Ao Dia do Povo Preto (A Nova Democracia, 2015)

Nota do blog: Em ocasião do Dia do Povo Preto, neste 20 de novembro, publicamos os artigos “Ao Dia do Povo Preto” – veiculado em edição impressa do jornal A Nova Democracia, nº 161 (2a quinzena de novembro de 2015) – e “Dia do Povo Preto – Uma história de sangue e resistência” – veiculado em A Nova Democracia, nº 200 (2ª quinzena de novembro de 2017).


Ao Dia do Povo Preto

Edição Impressa: Ano XIV, nº 161, 2ª quinzena de novembro de 2015.

Mero instrumento de produção

É assim que os africanos foram introduzidos na sociedade brasileira, como mero instrumento de produção, trazidos como gado da África à América. Essa colocação, entretanto, foi justamente o que constituiu no povo preto seu caráter revolucionário logo de cara, sendo a primeira classe trabalhadora da colônia Brasil.

Foi o Brasil o território onde mais se “recebeu” africanos escravizados. Vendidos em comércios entre os colonialistas europeus (inicialmente portugueses, depois principalmente ingleses) e os líderes de tribos africanas vencedoras de guerras, o comércio de escravos negros e a colonização foram, para a burguesia nascente na Europa (principalmente Inglaterra), um divisor de águas que consolidou o sistema capitalista e consequentemente o imperialismo. Já disse o Presidente Mao que “O perverso sistema colonialista e imperialista se ergueu e prosperou com a escravização e com o comércio dos negros, e com certeza terá seu fim com a completa emancipação do povo negro”.

No Brasil, o velho Estado, apodrecido e genocida por essência, trata de comemorar o Dia da Consciência Negra (20 de novembro, dia do assassinato de Zumbi) enquanto pratica o genocídio do povo pobre no campo e na cidade, genocídio este que traz consigo o genocídio do povo preto (na medida em que os negros são majoritariamente pertencentes às classes empobrecidas chacinadas). Já os movimentos populares utilizam do dia 20 de novembro não para comemorar, mas para lembrar a história de luta dos negros e reafirmar que há ainda muita luta a se fazer, e a principal ainda está por vir.

Então, relembremos a história de luta desta gente, que é a imagem e semelhança das classes populares e terá sua libertação particular, enquanto grupo étnico massacrado pelo sistema de exploração imperialista, com a vitória da revolução de todo o povo humilde, o qual os negros fazem parte e são maioria.

A luta contra a escravidão

De fuga em fuga, o bravo povo negro foi construindo seus quilombos. Do mais conhecido e vitorioso deles, o Quilombo dos Palmares, resistindo e conquistando sucessivas vitórias por mais de 100 anos, é donde emerge a figura do grande quilombista Zumbi. Estrategista militar, competente diplomata e de notável liderança moral, Zumbi derrotou militarmente as hordas do velho Estado fascista diversas vezes. Combateu o capitulacionismo do então líder do quilombo, Ganga Zumba, ante a proposta do velho Estado de pôr fim ao quilombo alforriando os membros; Zumbi se colocou contra, reafirmando os princípios de rebeldia e de que “liberta todos ou ninguém será livre”, tomando a liderança política do quilombo. Morre depois da última expedição militar do velho Estado, dias depois, traído por um então “companheiro”.

O movimento dos negros malês, conhecida como Revolta dos Malês, também cumpriu um papel histórico importantíssimo na luta pela liberdade dos negros. Aproveitando-se da escrita de origem islâmica, a qual não entendiam os senhores de escravos, os negros malês, já com experiência militar vinda dos tempos da África, desencadearam uma insurreição pelo Poder na então província da Bahia. Devido à rapidez na mobilização das forças repressivas do velho Estado, foram vencidos logo no início da insurreição.

Dentre outras rebeliões e insurreições de escravos, todas contribuíram no avanço do processo de abolição. Mas, ao contrário do que faz crer a rasa compreensão deste momento histórico, a abolição não foi um feito benevolente do Estado e também não foi uma reivindicação somente dos escravos.

Preto e branco contra a escravidão

A classe operária, ainda que débil, juntamente com os setores populares (principalmente a burguesia nacional, que buscou dirigir o processo), também teve sua contribuição no processo de abolição. Para as classes populares, era esta uma tarefa essencial para a libertação de todo o país, e junto com a constituição de uma República democrática, era a principal pauta.

Os operários da categoria de panificadores, sob direção do sindicalista João de Mattos, por exemplo, por várias vezes dirigiram fugas de escravos e forjaram alforrias para os negros libertos, sendo suas principais ações em Santos/SP, chegando a construir um quilombo em Barra do Piraí. Esses operários citados tinham como pauta política de suas greves a libertação dos escravos.

Setores da pequena-burguesia concentrados em torno da Escola Politécnica também organizaram por várias vezes espécie de arrastões no Rio de Janeiro, “persuadindo” os donos de escravos a libertarem os últimos. Essas mobilizações, limitadas ao seu caráter de classe, isto é, pequeno-burguês e vacilante, ainda sim mostram o papel dos interesses de classe na abolição: por um lado, era de interesse das classes populares a abolição (como parte da luta por uma república democrática); por outro lado, faltava-lhes uma direção política firme para realizar tal tarefa.

É certo que a abolição como realizada não cumpriu o papel esperado pelas classes populares. Não foi uma ruptura com as velhas relações de produção e com as velhas classes que representam – ainda hoje – o atraso (latifúndio principalmente). A abolição foi cautelosamente colocada em vigor como um processo pacífico, de conciliação com os donos de escravos – que continuaram como dono de servos –, os próprios escravos – que continuaram à dominação feudal e semifeudal – e com o capitalismo inglês, que buscava despejar aqui suas manufaturas, sendo a libertação dos escravos essencial neste processo (trabalhador sem salário não tem poder de compra). Mesmo que “derrotadas” politicamente, as reivindicações pela abolição praticada pelas classes trabalhadoras livres e médias mostram que sempre foi a classe que determinou a prática dos indivíduos.

O nosso luminoso caminho é negro

Os negros possuem um papel de importância transcendental na Revolução Brasileira, como maioria na classe operária e também camponesa, sendo toda a história da luta dos negros pela liberdade, enquanto grupo étnico explorado, nada além de um prelúdio da luta que essa enorme e poderosa massa negra desencadeará pela Revolução de Nova Democracia ininterrupta ao Socialismo, agora como parte das classes exploradas. Os negros e negras, não sozinhos, farão a justiça histórica ainda pendente no que diz respeito ao latifúndio que enriqueceu com seu suor e – principalmente – sangue, e igual destino aguarda o imperialismo, que se consolidou com a diáspora desta massa hoje brasileira.

E no dia que essa gigantesca massa de gente negra, dirigida pelo proletariado, se erguer e despertar toda a fúria que acumula no seu seio por cinco séculos de exploração e dominação, uma grande tempestade reduzirá a pó as três montanhas que oprimem o povo. Dando nome aos bois, será o fim completo do imperialismo, latifúndio e grande burguesia. Esta poderosa massa erguerá das cinzas deste velho Estado um novo, que será das massas. E esse dia não está tão distante assim.

Todos os pensamentos são ‘ideias de classe’

A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais do que o ser consciente e o ser dos homens é o seu processo da vida real. […] Com efeito, cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para atingir os seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a todos os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das ideias, a dar aos seus pensamentos a forma da universalidade, a representá-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos” (Karl Marx, A Ideologia Alemã, 1846).


Dia do Povo Preto – Uma história de sangue e resistência

Edição Impressa: Ano XVI, nº 200, 2ª quinzena de novembro de 2017.

Todos os anos, no dia 20 de novembro, o monopólio da imprensa e o velho Estado tratam de distorcer o real significado do Dia do Povo Preto, que carrega uma gigante tradição de resistência e sangue neste território onde hoje situa-se o Brasil.

Assim que aqui invadiram, os portugueses tentaram escravizar os povos nativos indígenas, que impuseram feroz resistência aos colonizadores assassinos. Como conheciam o território, mesmo com a superioridade militar dos portugueses, os indígenas conseguiram não se deixar escravizar por completo, e os pretos foram trazidos da África. Chegaram aqui trazidos da forma mais selvagem possível, nos odiosos navios negreiros, para servir como força de trabalho escrava. Assim, os pretos chegaram em nosso país e consolidaram-se a primeira classe trabalhadora do Brasil colônia.

Vale lembrar que, de todos os países, o Brasil foi o que mais trouxe escravos, que eram vendidos em comércios entre os europeus e líderes de tribos africanas que venciam as guerras entre tribos rivais. Isso tudo num momento histórico em que a burguesia consolidava seu sistema capitalista, principalmente na Inglaterra.

Porém, em meio a séculos de suor, lágrimas, humilhações e sangue derramado, não foi só tristeza o que os pretos escravizados deixaram registrada na história do Brasil, mas também, e principalmente, um legado imortal de resistência. Foram criados os quilombos, onde os pretos libertos viviam após fugir da escravidão e organizavam grupos de combate para libertar outros escravos. Dentre os inúmeros fatos históricos desta luta contra a escravidão, destacou-se o heroico Quilombo dos Palmares, liderado pelo grande Zumbi dos Palmares, que ficava localizado onde hoje é o estado de Alagoas e que, por 100 longos anos, impôs derrotas às tropas do velho Estado brasileiro.

Zumbi, que era um notável estrategista militar e convicto da justeza de sua luta, combateu o capitulacionismo de Ganga Zumba, quando os opressores propuseram o fim do quilombo. Morreu na última expedição militar do velho Estado, dias depois. A frase de Zumbi que selou a sua elevada moral foi: “Liberta todos ou ninguém será livre”.

A luta continua

A Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, acabou oficialmente com a escravidão, mas de forma alguma acabou com a exploração dos pretos.

Hoje, a maioria dos assassinados pelas polícias e outras forças de repressão do velho Estado são pretos, bem como são os pretos que lotam os presídios. Majoritariamente, são também os que moram nas favelas brasileiras e compõem a maioria das classes exploradas no país (o proletariado e o campesinato). Essa situação é resultante da exploração e opressão escravocrata/feudal/semifeudal que tem se abatido sobre o nosso povo nesses séculos de dominação (ora colonial, ora semicolonial) do Brasil e uma prova de que o país precisa de uma Grande Revolução.

Somente a Revolução Democrática, Agrária e Anti-imperialista irá acabar com a opressão de classe e libertará os pretos e todos os pobres, destruindo o latifúndio, confiscando os monopólios da grande burguesia e do imperialismo que sugam o suor das massas e, em consequência disso, pondo fim ao odioso racismo e todos os preconceitos que existem contra os explorados, preconceitos que fazem parte deste sistema apodrecido.