Por ocasião do 104º aniversário do natalício do grande dirigente comunista camarada Pedro Pomar – 23 de setembro de 1913.
Arnaldo Mendez
Cabe neste relato um esclarecimento: trata-se de depoimento de quem nunca pertenceu aos quadros do Partido, e simplesmente, mesmo em períodos de legalidade e clandestinidade, foi amigo pessoal de Pedro. Apesar de uma intensa vida de revolucionário, Pedro mantinha amigos particulares, aos quais dava assistência no plano familiar e pessoal. Hoje, que a tragédia de sua morte se abateu sobre nós, é necessário que se diga quem foi Pedro, mesmo àqueles que não participaram de nada como revolucionários.
É necessário também que se diga, que com a chacina de que foi vítima, a ditadura pretendeu atingir o melhor dos revolucionários. Eles sabiam quais os homens que realmente ofereciam perigo às suas injustiças, ao seu regime de terror. A forma com que foi assassinado, com balas que não são usadas nem para matar animais, balas que provocam o dilaceramento do corpo e gelatinização do sangue, é a forma brutal e bestial usada por aqueles que hoje nos estendem as mãos. Se pensam que a chacina apaga a história de nosso povo, estão enganados. Antes mesmo de ser chacinado, Pedro já estava na História. Agora, estará para sempre em nossa memória.
Conheci Pedro por volta de 1960, quando me foi apresentado por uns amigos que dirigiam o Partido numa região pobre de São Paulo. Pedro chegara com a família para morar numa pequena casa. Para ganhar o sustento traduzia livros. Lembro-me que traduzira De Moncada à ONU, de Fidel Castro, e Ascensão e Queda do III Reich, e iniciara um livro inacabado, O Estado Brasileiro.
Pedro era alto, mais para alto, e calvo. Não fumava, não bebia, tinha uma postura e um andar inconfundíveis, calmo, corpo sempre reto. Vestia roupas simples, sempre limpas e bem passadas, apesar de serem antigas. Com maior observação, podia-se notar que as roupas não eram dele, eram ajustadas, muitas vezes dadas por outros companheiros. Usava óculos somente para ler de perto. Muito afetuoso, adorava crianças. Na clandestinidade usava bigodes, às vezes usava uma boina. Tinha um rosto expressivo, um olhar direto e indagador. Podia-se ver na sua expressão tudo aquilo que estava sentindo. Sorria muito ao falar e quando nos via de longe. Escutava muito e, quando interrompia a conversa, suas observações eram sérias e suas palavras marcavam pela sabedoria e justiça de quem tinha experiência da vida e do trato dos homens.
O que mais impressionava em Pedro era seu olhar, seus gestos amáveis, sua ternura pelas pessoas; preocupava-se demais pelas pessoas. Sua memória era algo de incrível; podia localizar um militante no passado remoto, uma família em qualquer região do país. Quem com ele conviveu mais intimamente, podia ver que o tom de seus olhos mudava segundo o seu estado de espírito. Eram gateados nos momentos de calma, azulados na tristeza, esverdeados na alegria. Pedro comia pouco, tinha costume de chamar as pessoas de “mestre”. Quando nos cumprimentava, tocava nos ombros, olhava dentro dos olhos e sorria. Não dirigia automóveis. Andava a pé, de ônibus, estava sempre no meio do povo, nos coletivos apertados, sempre no meio da multidão. Viajava muito.
Dos líderes mundiais, encontrou-se com Mao e Chu En-Iai, na China; Enver Hodja, na Albânia; Fidel Castro, em Cuba; Che Guevara, em São Paulo.
Conheceu Pablo Neruda na Polônia. Foi amigo de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Oswaldo de Andrade, Portinari, Monteiro Lobato, Panceti, Di Cavalcanti, Djanira, Oscar Niemeyer, e de tantas outras figuras que criaram o nosso mundo cultural e artístico.
Como todo ser humano, tinha suas preferências culturais, os artistas, os escritores de que mais gostava. Achava Graciliano Ramos um escritor honesto, que teria morrido sem ter compreendido o Partido. De Jorge Amado ficara aborrecido com uma entrevista, na qual aquele tratara os membros do PC do Brasil como aventureiros. De Caio Prado Júnior, dizia que via a realidade do ponto de vista da classe em que vivera, apesar de respeitá-lo.
Gostava muito de Frei Caneca. Nos momentos de calma gostava de ler a vida de Spartacus, escravo trácio que se rebelara contra o Império Romano. Essa história ele gostava de ler em conjunto com outras pessoas. De Guimarães Rosa dizia frequentemente sua frase famosa: “Viver é um perigo”. De Castro Alves apreciava os trechos de Seara Vermelha: “Cresce Seara Vermelha, cresce seara feroz”. De Shakespeare, gostava de O mercador de Veneza, na cena em que o credor exigia libras de carne em garantia da dívida. Comentava que ele, como ninguém, sabia escrever sobre os sentimentos e as paixões humanas.
Dos compositores, gostava, entre outros, de Chico Buarque, João Bosco e Paulo César Pinheiro. Temia que algo pudesse acontecer a Chico Buarque. Ficara satisfeito com a homenagem de João Bosco a João Cândido, o velho marinheiro que rebelou-se contra a chibata. Quando ouvia Mestre-sala dos mares ficava orgulhoso. Das músicas modernas, apreciava Pesadelo e Mordaça, principalmente num trecho em que a letra de Mordaça dizia: “que a nossa emoção sobreviva …”, ele repetia sorrindo; “o furor vem do interior” … achava muito bonita a letra. Para ele, a música, como toda arte, devia estar ligada aos sentimentos do povo.
Quanta coisa fica dentro da gente, e só o tempo vai devolvendo para a memória! Cito abaixo algumas de suas opiniões, nos diversos momentos que passamos juntos:
– Os homens são como as estrelas, cada qual com sua grandeza.
– Devemos aprender, não para nós, mas para os outros.
– Só nos libertaremos com uma luta dura e prolongada.
– Não devemos ter vergonha de ser pobres; a pobreza não é um vício. Vício é fumar ou beber. A pior desgraça é ver um pobre envergonhado da pobreza.
– A entrega de nosso petróleo às companhias estrangeiras, que custou para o povo o monopólio estatal do petróleo, toda a nossa luta, isto é um novo 64.
– Sabes o que é mais valioso que o ouro, mais forte que o vento, mais resistente que o aço? A amizade.
– Querem nos matar (novembro de 1976).
– Isso pode levar ao banditismo (sobre os assaltos a banco, na época da guerrilha urbana).
– Deixem meu corpo na beira de qualquer estrada (lamentando os problemas de sua família se viesse a morrer a qualquer momento, em virtude de problemas de documentação face à clandestinidade).
-Terroristas são eles (1969).
– Canse o corpo e cuide da cabeça.
– Não te afobes, que a estrada é longa (na última vez que o vi, em dezembro de 76).
Outubro/1979
Vou parodiar o Capitão Lamarca: Ousar Lutar…ousar vencer ….um grande homem
Parabéns por manter o cidadão bem informado