Resenha: Destacamento vermelho de mulheres (1960)

Ficha técnica

Título: Destacamento vermelho de Mulheres (Hóngsè Niángzi Jūn)

Diretor: Xie Jin

Roteiristas: Liang Xin

Data de lançamento: 1960

Duração: 110 minutos

Nota do blog: Publicamos a seguir uma resenha sobre o filme “Destacamento vermelho de mulheres“, produzido na China Popular (1949-1976) em 1965. O filme trata da história de mais de 100 valentes mulheres do povo que, para fugir da miséria de sua vida como mulheres exploradas e ter uma chance de se livrar para sempre da opressão, se unem ao Destacamento de Mulheres, fundado no dia 1º de maio de 1931. Diversas mulheres proletárias, camponesas, escravas entregaram suas vidas para a revolução, muitas delas oferecendo a sua cota de sangue para vencer os opressores locais e invasores.

Representação artísticas das duas personagens centrais do filme, Wu Qionghua e Honglian.

A comandante se aproxima de Wu Qionghua e Honglian e pergunta:
O que vocês querem?
Viemos aqui fazer parte do exército de mulheres. – responde Wu Qionghua.
[…]
Você faz parte do proletariado? – pergunta a comandante.
Vendo que Wu Qionghua não entendeu, uma soldada pergunta:
Você possui alguma terra?
Eu sou uma escrava. Eu não tenho nada.
Ótimo! Você passa. – responde a comandante e, se voltando para Honglian, pergunta – E você?
Eu não tenho certeza se possuo terra ou não. Fui vendida ao meu marido quando tinha dez anos. – responde Hoglian.
Você certamente faz parte do proletariado! Você passa.

Transcrição de um trecho de uma cena do filme “Destacamento vermelho de mulheres”.

No filme “Destacamento vermelho de mulheres”, que se passa em 1931 na província insular de Hainan, sul da China, acompanhamos a história de Wu Qionghua, uma ex-escrava destemida que foge de seu amo pra se unir ao nascente Destacamento de Mulheres do Exército Guerrilheiro Popular. Durante uma tentativa de fuga, logo no início do filme, Qionghua cruza com quadros do Partido Comunista da China – PCCh, Hong Changqing e Xiao Pang que, disfarçados como um burguês e seu criado, se preparam para passar pelas terras de Nan Batian, o senhor de terras e comandante da milícia reacionária da região. Ao tentar entrar nas terras de Batian eles são levados pelos guardas para a prisão do local e lá encontram Qionghua sendo duramente espancada. Porém, quando Nan Batian sabe que seu novo prisioneiro é rico e poderia ser de interesse para seus negócios, ordena que o chamem para sua casa e lhe serve um grandioso jantar. Após conseguir ludibriar o tirano, Changqing pede a ele uma escrava com a desculpa de que será um presente para sua mãe e este lhe dá Qionghua, que segue viagem com os dois. Após algum tempo Changqing a liberta e indica o caminho que ela deve seguir para encontrar o local onde o Destacamento de Mulheres está sendo formado. Durante o percurso, ela encontra com Honglian, outra mulher decidida a se unir ao destacamento feminino, e juntas seguem até o local. Chegando lá, são incorporadas ao destacamento, recebem treinamento militar, estudam a ideologia do proletariado e se integram com as demais mulheres revolucionárias. Ao longo do filme se desenvolvem duras batalhas do Destacamento de Mulheres, orientadas por Changqing como um representante do PCCh e com o apoio do povo armado, contra o tirano Nan Batian, suas tropas e as da Brigada da Guarda Central, resultando em mais uma gloriosa vitória do povo chinês.

Cena de Wu Qionghua após ingressar no Destacamento de Mulheres.

Assim como outros filmes produzidos na China durante a mesma época, “Destacamento vermelho de mulheres” tem como base um dos vários momentos em que o povo Chinês demonstrou sua heroicidade na batalha contra os senhores de terra locais, contra as tropas da reação e contra a invasão do Japão fascista. Neste caso, o enredo do filme se baseia na formação de um destacamento especial de mulheres, que atuariam principalmente como espiãs, em Hainan, uma região muito disputada e explorada por interesses coloniais e imperialistas. O início deste destacamento se deu no dia 1º de maio de 1931, quando 100 mulheres recrutadas de famílias pobres e camponesas fazem seu juramento perante a bandeira vermelha do destacamento. Durante mais de 500 dias, estas mulheres lutaram em um difícil ambiente, tomando parte ativa nas batalhas contra as campanhas de “cerco e aniquilamento” do inimigo. Na maior parte das vezes, elas se utilizavam de táticas de emboscada para derrotar o exército do Kuomintang e outros inimigos invasores, derrubando muitas de suas fortalezas.

Por muito tempo eram poucas as pessoas que conheciam a existência do destacamento de mulheres, mas seus feitos se tornaram de conhecimento do público geral com a publicação de uma notícia em 1957, escrita pelo jornalista Liu Wenshao. Tamanho é o peso histórico e ideológico deste destacamento que logo sua história passou a inspirar diversas obras que repercutem até os dias de hoje. A primeira delas foi uma ópera local de Hainan. Quatro anos depois da publicação da notícia é lançado o filme “Destacamento vermelho de mulheres”, que mais tarde inspirou uma história em quadrinhos de impressão massiva e, por último, em 1972 se tornou uma peça do Balé Nacional dirigida por Chiang Ching.

Cena da peça de balé “Destacamento vermelho de mulheres”, apresentado pela primeira vez em 1972.

Além da história do destacamento se basear na realidade, a protagonista Wu Qionghua foi inspirada em duas mulheres reais, Pang Qionghua e Feng Zengmin. A primeira, que também inspirou o nome da personagem, fugiu de um casamento que havia sido arranjado desde quando ela tinha quatro anos e logo começou sua formação partidária, se juntando à Liga da Juventude Comunista e atuando como soldada do Terceiro Regimento do Exército Vermelho. Com a formação do Destacamento de Mulheres, ela se torna sua comandante, estando à frente de muitas façanhas militares realizadas pelo destacamento. Em 1932, após a falha de uma das campanhas de contracerco, Pang Qionghua é presa e torturada na prisão. Após sua libertação, com a invasão japonesa, é assassinada após recusar-se a casar com um oficial japonês. Feng Zengmin também foi uma comandante do destacamento e, assim como Pang Qionghua, também foi presa pela reação, passando por diversos julgamentos e tribunais. Em 1937 ela foi liberta e voltou a desenvolver atividades partidárias. Com o triunfo da Revolução Chinesa ela se torna diretora do Comitê de Mulheres.

À esquerda Pang Qionghua e à direita Feng Zengmin, as duas comandantes que inspiraram a personagem Wu Qionghua.

Ademais do aspecto histórico, o filme traz ricas contribuições também no aspecto ideológico. O principal e mais claro deles é a representação da participação ativa das mulheres no processo revolucionário chinês. As mais de 120 personagens que fazem parte do destacamento fogem da miséria de suas vidas de escravas, camponesas pobres, esposas com casamentos arranjados desde a infância para seguir o que a protagonista Wu Qionghua explicita que é o único caminho: se unir ao Destacamento de Mulheres e à revolução. Lá elas estudam a todopoderosa ideologia científica do proletariado, se forjam militarmente, entregam suas vidas ao trabalho revolucionário e se mostram preparadas para dar a sua cota de sangue para destruir aqueles que as oprimiam. A coragem e a determinação de todas as personagens estão evidentes em diversos momentos do filme, seja em batalhas entre as tropas ou em confrontos diretos contra seus opressores.

Outro ponto importante, que aparece mais implicitamente na trama, é a necessidade de educar as massas na violência revolucionária e em compreender o papel do indivíduo no todo do processo revolucionário. No início do filme, Wu Qionghua alimentava um ódio muito grande por Nan Batian, por todo o sofrimento e miséria que ele causou a ela e sua família. Ao entrar no Destacamento de Mulheres ela viu uma oportunidade de se vingar de seu verdugo e, em uma das ações armadas que realizou, colocou a segurança do destacamento em risco e desobedeceu as ordens de sua comandante em uma tentativa frustrada de assassinar Nan Batian. Ao voltar e relatar o ocorrido ela recebeu uma punição, conseguindo entender que apenas o ódio e a busca individual por vingança não são o suficiente para libertar todo o povo. Em outro momento, ela questiona se seu sacrifício individual em uma missão quase suicida também não seria valoroso, ao que Hong Changqing, secretário do PCCh na região, a esclarece que, para libertar um país tão grande quanto a China, não é possível depender apenas de vontade e sacrifício individual. Com isso, fica claro que o ódio que o povo mantém por tudo aquilo e aqueles que os oprimem deve ser guiado pela ideologia, pelo coletivo e com o objetivo de fazer a revolução desenvolvendo a Guerra Popular, pois de modo contrário jamais será possível libertar todo o povo e acabar com todo o sistema de exploração e opressão.

Cena onde o Secretário Hong Changqing explica sobre como somente sacrifícios individuas não são suficientes para libertar toda a China, sendo necessário uma luta de toda a classe.

Além das já citadas, o filme “Destacamento vermelho de mulheres” traz muitas outras contribuições para o processo de forja ideológica e entendimento do espectador sobre o processo da Grande Revolução Chinesa (GRC). É uma obra indicada para todos, mas tem um peso ideológico bastante grande para as mulheres do povo e revolucionárias, já que é possível ter nas personagens e nas histórias reais que as inspiraram exemplos de coragem, determinação, desprendimento e enxergar materializada nelas a necessidade de despertar a fúria revolucionária e milenar que se encontra dentro de cada mulher proletária, camponesa, estudante, etc., para que junto com seus companheiros de classe possam percorrer o caminho escarpado e luminoso da revolução.