atual, instrumento e meio para dar “praça para as criancinhas” e “lazer”, que aqui são, pasmem, nesta analogia, sinônimos de comunismo ou socialismo.
Ocorre que tomar parte do Estado ou “gerenciá-lo no interesse do proletariado” nada tem a ver com a tática leninista de participação no parlamento burguês. É o mais puro cretinismo parlamentar. E, ainda, completa Lenin de que, sacrificar os interesses finais, o objetivo final, em troca das “conquistas imediatas” de “melhorias” etc, é e sempre será oportunismo, “é vender a revolução por um prato de lentilhas” (Lenin).
Se analisamos concretamente ainda a situação, com olhar histórico, veremos que mesmo o período em que era possível reformas via Estado burguês, época da falência da II Internacional – e daí surgiram essa estirpe de falsos socialistas denunciados por Lenin, os revisionistas – se encerrou há muito. O aprofundamento da decomposição do imperialismo, em sua crise geral, leva a uma reacionarização e militarização cada vez maior do Estado burguês e de toda sociedade, sobretudo nos países oprimidos pelo imperialismo, acabando com o espaço para mínimas reformas que sejam. Que os quase 20 anos de gerenciamento do oportunismo no nosso país fale por si só! Ou que se façam algumas concessões que serão invariavelmente compensadas pelos maiores ataques aos trabalhadores no seu conjunto.
Voltando à questão da luta econômica e sua relação com o Poder. Claro que Lenin também defendia uma agitação política constante, viva, em cada chão de fábrica, cada rincão camponês da Rússia feudal, que cada bolchevique fosse um tribuno popular fervoroso, dedicado, abnegado e que soubesse ligar o geral ao particular e tocasse nos problemas imediatos do povo etc. No entanto, a síntese dessa questão é a tese do próprio Lenin de que “a luta reivindicativa é importante, mas o principal é a luta pelo Poder”, o que encerra uma questão fundamental na teoria da organização de Lenin, que é a diferença da organização de vanguarda para as demais organizações do proletariado, segundo a qual, a primeira é para tomar o poder e as demais são para arrancar da burguesia e resistir à ofensiva do capital. Defender os direitos e arrancá-los da burguesia é parte da luta revolucionária. Entender que a tática leninista é conjugar o reformismo com a revolução, sendo o primeiro luta no parlamento, reforma do Estado etc, como meio para uma futura ditadura do proletariado ou “Poder Popular” sabe-se lá para quando, já foi desmascarado como oportunismo pelo próprio Lenin.
No caso do nosso país, concretamente, o proletariado se vê obrigado, se quiser desencadear e fazer triunfar sua revolução de Nova Democracia, a atuar principalmente junto às massas camponesas arrancando ao velho Estado, em luta de vida ou morte contra o latifúndio, o direito sagrado do camponês à sua terra, desfraldando a consigna “Terra para quem nela vive e trabalha!” e “Viva a Revolução Agrária!”4. Atuará também entre os operários, estudantes, professores, servidores públicos, com a juventude, o semiproletariado urbano, os profissionais liberais, intelectuais honestos etc., em cada luta reivindicativa, greves, ocupações etc., em luta implacável contra o velho Estado, defendendo seus direitos pisoteados e arrancando com luta suas reivindicações mais sentidas. Neste processo, as massas aprendem a reivindicar, conquistam vitórias, mas, se dirigidas precisamente contra o aparato estatal burguês,aprendem algo mais valioso: A natureza reacionária do velho Estado, da polícia que o defende etc. Aprendem, na prática, que só a luta pelo Poder pode mudar toda a estrutura da sociedade. Aprendem a reivindicar o Poder político, pois “fora o Poder, tudo é ilusão!” (Lenin). É nesse sentido que Marx diz que as vitórias do proletariado em cada greve são efêmeras, que o que aprendem na luta é o que é mais valioso, que é o caráter burguês repressivo do Estado e a necessidade de substituí-lo por outro, democrático, proletário, ao passo que Lenin chamará os sindicatos de “escolas de comunismo” e as greves de “escolas de guerra”. No contexto do nosso país e nossa revolução estas lutas só podem estar verdadeiramente no interesse do nosso proletariado se vinculadas à luta camponesa, à Revolução Agrária, como complemento desta, que é a principal.
Destes artigos, o que podemos concluir é que Jones quer direcionar todo o debate e seu conteúdo teórico – e de resto, toda discussão teórica na internet e na academia5 – para o lixo da farsa eleitoral, por “pressionar” o governo, ou seja, atuar como bancada do congresso podre de corruptos. É literalmente desviar o caminho revolucionário para o reformismo mais rasteiro. A agitação, do ponto de vista marxista, não tem nada a ver com influenciar pauta de Congresso, tem a ver com gravitar o centro da política na direção oposta do congresso de corruptos, precisamente contra ele e na direção da destruição do aparato da burguesia, usando as lutas reivindicativas em função da luta pelo poder. Já no Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels sentaram que o partido do proletariado é “distinto e oposto” dos demais existentes. Assim, a “correia de transmissão” deste partido não será o parlamento burguês – de resto, cada vez mais desacreditado pelas massas, que quando não o encaram com hostilidade, tratam-no com fria indiferença – mas as legítimas organizações de resistência das massas situadas em seus locais de moradia, trabalho ou estudo. Essa ligação, e mesmo fusão, com os pobres da cidade e do campo, que os comunistas devem forjar, se alcança mobilizando as massas, desenvolvendo o protesto popular e radicalizando suas formas de luta. É exatamente o que as massas fizeram em 2013, na luta contra os megaeventos 2014–2016, nas ocupações estudantis de 2015-2016 e o exemplo já citado da guerra declarada pelo governo genocida de Bolsonaro e Generais ao movimento camponês, sobretudo, os seus setores mais consequentes e mais radicalizados. Nos últimos vinte anos podemos dizer tranquilamente que foram as mobilizações mais radicais e mais massivas em nosso país e, em nenhuma delas, absolutamente nenhuma, a luta parlamentar teve qualquer função positiva, não foi “auxiliar” em nada para a luta ou mesmo “meio” para se deflagrá-las. Pelo contrário, este foi sim o antro perverso e reacionário de perseguição e criminalização da luta popular, seu verdugo.
Luta de duas linhas e a forja de uma linha vermelha
Quanto à sua preocupação com a discussão que tem sido feita por militantes de base da “RR” sobre questões de estratégia etc., duas palavras: Uma, não é possível formular qualquer linha correta sem a assimilação mais completa da ideologia científica do proletariado internacional. É isso que Lenin quer dizer quando diz “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Teoria, aqui, entende-se a arma ideológica do proletariado e não academicismo e culto ao livro, muito menos estudar projeto de Lei e “especificidades de processo eleitoral”. Portanto, sem compreender a experiência completa do proletariado, assimilando-a e vendo os saltos, não se pode pretender qualquer linha de atuação de vanguarda consequente. Tal assimilação só é possível com a luta de duas linhas. Este magistral aporte do Presidente Mao ao tesouro do marxismo-leninismo é a chave do desenvolvimento e forja partidária, a única forma pela qual é possível, em meio ao tratamento correto das contradições no seio do povo, aplicação da linha de massas, levar uma luta de duas linhas consequente que depure os erros, fortaleça a unidade do Partido, critique ideias incorretas e aplique verdadeiramente o centralismo democrático.
Segundo: ora, um partido que se pretende em “Reconstrução”, cujo órgão de imprensa destina-se a formular uma linha política geral para discussão em Congresso, ter seus militantes censurados pela direção – a exemplo da crítica de Jones – por querer discuti-la já mostra o quão irremediavelmente ela está afundada nas mesmas concepções revisionistas da organização de que se separou. É o que o artigo de Servir ao Povo apontava como “sectarismo e autoritarismo no organizativo”6. Para qualquer um que leu minimamente Lenin, tal preocupação é completamente infundada. O grande Lenin sempre foi ferrenho defensor de que o papel primordial da vanguarda é justamente definir a estratégia, linha internacional e organização, ou seja, uma Linha Política Geral correta. Sintetiza de forma brilhante o Presidente Mao que “da linha política ser correta ou errada, se decide de tudo” e de que “se não temos homens, conquistaremos, se não temos armas as conseguiremos, se não temos o Poder, o teremos” e que “com a linha incorreta, não só não se conquista nada, como se perde o que já tem”. Claro que a atual fração “RR” não reúne condições básicas para lograr este objetivo fulcral, como demonstra a seguir a Carta do companheiro Rocha de Paula. Dizer se sua incapacidade prática deriva de sua inconsistência teórica, ou vice-versa, será obra não para este blog, mas para futuros historiadores.
Equipe Editorial – Servir Ao Povo
Fevereiro de 2024
Prefácio
O desenvolvimento de meu texto toma como pressuposto a identidade fundamental entre PC Brasileiro (o PCB do TSE) e o PCB-RR (racha daquele). Suas pequeníssimas diferenças quanto à linha política são irrelevantes quando se toma como critério a estratégia revolucionária e as táticas a ela subordinadas: ambas têm na “revolução socialista”, sempre em abstrato e sem nenhuma consideração concreta, a estratégia (aliada com a “palavra de ordem do poder popular”), e a tática voltada quase que exclusivamente à dinâmica eleitoral e institucional (tomada em sentido mais amplo, isto é, consideradas também as eleições de sindicato, diretórios dos estudantes, entidades – específicas e gerais – dos mais variados matizes etc.); as divergências e discrepâncias encontram-se nos limites de suas concordâncias fundamentais. Suas diferenças quanto à abordagem teórico-prática do centralismo-democrático têm alguma interferência no que tange à maior ou menor tendência e maior ou menor capacidade de arregimentar as massas e delas extrair quadros qualificados e críticas qualificadas. Não se pode negar certo avanço, portanto, quanto à questão da organização interna, advindo tanto da denúncia às práticas burocráticas dos dirigentes do PC Brasileiro perpetradas pelos dissidentes do RR, quanto da proposição de novas formas de organizar o debate e a polêmica pública, em que pesem as limitações daquelas proposições. Entretanto, esse avanço fica limitado – quanto às perspectivas revolucionárias – pela incorreta ideologia que guia a nova organização (aqui incluída, também, além de estratégia e tática, a compreensão da realidade que lhes serve de fundamento, suas bases econômicas e suas bases filosóficas). Cabe ressaltar também, quanto a isso, que não basta apontar o problema e as soluções para superá-los: há de se provar na prática que a mudança ocorreu, e isso só o tempo dirá. Mesmo assim, mesmo verificado certo avanço quanto a isso, seguirá trilhando por um caminho errado e de olhos vendados, devido ao oportunismo de sua linha política e do ecletismo de sua ideologia.
O texto não pretende ser uma análise geral do PC Brasileiro ou de sua juventude, mas sim um balanço parcial baseado em minha trajetória teórico-prática. Os desvios que ponho em relevo em detrimento de outros não necessariamente são mais importantes em si mesmos. Além disso, o fato de não tratar nem mencionar alguns deles não significa, em absoluto, que eu tenha com eles concordância ou conivência, mas sim que não tiveram, para mim, durante minha trajetória enquanto militante da UJC, relevância.
Antes de passar em definitivo às considerações fundamentais, preciso esclarecer um procedimento que adotei na elaboração do texto. Quando me refiro às problemáticas com que tive acesso em minha militância e contra as quais agora escrevo, muitas vezes alterno meu objeto – por assim dizer – entre UJC e PC Brasileiro. Longe de constituir tal prática falta de rigor teórico, encontra-se ela no mais coerente fundamento: o coletivo de juventude do PC Brasileiro, como consta em seu estatuto, é submetido a ele ideológica e historicamente. Os alicerces teóricos da UJC são os mesmos do PC Brasileiro. Suas práticas, o que pese certa diversidade local e regional, baseiam-se nos mesmos pressupostos oportunistas daqueles do partido. Portanto, tratar de um, no fundamental, é tratar do outro. Claro que mediações existem, e elas levam a certas idiossincrasias (dos dois lados). Mas isso é irrelevante para o escopo de meu texto.
Introdução
O dia da formalização de meu desligamento da União da Juventude Comunista (UJC) representou a consumação de uma contradição há muito tempo gestada em minha trajetória política. Desde os primórdios de meu contato com a teoria marxista tive acesso a críticas ao PC Brasileiro (partido ao qual a UJC é submetida), advindas de diferentes matizes político-teóricos. Durante minha formação enquanto militante, já organizado, aprendi a linha do PC Brasileiro e da UJC e pude confrontá-las – sobretudo na prática – com suas críticas. Ao mesmo tempo, eu próprio fazia meus estudos particulares com relação a variados temas de interesse da revolução, em especial, para mim, estudos voltados à história do Brasil, à economia política e às experiências socialistas. Todo esse aporte teórico, durante o tempo, foi se conjugando quantitativa e qualitativamente em minha mente de maneira concomitante a minhas experiências práticas na militância, de maneira a me permitir, finalmente, ter uma posição sólida em relação aos aspectos contraditórios que se me apresentavam.
Nesse entremeio, observando à risca os princípios do centralismo-democrático, particularmente aqueles que se referem ao centralismo, seguia a linha do partido e divulgava suas teses mesmo quando aquelas me pareciam equivocadas. A contraparte do centralismo-democrático, referente à democracia, entretanto, também me servia de guia, e nos espaços de reunião e tribuna dos quais participava pontuava as discordâncias e buscava avançar qualitativamente a organização. Ou seja: mesmo divergindo cada vez mais, pensava ser perfeitamente coerente manter-me no “complexo partidário”, pois os espaços de discussão existiam e, afinal, em qualquer organização leninista há militantes com posicionamentos minoritários – e por acreditar que estava, de fato, numa organização leninista, contentei-me com a situação. Além disso, após entrar em contato com o conceito de luta de duas linhas, desenvolvido por Mao Zedong, pude compreender com mais claridade as contradições que havia entre mim e a UJC/PC Brasileiro. Em resumo, a questão fundamental era: mesmo sabendo que o partido caminhava por caminhos errados, acreditava ser possível contribuir para retificar o(os) problema(as).
Minha resolução, entretanto, foi abalada em seus alicerces quando da eclosão da crise do partido em julho de 2023. Começaram a surgir aos montes denúncias – vindas de militantes e ex-militantes – de burocratismo e cerceamento dos espaços (fundamentais) de debate, e isso em diferentes instâncias (nacional, regional e local). A movimentação do grupo fracionista, que posteriormente denominar-se-ia “PCB-RR”, no sentido de agitar as bases e provocar o debate surtiu efeito em meu núcleo, e logo passamos a fazer parte do movimento a favor da convocação de um congresso extraordinário no intuito de resolver as contradições e criar as condições de retificação das práticas desviantes. Não é meu propósito aqui entrar em detalhes sobre tudo que ocorreu; basta-me indicar que, após algumas semanas de conflito com a coordenação regional, o núcleo desvinculou-se do PC Brasileiro e aderiu ao PCB-RR. Novamente eu estava – aparentemente – num ambiente propício a ser minoria, pois teria direito (ao menos em tese) de lutar, internamente e nos espaços e momentos adequados, por implementar as ideias que me pareciam corretas.
Tomado do espírito de estudo e debates – afinal, um congresso estava sendo planejado para momento próximo –, passei a aprofundar-me ainda mais na análise da história do PC Brasileiro (e do PC do Brasil, aquele nascido em 1922 e liquidado pela camarilha de Prestes em 1960) e, consequentemente, do desenvolvimento das linhas teórico-políticas do partido durante o tempo. Concomitantemente a isso, deti-me no estudo da linha atual que orienta tanto o PC Brasileiro como sua dissidência recém-organizada em nova agremiação. Como resultado de tal pesquisa, aliada a meus estudos sobre maoísmo, percebi que as divergências que nutria com relação à dupla PC Brasileiro e PC Brasileiro-RR eram de caráter por demais acentuado para que pudesse conceber uma disputa em termos plausíveis de resultado. Além disso, o sentido dado pelos documentos descidos pela coordenação nacional provisória indicavam que o cerne do processo de “reconstrução” era justamente o conjunto de aspectos contra os quais pensara lutar. Não fazia sentido lutar por “reconstruir” uma organização em cujos princípios não acreditava. Como resultado, solicitei meu desligamento.
Colocada a síntese de minha trajetória no “complexo PC Brasileiro/UJC”, passo agora às divergências que foram gestando-se com o tempo.
Eleitoralismo: manifestação concreta do oportunismo.
Começo com este tópico porque foi o que, de longe, mais claramente se manifestou a mim de maneira prática. Não comecei a perceber os desvios oportunistas neste âmbito a partir das eleições gerais (municipais, estaduais e federais), mas sim a partir das eleições do movimento estudantil, tanto secundarista como universitário. Não me era claro a razão desses desvios, e muitas vezes, sobretudo no início de minha militância, nem mesmo considerava certas práticas como desvios; em consequência disso, fazia – e incluo nisso, também, os camaradas valorosos com quem militei – balanços das atividades baseado em falsas premissas, o que quase inevitavelmente levava a erros de análise e à manutenção do erro. A fim de dar concretude aos conceitos, utilizarei como ilustração duas situações pelas quais passei. Após isso, passarei à análise geral do fenômeno do eleitoralismo.
A primeira experiência que utilizarei de ilustração será o processo de eleições para o CONUBES (Congresso Nacional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), realizado em 2022. Por mais que nosso núcleo fosse extremamente recente, e por mais que tivéssemos ainda importantes passos a dar em nossa organização interna e em nossa inserção nas massas, foi-nos dada a tarefa, logo em janeiro (havíamos formalizado a criação do núcleo em setembro do ano anterior), de elaborar um plano para garantir delegados sob nossa legenda no congresso. Nenhum de nós – à época éramos três – tinha trabalho de base prévio algum, e o processo resumir-se-ia à campanha eleitoral. Havia, isto é certo, uma aparência de atividade política (em sentido estrito, comunista), pois não se tratava de, simplesmente, chegar nas pessoas e pedir voto (por mais que isso fosse o central!); colocávamos a linha da organização, demonstrávamos as raízes dos problemas do sistema educacional e apontávamos algumas soluções, umas de caráter reformista – programa mínimo –, outras de caráter revolucionário – programa máximo. Entretanto, por se tratar de ambientes sem nenhum histórico de movimento estudantil – em particular – e de movimento comunista – em geral –, aquelas palavras soavam como uma sopa de letrinhas para os estudantes; não porque não tinham condições de entender seus próprios problemas, mas sim porque tínhamos de atropelar a parte “política” da panfletagem e passar logo para a parte “burocrática”, durante a qual precisávamos garantir pessoas para a comissão eleitoral e para votarem em nossa chapa. O que eles de fato entendiam, portanto – por conta de seu atraso político e de nossa intervenção apressada –, de todas as falas e atos, era que estávamos concorrendo a algo e que, consequentemente, precisávamos de voto (quanto à participação na comissão, era de caráter estritamente formal, só para constar nas atas a serem enviadas à UNE). O resultado não poderia ser outro: conseguimos eleger uma delegada, mas não progredimos um só passo na inserção política. Quando a atuação do núcleo foi avaliada pela coordenação regional – à época coordenação estadual –, os dois militantes que não conseguiram tocar o processo e garantir delegados para o CONUBES foram criticados por “não darem a devida importância” à atividade, e a responsabilidade central pelo “fracasso” recaiu neles.
A segunda experiência ilustra o mesmo desvio, mas no cenário universitário. Eu já estava em outro núcleo e ainda aprendia o beabá da dinâmica do movimento universitário. Minhas intervenções, contudo, já tinham certo caráter crítico quanto à questão do eleitoralismo, devido, sobretudo, à experiência que vivi no movimento secundarista. Veio – no bojo de um período bem turbulento do núcleo, em que tivemos atritos fortes com o movimento Correnteza no contexto de uma gestão comum de DCE – a urgência, colocada pela coordenação regional, de tocar a tarefa de mobilização para as eleições para o CONUNE (Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes), isso em maio-junho. Fato é que essa tarefa fora passada pela coordenação nacional já ao final do ano anterior, ou seja, o núcleo teve relativamente bastante tempo para se preparar. Entretanto, devido às turbulências acima mencionadas e a questões internas (sobre as quais não me cabe aqui tratar), tivemos que postergar cada vez mais a tarefa, e chegou um momento em que tornou-se inviável levar adiante um processo eleitoral sem, com isso, comprometer a qualidade de nossa atuação. Mais que isso: era incoerente com nossa linha política. O processo eleitoral deve ser sempre extensão qualitativa de nossa atuação nas bases, a qual estava prejudicada, dentre outras coisas, devido ao acúmulo de tarefas no DCE. Nossa atuação nas bases, portanto, estava fragilizada e nossa organização interna despreparada para contornar a situação em tão pouco tempo. Argumentamos justamente neste sentido à coordenação regional, mas esta foi inflexível quanto à necessidade da tarefa. Chegou ao cúmulo do absurdo de defender que fizéssemos atividades-relâmpago em uma universidade privada na qual não tínhamos nenhuma inserção. Essa defesa, diga-se de passagem, foi feita à TODOS os núcleos do nosso estado, como pudemos constatar ao participarmos da comissão regional criada para essas eleições.
Os dois casos acima evidenciam um fenômeno geral, presente no PC Brasileiro e em sua juventude: a subordinação da estratégia (supostamente) revolucionária à dinâmica institucional-eleitoral. E isso se manifesta em diferentes instâncias, sob variadas formas, com as mais variadas desculpas e sob os mais diferentes pretextos. Propugna-se vagamente a palavra de ordem do socialismo e do “poder popular” para, logo em seguida, subordiná-la aos mais vis intentos farsescos no âmbito eleitoral. Não se trata, aqui, de fazer uma discussão acerca da correção ou não da participação em geral nesses processos. Trata-se, isso sim, de constatar uma inversão de princípios e uma incoerência interna perpetrada pelo PC Brasileiro e sua juventude. Até onde consta em suas resoluções políticas, a revolução socialista é a estratégia – aliada com o vago e impalpável “poder popular”; todo o resto deve ser a ela subordinado. Entretanto, a prática material tem demonstrado que o que ocorre é justamente o contrário. Os mais pitorescos contorcionismos teóricos são feitos para justificar o rebaixamento de linha em favor das dinâmicas eleitorais; e todo esse processo está de tal forma entranhado na dinâmica do partido e sua juventude, que mesmo militantes honestos e combativos acabam levando adiante tais práticas de maneira acrítica. Consideram-se as eleições, sejam elas quais forem, como um fim em si mesmo. Essa prática pode ser compreendida como oportunista, pois abre mão dos princípios revolucionários e da própria estratégia tirada em congresso para obter (supostos) ganhos imediatos (a flexibilidade tática em detrimento da firmeza estratégica).
Mas o rebaixamento de linha – no caso da juventude –, longe de ser simples “descuido” da base, está presente justamente nas resoluções congressuais! Claro, trata-se de uma simples repercussão do oportunismo eleitoreiro-institucionalista do partido, mas considero importante fazer esse apontamento com vistas a chamar a atenção das bases. Vejamos, por exemplo, como a UJC coloca a questão da participação em entidades:
“120. A UJC trabalhará ativamente para a construção e reconstrução de entidades estudantis de base (CAs e DAs) e gerais (DCEs, UEEs, Executivas e Federações de Curso), a partir da disputa de sua direção e uso consequente e combativo para a construção do Movimento Estudantil, vinculando as demandas locais ou de cada área com as demandas gerais dos estudantes e da classe trabalhadora brasileira. Esse trabalho deve levar em consideração a necessidade de construir a unicidade do Movimento Estudantil em nível nacional por meio da filiação das diversas entidades estudantis à UNE e a participação destas nos fóruns da UNE (CONEB e CONEG), de modo a ampliar o alcance de nossa linha política”. (Resoluções Políticas, IX Congresso – UJC). [grifos meus]
A participação em entidades estudantis – sobretudo quando se trata de uma de caráter nacional – deveria estar condicionada, no mínimo, pelo caráter democrático daquela. No caso da UNE, trata-se de uma organização podre por dentro e por fora (por dentro pois é dominada pelas juventudes-apolíticas do PCdoB e do PT, por fora pois não tem mais relevância nas lutas políticas dos estudantes, justamente em decorrência do domínio daquelas), com as organizações dirigentes obstaculizando o máximo que podem a intervenção de militantes e/ou organizações mais combativas – para além das conhecidas práticas corruptivas, que violam descaradamente os editais, estatutos etc. Como bem coloca a própria UJC em seus documentos, durante os três mandatos e meio do PT no governo federal a UNE tornou-se cada vez mais mera “cadeia de transmissão” do Ministério da Educação. Desmobilização, corrupção, rebaixamento de linha, comércio aberto de princípios… tudo isso são distintivos marcantes da entidade em questão. Lutar por disputá-la remete-me a uma imagem de vários cachorros brigando entre si por um pedaço de carne estragado.
Poder-se-ia dizer, sobre isso, que, o que pese o erro de submeter boa parte da atividade política da juventude à UNE e sua disputa, ao menos essa decisão foi tomada democraticamente, cabendo aos militantes que discordem esperar próximo congresso para contestar. Ledo engano! A decisão de se retomar a luta pela direção da UNE foi tomada arbitrariamente pelas direções da UJC e do PC Brasileiro em 2017, sem consulta às bases nem debate congressual. De maneira no mínimo cínica, com o passar do tempo, as lideranças da juventude e do partido fizeram com que se tornasse natural e coerente fazer uma disputa claramente inócua, e plaina um esquecimento geral (conscientemente planejado pelas lideranças oportunistas) sobre a medida arbitrária de impor tal disputa às bases.
Os exemplos que acima usei serviram, como disse, para ilustrar um fenômeno geral. Este, por sua vez, foi mais ou menos demonstrado quanto a sua manifestação na juventude. Gostaria, entretanto, de demonstrar as manifestações desse fenômeno no partido em si. (Tratar-se-á apenas de um apontamento breve, pois minha prática pessoal não me permitiu ter contato com muitos dos desvios do partido). Para começar, nada melhor que dar voz ao próprio PC Brasileiro e analisar duas citações referentes a momentos de seu processo de “reconstrução”.7
Em seu texto de apresentação “Para conhecer o PCB”, presente em seu portal na internet, vemos a síntese feita pelo partido de seu processo de reconstrução pós-racha em 1992:
“A luta pela existência do PCB se deu em várias frentes: na luta de massas e no nível legal e institucional. Os militantes mantiveram vivo o Partido nos movimentos de massa, afirmando nos espaços de luta popular a reconstrução revolucionária do PCB. Na Justiça Eleitoral, foi travado um embate de mais de um ano pelo direito ao uso da sigla histórica. Ao final da disputa legal, a sentença do então ministro do TSE, Sepúlveda Pertence, deixou claro que a sigla PCB e seu símbolo só poderiam pertencer a quem de fato se afirmava herdeiro do legado político e histórico do Partido. A próxima tarefa que se impôs aos militantes comunistas foi a batalha pela legalização e pelo registro definitivo do PCB. A campanha de filiação, para atender às rigorosas exigências do TSE – a filiação em 20% dos municípios de 9 estados – começou em 1994. Foram exigidos tremendos sacrifícios da direção e da militância, tanto em nível pessoal quanto financeiro, mas a tarefa foi completada com êxito no final de 1995.” (PCB – Formação – Para conhecer o PCB). [grifos meus]
Mesmo ressaltando a todo momento que políticas de massa continuaram a ser tocadas, mostra-se claramente qual era o entendimento dos militantes do que significava lutar pela continuação de um partido comunista (contra o liquidacionismo) e, mais profundamente, o que era um partido comunista e quais eram suas tarefas. Ao invés de ter como linha política principal a conquista das bases, a construção de um movimento popular que lutasse tanto pelas pautas econômicas quanto políticas – sempre como norte a tomada do poder –, a conscientização da massa dos trabalhadores sobre o caráter burguês do Estado (e de suas instituições) e a necessidade de destruí-lo com a revolução, o armamento das massas etc. e tomar só como como meio secundário e unicamente propagandístico a participação parlamentar e institucional, os militantes tomaram o reconhecimento e o registro burguês como a prioridade do período inicial do processo de reconstrução. Além disso, cabe também dizer que não precisa ser partido comunista pra fazer “trabalho de massa”. A questão fundamental é o conteúdo desse trabalho de massa. Uma ONG pode fazer trabalho de massa – mas não pode fazer revolução. E o mais bizarro de tudo é o fato de se recorrer ao TSE para garantir a sigla…
Indo adiante no texto acima citado, vemos o seguinte sobre o XII Congresso:
“No mês de abril de 2000, em Xerém (Rio), realizou-se o XII Congresso. Além de aprofundar a leitura sobre a conjuntura política nacional e internacional e formular sua atuação política, os comunistas do PCB avançaram em outras questões que se colocavam para a classe trabalhadora no enfrentamento à exploração capitalista. A construção de uma frente das esquerdas em um projeto de confronto ao neoliberalismo e a unidade dos comunistas no Brasil foram importantes resoluções aprovadas pelo Congresso. A consolidação da política de organização leninista foi concretizada na aprovação do novo estatuto partidário”
Apesar da limitação da definição feita em “frente das esquerdas em um projeto de confronto ao neoliberalismo e a unidade dos comunistas no Brasil”, verifica-se, aparentemente, certo compromisso revolucionário – mesmo que ingênuo (ou cínico). Cita-se, até, o fato de se ter consolidado uma “política de organização leninista”. Será que se trata de coisa séria ou somente palavras ao vento, a famosa fraseologia pseudorrevolucionária? Infelizmente, trata-se da segunda opção. Dois anos depois de realizado o congresso, o PC Brasileiro toma a brilhante e “leninista” decisão de participar da coligação Lula-Alencar na disputa presidencial… Mais alguma coisa precisa ser dita?
Outros e outros exemplos poderiam ser dados quanto a essa questão. Não se trata, no entanto, de dar menos ou mais exemplos. Eu me utilizei de documento escrito pelo próprio PC Brasileiro com o intuito de verificar o que eles mesmos entendem de sua linha política, de sua concepção do que seria um partido comunista e de sua trajetória de 92 até agora. Se a primeira tarefa dada ao partido é garantir o direito (legal-burguês) de usar o nome “PCB”, algo visivelmente não está certo (ao tomar-se como critério o leninismo, pelo menos). Se se decide por uma frente contra o neoliberalismo – que, por si só já é problemática quanto à coerência interna daqueles que fizeram a “autocrítica antietapista” –, qual é a prática adotada para cumprir aquela resolução congressual? Participar de uma coligação reacionária, com pautas rebaixadíssimas, em um processo eleitoral viciado e dominado pelas classes dominantes.
Pulando um bom período, encontramo-nos já em 2023. Em seu manifesto contra “a direção burocrática do PCB”, os dissidentes assim tratam do “desvio à direita” perpetrado pelo partido:
“O primeiro sinal desse giro à direita nas questões nacionais ocorreu na política eleitoral. O PCB manteve, no período de 2008 a 2014, uma política eleitoral própria, expressão da independência política do proletariado, em oposição a um governo de conciliação de classes e recusando a subordinação política à pequena burguesia. Mas das eleições municipais de 2016 em diante, o PCB passou a coligar-se com o PSOL nas eleições nas principais capitais do país e depois em âmbito estadual e nacional, sem que houvesse qualquer balanço oficial do Partido sobre a correção da tática eleitoral anterior ou os fundamentos dessa mudança. Mesmo com o XV Congresso (2014) afirmando por diversas vezes a necessidade de uma postura eleitoral ligada estreitamente a nossos objetivos estratégicos, novamente em 2018 e 2020 o PCB foi colocado a reboque do PSOL não apenas no campo eleitoral, mas também no campo sindical, com alianças cada vez mais rebaixadas com essa vertente da social-democracia. Esse reboquismo produziu situações absurdas como, em 2016, o apoio do PCB a Edilson Silva, candidato do PSOL à prefeitura de Recife, cuja campanha adotava o mote “Recife, cidade empreendedora”; ou, ainda naquele ano, o apoio a Luciana Genro, que defendia em sua campanha abertamente as terceirizações no serviço público. E ainda hoje esse seguidismo se manifesta em nossas táticas, como no caso da adesão do PCB, em SP, à chapa reformista majoritária nas eleições sindicais da APEOESP em 2023.” [grifos meus]
(Então “o primeiro sinal” de um giro à direita foi dado a partir de 2016? Brilhante análise! Gostaria de saber a definição de direita e esquerda adotada por eles!) Vê-se, com isso, que tudo gira em torno das eleições, tanto para o PC Brasileiro quanto para o PC Brasileiro-RR. O primeiro sinal de podridão oportunista – já clara e manifesta desde o início do processo de “reconstrução”, como apontei acima – foi encontrado pelos revisionistas dissidentes apenas num período extremamente recente (são cegos ou coniventes?)e, veja só que coincidência, no âmbito eleitoral. Nada foi aprendido e as mesmas práticas hão de se seguir também para a nova agremiação. Nota-se, inclusive, ao analisar as tribunas publicadas no portal Em Defesa do Comunismo, a ânsia de alguns militantes em registrar a nova organização no TSE, mesma prática do PC Brasileiro após o racha de 1992.
Para concluir: vale para o PC Brasileiro-RR o mesmo que foi dito por Fausto Arruda em relação ao PC Brasileiro:
“Mas como todo reformista que quer se fazer passar por revolucionário e para tal se utiliza do jogo de palavras para enganar incautos, nossos revisionistas creem piamente que declarar-se socialista e definir como socialista a etapa atual da revolução brasileira lhes assegura o título de marxistas e revolucionários, enquanto se ensebam na prática mais oportunista com suas táticas reformistas”. (PCdoB e PCB: variantes eleitoreiras de um mesmo revisionismo, Fausto Arruda, 2009)
Etapismo, antietapismo, poder popular e demais conceitos vazios
Em todo meu processo de formação na UJC, desde os primeiros textos, ouvi falar de etapismo, antietapismo, estratégia etapista etc. A bem da verdade é que tal conceito nunca me pareceu muito claro. Num primeiro momento, compreendi tal conceito como sendo uma simples traição à revolução, pois a tal “etapa” da qual se estava falando seria uma forma de postergar a revolução socialista cujas condições supostamente já existiam. Chegava, entretanto, outro texto para formação e apresentava-se o conceito de maneira totalmente distinta, algo mais ou menos como uma incompreensão sobre as tarefas da revolução (ou algo similar a isso), sendo tal incompreensão inerente às condições da época – devido à ausência de literatura, aos “manuais stalinistas” etc. Mudava, por conseguinte, meu entendimento sobre o tema. Por fim, com o desenvolvimento de meus estudos, consegui mais ou menos identificar a lógica por trás do argumento: tratava-se de tachar qualquer estratégia não-socialista como etapista. Essa foi a conclusão e o entendimento que carreguei até o momento do racha no PC Brasileiro. Quando este ocorreu – ou melhor, quando suas manifestações exteriores começaram a chegar às bases –, a palavra de ordem do “antietapismo” ou da “luta contra o etapismo” ganhou força. Procurei, por isso, estudar mais a fundo essa história. Já conhecia relativamente bem uma das estratégias avaliadas como etapistas: a “nacional-desenvolvimentista” do PCB nas décadas de 50 e 60. Revisei minhas notas sobre ela. Passei, então – na verdade simultaneamente –, a estudar pela primeira vez – de forma mais detida – a teoria da revolução democrática, propugnada pela III Internacional aos países coloniais e semicoloniais. Após isso, comecei a estudar o desenvolvimento de Mao em relação a essa estratégia, transformada em revolução democrática de novo tipo (ou revolução de nova democracia) ininterrupta ao socialismo. Isso, aliado a meu estudo do maoísmo como um todo, permitiu-me balizar melhor minha concepção acerca do conceito “etapismo” e de sua utilização, tanto pelo PC Brasileiro como por sua recente dissidência organizada. O que trago abaixo é resultado de minhas reflexões. Vejamos.
Tanto PC Brasileiro como sua dissidência têm como linha política a “luta antietapista”, ou a “crítica ao etapismo”. Não é relevante, quanto a isso, o fato de os fracionistas tacharem os burocratas do PC Brasileiro de “etapistas” ou de estarem tocando uma política “etapista” – veremos, com o desenrolar do texto, que esse conceito se aplica a qualquer coisa que se queira, pois é um conceito vazio de conteúdo. Vejamos os fundamentos sobre os quais se sustenta tal “crítica”.
Pode-se entender “etapismo”, tal como os revisionistas o tratam, como a imposição mecânica de uma etapa (seja ela estratégica ou tática) antes da etapa de revolução socialista ou da revolução socialista (ou que a “postergue”, subordinando a estratégia à tática, no caso de ser uma “tática etapista” – termo em si mesmo muito estranho, mas que já vi ser utilizado algumas vezes, por isso o coloco aqui). O primeiro aspecto que ressalta da definição geral é seu caráter vago, pouco preciso, que serve magistralmente para o intuito clássico dos revisionistas de confundir as massas. É o famoso balaio de gato, no qual entra qualquer coisa que se queira. Dentro desse conceito, por exemplo – e esta questão foi-me essencial para descobrir os fundamentos da “crítica” –, é colocado tanto a linha nacional-desenvolvimentista do PCB de fins da década de 50 e início da década de 60, como a estratégia, propugnada pela III Internacional aos países coloniais e semicoloniais, da revolução democrática – estratégias por mim mencionadas acima no texto. Coloca-se, também – por parte dos dissidentes do RR –, subsumido ao “etapismo”, a linha política de alguns dirigentes do PC Brasileiro, que estariam operando um giro à direita no partido. Tal procedimento – de colocar num mesmo saco coisas tão distintas –longe de ser simples falta de rigor teórico, serve para um propósito claro: deslegitimar ante as massas a teoria leninista de revolução democrática, que, em nosso tempo, encontra-se numa etapa superior, tomando a forma da (maoísta) revolução democrática de novo tipo (ou revolução de nova democracia) ininterrupta ao socialismo.
Esta teoria foi formulada com base nas especificidades dos países oprimidos pelo imperialismo, nos quais o capitalismo se desenvolveu sobre uma base semifeudal e semicolonial (ou colonial), configurando-se como capitalismo burocrático. Tais bases, longe de terem desaparecido com o avanço capitalista, assumiram novas formas, convenientes tanto às classes dominantes internas (latifundiários, burguesia burocrática e burguesia compradora) como à burguesia monopolista internacional. Em consequência desse cenário geral desenvolve-se uma clara contradição no seio do povo (isto é, no seio das classes exploradas pelo modo de produção e interessadas em sua superação): de um lado, há o campesinato e sua reivindicação histórica pela terra, pela propriedade camponesa; de outro lado, há o proletariado e sua reivindicação histórica pela imediata socialização dos meios de produção. De um lado, o interesse na propriedade privada (ou familiar), de outro o interessa na propriedade social. Como convergir os interesses de duas classes que igualmente querem derrubar o capitalismo? O método de resolução dessa contradição está, justamente, na revolução de nova democracia ininterrupta ao socialismo – como superação dialética da revolução democrática da III Internacional, não como sua negação unilateral –, em que se firma uma forte aliança entre aquelas classes, sob liderança do proletariado e seu Partido, baseada na garantia do acesso à terra pelo campesinato através da revolução agrária, processo em que essa classe assume papel ativo nas transformações sociais, e na socialização dos meios de produção das cidades através tanto de seu cercamento pelo campo e sua conquista pelo Exército Popular Revolucionário, como de sua tomada violenta por guerrilhas urbanas. Quando do triunfo completo da revolução, tem-se um cenário propício a, gradativamente, levar os camponeses a se coletivizarem, de maneira a também socializarem seus meios de produção (a terra, principalmente), o que contribuirá para o desenvolvimento da produtividade e para a diminuição da contradição campo-cidade. Resumidamente, é assim que se pode entender a revolução de nova democracia ininterrupta ao socialismo.
Como consequência de tomá-la somente como um dentre os demais “etapismos”, não se passa efetivamente a sua crítica imanente, aquela que adentra no âmago da teoria e tenta compreender e suprassumir suas contradições; tratar-se-ia, simplesmente, de um simples reformismo, já que quem é revolucionário de verdade luta pela revolução socialista. Preguiça de se fazer o debate aberto ou medo de se expor enquanto oportunistas, não me é possível dizer. O que de fato pode ser constatado é a instrumentalização da “crítica ao etapismo” para, além de fugir do debate, confundir as massas sobre suas verdadeiras tarefas e sobre os métodos para sua consecução – pondo, em seu lugar, a reformista e utópica “palavra de ordem do poder popular”.
Como coloquei acima, devido ao caráter nebuloso desse conceito-balaio-de-gato, pode-se subsumir a ele qualquer coisa, bastando bem escrever e contorcer-se suficientemente bem para ludibriar os incautos. Para provar minha hipótese, colocando-a em prática, apontarei a poderosa arma da “crítica ao etapismo” para os próprios revisionistas pecebistas (a partir de agora, referir-me-ei aos militantes tanto do PC Brasileiro quanto do PC Brasileiro-RR como pecebistas, de maneira a simplificar a escrita; caso eu precise me referir a um deles em específico, deixarei claro no texto) e “provarei” que sua “palavra de ordem de poder popular” nada mais é do que “etapismo”. Vamos a isso.
Segundo definição de Mauro Iasi, em seu texto Construindo o Poder Popular, por um Brasil socialista, podemos entender o “poder popular” da seguinte maneira:
O Poder Popular não pode ser confundido com um conjunto de instituições, como conselhos, assembleias, associações ou qualquer outro organismo ou organização próprios da vida dos trabalhadores, ainda que estes sejam importantes e cumpram funções na luta de classes. O Poder Popular deve constituir-se como forma de dar unidade a esta diversidade das lutas sindicais, sociais e outras, como expressão política de uma alternativa de poder dos trabalhadores contra o Estado Burguês.
Vemos que o “poder popular” – que deveria ser, como muito bem colocou Marconne Oliveira em sua “Crítica da teoria e da prática do poder popular”, o povo no poder8, isto é, o povo no controle de seu próprio Estado (como forma mais avançada de poder de classe), com suas instituições próprias, seu exército próprio etc. – para Mauro Iasi é uma simples forma de dar unidade, jamais “um conjunto de instituições”. Ou seja, é um poder (a “forma de dar unidade”) dentro de outro poder (o Estado burguês e seus aparatos repressivos), logo, uma etapa até o poder da classe trabalhadora estar verdadeiramente organizado num Estado proletário. E não só uma etapa, mas uma etapa mecanicamente imposta, pois a materialidade da prática já demonstrou que não é possível à classe operária instituir seu governo, seu poder, sem destruir o governo da burguesia – aqui entendido “governo” num sentido mais amplo, naturalmente, como o gerenciamento do poder de classe. Qual a força material da “forma de dar unidade” para combater as forças da reação e conquistar o (verdadeiro) poder? Como manter o “poder popular”? Nada disso é dito, nem por Iasi nem por ninguém entre os pecebistas. Entretanto, o que falta em apontamentos concretos sobre o Poder (em sentido científico, não poético, como agrada a Iasi), sobra em floreios com pretensões literárias. Como muito bem pontuou Marconne Oliveira:
“Que maravilha! Agora vemos com clareza que o autor não faz ideia do que é de fato o tal “poder popular” de que fala! A luta de classes para ele é um exercício de escrita”. (Crítica da teoria e da prática do “poder popular”). [grifos meus]
E o que dizer sobre o fundamento econômico da “crítica ao etapismo”? Nesse caso, encontra-se alguma divergência entre os pecebistas. Edmilson Costa, por exemplo, deixa margens a uma possível concordância com a linha “nacional-desenvolvimentista” dos anos 50-60, ao dizer, sobre as experiências socialistas do século XX:
“Como os fundadores do marxismo costumavam afirmar, a construção do socialismo é mais factível num país de base industrial, com uma classe operária numerosa, concentrada nos locais de trabalho, do que num país agrário, de maioria camponesa, com relações de produção atrasadas. Ressalte-se ainda que o desenvolvimento do capitalismo, na prática, destrói as bases da velha sociedade camponesa e, sob seus escombros, constrói a sociedade burguesa moderna e, assim, assenta as bases materiais para a sociedade socialista, que é a produção desenvolvida na cidade e no campo, capaz de suprir as necessidades de bens e serviços de toda a população”. (O Brasil está maduro para o socialismo) [grifos meus]
Nos dias de hoje, entretanto – diz Edmilson –, o Brasil constitui-se enquanto país de capitalismo completamente desenvolvido, o que impele necessariamente o movimento revolucionário a adotar a estratégia da revolução socialista.
“O Brasil hoje reúne todas as condições para a construção de uma sociedade socialista desenvolvida tanto do ponto de vista material quanto cultural. Possui uma base material sólida, avançada e diversificada. Trata-se da sexta economia mundial, com um capitalismo maduro na cidade e no campo, monopolista e hegemônico em todas as regiões, com uma classe operária numerosa, concentrada nas grandes empresas fabris, com um nível de integração nacional extraordinário, o assalariamento generalizado no campo, sem disputas territoriais separatistas, uma só língua, um povo miscigenado, uma cultura nacional diversificada e rica. Portanto, com todas as condições objetivas para a construção da sociedade socialista”. (O Brasil está maduro para o socialismo)
Em contrapartida (sutil) a essa abordagem, estão aqueles da dissidência recentemente organizada, que adotam a antimarxista e antileninista9 “teoria marxista da dependência”, TMD. Mesmo que em consonância com a conclusão de Edmilson sobre o caráter atual da economia brasileira – “Apesar dessa sua dependência estrutural, o capitalismo brasileiro atingiu patamares de desenvolvimento superiores à imensa maioria das economias nacionais periféricas, alcançando uma posição intermediária na cadeia imperialista global. Como sócia menor na cadeia global do mais-valor, a burguesia brasileira remete ao estrangeiro imensos volumes da riqueza produzida em território nacional, abrindo as portas à exploração em consórcio com os capitais transnacionais – e, em troca dessa colaboração, participa na exploração do proletariado internacional em diversos países da América, da África e da Ásia. Por tudo isso, a luta da classe trabalhadora brasileira contra a burguesia instalada em nosso país é uma luta não apenas sua, mas parte da mesma luta de todo o proletariado internacional.”10 [grifos meus] –, discordam com relação à fundamentação do caráter socialista da revolução. Enquanto Edmilson a fundamenta no alto grau de desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, Jones Manoel – maior representante do PC Brasileiro-RR – fundamenta-a com base no seguinte argumento trotskista:
“A revolução na periferia do sistema é socialista desde sempre, porque a forma de desenvolvimento capitalista dependente é diferente dos países centrais”.(O que está acontecendo no PCB?, de Jones Manoel). [grifos meus]
Ao definir o Brasil como um país de capitalismo completo, ambos os lados negam concretamente o problema da terra no Brasil11. Nossos pecebistas, como é possível perceber em suas análises, pensam que o Brasil resume-se às grandes cidades do sudeste e sul. Além disso, não conseguem entender que, por trás da forma das relações de assalariamento no campo, persistem vínculos extraeconômicos que prendem os camponeses à terra12, para além das formas pré-capitalistas de renda da terra – aquelas que dizem respeito ao pagamento (pelo direito de trabalhar a terra e nela morar) em produtos ou em serviços – que constituem o conteúdo material das relações econômicas de produção. Para completar, não compreendem que os “modernos” latifúndios, com seu elevado investimento de capital – em grande medida fornecido pelo Estado brasileiro – não se sustentam sem a presença, em suas adjacências e em todo território nacional, de uma economia camponesa cronicamente arruinada.
Numa hipótese ingênua em que os revisionistas pecebistas liderem uma revolução – desconsidere o leitor e a leitora a minha complacência em considerar tal hipótese como possível de vir a se concretizar–, eles serão obrigados pela prática a considerar o campesinato enquanto classe. Se acaso negarem sua reivindicação histórica de acesso a uma parcela de terra – a propriedade camponesa – e passarem indiscriminadamente à coletivização do campo, verificarão seu erro da maneira mais dura – afinal, a prática é uma professora cruel –: perderão o apoio do campesinato e, consequentemente, cairão como moscas de seus “gabinetes revolucionários”. Mas tudo isso é ilusão, nenhum processo revolucionário se dará tendo como “palavra de ordem” o “poder popular” e a “crítica ao etapismo”. Como diz Fausto Arruda:
“Os que alardeiam o fim do campesinato brasileiro, mesmo os que o subestima, não passam de arautos do latifúndio e da grande burguesia, que anunciam a boa nova do oportunismo”. (A Mistificação Burguesa do Campo e a Atualidade da Revolução Agrária)
O que fazer?
Como resultado de todo meu processo de elaboração e sistematização das divergências com relação ao PC Brasileiro e sua juventude, não há outra conclusão prática que não a de denúncia do oportunismo e do revisionismo, em todas as suas manifestações – as que tratei acima são somente algumas delas, naturalmente. Mas esse é o aspecto negativo da conclusão. Qual seu aspecto positivo? A construção firme e coerente do processo reconstituição do Partido Comunista do Brasil, adotando este, como ideologia, a atual e mais elevada etapa de desenvolvimento da Ciência Proletária, o marxismo-leninismo-maoísmo, principalmente maoísmo, aportes de validez universal do Presidente Gonzalo. Entretanto, mesmo sendo tal conclusão um passo importante – e imprescindível –, ela não é suficiente. Sempre acompanhado ao que fazer deve vir o como fazer. E é sobre isso que trato neste último tópico
Considerando-se a aparente dispersão do movimento maoísta brasileiro, resta claro a qualquer militante comprometido com a causa revolucionária que a primeira tarefa que se nos impõe é a formação de uma unidade organizativa. Perceba-se bem que não falo já em Partido. Não porque não o quero vivo e “pronto”, mas porque as condições não me permitem avaliar como possível sua refundação num momento próximo. Antes disso, temos a tarefa de articular as diversas organizações maoístas brasileiras, do campo e das cidades, numa rede orgânica de contatos, debates e operações, com vistas a criar concretamente uma unidade originária. A medida que o processo avança, torna-se possível: I) melhorar a articulação entre as diversas demandas específicas das massas a nível nacional e sistematizá-las em palavras de ordem imediatas – para unificar cada vez mais as lutas, algo imprescindível se se quer pensar na refundação do Partido; II) melhorar na organização do debate teórico, baseando-se na luta de duas linhas e no princípio unidade-crítica-unidade, para dele extrair mais e mais elementos imprescindíveis para o arcabouço geral do Partido; III) criar uma comunicação (virtual e presencial) unificada e nacional, com vistas a divulgar o que precisamos, orientar os simpatizantes, reunir debates teóricos, divulgar nossa linha etc.; IV) unificar e sistematizar o conhecimento dos militantes acerca dos seguintes temas fundamentais: organização interna, segurança digital, teoria militar e finanças. Tudo isso, se bem feito, nos levará a uma nova etapa, a nível organizativo, político e teórico.
Esse é o processo visto como um todo em movimento. Passo agora à consideração acerca de seus elementos em movimento, as organizações maoístas. Todas elas, por definição (e por exclusão), são parte da Frente Única Revolucionária. Sua articulação numa unidade concreta originária contribuirá não só para o fortalecimento da Frente, mas também para a gestação do embrião do Partido Comunista do Brasil (Marxista-Leninista-Maoísta). Cada organização (maoísta) em particular deve seguir à risca os princípios organizativos do marxismo-leninismo-maoísmo: centralismo-democrático, crítica e autocrítica, segurança interna, divisão revolucionária do trabalho, luta de duas linhas etc., pois não devem ver a si mesmas como ser acabado em seu fim (concretizado), mas sim como ser em potência, potência de ser Partido. Cada uma delas, em articulação interna e externa (com as outras organizações a nível local, regional e nacional), contribuirá para tornar, dialeticamente, a si própria e as outras, em Partido. Seguindo esse caminho, cada uma delas será artífice fundamental da concretização da unidade político-organizacional do movimento maoísta no Brasil, sem a qual é inviável a refundação de um partido.
À medida que a articulação (e, consequentemente, a unidade) avança (e para que possa avançar mais), torna-se imperativo criar dois espaços fundamentais: espaço interno de crítica, autocrítica e discussão teórica entre as organizações e entre os militantes; espaço externo de divulgação dos textos produzidos pelos militantes e/ou organizações. Os textos, para que sejam expostos ao grande público, devem passar pelo crivo de uma comissão eleita, obedecendo-se os critérios de segurança decididos em reunião conjunta das organizações. Este último ponto nos leva à necessidade de pensar uma hierarquização organizativa, a fim de dar operacionalidade à unidade – que deve ter pretensões nacionais, naturalmente. A divulgação deve ser feita tanto virtual como presencialmente.
Chegará um ponto em que os avanços qualitativos e quantitativos da unidade gestarão a possibilidade de realização de congressos nacionais, com vistas – primeiramente – a delimitar os termos do processo de refundação do Partido, e, num segundo momento, elaborar a própria refundação do Partido. Como trata-se de momento futuro, de uma etapa que não é a próxima em nossas condições atuais, não me é possível dar mais detalhes acerca deste ponto. O apontamento geral dessa etapa, entretanto, já constitui avanço considerável.
Algumas palavras antes de concluir. Tudo, neste tópico, trato da maneira mais abstrata possível, pois ainda faltam-me elementos materiais para enriquecer e determinar as indicações gerais por mim dadas. Entretanto, creio que, mesmo em tal nível de abstração, essa reflexão mantém-se pertinente, haja vista a ausência de discussões concretas (ao menos publicizadas) acerca do processo de reconstituição ou refundação do Partido Comunista do Brasil.
1“PCBrasileiro: Uma cisão, dois descaminhos” – Editorial Servir ao Povo, 2023.
2 “Agitação, propaganda e poder popular: para onde estamos indo?”, publicados na Tribuna de Debates, versão digital, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/agitacao-propaganda-e-poder-popular-para-onde-estamos-indo/
3 “O ‘Partido Testemunho’ e a nossa tática eleitoral”, na versão digital da Tribuna, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/o-partido-testemunho-e-a-nossa-tatica-eleitoral/
4Este exemplo é perfeito para o que afirmamos. Observemos que, a exemplo do que Lenin definiu, estas consignas levantadas pelo movimento camponês revolucionário do Brasil, nada têm de socialistas ou comunistas. Porém, são profundamente democráticas e, por isso, revolucionárias. A política reformista de “Reforma Agrária” hoje está completamente falida, ou seja, sem a derrubada revolucionária do atual Estado, é impossível que os camponeses conquistem sua reivindicação imediata. A mediação entre o fim e o meio é precisamente a Revolução Agrária, como parte da estratégia da Revolução de Nova Democracia, ininterrupta ao socialismo, esta é a formulação desenvolvida por Mao Tsetung – Editorial Servir ao Povo.
5Como declara em recentes conteúdos audiovisuais seus.
6Artigo citado.
7 Trata-se do movimento de reorganização do Partido Comunista Brasileiro após a tentativa de liquidação efetuada por Roberto Freire e sua camarilha em 1992. O que conhecemos hoje como “PCB”, que em meu texto trato por PC Brasileiro – para ressaltar sempre a vergonha da capitulação revisionista de Prestes e seu grupo em 60 – resulta daquele processo – O autor.
8 Na verdade, Marconne, ao comentar justamente esse trecho do escrito de Iasi, nada faz além de constatar o que Marx, Engels, Lenin e companhia já disseram inúmeras vezes. Entretanto, faz-se extremamente necessária tal pontuação, mesmo sendo algo básico, pois a “teoria do poder popular” reivindica-se leninista enquanto, por baixo dos tapetes, coloca todo o ferramental verdadeiramente revolucionário dos grandes líderes históricos – O autor.
9 “A dupla negação da TMD: leninismo, nem marxismo”, Núcleo de Estudos ao Marxismo Leninismo Maoísmo, disponível em: https://serviraopovo.com.br/2023/08/22/a-dupla-negacao-da-tmd-nem-leninismo-nem-marxismo-nucleo-de-estudos-do-marxismo-leninismo-maoismo/
10 Caderno de Teses ao XVII Congresso (extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária, disponível em:
11 É verdade que em suas resoluções dizem que o latifúndio é um problema; entretanto, subordinam sua destruição a um momento pós-revolucionário, afirmando, inclusive, que a “reforma agrária” – entendida em sentido mais amplo – só é possível no socialismo. Com isso, como se pode ver, nega-se a revolução agrária, o campesinato como sujeito político ativo – O autor.
12 Uma relação de produção capitalista caracteriza-se pela total liberdade do trabalhador para vender sua força de trabalho. A coerção que existe, nesse caso, é a estritamente econômica. No campo brasileiro, verificamos a predominância da coerção extraeconômica, em que há forças outras que não a simples necessidade econômica de vender a força de trabalho em troca de salário.
Excelente texto!
Grande texto!
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