Trotskismo ou Leninismo? (J. V. Stalin, 1924)

Nota do blog: Publicamos o magistral escrito do grande camarada Stalin, “Trotskismo ou Leninismo?”, no qual se dedica “a acabar com algumas lendas propaladas por Trotsky e pelos seus correligionários sobre a insurreição de Outubro, sobre o papel desempenhado por Trotsky na insurreição, sobre o Partido e a preparação de Outubro…”. Precede o texto uma apresentação redigida pelo Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e veiculada em seu portal em novembro de 2009, recuperada através do Arquivo da Internet.

Lenin em reunião do II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, próximo a Stalin, Dzerzhinsky e Sverdlov, no Instituto Smolny, em novembro de 1917.

Apresentação

Seguindo no nosso esforço de reproduzir textos clássicos do marxismo, e que permanecem ocultados sobre mil escombros em meio a sistemática propaganda contra o comunismo, colocamos aqui o texto de 1924 do grande dirigente da União Soviética Josef V. Stalin “Trotskismo ou Leninismo?”.1

Não será possível no momento entrar a fundo nas grandes questões teóricas, ideológicas e políticas envolvidas na polêmica mas só o suscitamento do debate será válido, em dias em que o marxismo “oficial” das universidades mais esconde e desinteressa a ideologia do proletariado para os estudantes.

Sabemos que não é apenas de maneira explícita que o imperialismo atua para atacar os povos em luta. Também se vale sobremaneira da ação de quinta-coluna do revisionismo, que se apoderando muitas vezes de palavras de ordem de “esquerda” não demora a expor a sua degenerada face de traição e renegação da luta revolucionária. Muito se difunde, falsamente, a oposição “Stalin vs. Trotsky” quando na verdade o camarada Stalin, como disse várias vezes, não fez mais que sustentar e aprofundar a linha revolucionária aplicada por Lenin. Stalin, aliás, era velho camarada de armas de Lenin, diferentemente de Trotsky que, sendo antigo menchevique, passou-se oportunamente para o lado dos bolcheviques às vésperas da tomada do poder.

A defesa intransigente do estabelecimento da aliança operário-camponesa como condição para a luta revolucionária, sustentada por Stalin na sua luta contra a ação nefasta de Trotsky foi formulada e sustentada por Lenin, ao longo de toda sua vida, assim como foi também a defesa da possibilidade de uma revolução triunfar e se sustentar em um só país.

Teses essas que comprovaram-se amplamente ao longo da história.

Stalin, Lenin e Kalinin no VIII Congresso do Partido Comunista (Bolchevique) da Rússia, Moscou, 1919.

Rechaçado pela direção revolucionária do Partido Comunista (bolchevique) da União Soviética e pelo povo soviético o trotskismo foi banido daquele país e degenerou então em uma torpe corrente policial do movimento operário, nunca deixando de tramar um só dia para derrubar a ditadura do proletariado na URSS e se aliando para tal, como demonstra farta documentação, com o próprio nazismo alemão. Não é á toa que enquanto o proletariado de todo o mundo lutava contra o fascismo e tomava como farol da sua luta a gloriosa União Soviética revolucionária, Trotsky conclamava do alto da sua tribuna no New York Times a falência do socialismo naquele país…

Seria possível que um povo “adormecido”, dirigido por um “ditador”, um “Bonaparte”, inscrevesse na história anais de sangue e de fogo tão gloriosos como os da Batalha de Stalingrado, derrotando e libertando nações inteiras do jugo do fascismo na Segunda Guerra Mundial, enquanto “potências” como a França caíram sem sequer combater?

E é sobretudo quando nos perguntamos o que é o chamado trotskismo, no mundo e no nosso país, que salta aos olhos a grosseira deformação do marxismo que estes intentaram fazer. Em nenhum lugar do mundo a sua “revolução permanente” triunfou. No Brasil, aquilo que o trotskismo fez de mais relevante, além de alguns grupelhos de estudo, foi a fundação do PT, contribuindo com seu anticomunismo frenético para dar um verniz ideológico a essa camisa de força que tantas derrotas impôs ao proletariado brasileiro. Com seu combate ao “stalinismo” combatem na verdade a ditadura do proletariado, a necessidade da direção do Partido Comunista e deseducam a juventude com seu reformismo e pacifismo tão característicos. Embelezam a democracia burguesa e, ao cabo e ao fim, com suas críticas vazias e uniformes a todas as experiências socialistas da história, fazem coro com o negro e vil ataque despejado pela imprensa imperialista contra o proletariado revolucionário e seus chefes, dentre eles o grande Stalin.

À juventude cabe resgatar dos escombros a verdade histórica e seguir lutando por transformá-la. Aqui estaremos, brigando por cumprir nosso papel.


Trotskismo ou Leninismo?

J. V. Stalin

19 de novembro de 1924

Camaradas:

Pouco me resta dizer depois do detalhado informe de Kamenev. Limitar-me-ei, portanto, a acabar com algumas lendas propaladas por Trotsky e pelos seus correligionários sobre a insurreição de Outubro, sobre o papel desempenhado por Trotsky na insurreição, sobre o Partido e a preparação de Outubro etc. Ademais, falarei do trotskismo, como uma ideologia peculiar, incompatível com o leninismo, e das tarefas do Partido em relação com os últimos escritos de Trotsky.

I – A verdade sobre a insurreição de Outubro

Antes de tudo, sobre a insurreição de Outubro. Difunde-se, com insistência, entre os membros do Partido o boato de que todo o CC estava contra a insurreição em outubro de 1917. Costuma-se dizer que, a 10 de outubro, quando se tomou a decisão de organizar a insurreição, o CC, na sua maioria se manifestara contrário, mas que, então, irrompeu no local onde se realizava a reunião um operário, que teria dito: “Vós vos manifestais contra a insurreição, mas eu vos digo que a insurreição virá, apesar disso”. E, depois desta ameaça, o CC, como se tivesse ficado intimidado, teria novamente discutido o problema da insurreição e decidido organizá-la.

Isso não é um simples boato, camaradas. Disso fala no seu livro “Dez Dias…” o conhecido John Reed, que, estando muito longe do nosso Partido, não podia certamente saber a história da nossa reunião clandestina de 10 de outubro e por isso mordeu a isca das calúnias postas em circulação pelos Sukhanov. Essa lenda foi reproduzida e repetida numa série de folhetos saídos da pena dos trotskistas, entre eles um recente, da autoria de Sirkin, sobre Outubro. Tais boatos são persistentemente alimentados pelos últimos escritos de Trotsky.

Não creio que seja necessário demonstrar que todas essas lendas árabes e outras semelhantes não correspondem à realidade, que na realidade nada ocorreu nem poderia ocorrer de semelhante na reunião do CC. Sendo assim, bem poderíamos passar por cima desses tumores absurdos, pois são tantos os boatos inventados nos escritórios dos oposicionistas ou de indivíduos distanciados do Partido! E desse modo vínhamos agindo até agora, não dando importância, por exemplo, aos erros de John Reed, sem nos preocuparmos com a sua correção. Mas, depois dos últimos escritos de Trotsky não mais podemos manter silêncio diante dessas lendas, pois com tais lendas se procura hoje educar a juventude e, infelizmente, nesse esforço já se colheram alguns resultados. Por isso, devo opor a estes boatos absurdos os fatos reais.

Soldado soviético em Stalingrado.

Tomo as atas da reunião do CC do nosso Partido de 10 (23) de outubro de 1917. Estão presentes: Lenin, Zinoviev, Kamenev, Stalin, Trotsky, Sverdlov, Uritski, Dzerzhinski, Kolontai, Bubnov, Sokolnikov e Lomov. Discute-se a situação política e a insurreição. Após, submete-se a votos a resolução do camarada Lenin sobre a insurreição. A resolução é aprovada por maioria de 10 votos contra 2. Parece que está claro: o CC, por maioria de 10 votos contra 2, toma a decisão de passar ao trabalho prático imediato para organizar a insurreição. O Comitê Central elege na mesma sessão o centro político para dirigir a insurreição, ao qual dá o nome de Birô Político. Compõem-no Lenin, Zinoviev, Stalin, Kamenev, Trotsky, Sokolnikov e Bubnov.

Esses são os fatos.

Estas atas destroem de um golpe várias lendas. Destroem a lenda de que o CC, na sua maioria, era contrário à insurreição. Destroem também a lenda de que o CC, na questão da insurreição, esteve a ponto de cindir-se. As atas evidenciam que os adversários da insurreição imediata – Kamenev e Zinoviev – passaram a integrar o órgão de direção política da insurreição ao lado dos partidários desta. Não se falou, nem se podia falar, de cisão de espécie alguma.

Afirma Trotsky que, nas pessoas de Kamenev e Zinoviev, tínhamos, em Outubro, a ala direita do nosso Partido. Seriam quase social-democratas. Em tal caso, não se compreende como o Partido pode evitar a cisão; como as divergências com Kamenev e Zinoviev só duraram alguns dias e como foi possível que estes camaradas, não obstante as divergências, fossem colocados pelo Partido nos postos mais importantes, eleitos membros do centro político da insurreição etc. É bastante conhecida no Partido a atitude implacável de Lenin em face dos social-democratas; o Partido sabe que Lenin não teria consentido, por momento sequer, em ter no Partido, principalmente em postos de maior importância, camaradas de mentalidade social-democrata. Como se explica que o Partido pode evitar a cisão? Explica-se pelo fato de que, não obstante as divergências, esses camaradas eram velhos bolcheviques e se situavam no terreno comum do bolchevismo. Em que consistia esse terreno comum? Na unidade de vistas a respeito dos problemas essenciais: o caráter da revolução russa, as forças motrizes da revolução, o papel dos camponeses, os princípios de direção do Partido etc. Se não existisse esse terreno comum, a cisão teria sido inevitável. Se não houve cisão e se as divergências duraram apenas alguns dias, foi exclusivamente porque tínhamos em Kamenev e em Zinoviev leninistas, bolcheviques.

Passamos agora à lenda sobre o papel particular de Trotsky na insurreição de Outubro. Os trotskistas propalam com insistência rumores de que o inspirador e o único dirigente da insurreição de Outubro teria sido Trotsky. Tais rumores, são postos em circulação, com particular insistência, por Lenzner, o assim chamado redator das obras de Trotsky. O próprio Trotsky, ignorando sistematicamente o Partido, o CC do Partido e o Comitê de Petrogrado, silenciando sobre o papel dirigente dessas organizações na insurreição e impingindo-se insistentemente como figura central da insurreição, contribui voluntária e involuntariamente para difundir os boatos sobre um papel particular que teria desempenhado na insurreição. Estou longe de negar o papel sem dúvida importante de Trotsky na insurreição. Mas devo dizer que Trotsky não teve nem podia ter nenhum papel particular na insurreição de Outubro e que, como presidente do Soviete de Petrogrado, não fez senão seguir a vontade das instâncias competentes do Partido, que guiavam todos os seus passos. Aos filisteus do tipo de Sukhanov tudo isso pode parecer estranho, porém os fatos, os fatos reais, confirmam por completo esta minha afirmação.

Tomemos as atas da reunião seguinte do CC, realizada a 16 (29) de outubro de 1917. Estão presentes os membros do CC, além de representantes do Comitê de Petrogrado e de representantes da organização militar, dos comitês de fábrica, dos sindicatos e dos ferroviários. Afora os membros do CC, compareceram também Krilenko, Chotman, Kalinin, Volodarski, Chliapnikov, Lacis e outros. Ao todo, 25 pessoas. Discute-se a insurreição, do ponto de vista exclusivamente prático e de organização. Aprova-se a resolução de Lenin sobre a insurreição, por maioria de vinte contra dois votos, e três abstenções. Elege-se o centro prático para dirigir a organização da insurreição. Quem passa a integrar esse centro? São eleitos cinco camaradas: Sverdlov, Stalin, Dzerzhinski, Bubnov e Uritski. Tarefas do centro prático: dirigir todos os órgãos práticos da insurreição, de acordo com as diretivas do Comitê Central. Como vedes, nesta reunião do CC, ocorreu qualquer coisa de “horrível”, isto é, no centro prático, incumbido de dirigir a insurreição, “estranhavelmente” não entrou o “inspirador”, a “figura principal” o “único dirigente” da insurreição, Trotsky. Como conciliar isso com a opinião difundida sobre o papel particular de Trotsky? Não é verdade que tudo isso é um tanto “estranho”, como diria Sukhanov, ou como diriam os trotskistas? Todavia, nada há de estranho nisso, pois, no fundo, Trotsky, pessoa relativamente nova para o nosso Partido, no período de Outubro, não tinha nem podia ter papel particular algum; nem no Partido nem na insurreição de outubro. Como todos os dirigentes responsáveis, Trotsky não passava de um executor da vontade do CC e dos seus órgãos. Quem conhece o mecanismo de direção do Partido bolchevique compreenderá, sem grande esforço, que não podia ser de outro modo: bastaria que Trotsky deixasse de acatar a vontade do CC para perder toda influência sobre o curso dos acontecimentos. A tagarelice sobre o papel particular de Trotsky não passa de lenda propalada por complacentes comadres “do Partido”.

Isto não significa, naturalmente, que a insurreição de Outubro não teve o seu inspirador. Não, teve o seu inspirador e chefe. Mas este foi Lenin, e ninguém mais, o mesmo Lenin cujas resoluções foram aprovadas pelo CC, quando se discutiu o problema da insurreição; o mesmo Lenin ao qual a ilegalidade não impediu de ser o verdadeiro inspirador da insurreição, contrariamente a tudo quanto afirma Trotsky. É néscio e ridículo tentar agora esconder, com tagarelices sobre a ilegalidade, o fato incontestável de que o inspirador da insurreição foi o chefe do Partido, Lenin.

Tais são os fatos.

Admitamos que seja assim, dizem-nos, porém não se pode negar que Trotsky lutou bem no período de Outubro. Sim, é certo, Trotsky lutou bem no período de Outubro. Mas no período de Outubro não só Trotsky lutou bem; não combateram mal nem mesmo homens como os social-revolucionários de esquerda, que então marchavam ombro a ombro com os bolcheviques. Em geral, devo dizer que em período de insurreição vitoriosa, quando o inimigo está isolado e a insurreição em pleno desenvolvimento, não é difícil combater bem. Em semelhantes momentos até aqueles que andam sempre a reboque se tornam heróis.

Mas a luta do proletariado não representa uma ofensiva ininterrupta, uma cadeia ininterrupta de êxitos. A luta do proletariado tem também as suas duras provas, as suas derrotas. O verdadeiro revolucionário não é aquele que se revela corajoso no período da insurreição vitoriosa, mas o que, sabendo lutar bem durante a ofensiva vitoriosa da revolução, sabe também dar provas de coragem no período da retirada da revolução, no período da derrota do proletariado; aquele que não perde a cabeça nem se acovarda diante dos reveses da revolução, diante dos êxitos do inimigo: aquele que não se deixa tomar de pânico, nem se abandona ao desespero no período de retirada da revolução. Não combateram mal os social-revolucionários de esquerda no período de Outubro, apoiando os bolcheviques. Mas quem não sabe que esses “denodados” combatentes se deixaram dominar pelo pânico no período de Brest-Litovsk, quando a ofensiva do imperialismo alemão os fez cair no desespero e no histerismo? É muito lamentável, mas é incontestável o fato de que Trotsky, que lutou bem no período de Outubro, não conseguiu, no período de Brest-Litovsk – no período dos reveses temporários da revolução, no momento difícil, dar provas de suficiente firmeza, e não seguir as pegadas dos social-revolucionários de esquerda. Não há dúvida, o momento era difícil, tornava-se necessário dar provas de grande coragem e de extraordinária serenidade, para não perder a cabeça, retirar-se a tempo, aceitar em tempo a paz, subtrair o exército proletário, aos golpes do imperialismo alemão, conservar as reservas camponesas e, obtida assim uma trégua, atacar em seguida o inimigo com novas forças. Mas, naquele momento difícil, faltaram a Trotsky esta coragem e esta firmeza revolucionárias.

Segundo a opinião de Trotsky, a lição essencial da revolução proletária consistiu em “não deixar-se dominar pelo medo” em Outubro. Não é certo, pois esta afirmação de Trotsky contém apenas uma partícula da verdade sobre os ensinamentos da revolução. Toda a verdade sobre os ensinamentos da revolução proletária consiste em “não deixar-se dominar pelo medo”, não somente nos dias da ofensiva da revolução, mas também nos dias da sua retirada, quando o inimigo obtém vantagens e a revolução, sofre reveses. A revolução não se limita a Outubro. Outubro é apenas o começo da revolução proletária. É mau deixar-se dominar pelo medo na fase ascendente da insurreição. Pior ainda é acovardar-se no momento das duras provas da revolução, depois da tomada do Poder. Saber manter o Poder, logo após a revolução, não é menos importante do que conquistar o Poder. Se Trotsky se tornou presa do medo, no período de Brest, no período das duras provas da nossa revolução, quando por pouco não se chegou à “entrega” do Poder deve ele compreender que os erros cometidos por Kamenev e Zinoviev, em outubro, nada tem a ver com isso.

Eis o que há quanto às lendas sobre a insurreição de Outubro.

II – O Partido e a preparação de Outubro

Passemos agora à questão da preparação de Outubro.

Depois de ouvir Trotsky, poderia supor-se que o Partido dos bolcheviques, durante todo o período preparatório, de março a outubro, não fez senão marcar passo, dilacerar-se em contradições internas e por todos os modos criar obstáculos a Lenin e que, se não fosse Trotsky, não se sabe como terminaria a Revolução de Outubro. Chega a ser divertido ouvir esses estranhos discursos sobre o Partido da boca de Trotsky, que declarou, no próprio “prefácio” ao terceiro volume, que “o instrumento essencial da revolução proletária é o Partido”, que “sem o Partido, fugindo ao Partido, ignorando o Partido, com um sucedâneo do Partido, a revolução proletária não pode vencer”. O próprio Alá não poderia compreender como pode triunfar a nossa revolução, se “o seu instrumento essencial” se revelou ineficiente e se, conforme parece, não há possibilidade alguma de vencer, “ignorando o Partido”. Mas não é a primeira vez que Trotsky se delicia com as suas extravagâncias. É de supor que os divertidos discursos de Trotsky sobre o nosso Partido entram na conta das extravagâncias habituais de Trotsky.

Examinemos brevemente a história da preparação de Outubro, por períodos:

1) O período a nova orientação do Partido (março-abril). Fatos principais deste período:

a) a derrubada do tzarismo;
b) a formação do governo provisório (ditadura da burguesia);
c) o aparecimento dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados (ditadura do proletariado e dos camponeses);
d) a dualidade de poderes;
e) a manifestação de abril;
f) a primeira crise de Poder.

O traço característico deste período é o fato de que existem, uma ao lado da outra, simultaneamente, a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado e dos camponeses e que esta última deposita confiança na primeira, acredita nas suas aspirações de paz, entrega-lhe voluntariamente o Poder e se transforma, desse modo, em seu apêndice. Ainda não há conflitos sérios entre as duas ditaduras. Pelo contrário, existe uma “comissão de ligação”.

Foi uma reviravolta de imensa importância na história da Rússia e uma viragem sem precedentes na história do nosso Partido. A velha plataforma pré-revolucionária da derrubada direta do governo era clara e precisa, mas já não se adaptava às novas condições de luta. Agora já não se podia marchar diretamente para a derrubada do governo, pois este se achava ligado aos Sovietes, que estavam sob a influência dos defensistas, e o Partido para isso teria de fazer face a uma guerra superior às suas forças, tanto contra o governo como contra os Sovietes. Não se podia, entretanto, levar a efeito uma política de apoio ao governo provisório, pois era um governo do imperialismo. Tornava-se necessária uma nova orientação do Partido nas novas condições de luta. O Partido (a sua maioria) marchava às apalpadelas no sentido dessa nova orientação. Aplicou a política da pressão dos Sovietes sobre o governo provisório na questão da paz e não se decidiu a passar de inopino da velha palavra de ordem da ditadura do proletariado e dos camponeses à nova palavra de ordem do Poder aos Sovietes. Com esta política não claramente definida pretendia-se levar os Sovietes a discernir, na base de questões concretas da paz, a verdadeira natureza imperialista do governo provisório e afastá-los, assim, deste último. Mas esta era uma posição profundamente errônea, pois gerava ilusões pacifistas, levava água ao moinho do defensismo e criava obstáculos à educação revolucionária das massas. Eu partilhei, então, com outros camaradas do Partido, dessa posição errada e somente a abandonamos por completo em meados de abril, aderindo às teses de Lenin. Impunha-se uma nova orientação. Esta nova orientação foi dada ao Partido por Lenin, nas suas célebres “Teses de Abril”. Não vou estender-me sobre estas teses, pois são de todos conhecidas. O Partido tinha, então, divergências com Lenin? Sim, tinha-as. Quanto tempo duraram essas divergências? Não mais de duas semanas. A Conferência das organizações da cidade de Petrogrado (segunda quinzena de abril), que aprovou as teses de Lenin, assinalou uma reviravolta no desenvolvimento do nosso Partido. A Conferência de toda a Rússia, em abril, (fins de abril), não fez senão levar a termo, em escala nacional, a obra da Conferência de Petrogrado, reagrupando, de modo compacto, em torno de uma plataforma única os nove décimos do Partido.

Agora, sete anos depois, Trotsky manifesta uma alegria maligna a propósito de passadas divergências entre os bolcheviques, apresentando-as quase como uma luta de dois partidos no seio do bolchevismo. Mas, em primeiro lugar, Trotsky exagera e aumenta as coisas desmesuradamente, pois o Partido bolchevique superou essas divergências sem sofrer a mais leve comoção. Em segundo lugar, o nosso Partido seria uma casta, e não um Partido revolucionário, se não admitisse no seu seio matizes de opinião; é sabido que também no passado houve divergências entre nós, por exemplo, no período da III Duma, o que, no entanto, não comprometeu a unidade do nosso Partido. Em terceiro lugar, não será demasiado perguntar: qual era, então, a posição do próprio Trotsky, que agora manifesta maligna alegria sobre divergências passadas entre os bolcheviques? O assim chamado redator das obras de Trotsky, Lenzner, assegura que as cartas americanas de Trotsky (março) foram uma “antecipação completa” das “Cartas de Longe”, de Lenin (março), as quais constituem a base das “Teses de Abril”, de Lenin. Assim o disse: “Anteciparam por completo”. Trotsky não protesta contra semelhante analogia, mas a aceita, ao que parece, com gratidão. Mas, em primeiro lugar, as cartas de Trotsky “não se parecem em nada” com as cartas de Lenin, nem no espírito nem nas conclusões, posto que refletem inteira e integralmente a palavra de ordem anti-bolchevique de Trotsky: “sem tzar, por um governo operário”, palavra de ordem que significa a revolução sem os camponeses. Basta folhear essas duas séries de cartas para convencer-se disso. Em segundo lugar, como se explica, em tal caso, que Lenin tenha considerado necessário separar-se de Trotsky logo após ter chegado do estrangeiro? Quem não conhece as reiteradas declarações de Lenin, no sentido de que a palavra de ordem de Trotsky: “sem tzar, por um governo operário”, representa uma tentativa para “passar por cima do movimento camponês, que ainda não desempenhou o seu papel”, de que esta palavra de ordem significa “brincar de tomar o Poder por um governo operário”?2

Que pode haver de comum entre as teses bolcheviques de Lenin e o esquema anti-bolchevique de Trotsky, com a sua tentativa de “brincar de tomar o Poder”? E de onde vem essa inclinação de certa gente para comparar uma cabana ao Monte Branco? Que necessidade tinha Lenzner de fazer este acréscimo perigoso de mais uma lenda ao monte de tantas das velhas lendas sobre a nossa revolução, inventando ainda outra lenda, segundo a qual as cartas americanas de Trotsky “se anteciparam” as conhecidas “Cartas de Longe”, de Lenin.3

Não por acaso se diz que um urso doméstico serviçal é mais perigoso do que um inimigo.

2) O período da mobilização revolucionária das massas (maio-agosto). Fatos principais deste período:

a) a manifestação de abril, em Petrogrado, e a constituição do governo de coalizão com a participação dos “socialistas”;
b) a manifestação do Primeiro de Maio nos principais centros da Rússia, com a palavra de ordem de “paz democrática”;
c) a manifestação de junho, em Petrogrado, com a palavra de ordem fundamental de “abaixo os ministros capitalistas”;
d) a ofensiva de junho no “front”, e os reveses do exército russo;
e) a manifestação armada de julho, em Petrogrado; a saída dos ministros democrata-constitucionalistas do governo;
f) a chegada das tropas contrarrevolucionárias, retiradas da frente de batalha, a devastação da redação da “Pravda”, a luta da contrarrevolução contra os Sovietes e a constituição de um novo governo de coalizão, tendo à frente Kerensky;
g) o VI Congresso do Partido, que lança a palavra de ordem de preparação da insurreição armada;
h) a contrarrevolucionária conferência de Estado e a greve geral de Moscou;
i) a fracassada ofensiva de Kornilov sobre Petrogrado, a reanimação dos Sovietes, a demissão dos democrata-constitucionalistas e a constituição do “Diretório”.

O traço característico deste período é o aguçamento da crise e a ruptura do instável equilíbrio entre os Sovietes e o governo provisório, equilíbrio que existia, bem ou mal, no período anterior. A dualidade de poderes se tornou insustentável para ambas as partes. O frágil edifício da “comissão de ligação” vivia os seus últimos dias. “Crise de Poder” e “carrossel ministerial” eram então as expressões mais em voga. A crise no “front” e a ruína na retaguarda completam a sua obra, reforçando as alas extremas e pressionando por ambos os lados os conciliadores defensistas. A revolução se mobiliza, provocando a mobilização da contrarrevolução. A contrarrevolução, por sua vez, estimula a revolução, suscitando novas ondas revolucionárias. A passagem do Poder à nova classe se torna a questão do momento.

Havia, então, divergências no nosso Partido? Sim, havia. Mas se referiam exclusivamente a questões de caráter prático, contrariamente ao que afirma Trotsky, que procura descobrir uma ala “direita” e uma ala “esquerda” no Partido. Eram dessas divergências sem as quais, em geral, não existe vida ativa de Partido nem trabalho autêntico de Partido.

Incorre em erro Trotsky quando afirma que a manifestação de abril, em Petrogrado, suscitou divergências no seio do Comitê Central. O Comitê Central, quando condenou a tentativa de um grupo de camaradas de prender o governo provisório, no momento em que, nos Sovietes e no Exército, os bolcheviques estavam em minoria, era absolutamente unânime sobre esta questão. Se Trotsky tivesse escrito a “história” de Outubro, não de acordo com Sukhanov, mas baseando-se em documentos verdadeiros, haveria de convencer-se sem dificuldade de que a sua asserção era errada.

Trotsky erra por completo quando afirma que a tentativa, “por iniciativa de Lenin”, de organizar a manifestação do dia 10 de junho foi tachada de “aventura” pelos membros “direitistas” do Comitê Central. Se Trotsky não escrevesse segundo Sukhanov, saberia, certamente, que a manifestação de 10 de junho foi adiada de pleno acordo com Lenin e que justamente Lenin defendeu a necessidade de adiá-la, em grande discurso pronunciado na célebre reunião do Comitê de Petrogrado. (Vide as atas do Comitê de Petrogrado).

Trotsky erra por completo quando fala de divergências “trágicas” no seio do CC, a propósito da manifestação armada de julho. Inventa, simplesmente, quando supõe que alguns membros do grupo dirigente do CC “deviam ver no episódio de julho uma aventura nociva”. Trotsky, que então ainda não participava do nosso CC e não passava de um dos nossos parlamentares nos Sovietes, podia, naturalmente, não saber que o CC considerava a manifestação de julho apenas como um meio para experimentar o pulso do inimigo; que o CC (e Lenin) não desejavam nem procuravam transformar a manifestação em insurreição, no momento em que os Sovietes da capital ainda apoiavam os defensistas.

É muito possível que alguns dos bolcheviques tenham também choramingado por motivo da derrota de julho. Sei, por exemplo, que alguns dos bolcheviques então detidos chegaram a manifestar-se dispostos a abandonar as nossas fileiras. Mas significa tergiversar com desfaçatez a história querer tirar daí deduções desfavoráveis a alguns supostos “direitistas” no seio do CC.

Trotsky erra quando declara que nas jornadas da revolta de Kornilov se manifestara, numa parte dos dirigentes do Partido, uma tendência para formar um bloco com os defensistas, em apoio ao governo provisório. Trata-se, naturalmente, dos mesmos supostos elementos “direitistas”, que fazem Trotsky perder o sono. Trotsky erra, e para desmenti-lo existem documentos como o órgão central do Partido, que lança por terra as suas declarações. Trotsky cita a carta em que Lenin alertava o CC contra o apoio a Kerensky. Mas não compreende as cartas de Lenin, o seu significado, o seu objetivo. Nas suas cartas, às vezes, Lenin se antecipa deliberadamente aos acontecimentos, pondo em primeiro plano os erros possíveis, que poderiam ser cometidos, e criticando-os mesmo antes de serem cometidos, com o objetivo de pôr em guarda o Partido, de deixá-lo a salvo de tais erros, ou, às vezes, exagera uma “minúcia”, para fazer “da mosca um elefante”, com o mesmo fim pedagógico. O chefe de um Partido, particularmente se se acha na ilegalidade, não pode agir de modo diverso, pois deve enxergar mais longe do que os seus camaradas de luta e tem o dever de dar o sinal de alarma a propósito de todo erro possível, mesmo a propósito das “minúcias”. Mas, tirar dessa carta de Lenin (e cartas como essa não são poucas) a conclusão de que existiam divergências “trágicas” e fazer alvoroço em torno disso significa não compreender as cartas de Lenin, não conhecer Lenin. Isso provavelmente explica porque Trotsky, às vezes, comete enganos formidáveis. Em suma: nos dias da revolta de Kornilov não existia no CC nenhuma, absolutamente nenhuma divergência.

Depois da derrota de julho, surgiram, efetivamente, entre o CC e Lenin, divergências em torno do futuro dos Sovietes. É sabido que Lenin, querendo concentrar a atenção do Partido na preparação da insurreição fora dos Sovietes, fazia advertências no sentido de não se exagerar a importância dos Sovietes, considerando que, contaminados como estavam pelos defensistas, já se haviam transformado num peso morto. O Comitê Central e o VI Congresso do Partido adotaram uma linha mais prudente, dizendo que não havia motivo para considerar excluída a possibilidade de dar vida nova aos Sovietes. A intentona de Kornilov demonstrou que a decisão havia sido acertada. Todavia, essa divergência não tinha importância imediata para o Partido. Em seguida, Lenin reconheceu que a linha do VI Congresso era justa. É curioso que Trotsky não se tenha aferrado a essa divergência, nem a tenha aumentado até dar-lhe proporções “monstruosas”.

Um partido unido e coeso, ocupando o centro da mobilização revolucionária das massas: eis o quadro da situação do nosso Partido naquele período.

3) O período da organização do assalto (setembro-outubro). Fatos principais deste período:

a) a convocação da Conferência Democrática e o fracasso da idéia do bloco com os democrata-constitucionalistas;
b) a passagem dos Sovietes de Moscou e de Petrogrado para o lado dos bolcheviques;
c) o Congresso dos Sovietes da região setentrional e a decisão do Soviete de Petrogrado de opor-se à evacuação das tropas;
d) a resolução do CC do Partido sobre a insurreição e a constituição do Comitê Militar Revolucionário do Soviete de Petrogrado;
e) a resolução da guarnição de Petrogrado de dar apoio armado ao Soviete de Petrogrado e a organização do sistema de comissários do Comitê Militar Revolucionário;
f) as ações das forças armadas bolcheviques e a prisão dos membros do governo provisório;
g) a tomada do Poder por parte do Comitê Militar Revolucionário do Soviete de Petrogrado e a formação do Conselho de Comissários do Povo pelo II Congresso dos Sovietes.

Considera-se como traço característico desse período o amadurecimento rápido da crise, a completa desordem reinante nos círculos dirigentes, o isolamento dos social-revolucionários e dos mencheviques e a passagem em massa dos elementos vacilantes para o lado dos bolcheviques. É necessário salientar uma particularidade original da tática revolucionária nesse período. Consiste no fato de que a revolução procura dar a cada passo, ou a quase todos os passos da sua ofensiva a aparência de defensiva. Não há dúvida de que a recusa à evacuação das tropas de Petrogrado foi um sério passo da ofensiva da revolução, porém, não obstante, essa ofensiva se fez sob a palavra de ordem de defesa de Petrogrado contra um possível ataque do inimigo externo. Não há dúvida de que, no quadro da ofensiva contra o governo provisório, a formação do Comitê Militar Revolucionário constitui um passo ainda mais sério. Não obstante, foi dado sob a palavra de ordem de organização do controle soviético sobre as operações do Estado-Maior da Região. Não há dúvida de que a passagem franca da guarnição para o lado do Comitê Militar Revolucionário e a organização da rede de comissários soviéticos assinalaram o começo da insurreição. Não obstante, estes passos foram dados pela revolução com a palavra de ordem de defesa do Soviete de Petrogrado contra possíveis ações da contrarrevolução. A revolução camuflava em certo sentido as suas ações de ofensiva, dando-lhes a envoltura de defesa para que fosse mais fácil trazer à sua órbita os elementos indecisos, vacilantes. A isso se deve, talvez, o caráter aparentemente defensivo dos discursos, artigos e palavras de ordem desse período, que, não obstante, tem um caráter profundamente ofensivo pelo seu conteúdo.

Houve, nesse período, divergências no seio do Comitê Central? Sim, e não pequenas. Já falei das divergências sobre o problema da insurreição, as quais se refletem inteiramente as atas do CC, de 10 e 16 de outubro. Não quero, por conseguinte, repetir o que já foi dito antes. Agora, é necessário abordar três questões: a participação no ante-Parlamento, o papel dos Sovietes na insurreição e a data da insurreição. Isto é tanto mais necessário porquanto Trotsky, no seu afã de colocar-se em evidência, faiscou “inadvertidamente” a posição de Lenin em face das duas últimas questões.

Não há dúvida de que as divergências sobre a questão do ante-Parlamento foram de certa gravidade. A que fim, por assim dizer, se propunha o ante-Parlamento? A ajudar a burguesia a relegar os Sovietes a segundo plano e lançar as bases do parlamentarismo burguês. Se podia ou não o ante-Parlamento alcançar esse objetivo, na situação revolucionária que se vinha criando, já é outra questão. Os acontecimentos demonstraram que esse objetivo era inatingível e que o próprio ante-Parlamento era um aborto do kornilovismo. Mas é incontestável que, ao criar o ante-Parlamento, os mencheviques e os social-revolucionários perseguiam justamente esse objetivo. Que poderia significar, naquela situação, a participação dos bolcheviques no ante-Parlamento? Nada mais do que induzir a erro as massas proletárias sobre o verdadeiro caráter do ante-Parlamento. Eis o que explica em grande parte a paixão com que Lenin flagela nas suas cartas os partidários da participação no ante-Parlamento. A participação no ante-Parlamento foi, sem dúvida, um grave erro.

Mas seria errôneo supor, como o faz Trotsky, que os defensores da participação foram ao ante-Parlamento para realizar um trabalho orgânico, para “levar o movimento operário” ao “leito da social-democracia”. Isto é inteiramente falso. Isto é mentira. Se fosse verdade, o Partido não teria podido liquidar “num abrir e fechar de olhos” esse erro mediante a retirada ostensiva do ante-Parlamento. A vitalidade e a força revolucionária do nosso Partido se exprimiram, entre outras coisas, justamente no fato de que ele soube corrigir esse erro.

Agora, permiti-me que retifique uma pequena inexatidão insinuada no relato de Lenzner, “redator” das obras de Trotsky, faz da reunião do grupo bolchevique na qual se resolveu a questão do ante-Parlamento. Lenzner informa que nessa reunião os informantes foram dois: Kamenev e Trotsky. É falso. Na realidade, os informantes foram quatro: dois em favor do boicote ao ante-Parlamento (Trotsky e Stalin) e dois a favor da participação (Kamenev e Noghin).

Ainda pior estão as coisas para Trotsky quando fala da posição tomada por Lenin sobre a forma da insurreição. Pelo que diz Trotsky resultaria que, segundo Lenin, o Partido deveria ter tomado o Poder em outubro, “independentemente do Soviete e à sua revelia”. Criticando, depois, esta tolice atribuída a Lenin, Trotsky “faz malabarismo” e finalmente deixa cair do alto esta frase: “Isso teria sido um erro”. Aqui, Trotsky não diz a verdade sobre Lenin, tergiversa a ideia de Lenin a respeito do papel dos Sovietes na insurreição. Poderia citar um montão de documentos como prova de que Lenin propunha tomar o Poder através dos Sovietes de Petrogrado ou de Moscou, e não à revelia dos Sovietes. Que objetivo persegue Trotsky com essa lenda, mais do que estranha, a respeito de Lenin?

Não vão melhor as coisas para Trotsky quando “analisa” a posição do CC e de Lenin no problema da data da insurreição. Falando da célebre reunião do CC, de 10 de outubro, afirma Trotsky que, na mesma, “foi aprovada uma resolução segundo a qual a insurreição deveria ser deflagrada o mais tardar no dia 15 de outubro”. Isto significaria que o CC havia fixado a data da insurreição para 15 de outubro e, em seguida, passando por cima de sua própria resolução, adiou-a para o dia 25 de outubro. É certo isso? Não, não é certo. O Comitê Central aprovou, naquele período, apenas duas resoluções sobre a insurreição: a de 10 de outubro e a de 16 de outubro. Procedamos à leitura dessas resoluções.

Resolução de 10 de outubro:

“O CC reconhece que tanto a situação internacional da revolução russa (revolta da esquadra na Alemanha, como manifestação extrema do processo de desenvolvimento, em toda a Europa, da revolução socialista mundial, após a ameaça de paz4 entre os imperialistas, com o objetivo de sufocar a revolução na Rússia) como a situação militar (a incontestável decisão da burguesia russa, de Kerensky e comparsas de ceder Petrogrado aos alemães) e a conquista da maioria dos Sovietes pelo Partido proletário – tudo isso ligado à insurreição camponesa e com o fato de que a confiança do povo se volta para o nosso Partido (eleições em Moscou) – e, finalmente, a evidente preparação de uma segunda revolta à Kornilov (retirada das tropas de Petrogrado, envio de cossacos às cercanias de Petrogrado, cerco de Minsk pelos cossacos, etc.): tudo isso põe na ordem do dia a insurreição armada.

Reconhecendo, assim, que a insurreição armada é inevitável e se acha inteiramente madura, o CC conclama todas as organizações do Partido a se orientarem neste sentido e a discutir e resolver, partindo desse ponto de vista, todas as questões práticas (Congresso dos Sovietes na região setentrional, retirada das tropas de Petrogrado, ações em Moscou e em Minsk, etc.).”

Resolução da reunião de 16 de outubro do CC e dos dirigentes responsáveis:

“A reunião aplaude e apoia por completo a resolução do CC, conclama todas as organizações e todos os operários e soldados a preparar com o máximo de intensidade e em todos os seus aspectos a insurreição armada, a apoiar o centro criado para esse fim pelo Comitê Central e exprime a firme convicção de que o CC e o Soviete indicarão oportunamente o momento propício e os métodos mais convenientes de ofensiva”.

Como vedes a memória foi infiel a Trotsky no que se relaciona à data da insurreição e à resolução do CC sobre a insurreição.

Trotsky erra por completo quando afirma que Lenin menosprezava a legalidade dos Sovietes, que Lenin não compreendia a grande importância da tomada do Poder pelo Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, a 25 de outubro, e que, precisamente por isso, Lenin insistia em que se tomasse o Poder antes do dia 25 de outubro. Isto é falso. Lenin propunha a tomada do Poder antes de 25 de outubro por duas razões. Em primeiro lugar, porque os contrarrevolucionários podiam a qualquer momento entregar Petrogrado, o que teria dessangrado a insurreição iminente, e, por conseguinte, cada dia era precioso. Em segundo lugar, porque o erro do Soviete de Petrogrado, que havia fixado abertamente e dado a público a data da insurreição (25 de outubro), não podia ser corrigido de outro modo senão fazendo iniciar de fato a insurreição antes desta sua data legal. O fato é que Lenin considerava a insurreição como uma arte e não podia deixar de saber que o inimigo, prevenido (pela imprudência do Soviete de Petrogrado) do dia da insurreição, se prepararia sem falta para esse dia, razão por que era necessário adiantar-se ao inimigo, isto é, iniciar a insurreição, impreterivelmente, antes da data legal. Isto explica, em grande parte, a veemência com que Lenin fustigou nas suas cartas os fetichistas do 25 de outubro. Os acontecimentos demonstraram que Lenin tinha toda a razão. É sabido que a insurreição foi iniciada antes da abertura do Congresso dos Sovietes de toda a Rússia. É sabido que o Poder foi tomado, de fato, antes da abertura do Congresso dos Sovietes de toda a Rússia e que não foi tomado pelo Congresso dos Sovietes, mas pelo Soviete de Petrogrado e pelo Comitê Militar Revolucionário, o Congresso dos Sovietes não fez senão receber o Poder das mãos do Soviete de Petrogrado. Eis porque as prolixas dissertações de Trotsky sobre o significado da legalidade dos Sovietes são absolutamente supérfluas.

Um partido cheio de vitalidade e força, encabeçando as massas revolucionárias que tomam de assalto e derrubam o Poder burguês, eis a situação do nosso Partido naquele período.

Assim são as coisas no que diz respeito às lendas sobre a preparação de Outubro.


1 Discurso pronunciado no Pleno do grupo comunista do Conselho Central dos Sindicatos da União Soviética.

2 Vide Lenin, “Obras Completas”, vol. XX, p. 104. Vide também os informes à Conferência da cidade de Petrogrado e à Conferência Nacional do P.O.S.D.R. (b) (meados e fins de abril de 1917). (N. do I.M.E.L.S. [Instituto Marx-Engels-Lenin-Stalin])

3 Entre essas lendas é preciso incluir também a muito difundida versão de que Trotsky é o “único” ou o “principal organizador” das vitórias nas frentes da guerra civil. Devo declarar, camaradas, a bem da verdade que essa versão não corresponde em absoluto à realidade dos fatos. Estou longe de negar o importante papel desempenhado por Trotsky na guerra civil. Mas, devo declarar categoricamente que a alta honra de ter organizado as nossas vitórias não cabe a esta ou àquela pessoa, mas à grande coletividade dos trabalhadores avançados do nosso país, ao Partido Comunista da Rússia. Talvez não seja demais citar alguns exemplos. Sabeis que Koltchak e Denikin eram considerados os principais inimigos da República Soviética. Sabeis que o nosso país não respirou livremente enquanto esses inimigos não foram derrotados. Pois bem, a história evidencia que esses dois inimigos, isto é Denikin e Koltchak, foram derrotados pelas nossas tropas apesar dos planos de Trotsky.

Julgai por vós mesmos.

1) Koltchak. Verão de 1919. As nossas tropas avançam contra Koltchak e combatem nas imediações de Ufá. Reúne-se o Comitê Central. Trotsky propõe que se paralise a ofensiva na linha do Rio Biélaia (perto de Ufá), deixando os Urais em poder de Koltchak, e que seja retirada uma parte das tropas da Frente Leste, a fim de ser enviada à frente Meridional. Travavam-se debates acalorados. O Comitê Central não está de acordo com Trotsky, convencido de que não se pode deixar nas mãos de Koltchak os Urais, com as suas fábricas e a sua rede ferroviária, pois ali o inimigo pode recompor-se facilmente, reunir forças e aparecer de novo às margens do Volga. A primeira coisa a fazer é lançar Koltchak para o outro lado dos Urais, para as estepes siberianas, e somente depois disso tratar da transferência de tropas para o Sul. O Comitê Central rejeita o plano de Trotsky. Este apresenta pedido de demissão. O Comitê Central não a aceita. O comandante-chefe Vacietis, partidário do plano a Trotsky, demite-se. Ocupa o seu posto Kamenev, novo comandante-chefe. A partir desse momento, Trotsky deixa de participar diretamente dos assuntos da frente Leste.

2) Denikin. Outono de 1919. A ofensiva contra Denikin não produz os resultados desejados. O “anel de ferro” em torno de Mámontov (a incursão de Mámontov) fracassa, sem dúvida alguma. Denikin toma Kursk. Denikin se aproxima de Oriol. Trotsky (chamado da frente Meridional para que assista a uma reunião do Comitê Central. O Comitê Central considera a situação alarmante e concorda em enviar para a frente Meridional novos dirigentes militares e em retirar Trotsky daquela frente. Os novos dirigentes militares exigem a “não ingerência” de Trotsky nos assuntos da frente Meridional. Trotsky deixa de participar diretamente dos assuntos da frente Meridional. As operações nessa frente, inclusive a tomada de Róstov sobre o Don e de Odessa, se desenrolam sem Trotsky.

Que procurem contestar esses fatos.

4 Evidentemente, quer dizer: “uma paz em separado”.