Nota do blog: Terceira parte do artigo do professor Fausto Arruda, publicado na AND nº 156, sobre o papel de Getúlio Vargas na história do Brasil.
Parte III: o domínio semicolonial inglês
Como vimos no capítulo anterior, o Estado brasileiro foi se constituindo sob as características semicoloniais que vão se aprofundando por todo o período monárquico com suas instituições expressando os interesses do imperialismo inglês, do latifúndio e da burguesia compradora. Como a proclamação da República se deu resultante de um acerto entre as classes dominantes, o Estado brasileiro não muda de qualidade com o novo regime. Assim podemos afirmar que a República já nasceu velha por ser apenas uma nova vestimenta para o velho Estado semicolonial subjugado ao imperialismo inglês.
A INDÚSTRIA MOVE O MUNDO
Inegavelmente, o domínio inglês se fazia sentir não apenas sobre o Brasil como sobre o mundo inteiro. A Europa, entretanto, experimentava uma transição acelerada em suas bases econômicas que gradativamente roubava à Inglaterra a hegemonia no terreno industrial. A industrialização, na segunda metade do século XIX, desponta com ponderável peso na economia de países como Alemanha, Franca, Itália, e, fora da Europa, no USA e Japão.
O desenvolvimento dos transportes como resultado da aplicação da máquina a vapor aos transportes marítimos e ferroviários serviu para a aceleração das trocas internacionais impulsionadas pela avidez burguesa por mais mercados e mais fontes de matérias primas. A mineração, a siderurgia e a metalurgia assumem o papel de destaque dantes ocupado pela indústria têxtil.
As duas últimas décadas do século XIX marcam a tendência para o monopólio tanto a nível das economias nacionais, evidenciando os últimos suspiros do capitalismo concorrencial pela quebra ou absorção das pequenas empresas pelas maiores, como também a nível mundial com luta entre as nações em processo de industrialização, defendendo o protecionismo, e a Inglaterra defendendo o livre-cambismo para sua indústria já consolidada.
Convém destacar que os bancos tiveram papel fundamental em todo este processo pela utilização do crédito, como antecipação do futuro, centralizando as poupanças dispersas e ociosas, canalizando-as para o financiamento de grandes projetos industriais sob o instituto jurídico das sociedades por ações.
A anarquia da produção através da qual cada país gerava uma oferta de produtos que excedia a capacidade de demanda de seu mercado consumidor, não poderia provocar outra coisa que não fosse as crises de superprodução.
A solução das crises de superprodução foi buscada na elevação a um estágio de conflagração na disputa colonial, na qual ganhava a parada o país que dispunha de dinheiro para emprestar às colônias e semicolônias em operações casadas onde os créditos deveriam ser utilizados na construção de portos, ferrovias e estruturas metálicas para edifícios, pontes e viadutos.
Estando o mundo já dividido entre um punhado de nações dominantes e o restante submetido a sua exploração e opressão sob a forma de colônia ou de semicolônia não restou alternativa aos dominantes que não fosse à medição de forças através da guerra.
A Primeira Grande Guerra Mundial foi o corolário de todo esse processo de desenvolvimento do capitalismo até chegar a sua fase monopolista, que Lenin denominou de Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Capitalismo monopolista, capitalismo parasitário e em decomposição e capitalismo agonizante) (ver box).
O MOVIMENTO DAS CLASSES EXPLORADAS
Ao mesmo tempo em que a burguesia avançava e se consolidava como classe dominante na nova sociedade industrial ela fazia surgir e se desenvolver a classe da qual ela extraia sua prosperidade: o proletariado. Submetido a um sistema de exploração, onde as engrenagens da indústria em expansão moíam seres humanos coisificados em forma de mercadoria, o proletariado começa a se organizar para fazer face à tamanha opressão e exploração.
Já em 1848, depois de haver combatido contra os inimigos de seu inimigo, o proletariado apresenta, pelo punho de Karl Marx e Friedrich Engels, oManifesto do Partido Comunista, sob a máxima de “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Através deste manifesto, registra o temor das classes dominantes ante a possibilidade do proletariado tomar o poder político e construir uma nova sociedade sem exploradores e explorados.
E, ao apontar este futuro para a humanidade conclui afirmando que: “Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam `a ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada tem a perder nela a não ser suas cadeias. Tem um mundo a ganhar.”
Em luta com as várias tendências dentro do movimento operário surge em 1864 a I Associação Internacional dos Trabalhadores, importante instrumento não apenas de luta contra a burguesia, mas pela afirmação do Marxismo como a Ideologia Cientifica do Proletariado, em construção. Ainda sob influência de ideologias não cientificas, mas determinados por firme decisão os operários de Paris resolvem assaltar os céus com a Comuna de Paris, experiência que embora derrotada constituiu-se, pelos seus erros e acertos, em significativo laboratório para a luta de classes e a Revolução Proletária. Ou, como nas palavras de Lenin, “o ensaio geral da Revolução Proletária Mundial.
A I Internacional exposta ao risco de iminente desmoralização pelo predomínio anarquista encerrou suas atividades dando lugar a II Internacional, fundada por Engels sob o guia do Marxismo.
Perseguindo o sendero da luta revolucionária, após a bancarrota reformista da II Internacional, o proletariado desenvolve suas organizações de luta econômica e avançam na luta pelo poder através da constituição do Partido Revolucionário do Proletariado seguindo os ensinamentos de Vladimir Lenin, o qual, aplicando estes ensinamentos à realidade da Rússia, conduz o proletariado russo em aliança com o campesinato à vitoriosa Revolução Proletária em 1917.
Ao chegarmos ao terceiro capítulo de nossa série, alguns leitores poderão estar se indagando sobre o que tem a ver todo esse apanhado histórico com a era Vargas. Ora, Getúlio, nascido a 19 de abril de 1882, cresce num ambiente que de forma direta ou indireta irá condicionar o modo de ver o mundo e como interferir em sua realidade. Também, é importante não esquecermos que nossa preocupação principal não é traçar uma biografia de Vargas e sim dissecar o caráter do Estado brasileiro no período conhecido como Era Vargas. Daí estarmos retroagindo no tempo para irmos às raízes do que temos definido como Estado burguês-latifundiario serviçal do imperialismo como expressão do capitalismo burocrático engendrado em nosso país sobre uma base semifeudal e semicolonial.
A LUTA PELA INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL
Todas estas transformações no cenário europeu e mundial trarão marcantes repercussões no desenvolvimento do Brasil como semicolônia inglesa. Os brasileiros, apesar da distância física que os separava da Europa, acompanhavam pelos informes dos viajantes e visitantes estrangeiros grandes transformações que a indústria provocava no modo de vida daqueles povos, seja pela crescente urbanização, seja pelo acesso a um sem número de mercadorias que até aqui já começavam a chegar. E chegava pelas mãos de comerciantes portugueses ou ingleses que obtinham elevados lucros com a venda de tais produtos, motivo pelo qual eram alvo do desdém daqueles cujo espírito nativista apontava para a necessidade de desenvolver a indústria no Brasil como forma de desenvolver o país.
A oligarquia agrária, intrinsecamente atada aos interesses colonialistas e imperialistas, principalmente, ingleses, era terminantemente contrária a instalação de indústrias no Brasil, tanto pelo argumento de que os produtos importados eram melhores e mais baratos do que os aqui produzidos como pelo fato de que a implantação de indústria roubaria a mão de obra que já se tornara escassa frente à proibição do tráfico de escravos para o Brasil. Sobre tudo isso havia ainda algo que se consolidaria como uma ideologia até os dias de hoje como a propensão do Brasil para o agrarismo.
A aliança da oligarquia agrária com a burguesia compradora, representada pelo comércio de importação e exportação, mais os bancos, que a estas alturas já tinham um peso fundamental no financiamento das safras do café e no controle do câmbio, respaldava a dominação do imperialismo inglês que se beneficiava de nosso mercado interno quase com exclusividade mediante taxas alfandegárias privilegiadas e pela subjugação de nossa economia através da política de empréstimos em operações casadas, como afirmamos acima, e o controle do câmbio. Tudo isso assegurado através de tratados lesivos à nação, proibitivos de qualquer iniciativa maior de industrialização, o que dava uma demonstração patente de um Estado engendrado pelo imperialismo, tornando nossa independência uma quimera.
Este caldo de cultura deu margem a que na política despontasse ao lado dos movimentos abolicionista e republicano um movimento nacionalista que resgatava dos movimentos nativistas o ódio aos comerciantes portugueses e aos banqueiros ingleses. Estes eram tidos como o verdadeiro empecilho a existência de um comércio e uma indústria nacionais. Por outro lado o debate travado pelas nações europeias entre o protecionismo e o livre-cambismo era transposto para o Brasil sob a bandeira da proteção do Estado à indústria nascente, tese esposada pelos nacionalistas, e o livre cambismo defendido pela burguesia compradora em aliança com a oligarquia agrária.
Sob a hegemonia da oligarquia agrária, principalmente cafeeira, e da burguesia compradora, principalmente financeira, o Estado brasileiro a muito custo foi abrindo espaço à nascente burguesia industrial. Com o surgimento do imperialismo com a exportação de capitais como uma de suas principais características, o Estado passa a utilizar os empréstimos concedidos pelos bancos ingleses para financiar projetos industriais nacionais e estrangeiros. Exemplo desta nova postura do Estado frente à industrialização foi a chamada política do encilhamento patrocinada por Rui Barbosa nos primeiros momentos da recém fundada República. Estas práticas foram responsáveis por crises econômicas quase permanentes entre as quais a conhecida como Foundig-Loan, acordo pelo qual a rendas alfandegárias foram empenhadas aos bancos ingleses.
O Imperialismo, fase superior do capitalismo
O IMPERIALISMO, FASE PARTICULAR DO CAPITALISMO
Precisamos agora tentar fazer um balanço, resumir o que dissemos acima sobre o imperialismo. O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau, muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. O que há de fundamental neste processo, do ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre concorrência, mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trusts e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. O monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior.
Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.
Mas as definições excessivamente breves, se bem que cômodas, pois contêm o principal, são insuficientes, já que é necessário extrair delas especialmente traços muito importantes do que é preciso definir. Por isso, sem esquecer o caráter condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abranger, em todos os seus aspectos, as múltiplas relações de um fenômeno no seu completo desenvolvimento, convém dar uma definição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância à exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.
O LUGAR DO IMPERIALISMO NA HISTÓRIA
Como vimos, o imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista. Isto determina já o lugar histórico do imperialismo, pois o monopólio, que nasce única e precisamente da livre concorrência, é a transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. Há que assinalar particularmente quatro variedades essenciais do monopólio, ou manifestações principais do capitalismo monopolista, características do período que nos ocupa.
Primeiro: o monopólio é um produto da concentração da produção num grau muito elevado do seu desenvolvimento. Formam-no as associações monopolistas dos capitalistas, os cartéis, os sindicatos e os trusts. Vimos o seu enorme papel na vida econômica contemporânea. Nos princípios do século XX atingiram completo predomínio nos países avançados, e se os primeiros passos no sentido da cartelização foram dados anteriormente pelos países de tarifas alfandegárias protecionistas elevadas (a Alemanha, os Estados Unidos), a Inglaterra, com o seu sistema de livre-câmbio, mostrou, embora um pouco mais tarde, esse mesmo fato fundamental: o nascimento de monopólio como consequência da concentração da produção.
Segundo: os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas, particularmente para a indústria fundamental e mais cartelizada da sociedade capitalista: a hulheira e a siderúrgica. A posse monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não cartelizada.
Terceiro: o monopólio surgiu dos bancos, os quais, de modestas empresas intermediárias que eram antes, se transformaram em monopolistas do capital financeiro. Três ou cinco grandes bancos de cada uma das nações capitalistas mais avançadas realizaram a “união pessoal” do capital industrial e bancário, e concentraram em suas mãos somas de milhares e milhares de milhões, que constituem a maior parte dos capitais e dos rendimentos em dinheiro de todo o país. A oligarquia financeira, que tece uma densa rede de relações de dependência entre todas as instituições econômicas e políticas da sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tal é a manifestação mais evidente deste monopólio.
Quarto: o monopólio nasceu da política colonial. Aos numerosos “velhos” motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, pelas “esferas de influência”, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros monopolistas, etc., e, finalmente, pelo território econômico em geral. Quando as colônias das potências europeias em África, por exemplo, representavam a décima parte desse continente, como acontecia ainda em 1876, a política colonial podia desenvolver-se de uma forma não monopolista, pela “livre conquista”, poder-se-ia dizer, de territórios. Mas quando 9/10 da África estavam já ocupados (por volta de 1900), quando todo o mundo estava já repartido, começou inevitavelmente a era da posse monopolista das colônias e, por conseguinte, de luta particularmente aguda pela divisão e pela nova partilha do mundo.
É geralmente conhecido até que ponto o capitalismo monopolista agudizou todas as contradições do capitalismo. Basta indicar a carestia da vida e a opressão dos cartéis. Esta agudização das contradições é a força motriz mais poderosa do período histórico de transição iniciado com a vitória definitiva do capital financeiro mundial.
Os monopólios, a oligarquia, e a tendência para a dominação em vez da tendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes: tudo isto originou os traços distintivos do imperialismo, que obrigam a qualificá-lo de capitalismo parasitário, ou em estado de decomposição. Cada vez se manifesta com maior relevo, como urna das tendências do imperialismo, a formação de “Estados” rentistas, de Estados usurários, cuja burguesia vive cada vez mais à custa da exportação de capitais e do “corte de cupons”. Seria um erro pensar que esta tendência para a decomposição exclui o rápido crescimento do capitalismo. Não; certos ramos industriais, certos setores da burguesia, certos países, manifestam, na época do imperialismo, com maior ou menor intensidade, quer uma quer outra dessas tendências. No seu conjunto, o capitalismo cresce corri uma rapidez incomparavelmente maior do que antes, mas este crescimento não só é cada vez mais desigual como a desigualdade se manifesta também, de modo particular, na decomposição dos países mais ricos em capital (Inglaterra).