De Karl Marx ao marxismo – Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas (Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoismo, 2018-2020)

Nota do blog: Em razão do Natalício de Karl Marx, o mestre fundador do Comunismo, celebrado no dia 05 de maio, publicamos na íntegra o documento do Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoismo (NEMLM) “De Karl Marx ao marxismo – Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas”. Este importante estudo e exposição foi originalmente publicado em várias partes – entre 2018, bicentenário de Karl Marx, e 2020, bicentenário de Friedrich Engels – no jornal A Nova Democracia (AND), órgão da imprensa popular e democrática, que destaca que, sob o ponto de vista da terceira e superior etapa da ideologia científica do proletariado, o marxismo-leninismo-maoismo, da luta de classes, da luta de duas linhas e da linha de massas, este documento permite “uma compreensão profunda de como Marx e Engels formularam sua teoria sempre imersos na prática da luta de classes, que caminho percorreram e que métodos aplicaram para chegar ao marxismo como ideologia científica do proletariado. Prática, caminho e método aplicado por seus continuadores Lenin, Presidente Mao e Presidente Gonzalo às realidades concretas e particulares de seus respectivos países e processos revolucionários”.

Disponibilizamos também abaixo o documento em PDF:

De Karl Marx ao marxismo

Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoismo

Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas

A doutrina de Marx é onipotente porque é exata. É completa e harmoniosa, dando aos homens uma concepção integral do mundo, inconciliável com toda a superstição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: da filosofia alemã, da economia política inglesa e do socialismo francês.”
Lenin, As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo

O marxismo consiste em milhares de verdades, que podem todas ser resumidas numa única de que a rebelião se justifica!”
Presidente Mao Tsetung, Discurso em Yenan por motivo da celebração do aniversário de Stalin

Em síntese, a ideologia do proletariado, a grande criação de Marx, é a mais alta concepção que se viu e se verá na Terra; é a concepção, é a ideologia científica que pela primeira vez dotou aos homens, à classe (principalmente) e aos povos, de um instrumento teórico e prático para transformar o mundo. E tudo o que ele previra vimos como foi cumprindo-se. O marxismo tem se desenvolvido, deveio em marxismo-leninismo e hoje marxismo-leninismo-maoismo, e vemos como esta ideologia é a única capaz de transformar o mundo, fazer a revolução e de nos levar para a meta irrenunciável: o comunismo.”
Presidente Gonzalo, A entrevista do século

O grande Friedrich Engels afirmou que o marxismo era uma necessidade histórica e que, por sua vez, Karl Marx era uma casualidade. Essa afirmação abarca uma profunda compreensão materialista dialética da história e constitui um importante ponto de partida para analisarmos a gênese do marxismo. Trata-se, por rigor marxista, ao fim e ao cabo, da relação entre chefes – partido – classes e massas, como posteriormente foi sistematizado pelo camarada Lenin. Como também se trata da relação entre chefatura e pensamento-guia que a sustenta, como estabelecido pelo Presidente Gonzalo.

O que a afirmação de Engels nos mostra é que a ideologia científica do proletariado necessariamente seria sistematizada; pois, na verdade, essa ideologia representa o reflexo necessário, na consciência social, da luta de classes antagônicas entre burguesia e classe operária. Em particular, essa luta de classes se reflete no curso do desenvolvimento do movimento operário e de seu partido revolucionário, o Partido Comunista, como luta de duas linhas. Quando Engels fala em casualidade, quer dizer que não fosse Marx o sistematizador dessa ideologia científica, necessariamente caberia a outro revolucionário proletário essa árdua tarefa.

O marxismo como necessidade histórica

O marxismo, portanto, não é produto exclusivo da genialidade desse titã do proletariado chamado Karl Marx. O marxismo é fundamentalmente o produto da luta da classe operária contra a burguesia e o capitalismo na Europa, no final do século XVIII e início do século XIX. O marxismo é, também, produto da luta de duas linhas que se deu na direção do movimento operário europeu e do Partido Comunista à época. E ao indivíduo Karl Marx, só lhe foi possível sistematizar essa ideologia, não só por desde cedo se vincular ao movimento operário, mas por ter sido o fundador do Partido Comunista, que em árdua luta de duas linhas derrotou, ao longo dos anos, as posições pequeno-burguesas e utópicas de Proudhon e Blanqui, a posição anarquista, pseudo-científica de Bakunin e a influência reformista de Lassale na socialdemocracia alemã.

A luta de classes não foi apenas o impulso inicial da ideologia científica, o pensamento de Marx se desenvolveu, se completou, se transformou em Marxismo, porque sempre esteve fundido na prática à luta e a todas as vicissitudes da classe operária. Como parte da genialidade de Marx está o seu manejo da Linha de Massas, verdadeiro selo de classe em sua teoria do conhecimento. Marx soube sistematizar as ideias dispersas do proletariado europeu, soube ver por detrás de suas consignas espontâneas a solução histórica para os desafios estratégicos da revolução proletária.

A Liga dos Comunistas, o Manifesto do Partido, as Revoluções de 1848 e as Lutas de classes em França

Após ter sido expulso da Alemanha, em 1843, pelo governo prussiano e pouco tempo depois, em 1845, da França, Marx, juntamente com Engels e um pequeno grupo de comunistas se instalam em Bruxelas, capital da Bélgica, e lá conformam o chamado Comitê de Enlace, que atuava conjuntamente a outras organizações operárias alemãs e francesas, principalmente.

No início de 1847, Marx e Engels são convidados a ingressar na Liga dos Justos, organização clandestina de operários alemães cuja atuação se dava principalmente no exterior, particularmente em Paris e Londres. A Liga dos Justos, ideologicamente, era influenciada pelo socialismo pequeno-burguês de Proudhon e, do ponto de vista prático, pelas táticas putschistas de Auguste Blanqui, com cujo grupo haviam atuado na rebelião de 1839 em Paris. Marx e Engels, e seu pequeno grupo sediado em Bruxelas, ingressam na Liga dos Justos como uma Fração Vermelha e nos dois Congressos, realizados em 1847, travam uma vitoriosa luta de duas linhas, particularmente contra a influência proudhonista que representava a posição de direita no movimento operário francês.

No início daquele ano, Marx havia publicado Miséria da filosofia, que segundo Lenin é a primeira obra madura do marxismo. Neste importante trabalho, que era uma resposta ao livro Filosofia da miséria de Proudhon, Marx atacava as concepções idealistas da economia política proudhoniana, bem como a sua visão pequeno-burguesa de só ver no proletariado a sua condição miserável de vida; é nesta obra, também, que Marx desenvolve o conceito de antagonismo em sua dialética materialista.

O II Congresso da Liga, realizado no final de 1847, teve duração de mais de dez dias e contou com a direção pessoal do grande Marx, que pôde responder cada uma das dúvidas daqueles militantes operários, explicando assim para aquela vanguarda os princípios do socialismo científico, isto é, os princípios do comunismo. Este Congresso consagra a vitória da Fração Vermelha na Liga e o aplastamento do proudhonismo. O lema da organização, “Todos os homens são irmãos” é substituído pela consigna imortal: Proletários de todos os países, uni-vos!; o nome da organização necessariamente teria que corresponder a este novo programa, assim a Liga dos Justos se transforma na Liga dos Comunistas. Estava fundado, pela primeira vez na história, o Partido Comunista; cuja ideologia deste Partido foi sistematizada no Manifesto do Partido Comunista, publicado pela primeira vez em Londres, no início de fevereiro de 1848. O Manifesto representa o surgimento do marxismo como o pensamento guia do movimento operário europeu e era a sustentação ideológica da condição de chefatura alcançada por Marx no movimento comunista do velho continente. A partir daí a ideologia científica do proletariado passava a se confundir inteiramente com o nome de seu fundador.

E essa ideologia só podia seguir seu desenvolvimento em meio ao aprofundamento da luta de classes na Europa e da luta de duas linhas no Partido Comunista. Em 1848, poucas semanas após a publicação do Manifesto, uma onda de revoluções democrático-burguesas sacudiu toda a Europa, especialmente Paris. A classe operária, como já o fizera antes na Inglaterra e na França, tomou parte ativa nessas insurreições, mas pela primeira vez tinha a seu dispor um pensamento guia. O pensamento de Marx era a expressão ideológica da passagem do proletariado da condição de classe-em-si à de classe-para-si. O Manifesto era o brado do Partido Comunista de conclamação à classe operária para tomar em suas mãos todo o poder político, através da violência revolucionária:

“Os comunistas não se rebaixam a dissimular seus objetivos e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam frente a ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder nela a não ser seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!” (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista).

A Liga dos Comunistas, como única organização comunista na Europa naquele momento, guardava, inevitavelmente, um duplo caráter: ao mesmo tempo em que era uma organização internacional, não apenas de operários alemães, como figurava nas decisões de seu Congresso, na prática, entretanto, era constituída na grande maioria de seus membros e dirigentes por revolucionários alemães, ou de países cuja segunda língua era o alemão. O próprio Manifesto foi impresso em alemão, em 1848, mas sua tradução para uma segunda língua, no caso o inglês, só ocorreu em 1852. O pensamento de Marx, naquele momento, era também conhecido como o “socialismo científico alemão”. Este caráter da Liga dos Comunistas fica patente na atuação da organização durante as revoluções de 1848. A atuação da Liga foi fundamentalmente em território alemão lutando contra o reino da Prússia e o império da Áustria, e por uma revolução democrático-burguesa que unificasse, sobre novas bases, uma Alemanha republicana.

No entanto, em 1848, o palco mais intenso da luta de classes na Europa foi, uma vez mais, a França. Em fevereiro, estoura uma insurreição contra a monarquia da dinastia dos Orleans, que estavam no poder desde 1830. A burguesia francesa, tendo a classe operária armada como seu principal aliado, consegue derrubar o rei Luís Felipe e instaurar a República. Logo após esta nova derrubada da monarquia, a burguesia francesa inicia seus esforços por desarmar o proletariado. O proletariado francês, todavia, dentre toda a classe operária europeia, era o mais experiente em revoluções. Em menos de um século atuara: como força secundária na Grande Revolução de 1789; em seguida, durante o Império Napoleônico atuou como soldado na expansão democrática no início do século XIX; depois, assistiu suas poucas conquistas, alcançadas na revolução burguesa, serem retiradas após a restauração da dinastia dos Bourbons, em 1815; também, o proletariado participara da insurreição de 1830, que pela segunda vez derrubou os Bourbons e mais uma vez viu frustrados seus interesses com a instalação de uma monarquia constitucional. Era esta monarquia constitucional que agora se derrubava, em 1848, mas desta vez o proletariado não se unificava em torno das bandeiras burguesas; de armas em punho desfraldava suas próprias consignas: pelo “direito ao trabalho” e pela “república socialdemocrata”.

O inevitável antagonismo de classes, entre a burguesia e o proletariado, constatado por Marx em 1847, se confirmou em junho do ano seguinte, quando pela primeira vez na história houve um enfrentamento direto, armado e sangrento da classe operária contra a burguesia e sua república. A insurreição operária havia sido derrotada, mas “o sangue não aplasta a revolução, senão que a rega”; as lições de junho de 1848 teriam importantíssimas implicações políticas e táticas para o desenvolvimento do movimento operário e de seu Partido.

O trabalho de Karl Marx dotou o proletariado da ideologia científica

Assim que estoura a revolução de fevereiro, na França, Marx é expulso da Bélgica e se dirige a Paris revolucionária, de onde também é “convidado” a se retirar – e dessa vez o “convite” foi feito pelo novo governo burguês. O governo da revolução de fevereiro estava custeando a viagem do máximo possível de operários alemães e mesmo de outras nacionalidades para atravessarem as fronteiras francesas em direção aos territórios dominados pela Prússia e pela Áustria. A justificativa era o apoio à revolução burguesa, também em curso nos territórios prussiano e austríaco, que em março de 1848 assistiram grandiosas insurreições populares em Berlim e Viena. O real objetivo, entretanto, do governo burguês parisiense era “limpar” o máximo possível a cidade de revolucionários. No entanto, tornara-se importante objetivo político para Liga dos Comunistas dirigir-se à Alemanha pois, mirava assim, intervir diretamente no curso da revolução democrático-burguesa alemã. Ainda na Bélgica, frente aos tumultuosos acontecimentos em todo o continente, a direção da Liga toma uma importantíssima decisão:

“Estávamos todos, precisamente, a dar o salto para Paris e, assim, a nova autoridade central decidiu igualmente dissolver-se, transferir todos os plenos poderes para Marx e mandatá-lo para que constituísse logo em Paris uma nova autoridade central.” (Engels, Para a história da Liga dos Comunistas).

O pensamento de Marx era a expressão ideológica da passagem do proletariado da condição de classe-em-si à de classe-para-si.

Essa decisão da autoridade central da Liga dos Comunistas era o reconhecimento e a defesa da condição de chefatura de Karl Marx. Foi uma grande decisão, pois, mais do que nunca, os momentos de auge revolucionário exigem a centralização absoluta da direção revolucionária. A implicação imediata do reconhecimento da condição de chefatura de Marx foi a resolução tomada por ele, de que a Liga não deveria participar dos corpos “revolucionários”, organizados pelo governo burguês da França, que pretendiam invadir a Alemanha e assim impor a instalação de uma república democrática. Marx antevira o fracasso de tal estratégia que conduziria em última instância ao fortalecimento das monarquias prussiana e austríaca. A deliberação de Marx foi de que os membros da Liga deveriam cruzar imediatamente as fronteiras alemãs e desde lá apoiassem e participassem do processo revolucionário em curso, colocando em prática a tática política exposta no Manifesto quanto à atuação dos comunistas nas revoluções democrático-burguesas. Dessa maneira, Marx e Engels se dirigem para os territórios alemães e se instalam em Colônia, principal cidade da província Renana. A chegada da direção e da chefatura da Liga dos Comunistas a Colônia foi acompanhada pela publicação das Demandas do Partido Comunista na Alemanha, na qual se podia ler:

É pelo interesse do proletariado alemão, da pequena burguesia e dos pequenos camponeses, que apoiamos essas demandas com toda a energia possível. Apenas com a realização dessas demandas, os milhões na Alemanha – que sempre foram explorados por um punhado de pessoas e que são aqueles que os exploradores querem que continuem em tal situação – ganharão direitos e chegarão ao poder, que os convoca como produtores de todas as riquezas.

As referidas demandas eram constituídas por um conjunto de 17 proposições políticas que sistematizavam as reivindicações democráticas apresentadas no Manifesto do Partido Comunista. As demandas foram publicadas no dia 24 de março de 1848, em território alemão, poucos dias depois das já referidas insurreições de Berlim (18 de março) e de Viena (13 de março). Essas insurreições representavam o ponto culminante da luta da burguesia alemã contra a base econômica feudal e sua expressão política: a monarquia.

Em Berlim, capital do Reino da Prússia, o levantamento armado é esmagado violentamente, o rei Guilherme IV procura se eximir da responsabilidade do massacre e ordena a retirada das tropas da cidade, que passa a ser controlada por uma milícia civil. Em Viena, a manifestação resultou na demissão do principal ministro do imperador da Áustria, Fernando I. Ao se instalarem em Colônia, Marx e Engels fundam a Nova Gazeta Renana, que se tornou o principal jornal porta-voz da revolução democrática da Alemanha. Ele era o jornal legal da Liga dos Comunistas, que seguia sua atuação na clandestinidade frente às perseguições do Reino da Prússia e do Império Austríaco.

No entanto, logo após a insurreição operária de Paris, em junho de 1848, a burguesia alemã, que já era extremamente vacilante na sua luta contra os senhores feudais e a monarquia, se torna ainda mais temerosa e desconfiada de seu principal aliado, o proletariado. A burguesia renana, que era da região mais avançada industrial e politicamente, capitulou da luta pela direção política do processo revolucionário e cedeu lugar à burguesia de Berlim que, em acordo com o rei da Prússia, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. Essa Assembleia, em 1849, aprovou uma constituição, cuja a principal decisão era o coroamento de Guilherme IV como imperador da Prússia.

A Liga dos Comunistas teve poucas condições de atuar num processo revolucionário que não foi, verdadeiramente, levado a termo. O fato de sua atuação anterior ter se concentrado principalmente no estrangeiro e a dificuldade de uma atuação centralizada nas regiões da Prússia e da Áustria, prejudicaram enormemente a atuação dos comunistas. Em 1849, inicia-se o processo de perseguição reacionária. No mês de maio, a Nova Gazeta é fechada pelo governo prussiano, Marx é novamente preso e expulso da Alemanha. Em 1850, na Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas, Marx apresenta o balanço da revolução democrática alemã:

“Ao passo que os pequeno-burgueses democratas querem pôr fim à revolução o mais depressa possível, realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até que todas as classes mais ou menos possidentes estejam afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários, não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos, estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da transformação da propriedade privada, mas apenas do seu aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de classes, mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade existente, mas de fundar uma nova.”.

O balanço do insucesso da revolução democrática, apoiada pela Liga dos Comunistas, era o balanço da primeira aplicação concreta da tática propugnada no Manifesto do Partido Comunista. A inconsequência da burguesia alemã fora assim resumida por Marx, em dezembro de 1848: “sem fé em si própria, sem fé no povo, resmungando contra os de cima, tremendo perante os de baixo, egoísta para com os dois lados e consciente do seu egoísmo, revolucionária contra os conservadores, conservadora contra os revolucionários”. Ao falar da “revolução em permanência”, Marx antecipava a necessidade, cada vez premente, do proletariado não só apoiar as revoluções democráticas, mas de assumir sua direção como necessidade para que seja levada de maneira consequente. Esse importante aporte ao socialismo científico, parte do balanço de sua direção pessoal na revolução alemã, foi plenamente desenvolvido pelo camarada Lenin durante a Revolução de 1905, já dentro do estágio superior do capitalismo, isto é, o imperialismo, e pelo Presidente Mao como especificação das revoluções democráticas nos países coloniais e semicoloniais.

No entanto, o balanço mais importante feito por Karl Marx das revoluções de 1848 será do processo francês, exatamente por ter sido o mais radical e profundo, no qual se expressaram de maneira mais aguda o antagonismo de classe entre a burguesia e o proletariado. Em suas obras As lutas de classes na França e em O 18 brumário de Luís Bonaparte, Marx analisa, como nenhum outro, a história francesa, especialmente de 1848 até 1851, quando Napoleão III, após ser eleito presidente da França, promove um golpe de Estado e restaura novamente a monarquia, nomeadamente o Segundo Império. Como nos indica Engels na introdução de 1895, será sobretudo em As lutas de classes que Marx avançará no desenvolvimento do socialismo científico. Marx, aplicando a linha de massas, sistematiza a consigna levantada espontaneamente pelo proletariado francês de “direito ao trabalho”:

“No primeiro projeto de Constituição, redigido antes das jornadas de junho, figurava ainda o ‘direito ao trabalho’, esta primeira fórmula, torpemente enunciada, em que se resumem as reivindicações revolucionárias do proletariado. (…) O direito ao trabalho é, no sentido burguês, um contrassenso, um desejo piedoso e infeliz, mas por trás do direito ao trabalho está o poder sobre o capital e, por trás do poder sobre o capital a apropriação dos meios de produção, sua submissão à classe operária associada e, por conseguinte, a abolição tanto do trabalho assalariado como do capital e das suas relações mútuas. Por trás do ‘direito ao trabalho’ estava a insurreição de junho”.

Marx percebe que nessa “ideia dispersa” das massas havia uma grande questão política, por detrás de uma reivindicação “piedosa” estava a solução histórica de qual era o objetivo político do proletariado em sua conquista do Poder. Como bem ressalta Engels, em As lutas de classes, pela primeira vez é proclamada “a fórmula em que unanimemente os partidos operários de todos os países do mundo condensam sua demanda de uma transformação econômica: a apropriação dos meios de produção pela sociedade”. Essa síntese não estava no Manifesto, foi produto da luta de classes e da capacidade de Marx em ir “das massas para as massas”. Foi, também, nesse sentido, que Marx sistematizou a consigna do proletariado francês de “república socialdemocrata”, como sendo a ditadura do proletariado, a única capaz de assegurar a realização da “apropriação dos meios de produção”:

“Este socialismo é a declaração da permanência da revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto necessário de transição para a supressão das diferenças de classe em geral, para a supressão de todas as relações de produção em que repousam tais diferenças, para a supressão de todas as relações sociais que correspondem a estas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que resultam destas relações sociais”. (Karl Marx, As lutas de classes na França de 1848 a 1850).

As revoluções de 1848, particularmente na França e na Alemanha, a partir da direção concreta de Marx na segunda e de seu profundo balanço da primeira, constituem o encerramento de uma fase no processo de conformação do marxismo. Correspondem ao acabamento da formulação do pensamento Marx, que por ele mesmo é assim sistematizado em uma carta, de 5 de março de 1852, a um de seus camaradas, Joseph Weydemeyer, que desde o USA preparava a primeira publicação de O 18 brumário de Luís Bonaparte:

“No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi:

  1. demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção;
  2. que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado;
  3. que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes.”.

Parte 2:

A Associação Internacional dos Trabalhadores, O Capital, a Comuna de Paris e Guerra Civil em França

Logo após as derrotas dos processos revolucionários, de 1848, abre-se na direção da Liga dos Comunistas uma importante luta de duas linhas. Se, por um lado, o proudhonismo e suas “soluções não antagônicas” havia sofrido uma importante derrota – ou um “golpe mortal”, como afirma Lenin –, por outro lado, as posições blanquistas seguiam influenciando os operários veteranos, oriundos da Liga dos Justos.

O golpe de Napoleão III e a restauração do Império na França, tal como o coroamento como imperador de Guilherme IV pela Assembleia Constituinte na Prússia, eram a expressão política da entrada de um período econômico de prosperidade e crescimento do capitalismo. Marx e Engels corretamente analisaram essa situação concluindo que “uma nova revolução só é possível como consequência de uma nova crise. Mas é tão segura como esta”. No entanto, a tática pequeno-burguesa do blanquismo, que apregoava a revolução como um golpe de uma minoria esclarecida (como a tomada de um prédio público ou de um palácio) desconsiderava completamente a análise econômica e política feita por Marx, e defendia que a tarefa do dia seguia sendo preparar para já novas insurreições. Dentro da Liga dos Comunistas, Karl Schapper encabeçou a defesa das posições blanquistas e provocou a divisão. Por outro lado, como mais uma expressão do processo de reacionarização e refreamento da situação revolucionária, tem-se a prisão de 12 militantes da Liga dos Comunistas e seus julgamentos, o que ficou internacionalmente conhecido como “Processo de Colônia”. O governo prussiano acusava estes 12 revolucionários por “alta traição”; oito deles foram condenados à prisão e quatro absolvidos.

Após o processo de Colônia, a Liga dos Comunistas é dissolvida e poucos meses depois a linha divisionista desaparecia. Segundo Engels, encerrava-se então “o primeiro período do movimento operário comunista na Alemanha”. Iniciava-se, por sua vez, a gestação de novas e mais elevadas revoluções; iniciava-se a gestação de um novo salto dentro da ideologia proletária, do salto que transformaria o pensamento Marx, guia da revolução proletária na Europa, no marxismo, ideologia universal do proletariado. A partir de 1849, Marx e Engels instalam-se na Inglaterra e retomam, num esforço concentrado e disciplinado, os seus estudos teóricos, particularmente da economia política burguesa.

Estando em Londres, e tendo às mãos uma vasta bibliografia, na Biblioteca do Museu Londrino, contando com o imprescindível suporte logístico de Engels, Marx pôde elaborar de maneira sistemática a teoria que representa o maior salto científico e ideológico em toda a história da humanidade. Após dez anos de árduo trabalho contínuo, nunca solitário – pois a residência dos Marx sempre foi uma espécie de sede do Partido Comunista para onde regularmente se dirigiam revolucionários e exilados políticos de todo o mundo – finalmente Marx pôde apresentar à classe um primeiro resultado de suas investigações. Trata-se da Contribuição para a crítica da economia política, publicado em 1859. O aspecto mais importante dessa obra é a aplicação extremamente precisa do materialismo dialético ao estudo da história e à descoberta das leis gerais que explicam o desenvolvimento da sociedade de classes, da contradição entre sua base econômica e sua superestrutura. Trata-se, portanto, de uma obra de profundo significado filosófico, no qual se estabelece em termos científicos e universais a teoria da luta de classes marxista.

No prólogo desta obra, Marx faz uma das mais brilhantes sistematizações de suas recentes descobertas:

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção.”.

Esses resultados teóricos alcançados por Marx ampliaram, imensamente, a significação universal de seu pensamento. A sua conclusão de que a história da sociedade é a história da luta de classes, encontrou ali uma demonstração completa, o que correspondia à sua generalização. A luta de classes é o motor da história, pois está nela a solução da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. No entanto, esse resultado, apesar de gigantesco, era ainda o início do salto de qualidade na ideologia científica do proletariado. Não bastava a explicação geral do desenvolvimento da história da humanidade, era necessário a descoberta da lei que rege o desenvolvimento e a crise da sociedade capitalista, demonstrando assim porque a luta de classes sob o regime capitalista conduz “necessariamente à ditadura do proletariado”. Como o próprio Marx afirma, no prefácio a O capital: “O objetivo final desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna”. A descoberta dessa lei que completa suas descobertas na filosofia – o materialismo dialético e o materialismo histórico – e quanto ao pensamento socialista – com o socialismo científico, o comunismo – consiste na transformação do pensamento Marx em Marxismo.

A economia política de Marx

Lenin, em sua magnífica síntese do marxismo – o pequeno artigo Karl Marx*, afirma que o essencial na ideologia proletária é a sua doutrina econômica. Nesse texto, Lenin nos mostra que a lei econômica, descoberta por Marx, que explica o surgimento, o desenvolvimento e o fim da sociedade capitalista é a lei do valor e sua necessária decorrência: a mais-valia.

Do ponto de vista ideológico, O Capital era a afirmação definitiva de que o marxismo era o único socialismo científico.

Em O capital, Marx inicia a explicação do funcionamento dessa lei a partir da mercadoria que é o elemento dominante da sociedade capitalista. A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma necessidade qualquer do homem e, em segundo lugar, uma coisa que pode ser trocada por outra. A utilidade faz da mercadoria um valor de uso, já o valor de troca (ou simplesmente o valor) é, primeiramente, a relação proporcional que se estabelece na troca de um valor de uso por outro. O que permite que uma mercadoria possa ser trocada por outra é o fato de ambas serem produtos do trabalho, no entanto, o que há de comum nessas mercadorias não é o trabalho concreto de um determinado ramo de produção, mas o trabalho abstrato, o trabalho em geral. Cada mercadoria considerada isoladamente representa uma parte do tempo de trabalho socialmente necessário; o valor de uma mercadoria, portanto, é o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Esse valor, entretanto, não pode ser medido de outra maneira que não seja na equiparação com outra mercadoria, por isso o valor de troca é a forma do valor. Ao longo do surgimento da sociedade capitalista, a forma do valor foi evoluindo de sua forma fortuita (quando uma mercadoria é trocada por outra ocasionalmente) para a forma geral do valor (quando, a partir da intensificação do processo de troca, se estabelece uma determinada mercadoria como o equivalente geral desse processo), até chegar à forma dinheiro do valor. Marx demonstra, então, que o dinheiro, como forma suprema do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias, encobre e dissimula o caráter social dos trabalhos parciais.

Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias (M – D – M), isto é, a produção de mercadorias para a compra de outras, é substituída pela fórmula geral do capital (D – M – D’), ou seja, a compra para a venda com lucro. Esse acréscimo do valor primitivo posto em circulação é o que Marx chama de mais-valia. É precisamente esse acréscimo de valor que transforma o dinheiro em capital. No entanto, esse acréscimo de valor não poderia surgir da circulação de mercadorias, porque a troca só é possível entre valores equivalentes. Para obter a mais-valia “seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo o valor de uso fosse dotado de propriedade singular de ser fonte de valor”, aponta Marx, em O capital. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana, cujo o valor, como de qualquer outra mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção (isto é, pelo custo de manutenção do operário e da sua família). O possuidor do dinheiro compra, por exemplo, a força de trabalho por 8 horas, mas em 4 horas (tempo de trabalho necessário) o operário cria um produto que cobre as despesas de sua manutenção e, durante as outras 4 horas (tempo de trabalho suplementar) o operário cria um sobreproduto não retribuído pelo capitalista, que constitui a mais-valia. Do ponto de vista do processo de produção, o capital deve ser distinguido em duas partes: o capital constante, investido nos meios de produção (instalações, máquinas, instrumentos, matéria-prima etc); e o capital variável, que é investido para pagar a força de trabalho. A taxa de mais-valia, entretanto, deve ser calculada pela relação entre o capital variável e a mais-valia produzida, que no exemplo acima seria de 100%.

O aumento da mais-valia é possível graças a dois processos fundamentais: o prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta) e a redução do tempo de trabalho necessário (mais-valia relativa). Na sua análise da produção da mais-valia relativa, Marx estuda as três etapas históricas fundamentais do processo de intensificação da produtividade do trabalho pelo capitalismo: 1) cooperação simples; 2) divisão do trabalho e manufatura; 3) as máquinas e a grande indústria. Marx analisa também o processo de acumulação do capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital e do seu emprego não para satisfazer as necessidades pessoais do capitalista, mas para voltar a produzir. Marx demonstrou o erro de toda a economia política clássica burguesa, que considerava que todo o novo valor gerado no processo produtivo se convertia em capital e passava a fazer parte do capital variável. Na realidade, a mais-valia obtida se decompõe em meios de produção e capital variável. O crescimento mais rápido do capital constante em relação ao capital variável (resultante da necessidade do incremento contínuo da mecanização para aumento da produtividade) tem uma importância primordial para a explicação das crises cíclicas do capitalismo, e preparação das condições de sua substituição pelo comunismo.

A lei do valor, e sua especificação na sociedade capitalista, isto é, a mais-valia, é a base para toda a explicação dos diferentes fenômenos do capitalismo, desde a renda da terra até a tendência decrescente da taxa de lucro. A descoberta desta lei, além de representar a primeira análise completa, verdadeiramente científica, do modo de produção capitalista – análise essa que só poderia ser feita pelo proletariado revolucionário –, do ponto de vista ideológico, representa, com O capital, um pleno desenvolvimento da filosofia marxista, o materialismo dialético, aplicado ao estudo não apenas do surgimento, desenvolvimento e das crises do capitalismo, mas, sobretudo, de sua superação. A grande demonstração científica que o marxismo alcança nesse ponto culminante é de que a revolução proletária não é uma possibilidade abstrata, mas sim, uma necessidade histórica. Do alto da colina da revolução, contemplando séculos mil, Karl Marx proclama aos operários e povos oprimidos do mundo:

“O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. O invólucro rompe-se. Soa a hora final da propriedade privada. Os expropriadores serão expropriados”.

A Primeira Internacional e a luta de duas linhas

A demonstração científica de que das entranhas da velha sociedade capitalista se gesta inevitavelmente a sociedade comunista, e de que “a violência é a parteira da história”, só poderia ser alcançada em meio ao desenvolvimento da luta de classes e da luta de duas linhas no movimento operário e comunista. Somente o podre revisionismo e o academicismo burguês podem apresentar esta obra como um trabalho de gabinete ou apenas de uma mente brilhante de um indivíduo. O capital foi publicado em 1867, três anos após a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), fundação essa que corresponde à constituição do Partido Comunista Mundial do proletariado, em um período de expansão das ideias do comunismo, que ultrapassavam pela primeira vez os limites da Europa. A AIT representou um importante desenvolvimento na concepção de partido do proletariado. Diferentemente da Liga dos Comunistas, aqui já há uma importante delimitação da organização internacional dos operários e de suas organizações nacionais, no primeiro capítulo de seus estatutos pode-se ler:

A fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores correspondeu à constituição do Partido Comunista Mundial do proletariado.

“Esta Associação é fundada no intuito de estabelecer um centro de comunicação e de cooperação entre as Sociedades Operárias existentes em diferentes países e voltadas para o mesmo objetivo, ou seja, a proteção, o progresso e a completa emancipação da classe operária”.

Nesse sentido, a própria conformação da AIT era produto do desenvolvimento da luta da classe operária, durante o período após as revoluções de 1848, que foi o período caracterizado por Marx de gestação de novas revoluções. E, de fato, a fundação da AIT foi a correspondência necessária ao amadurecimento das condições objetivas para um novo auge revolucionário na Europa. A guerra austro-prussiana, de 1866, e franco-prussiana de 1870, seriam importantes prenúncios de grandiosos acontecimentos no movimento operário europeu.

A AIT é fundada em Londres, durante um comício de operários, em setembro de 1864. Nessa grande assembleia é eleita uma direção da Internacional e uma comissão é encarregada de redigir os estatutos e uma Mensagem inaugural, cujas versões aprovadas pela direção da AIT foram escritas pelo próprio Marx. Em seus congressos anuais, a AIT foi fortalecendo e expandindo-se como organização. Para que uma Sociedade Operária ingressasse na AIT era necessário a análise e aprovação de seus estatutos pelo Conselho Geral da AIT. Avançava-se, assim, de maneira progressiva para a concepção do centralismo democrático.

Durante os seus anos de existência (1864 à 1872), a principal luta de duas linhas na AIT se deu contra as posições pequeno-burguesas de Bakunin. Bakunin era um militante anarquista russo, que embora não tivesse uma base de massas e de organização concreta, com seu ecletismo teórico, servia de porta-voz das posições oportunistas de direita e de “esquerda” dentro da Internacional. De uma maneira geral, a posição de Bakunin era uma mescla do socialismo de Proudhon, da tática de Blanqui e de posições reformistas burguesas. Antes de ingressar na AIT, Bakunin fora dirigente da organização pacifista suíça Liga da Paz e da Liberdade. Depois de se ter derrotada a sua posição de fusão desta Liga com a Internacional – diante da recusa unânime da AIT – Bakunin solicita ingresso na Internacional, que se efetiva em 1868. Desde sua incorporação, Bakunin inicia um trabalho fracionista, atacando o Conselho Geral da AIT, particularmente a direção de Marx, acusando-o de autoritarismo. Bakunin sempre teve uma postura dúbia e desleal na luta interna, que durou quatro anos. As suas posições eram as seguintes: a abstenção do movimento político; negava o papel dirigente do proletariado, defendendo a principalidade da pequena-burguesia e do lumpesinato; defendia a “igualdade econômica e social entre as classes” e propunha a substituição da consigna de apropriação dos meios de produção pelo “fim do direito à herança”. Com essa plataforma reformista e “esquerdista”, típica da pequena-burguesia, Bakunin passou a servir como ponto de unidade tanto dos reformistas ingleses como Hales, como de nacional-socialistas como Mazzini da Itália, todos unificados em torno da consigna de autonomia para cada sessão nacional, numa flagrante resistência ao desenvolvimento do centralismo democrático proletário.

A posição de Bakunin foi fragorosamente derrotada no Congresso de Haia, em 1872, que aprovou o fortalecimento do Conselho Geral e ao mesmo tempo a expulsão de Bakunin da AIT. Essa foi uma importante vitória política do marxismo, que contou mais uma vez com a direção pessoal de Marx.

Marxismo triunfa no movimento operário

A luta de duas linhas contra Bakunin, na verdade, era a expressão da luta ideológica final do marxismo contra todas as variantes do socialismo utópico pequeno-burguês, que ainda eram predominantes na Europa. Do ponto de vista ideológico, O capital de Marx era a afirmação definitiva de que o marxismo era o único socialismo verdadeiramente científico. Do ponto de vista prático, a Comuna de Paris representou a derrota decisiva do anarquismo e do socialismo utópico, ou como sistematiza Lenin, em Marxismo e revisionismo:

“O marxismo triunfa incondicionalmente sobre todas as outras ideologias do movimento operário”.

A Comuna de Paris foi o maior feito do proletariado internacional no século XIX. Como corretamente aponta o Presidente Gonzalo, é o marco indelével do início da Revolução Proletária Mundial, de sua primeira Grande Onda. Após a derrota da insurreição de junho de 1848, o proletariado francês uma vez mais confrontava de armas nas mãos a burguesia republicana, mas dessa vez a classe operária saiu vencedora. Entretanto, essa não foi uma tomada de poder planejada, ou dirigida por uma Sociedade Operária, vinculada à AIT. Em 1870, Napoleão III inicia sua guerra contra o Império da Prússia, a campanha francesa, no entanto, foi um fracasso e o próprio Napoleão foi aprisionado pelo Exército prussiano. Ato contínuo, a burguesia francesa toma o poder e instaura novamente a República. O Império prussiano impõe um duríssimo cerco à Paris, que se rende às tropas prussianas em janeiro de 1871. A maior parte do exército francês estava aprisionada pelo Império prussiano, apesar disso, o governo burguês, instalado em Versalhes, no dia 18 de março, envia tropas leais para desarmar a Guarda Nacional que havia resistido ao cerco prussiano em Paris. As tropas governamentais são derrotadas e a Guarda Nacional toma o poder na capital francesa. No dia 28 de março foi proclamada a Comuna de Paris – tremulava não mais a bandeira tricolor da França burguesa, mas a bandeira vermelha do proletariado.

Os membros da Comuna estavam divididos em dois grupos: o maior – que havia sido também a maioria no Comitê Central da Guarda Nacional – conformado por blanquistas, e o menor por membros da AIT. Dentre os membros da AIT, a maioria era composta por proudhonistas e apenas uma pequena parte de comunistas. Do ponto de vista político os erros e acertos se devem às posições blanquistas; do ponto de vista econômico a responsabilidade pelas principais medidas é das posições proudhonistas. Como faz ressaltar Engels, nos dois casos a prática contrariou as concepções doutrinárias dessas duas escolas. O blanquismo, que defendia uma república com uma ditadura absolutista, conclamou toda a França a constituir uma federação de Comunas livres. Os proudhonistas, defensores da autogestão artesanal de cada unidade de produção por um pequeno comitê operário, aprovaram a criação duma organização para a grande indústria e inclusive para a manufatura, que não se baseava só na associação de operários dentro de cada fábrica, senão que devia também unificar todas as associações em uma grande União. A Comuna sobreviveu por dois meses ao cerco da burguesia francesa, que agora, com o apoio do recém-criado Império Alemão, bombardeou e derrotou a Paris proletária.

A luta de duas linhas contra Bakunin era, na verdade, expressão da luta ideológica final do marxismo contra as variantes do socialismo utópico pequeno-burguês.

A Comuna de Paris comprovou historicamente o balanço marxista das revoluções de 1848. Ao proletariado não basta derrubar a burguesia do poder, faz-se necessário erigir um novo poder estatal sobre as cinzas do Estado da burguesia destronada do poder. A revolução proletária deve conduzir à ditadura do proletariado. Essa que foi a principal lição de 1848, mostrou-se como a principal falta que conduziu à derrota da Comuna. Suas maiores lições foram justamente naquilo que, na prática, se aproximaram do balanço marxista de 1848. No entanto, evidentemente, o fato heroico e histórico do proletariado francês trazia extraordinários ensinamentos ao proletariado internacional. Mais uma vez, foi Karl Marx que, manejando brilhantemente a linha de massas, soube tirar desses fatos históricos grandes ensinamentos que enriqueceram ainda mais a ideologia científica do proletariado. Assim nos diz Marx, em sua obra Guerra Civil em França, que foi aprovado como balanço da AIT, sobre a experiência histórica da Comuna:

“Era este o verdadeiro segredo, ela [a Comuna] era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho”.

O segredo da Comuna, descoberto por Marx, é que ela resolveu, do ponto de vista histórico, a forma pela qual se realizaria a ditadura do proletariado. Ficava mais claro para Marx que essa ditadura significava a constituição de um governo proletário, como forma política de exercício de sua ditadura, garantidora da apropriação dos meios de produção. A Comuna de Paris representou tanto o apogeu da AIT como o seu limite histórico. A experiência memorável da classe operária francesa demonstrava que para o triunfo da revolução socialista fazia-se necessário a constituição de Partidos Comunistas marxistas em cada país, que lutassem de forma legal e clandestina pela conquista do poder para o proletariado e o estabelecimento de sua ditadura. Por isso, constituiu vitória na luta de duas linhas do marxismo contra o bakuninismo a última decisão do Congresso de Haia, em 1872, que foi da transferência do Conselho Geral da AIT para Nova Iorque, pois era melhor encerrar suas atividades na Europa do que ser “assassinada pela unidade sem princípios”. Por outro lado, a guerra franco-prussiana deslocara o centro de gravidade do movimento operário da França para a Alemanha e, por isso, terá grande importância o processo de constituição do Partido marxista neste país. Após a Comuna, como indicou Lenin, iniciava-se o período “relativamente pacífico” que se estenderia até 1905, com a Revolução Russa. O principal legado para o proletariado internacional do período que vai de 1848 a 1871 é justamente o estabelecimento cabal e completo, teórico e prático da ideologia científica do proletariado todo-poderosa, porque verdadeira: o marxismo.

Parte 3:

O triunfo do Marxismo – Introdução

O marxismo é ciência e ideologia. É a ideologia da classe mais revolucionária e última da história, o proletariado. Os inimigos do marxismo sempre o atacaram: ou demonizando-o ou deturpando-o. Por um lado, a academia burguesa e, por outro, o revisionismo (este último, atuando desde o seio do movimento operário). Além de esvaziarem do Marxismo a sua essência revolucionária, buscam reduzi-lo a simples método. A experiência da luta de classe e a história da revolução proletária confirmam o caráter científico da ideologia do proletariado e desmascaram o revisionismo e o academicismo burguês. Como ciência, o marxismo desenvolve-se conforme se modifica a realidade social para dar respostas aos novos problemas. Neste sentido, desde sua fundação o marxismo percorreu três etapas de desenvolvimento: marxismo, leninismo e maoismo.

Assim como foi com o seu surgimento, cada etapa de seu desenvolvimento deu-se através de duras lutas contra a sua negação. Na sociedade burguesa, quando as forças produtivas atingiram determinado grau de desenvolvimento material e espiritual (expresso nas mais avançadas correntes de pensamento, ou seja, a economia política inglesa, o pensamento socialista francês e a filosofia clássica alemã), tornou-se possível à ciência produzir um grande salto. Marx e Engels, já engajados na luta de classes ao lado do proletariado, partiram dessas três fontes e ao mesmo tempo da luta crítica a elas. Assim se conformou o Marxismo: economia política marxista, socialismo científico e filosofia marxista; o materialismo dialético histórico, três partes em indissolúvel unidade.

Portanto, o Marxismo, como bem o apresentou Lenin, tem três partes constitutivas. De tal forma que, quando a realidade modificou-se a ponto de que as teorias formuladas pelo marxismo, até então, não conseguiam responder aos novos problemas surgidos (e com isso intensificando-se a negação do marxismo por meio de diversos ataques), exigiu-se seu desenvolvimento a um nível superior. Isto é, dar um salto qualitativo no desenvolvimento das suas três partes constitutivas e dessas como unidade. Esse salto só tem sido possível de ser realizado por meio de duras lutas contra a sua negação, por meio da luta de duas linhas contra as linhas contrárias, burguesas, contra o dogmatismo e principalmente contra o revisionismo, em meio à luta de classes. Assim que, em um determinado momento, o Marxismo deveio-se Marxismo-Leninismo e, posteriormente, Marxismo-Leninismo-Maoismo. Assim continuará sendo através dos tempos, pois uma vez que a Humanidade alcance a meta do Comunismo e, assim, desapareça para sempre as classes, ele seguirá como ciência para dar solução justa e correta às contradições entre o novo e o velho, entre o certo e o errôneo. A fundamentação da questão do salto de qualidade a um nível superior, significando uma nova etapa, não a faremos aqui, pois que não é o objeto do presente texto, mas a abordaremos nos textos seguintes a serem publicados. Aqui remarcamos que o Marxismo hoje é Marxismo-Leninismo-Maoismo, principalmente Maoismo. E, assim como sem Marxismo não poderia existir Leninismo, da mesma forma sem o Marxismo-Leninismo não existiria Maoismo, pois que o Maoismo é o Marxismo de hoje.

Assim, o enfoque justo e correto sobre Marx e o Marxismo, rigorosamente só é possível partindo-se do Maoismo, sua terceira, nova e superior etapa de desenvolvimento, produto do desenvolvimento da luta de classes ao longo das transformações no capitalismo, que há mais de um século é capital monopolista, imperialismo. Época tormentosa essa em que a revolução proletária inaugurou uma Nova Era da Humanidade com a Grande Revolução Socialista de Outubro, a Revolução Proletária Mundial expandiu-se com grande protagonismo na segunda grande guerra imperialista, transformando-a em poderosa guerra de libertação dos povos com o advento de dezenas de revoluções em todo o mundo, principalmente com a Grande Revolução Chinesa, para mais à frente alçar-se ao patamar da Grande Revolução Cultural Proletária na China. Destes três grandiosos acontecimentos, dois deram luz ao Maoismo. Insistimos que só com o Maoismo, desfraldando-o, defendendo-o e aplicando-o, pode-se ser atualmente verdadeiramente marxista, marxista-leninista.

Por sua vez, tal compreensão do desenvolvimento do Marxismo por etapas nos foi dada pelo pensamento gonzalo, aplicação criadora do Marxismo-Leninismo-Maoismo à realidade do Peru pelo Presidente Gonzalo, chefatura do Partido Comunista do Peru e da Revolução Peruana, e por sua invencível guerra popular. Foi o Presidente Gonzalo quem fundamentou o Maoismo como terceira, nova e superior etapa de desenvolvimento do Marxismo: “O maoismo é a elevação do marxismo-leninismo a uma terceira, nova e superior etapa na luta pela direção proletária na revolução democrática, o desenvolvimento da construção do socialismo e a continuação da revolução sob a ditadura do proletariado, como revolução cultural proletária; quando o imperialismo aprofunda sua decomposição e a revolução transformou-se em tendência principal da história, em meio às mais complexas e grandes guerras vistas até hoje e à luta implacável contra o revisionismo contemporâneo”.

Portanto, o Maoismo e as contribuições de valor universal do pensamento Gonzalo (a mais alta síntese do Maoismo) afirmam e sustentam que no curso da luta de classes na época do imperialismo, o proletariado – por meio de seu partido comunista – no processo da revolução proletária aplica as verdades universais de sua ideologia científica à respectiva realidade concreta e particular dos países, sejam estes imperialistas (onde demanda-se a revolução socialista) ou oprimidos (onde demanda-se a revolução de nova democracia ininterrupta ao socialismo). O processo da revolução gera necessariamente um pensamento guia que dirige o partido e a revolução em curso e forja a sua chefatura, que sustenta-se neste pensamento guia, servindo à revolução mundial.

Chegando-se ao momento da luta de classes do proletariado em que se demanda um desenvolvimento superior dessa ideologia, um determinado processo o produzirá, representando um desenvolvimento distinto e além dos demais processos. Nesse momento, o pensamento guia deste determinado processo devenirá à categoria de ismo, ou seja, já possuirá a condição de uma doutrina que interpreta cabalmente toda a matéria em suas três maneiras de expressar-se: a natureza, a sociedade e o conhecimento. Isto é, configurar-se-á uma nova etapa de desenvolvimento da ideologia. Assim foi o processo de conformação do Marxismo, do Leninismo e do Maoismo. Sob esta luz é que podemos conceber de forma mais profunda e completa o processo de surgimento e desenvolvimento do Marxismo.

O pensamento marx

O surgimento da ideologia científica do proletariado, em sua conformação e elevação do pensamento marx ao Marxismo, só foi possível porque Karl Marx, desde fins de 1844, já atuava como destacado militante comunista entre as principais lideranças operárias na Europa. Juntos, Marx e Engels, em 1847, ingressaram na Liga dos Justos, e nela atuaram como Fração Vermelha na luta por fundamentar na ciência a causa proletária. Já no II Congresso dessa organização, em novembro daquele ano, lograram grande vitória contra o socialismo pequeno-burguês, particularmente o proudhonismo, com a Liga dos Justos passando a denominar-se Liga dos Comunistas e a desfraldar o lema: Proletários de todos os países, uni-vos!. Em fevereiro de 1848, é publicada a obra histórica, marco da fundação do socialismo científico e do pensamento marx: O Manifesto do Partido Comunista, com Marx reconhecido como sua chefatura.

Poucas semanas depois desta publicação, estourou em várias cidades do continente Europeu (Paris, Berlim, Viena, etc) uma grande onda de rebelião popular contra os regimes monárquicos. A mais importante delas ocorreu na França, onde depois de derrubada a monarquia e restaurada a república burguesa ocorreu pela primeira vez na história um conflito sangrento entre o proletariado armado e o regime estatal burguês. Trata-se da insurreição operária de junho de 1848. Logo após a publicação do Manifesto, Marx retornou para a Alemanha e dirigiu pessoalmente a intervenção da Liga dos Comunistas no processo revolucionário democrático burguês, pela república unificada alemã, contra o Reino da Prússia e o Império Austríaco. Mas mesmo de lá pôde, como nenhum outro, sistematizar de maneira brilhante as experiências da insurreição operária de Paris, enriquecendo e completando o salto representado no pensamento marx com o Manifesto. É em 1851, em As luta de classes em França, que, pela primeira vez, Marx irá formular as consignas de “apropriação dos meios de produção” e “ditadura do proletariado”.

Do pensamento marx ao Marxismo

O surgimento do pensamento marx (1847-1851), como uma ideologia científica se dá, desde o início, em suas três partes constitutivas: filosofia, economia política e socialismo. Como precisamente caracterizou o camarada Lenin, o livro Miséria da Filosofia, de 1847, é a primeira obra “madura do marxismo”. Nesse livro, no qual Marx combate o socialismo pequeno-burguês de Proudhon, encontram-se desenvolvidos os primeiros elementos do materialismo dialético e da economia política marxista; sua exposição está ainda em forma de polêmica, mas se dá justamente na crítica a Proudhon pelo mal uso que esse faz das ideias filosóficas de Hegel e econômicas de Adam Smith e David Ricardo. O socialismo científico, por sua vez, está exposto como um programa político completo no Manifesto do Partido Comunista.

O pensamento marx, portanto, surge como produto da luta de classes do proletariado europeu, no seu desenvolvimento em formas mais radicais de luta às vésperas da grande onda revolucionária que sacudiu a Europa, em 1848. Surge como produto da luta de duas linhas, do socialismo científico proletário contra o socialismo pequeno-burguês em sua expressão mais influente, que era a linha oportunista de direita de Proudhon; luta de duas linhas que ocorre no seio da vanguarda do proletariado, no nascente Partido Comunista, constituído graças a atuação de Marx e Engels como Fração Vermelha do movimento proletário revolucionário, na então Liga dos Justos. O pensamento marx é produto também da linha de massas, que é parte da teoria marxista do conhecimento, isto é, a reunião de ideias dispersas das massas sintetizadas por Marx e transformadas em consignas da luta da classe. E foi da experiência da insurreição de junho em Paris que Marx formulou a consigna da ditadura do proletariado. É, portanto, como chefe inconteste da Liga dos Comunistas, como formulador do conjunto teórico do pensamento marx (em suas três partes constitutivas: filosofia marxista, economia política marxista e socialismo científico) que Karl Marx se faz fundador do socialismo científico, do Comunismo e se fez chefe do primeiro Partido Comunista de autoridade e ascendência reconhecidas. Como seu camarada de armas, Engels, viu-se na necessidade de reafirmar: Marx foi a primeira chefatura do nascente Movimento Comunista Internacional.

O marco teórico do salto de qualidade atingido que eleva o pensamento marx ao Marxismo é a publicação, em 1867, da monumental obra O Capital, especificamente de seu Livro I. O marco prático desse salto qualitativo é a histórica Comuna de Paris (1871), bem como o balanço dessa experiência proposto por Marx: Mensagem do Conselho Geral, aprovado pela Conferência de Londres da Associação Internacional dos Trabalhadores (a I Internacional), em setembro de 1871. Do ponto de vista das três partes constitutivas do marxismo, como afirma o camarada Lenin, O Capital não é somente uma obra de economia política; nelo está contido, de forma mais desenvolvida, o pensamento filosófico de Marx, isto é, o materialismo dialético. Por sua vez, a Mensagem do Conselho Geral, que no próprio ano de 1871 teve três edições publicadas em inglês, representa um grande tratado do socialismo científico. Essas duas obras foram decisivas na luta de duas linhas para a derrota cabal do socialismo pequeno-burguês, particularmente em sua forma mais refinada, o anarquismo.

O elemento decisivo no avanço da ideologia do proletariado, de seu salto de qualidade, foi a luta de classes.

Se em 1848 Marx dirigia a Liga dos Comunistas durante a rebelião popular (cujo o ponto culminante foi a insurreição operária de junho em Paris), já em 1871 (23 anos depois) ele dirigia a I Internacional, que reunia inúmeras Seções de quase todos países da Europa, tendo dezenas de milhares de operários associados, dentre os quais estiveram aqueles que tomaram o poder em 18 de março, instituindo a Comuna de Paris.

O crescimento e avanço da luta proletária determinou, em última instância, o desenvolvimento e o salto de sua ideologia. Por sua vez, numa relação dialética, o salto nessa ideologia científica foi que permitiu ao proletariado e a seu Partido escalarem cumes cada vez mais elevados na luta de classes. Nos vinte anos que separam a publicação de Miséria da Filosofia e o O Capital, Karl Marx, a partir de um esforço monumental e do sacrifício pessoal e de sua família, logrou um feito extraordinário para o proletariado enquanto classe de todo o mundo. Do ponto de vista teórico, O Capital complementou e desenvolveu, em profundidade e extensão, todos os argumentos econômicos apresentados por Marx em sua obra de 1847.

Parte 4:

‘O Capital’ e a luta de duas linhas na I Internacional

O Capital foi uma obra decisiva na luta de duas linhas contra o socialismo pequeno-burguês. Se Miséria da Filosofia representou o golpe decisivo na linha oportunista de Proudhon, propiciando transformar a Liga dos Justos na Liga dos Comunistas, O Capital será chave na transformação da I Internacional de uma organização proletária de massas em uma organização socialista, em 1868, e posteriormente em uma organização comunista, em 1871, ainda que nela se convivesse com anarquistas.

O pensamento marx, até então, não havia logrado ainda a derrota ideológica definitiva do socialismo pequeno-burguês. Após 1848, as posições de Proudhon, na França, dos seguidores das ideias utópicas de Owen, na Inglaterra, de Lassalle, na Alemanha, dos populistas, na Rússia, todas essas como expressões do socialismo pequeno-burguês seguiam influenciando a maior parte do movimento operário europeu. Bem como correntes anarquistas e anarco-sindicalistas no crescente e numeroso proletariado dos Estados Unidos. Além dessas posições, existiam as correntes reformistas do sindicalismo inglês, oriundo do movimento operário cartista na Inglaterra dos anos de 1830, e as posições burguesas (democrático-republicanas), que em luta contra as monarquias europeias, também disputavam a direção do proletariado europeu. Tal tendência estava representada pelas correntes de Blanqui, na França, e Mazzini na Itália.

‘O Capital’ foi chave para transformar a I Internacional em uma organização socialista em 1868, e posteriormente comunista, em 1871.

É em meio a esse conjunto de posições e linhas, em luta contra o oportunismo, contra a influência pequeno-burguesa e burguesa no movimento operário e comunista que o pensamento marx foi se impondo como verdadeiro e se desenvolvendo. A fundação da I Internacional foi resultado de grande manejo de Marx da linha de massas, da luta de duas linhas e do combate ao sectarismo. Era necessário congregar o máximo possível de correntes do movimento operário em torno das posições mais avançadas, para ir dando luta, uma a uma, contra as posições mais atrasadas. É esse movimento que Marx inicia em 1864, com a fundação da I Internacional e sua eleição para o Conselho Geral, sediado em Londres.

Dentro do Conselho Geral foi constituído um Comitê Permanente, que atuava como Fração Vermelha liderada por Marx na I Internacional. Em linhas gerais, as posições pequeno-burguesas se caracterizavam por expressar o protesto espontâneo do operário urbano artesão contra o capitalismo, e não do nascente proletariado industrial em sua contradição antagônica com a burguesia. Tanto a linha de Proudhon como a de Lassalle defendiam que o movimento operário não devia lutar nem por bandeiras políticas nem por reivindicações econômicas, como a da melhoria salarial ou da redução da jornada de trabalho. Essas posições conservavam as ideias utópicas que defendiam a necessidade dos operários se organizarem em cooperativas autônomas em luta pacífica contra o domínio econômico burguês. Do ponto de vista econômico, estavam, pois, contra a ideia da apropriação revolucionária dos meios de produção e, do ponto de vista político, se colocavam contra a ditadura do proletariado, contra a construção de um Novo Estado centralizado, único capaz de realizar essa socialização. Proudhon e Lassalle morreram ambos antes da fundação da I Internacional, mas suas ideias seguiam tendo importante influência no movimento operário europeu.

Por outro lado, as posições burguesas, como as de Blanqui e Mazzinni, não tinham contradição com a luta política; ao contrário, defendiam a prioridade desta luta, mas também subestimavam a luta econômica do proletariado, pois no fundo esta contrariava os seus interesses de classe enquanto representantes da burguesia. Quanto à tática, os blanquistas que representariam a posição hegemônica na Comuna de Paris, defendiam uma linha militarista, de que um pequeno grupo poderia dar conta da conquista do poder e da construção do novo regime. Os reformistas ingleses, por sua vez, defendiam a luta sindical, mas a superestimavam e, em geral, eram contra a luta política, ou tinham uma posição atrasada nessas questões.

Esse era o quadro da I Internacional, quando de sua fundação em 1864. Na Europa como um todo, as posições de Marx ainda eram minoria, mas no Conselho Geral, a partir do Comitê Permanente, ele foi conseguindo derrotar as posições pequeno-burguesas. Nesse processo de derrota e de imposição do socialismo científico, o salto de qualidade representado no pensamento de Marx, com a publicação de O Capital, foi importantíssimo. Como primeira mais importante luta de duas linhas na Internacional, contra as posições oportunistas, Marx escolhe, justamente, a questão da luta salarial como parte da luta contra o capital. Esse ponto atingia em cheio todas as concepções socialistas pequeno-burguesas e burguesas e, por outro lado, buscava elevar a consciência das posições dos sindicalistas ingleses sobre os limites desta forma de luta.

O pensamento marx foi impondo-se como verdadeiro e desenvolvendo-se em luta contra o oportunismo pequeno-burguês e burguês no movimento operário e comunista.

Luta contra utópicos

Em 1865, nas reuniões de 20 e 27 de junho do Conselho Geral da I Internacional, Marx apresentou um relatório que posteriormente seria publicado sob o título de Salário, Preço e Lucro. Neste ensaio de Marx, está adiantado aspectos importantíssimos das conclusões de O Capital. Esta obra é uma luta contra as posições de Weston, outro membro do Conselho Geral, que defendia, na esteira das posições utópicas de Owen, que a luta salarial era prejudicial para a classe operária, pois na medida em que os salários aumentavam, se elevavam também os preços dos produtos consumidos pela classe operária o que, portanto, conduziria a um pioramento de suas condições de vida. Essa linha era bastante semelhante à chamada “lei de bronze” defendida por Lassalle no movimento operário alemão, que afirmava que, inevitavelmente, os salários dos operários estariam limitados a um mínimo contra o qual era infrutífera qualquer luta de resistência.

Quando Marx, em 1865, apresenta o Relatório ao Conselho Geral, a sua teoria da mais-valia já estava plenamente desenvolvida. Em 1847, em Miséria da Filosofia, para Marx já estava claro a contradição antagônica entre o trabalho assalariado e o capital, bem como a importância da luta salarial para o movimento operário revolucionário. No entanto, Marx ainda não havia desenvolvido sua teoria da maisvalia, embora toda sua análise econômica já apontava nessa direção. A partir do aprofundamento de seus estudos e do conhecimento prático da luta operária, em 1865, Marx conclui, então, que no processo de exploração do trabalho assalariado pelo capital, o que o operário vende não é o seu trabalho, mas a sua força de trabalho e com ela o direito do capitalista explorá-la por uma determinada quantidade de horas. O preço da força de trabalho, assim como de qualquer outra mercadoria, de acordo com a lei do valor, era estabelecido pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, no caso da força de trabalho isso correspondia aos produtos consumidos pelo operário para que ele pudesse ter condições de trabalhar no dia seguinte. Marx comprovou, portanto, que o salário e o lucro disputam o mesmo produto que é a maisvalia criada pelo operário assalariado explorado pelo capital. Por fim, a posição utópica de Weston foi derrotada pelo Marxismo e a I Internacional passa a ter, de maneira completa, o fundamento científico de que a luta pela redução da jornada de trabalho, já defendida no Manifesto, e a luta pela melhoria salarial eram ambas parte integrante da luta do proletariado contra o capitalismo.

O impacto da publicação de O Capital, em 1867, foi imediato. A obra de Marx foi saudada publicamente em inúmeros congressos e por inúmeras associações operárias. Mas, evidentemente, a barreira do idioma e a complexidade da obra representavam uma dificuldade para a assimilação completa do Marxismo. Por isso, o impacto inicial mais profundo no movimento operário com a publicação de O Capital se dará no movimento operário alemão.

A direção oportunista da Associação Geral dos Operários Alemães, fundada por Lassalle, em 1863, e que após sua morte seguiu defendendo seus pontos de vista, sofreu uma dura derrota com O Capital, que servia de refutação contundente da referida “lei de bronze” usada como justificativa para a não organização da luta operária na Alemanha. Vanguardeados por Liebknecht e Backer, um importante processo de cisão ocorre nesta Associação; por outro lado, liderados por Bebel, inúmeros grupos da União das Associações Culturais dos Operários Alemães, fundadas também em 1863, rompem com a direção reformista-burguesa.

Em 1869, as correntes de Bebel e Liebknecht se fundem no Congresso de Eisenach e fundam o primeiro Partido Operário Social-Democrata, que em seu programa assume completamente as teses da I Internacional. A fundação deste Partido é um grande logro do Marxismo, da condição de chefatura de Karl Marx no MCI e resultado direto da publicação de O Capital.

‘O Capital’ em russo e a luta contra Bakunin

Na Conferência de Bruxelas da I Internacional, em 1868, foi aprovada uma resolução que recomendava aos membros da organização o estudo de O Capital, bem como o esforço por sua tradução a outros idiomas. No mesmo ano, o revolucionário populista russo Nikolai Danielson propõe à Marx a tradução, que efetivamente se inicia pelos esforços do revolucionário Lopatine. No entanto, Lopatine foi preso e enviado à Sibéria, sendo a tradução concluída pelo próprio Danielson. Em 1872, a versão russa é publicada em uma edição de 3 mil exemplares.

O esforço dos revolucionários russos por traduzir a grande obra marxista expressava a aproximação dos elementos mais avançados do populismo, corrente socialista pequeno-burguesa, das teses da I Internacional e, particularmente, da direção proletária e comunista de Marx. Esse interesse era recíproco e, em 1869, Marx começou seus estudos do idioma russo, que em pouco tempo já estava dominando, e iniciou uma intensa correspondência com revolucionários daquele país. O interesse de Marx, além de evidentemente político era também científico. Pois o estudo do processo de desenvolvimento do capitalismo no campo da Rússia foi fundamental para a formulação da teoria marxista sobre a renda da terra exposta no Livro III de O Capital.

A fundação da I Internacional foi fruto de grande manejo de Marx na linha de massas, na luta de duas linhas e no combate ao sectarismo.

Em 1870, foi constituída em Genebra a Seção Russa da I Internacional na Suíça. Esses precursores revolucionários russos solicitaram que Marx assumisse, junto ao Conselho Geral, o posto de correspondente desta Seção. Essa foi uma decisão muito importante na luta de duas linhas contra as posições anarquistas e oportunistas de Bakunin, que era de origem russa e advindo do movimento populista. Os populistas russos na Suíça tomaram firme posição ao lado de Marx contra o anarquismo de Bakunin, denunciando-o publicamente.

Desde esse período, Marx irá travar uma importantíssima luta de duas linhas contra as posições atrasadas dos populistas russos, procurando se apoiar nas conclusões mais avançadas do fundador dessa corrente, o democrata revolucionário Tchernichevski. Tchernichevski defendia que as comunidades camponesas russas, e suas formas comunitárias de propriedade da terra, representariam a via de desenvolvimento do socialismo na Rússia. Marx estudou com muito afinco a obra desse revolucionário e, de fato, considerou como possibilidade que a construção socialista no campo poderia se apoiar nessas formas comunitárias de propriedade. Salientou, no entanto, o erro de Tchernichevski em considerar que o desenvolvimento da grande indústria representaria um atraso para a revolução socialista. Toda essa luta de duas linhas com os populistas russos foi muito importante para o surgimento de um forte movimento marxista na Rússia, do qual rapidamente se destacou, entre muitos intelectuais e militantes proletários, o camarada Lenin.

Parte 5:

A Comuna de Paris e a Conferência de Londres: Luta de duas linhas contra o anarquismo e o reformismo

Dentre os encontros da I Internacional, alguns terão maior importância, pois foram nos quais se travou de forma concentrada as Lutas de Duas Linhas mais importantes da organização. A cada evento da Internacional, fortalecido pelo impacto da publicação de O Capital e pelo próprio desenvolvimento da luta de classes na Europa, o Marxismo foi aos poucos se impondo como a única ideologia verdadeiramente proletária, porque científica, e a própria I Internacional foi avançando na sua qualidade ideológica.

No Congresso de Bruxelas, em 1868, pela primeira vez na história da I Internacional é incluído em seu programa a consigna da “apropriação dos meios de produção”; essa decisão marca o assumimento da I Internacional de um programa socialista. Bakunin ingressará, no ano seguinte, na organização representando a sua Seção Suíça. Após a morte de Proudhon e Lassalle, Bakunin se tornou o principal representante do socialismo pequeno-burguês na Europa, seu ingresso na I Internacional exigirá da Fração Vermelha marxista a intensificação da luta de duas linhas, o que também foi decisivo para o desenvolvimento da ideologia do proletariado. Em 1870, Bakunin foi derrotado pelos revolucionários russos na Seção Suíça da I Internacional e, em 1872, seria expulso da organização pelo Congresso de Haia.

O anarquismo, desenvolvido de maneira mais completa e decadente por Bakunin, representava a mistura eclética de elementos do proudhonismo, do lassallismo, das posições burguesas do tipo blanquistas, aspectos do reformismo inglês, e do populismo russo. A ideologia não-científica e pequeno burguesa de Bakunin incorporava do proudhonismo a sua defesa da forma de propriedade da pequena burguesia urbana; do lassallismo a sua aversão à luta salarial do proletariado industrial; do reformismo inglês a sua repulsa à luta nacional dos irlandeses; do blanquismo a fraseologia da ação revolucionária independente da participação das massas; e do populismo russo o niilismo e o individualismo extremo. O anarquismo representava portanto a linha oportunista pequeno-burguesa, mais desenvolvida e contra a qual o Marxismo travou sua luta de duas linhas mais importante no seu processo de conformação enquanto ideologia científica e universal do proletariado.

A luta contra as posições de Bakunin estavam apenas iniciando-se no seio da I Internacional quando, em março de 1871, estoura a Comuna de Paris, primeira experiência de assalto ao poder pelo proletariado e primeira experiência da ditadura do proletariado. Dentre as forças políticas da I Internacional, as que tiveram maior peso na direção da Comuna foram os blanquistas e os proudhonistas. O peso dos marxistas, dentre a direção dos communards, era minoritário, porém extremamente ativo. Apesar disso os marxistas se bateram com tremendo heroísmo nas batalhas de Paris e Karl Marx teve um papel decisivo na defesa política e ideológica do processo revolucionário francês. O Partido Operário Social-Democrata da Alemanha deu grandes provas de internacionalismo, defendendo publicamente a importância histórica da Comuna. Após sua derrota o Conselho Geral da I Internacional organizou de maneira decidida a solidariedade política e material aos exilados franceses.

A experiência da Comuna de Paris, as razões de sua derrota, comprovaram cabalmente a impossibilidade do socialismo pequeno-burguês, particularmente do anarquismo, de conduzir a revolução proletária ao triunfo. Os pontos positivos e negativos da Comuna, como nunca antes, serviram de lição ao proletariado sobre a necessidade do partido proletário, de seu exército revolucionário e a frente única para a conquista e defesa do poder, o exercício da ditadura do proletariado. A experiência concreta da Comuna mostrou como era vazia a proposição anarquista de destruição do Estado burguês sem sua imediata substituição por um Estado proletário, isto é, por sua ditadura revolucionária como condição única para se eliminar as classes sociais e assim o Estado extinguir-se. A experiência da Comuna comprovou que somente armado com seu próprio Estado o proletariado poderia expropriar da burguesia os meios de produção, concentrando-os em suas mãos.

E é esse balanço que Marx apresenta na Mensagem aprovada pelo Conselho Geral da Internacional, em junho de 1871. O impacto dessa Mensagem em toda a Europa e também na América foi enorme. Além de um balanço da Comuna, a Mensagem do Conselho Geral, assim como fora o Manifesto, constituía para a I Internacional a propagação de um completo e desenvolvido programa comunista, que além de propor a necessidade da ditadura do proletariado fazia o balanço de sua primeira experiência histórica e, antevendo os tempos futuros, proclamava de maneira profética que: A Comuna é imortal! A Mensagem do Conselho Geral teve uma difusão imediata, só na Inglaterra foram três edições no ano de 1871, sua tradução para outras línguas ocorreu no mesmo ano, pois era urgente ao proletariado de todo o mundo conhecer o balanço científico de sua primeira insurreição triunfante.

Em setembro de 1871, realiza-se a histórica Conferência de Londres da I Internacional. Essa Conferência representa o marco ideológico mais importante da esquerda no crescente MCI, pois nela estavam reunidos os setores mais avançados do movimento, que aprovam a Mensagem do Conselho Geral. Assim, a I Internacional assumia oficialmente o programa comunista e, ao mesmo tempo, colocava para si a necessidade de se constituir, portanto, em uma nova forma de organização. É o que claramente indica Engels em sua carta a Kugelman, quando afirma que a principal tarefa da conferência era a de “proceder a uma nova organização que corresponda às exigências da situação”. Ou seja, a Comuna de Paris colocava para o MCI que a tarefa mais importante naquele momento era a construção de Partidos Marxistas em cada país. A I Internacional havia cumprido sua missão histórica e eram necessárias novas formas de organização como único meio de fazer avançar o processo revolucionário e o desenvolvimento da ideologia do proletariado.

O discurso de Marx no encerramento da Conferência de Londres tem uma grande profundidade e aponta a necessidade da construção do que delineava-se como os três instrumentos da revolução:

“Mas, antes que uma tal transformação possa ser efetuada, será necessária uma ditadura do proletariado, e o seu primeiro pressuposto será um exército do proletariado. As classes trabalhadoras têm de combater pelo direito à emancipação no campo de batalha. A tarefa da Internacional é organizar e unir as forças dos operários para a luta que está a chegar.” (Discurso de Marx por motivo de celebração do 7º aniversário da I Internacional, 25 de setembro de 1871).

O Marxismo se impõe como a única ideologia científica do proletariado: o início de uma nova fase no Movimento Comunista Internacional

Após a Conferência de Londres, coube à esquerda a derrota cabal das posições anarquistas no Congresso de Haia. Todas as acusações dos poucos delegados anarquistas contra o Conselho Geral foram rechaçadas e o Congresso decidiu pelo fortalecimento dos poderes de sua direção e pela expulsão de Bakunin e de seu representante Gillaume das fileiras da I Internacional. Com a força científica de O Capital, com o heroísmo da Comuna de Paris e com o balanço programático da Mensagem do Conselho Geral, o Marxismo se conformou como única ideologia científica do proletariado, a única teoria científica do Comunismo. O Congresso de Haia marca essa vitória e a ausência de Bakunin, que fugiu da franca luta de duas linhas, preferindo seguir costurando intrigas sectárias, aliado agora com os reformistas ingleses, expressava a derrota completa do anarquismo e do socialismo pequeno-burguês diante do Marxismo. Desse período em diante, a ideologia burguesa nas fileiras do movimento operário só poderia confrontar a ideologia proletária sob a aparência “marxista”, em uma nova forma: o revisionismo. A sistematização e o complemento do desenvolvimento do Marxismo dar-se-á, a partir de então e, principalmente, na luta de duas linhas contra o revisionismo, num período no qual a luta de classes percorreu, nas palavras de Lenin, um “desenvolvimento relativamente pacífico”, que só seria encerrado com a primeira revolução Russa, em 1905. Serão essas contingências que buscaremos analisar na parte VI e VII do presente artigo.

Conclusão

Buscamos analisar o surgimento e desenvolvimento da ideologia científica do proletariado, o Marxismo, a partir do avanço da luta de classes do proletariado europeu, entre os anos de 1830 e 1871; da luta de duas linhas entre as organizações de vanguarda da classe operária, de como nessas organizações conformou-se uma esquerda, uma Fração Vermelha, a partir da qual desenvolveu-se um pensamento proletário e científico que representava a sustentação de uma chefatura reconhecida; de como essa Fração Vermelha, essa chefatura, manejando a linha de massas como meio correto de intervenção da vanguarda na luta de classes, logrou através da experiência concreta da luta revolucionária proletária enriquecer e complementar esta mesma ideologia. A partir do exposto pelo camarada Lenin e pelo Presidente Gonzalo, de que o Marxismo é conformado por três partes constitutivas, buscamos também analisar o desenvolvimento da ideologia científica do proletariado em suas partes constitutivas: a filosofia marxista, a economia política marxista e o socialismo científico. De maneira que apresentamos a seguinte síntese:

O pensamento marx forja-se em meio ao agravamento sem precedentes do antagonismo entre o proletariado e a burguesia, o que se expressa nos levantamentos de 1848, mas sobretudo na insurreição operária de junho daquele ano em Paris. A luta de duas linhas mais importante para a conformação do pensamento marx dá-se contra o socialismo pequeno-burguês de Proudhon. A Fração Vermelha dirigida por Marx derrota a linha direitista do proudhonismo no segundo Congresso da Liga dos Justos, que transforma-se em Liga dos Comunistas, adotando o lema: Proletários de todos os países, uni-vos!. Quanto a linha de massas, Marx manejou-a de maneira brilhante e a partir do balanço da insurreição operária de Paris de 1848, apresentado no documento A luta de classes em França, formulou o conceito de ditadura do proletariado. As principais obras do pensamento marx são: Miséria da Filosofia, de 1847, que em seu primeiro capítulo trata da economia política e no segundo da filosofia; o Manifesto do Partido Comunista, de 1848, que representa a formulação integral do socialismo científico. O pensamento marx, em suas três partes constitutivas, dava sustentação à condição de chefatura de Karl Marx do nascente Movimento Comunista Internacional.

O Marxismo forja-se em meio a um novo ascenso do movimento operário na Europa, bem como do agravamento das lutas de libertação nacional dos irlandeses e poloneses; esse ascenso encontra seu apogeu na imortal Comuna de Paris, em 1871. É em meio a esse quadro da luta de classes que é fundada, em 1864, a I Internacional, sendo Marx eleito para seu Conselho Geral. O Comitê Permanente do Conselho Geral constitui-se como Fração Vermelha da I Internacional, tendo Marx como chefatura. A luta de duas linhas mais importantes na conformação do Marxismo se dá contra o anarquismo de Bakunin que, como já dito, mesclava os piores aspectos das linhas de direita de Proudhon, Lassalle, dos reformistas ingleses, dos populistas russos e das posições burguesas no movimento operário. O Marxismo também se enriquece com o sagaz balanço proposto por Marx da Comuna de Paris, manejando uma vez mais a linha de massas; é dessa experiência que Marx descobre a forma política da ditadura do proletariado, o governo centralizado operário como condição para sua emancipação econômica. As principais obras que fazem do pensamento marx o Marxismo são: O Capital, o seu Livro I, no qual estão plenamente desenvolvidas a filosofia marxista e a economia política marxista; e a Mensagem do Conselho Geral, sobre a Comuna, que representa um salto na formulação do socialismo científico, a partir do balanço histórico da primeira experiência da ditadura do proletariado. O Marxismo, plenamente desenvolvido em suas três partes constitutivas, se impôs, então, como a única teoria científica do Comunismo.

Parte 6:

De Karl Marx ao Marxismo
Luta de classes, luta de duas linhas e linha de massas

Introdução

Nas partes anteriores do presente artigo procuramos demonstrar como o desenvolvimento do marxismo, enquanto ideologia científica do proletariado, esteve diretamente vinculado aos principais acontecimentos da luta de classes na Europa entre os anos de 1848 e 1871. Buscamos, também, demonstrar que as formulações marxistas só foram possíveis porque Karl Marx não apenas participou, mas foi o principal dirigente das organizações revolucionárias mais avançadas do proletariado naquela época, a Liga dos Comunistas (1848-1852) e a I Internacional (1864-1872).

Como chefatura dessas organizações, Karl Marx vanguardeou a Fração Vermelha na luta de duas linhas contra as posições oportunistas no seio do movimento operário internacional. O marxismo, portanto, se desenvolveu em meio a essa luta de duas linhas, da qual se destacam a luta contra o proudhonismo no período da Liga dos Comunistas e a luta contra o anarquismo de Bakunin na I Internacional. A essas se junta também a luta por derrotar outras variantes do socialismo pequeno-burguês como a de Lassalle, na Alemanha, ou posições burguesas como as de Mazzini, na Itália.

Por sua vez, o desenvolvimento do marxismo, como uma ideologia científica do proletariado, não poderia se dar de maneira desligada da experiência política e revolucionária da classe operária da Europa. Karl Marx, como nenhum outro de seu tempo, manejando a linha de massas, soube retirar as mais ricas lições das lutas revolucionárias do proletariado pelo Poder político. Tiveram particular importância as lutas proletárias na França, tanto a Insurreição Operária de junho de 1848, quanto a inesquecível Comuna de Paris, de março de 1871. Ao realizar o balanço desses levantamentos, Marx soube colher grandes ensinamentos, que foram sistematizados cientificamente e passaram, então, a compor o valioso tesouro de aço da ideologia todopoderosa do proletariado.

Nas partes antecedentes deste artigo, buscamos também demonstrar que o marxismo se desenvolveu em duas fases: primeiramente, como pensamento marx, e depois como marxismo. Entre essas fases não ocorre, de forma alguma, qualquer “ruptura epistemológica” ou coisa que o valha: são apenas fases que indicam um maior aprofundamento e uma maior universalidade da ideologia revolucionária do proletariado. O pensamento marx já surge internacional, pois não tratava apenas da revolução na Alemanha e sim em toda a Europa Ocidental. Esse pensamento surge com suas três partes constitutivas: filosofia marxista, economia política marxista e o socialismo científico. As obras que fundamentam essas três partes, quando do pensamento marx, são: na filosofia, Miséria da filosofia (1847); na economia política, Trabalho assalariado e capital (1847); e, no socialismo científico, o Manifesto do Partido Comunista (1848) e As lutas de classes na França (1850).

Do ponto de vista teórico, o que marca a passagem do pensamento marx ao marxismo é a publicação, em 1867, da monumental obra O Capital – Crítica da economia política, cujo Livro Primeiro1 foi o “maior canhonaço do proletariado contra a burguesia”, nas palavras de Engels. Enquanto O Capital trata da comprovação científica da inevitabilidade da destruição do sistema capitalista, a Comuna de Paris, quatro anos depois, foi a demonstração de sua possibilidade prática. Por sua vez, o Congresso de Haia, de 1872, que expulsou os anarquistas bakuninistas da I Internacional, foi a vitória ideológica do socialismo científico sobre o socialismo pequeno-burguês. Essa vitória do proletariado teve como principais armas teóricas justamente O Capital e a Mensagem do Conselho Geral da Internacional, que fazia o balanço preciso da Comuna de Paris e demonstrava, dentre outras coisas, a necessidade prática da ditadura do proletariado como condição indispensável para a vitória da revolução socialista.

As três partes constitutivas do marxismo se apresentam em um primeiro momento como filosofia marxista e economia política marxista em O Capital (1867) e como socialismo científico na Mensagem do Conselho Geral (1871). Como poderemos analisar a seguir, será em meio a duras lutas de duas linhas, desta vez na direção do Partido Operário Social-Democrata da Alemanha, que pela primeira vez será elaborada e publicada uma formulação sistemática das três partes constitutivas do marxismo. Tal obra, escrita por Friedrich Engels, ficou conhecida como Anti-Dühring, e foi publicada entre os anos de 1877 e 1878. Veremos também como Engels, ao longo dos últimos dez anos de vida de Marx, foi assumindo cada vez mais a condição de chefatura do Movimento Comunista Internacional (MCI), numa nova condição da luta de classes, período caracterizado pelo camarada Lenin como “relativamente pacífico” de desenvolvimento do capitalismo. Analisaremos como, neste período, a tarefa orgânica mais importante era a luta pela constituição de partidos marxistas com grande base de massas em cada país como condição para o surgimento de uma nova Internacional. Veremos também o manejo de Marx e Engels da linha de massas, tirando lições, sobretudo na Alemanha e na Rússia, dessa nova condição da luta de classes, dentre elas, a importância de aprender a combinar o trabalho legal e ilegal num período de descenso da luta revolucionária de massas e da promulgação da Lei Anti-Socialista, que colocou o Partido Operário Social-Democrata da Alemanha na ilegalidade.

I. O limiar de uma nova época

“O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, publicado em 1848, oferece já uma exposição completa e sistemática desta doutrina [a marxista, nota nossa], que continua a ser a melhor até os nossos dias. De lá para cá a história universal divide-se nitidamente em três períodos principais: 1) da revolução de 1848 até a Comuna de Paris; 2) da Comuna de Paris até a revolução russa (1905); 3) a partir da revolução russa. (…). Em fins do primeiro período (1848-1871), período de tempestades e de revoluções, o socialismo pré-marxista morre. Nascem partidos proletários independentes: a I Internacional (1864-1872) e a social-democracia alemã. (…). O segundo período (1872-1904) distingue-se do primeiro pelo seu caráter ‘pacífico’, pela ausência de revoluções. O Ocidente acabou com as revoluções burguesas. O Oriente ainda não estava maduro para elas.O Ocidente entra na fase de preparação ‘pacífica’ para a época das transformações futuras. Formam-se por toda a parte partidos socialistas de base proletária, que aprendem a utilizar o parlamentarismo burguês, a criar a sua imprensa diária, as suas instituições educativas, os seus sindicatos, as suas cooperativas. A doutrina de Marx alcança uma vitória completa e cresce em extensão. (…)A dialética da história é tal que a vitória teórica do marxismo obriga os seus inimigos a mascararem-se de marxistas. O liberalismo, interiormente podre, tenta reanimar-se sob a forma de oportunismo socialista. Eles interpretam o período de preparação das forças para as grandes batalhas como uma renúncia a essas batalhas. (…)Não tinham ainda os oportunistas acabado de congratular-se com a ‘paz social’ e a desnecessidade de tempestades sob a ‘democracia’ quando uma nova fonte de grandes tempestades mundiais se abriu na Ásia. À revolução russa seguiram-se a turca, a persa e a chinesa. Vivemos precisamente na época dessas tempestades e da sua ‘repercussão’ na Europa. Qualquer que seja o destino da grande república chinesa, pela qual afiam hoje os dentes diversas hienas ‘civilizadas’, nenhuma força no mundo restabelecerá a velha servidão na Ásia e nem varrerá da face da Terra o democratismo heroico das massas populares dos países asiáticos.” (camarada Lenin, Destinos históricos da doutrina de Karl Marx, 1913; os negritos, no original, estão em itálico).

Essas palavras do camarada Lenin traçam de maneira muito precisa o panorama da Revolução Proletária Mundial nos dois primeiros períodos, 1848-1871 e 1872-1904, e, ao mesmo tempo, de maneira brilhante antecipa os grandiosos acontecimentos históricos do terceiro período, de 1905 em diante. A história confirmou essas palavras de Lenin, e dirigidas por Partidos Comunistas em outubro de 1917 e de 1949 triunfaram, respectivamente, as Grandes Revoluções Russa e Chinesa. Os acontecimentos que se seguiram à revolução democrático-burguesa derrotada na Rússia em 1905 (ou seja, as lutas revolucionárias na Turquia, no Irã e na China) foram expressões na luta de classes do fenômeno econômico sistematizado por Lenin em 1916, que é o desenvolvimento do capitalismo em seu estágio último e superior: o imperialismo.

O período de 1872 a 1904 foi “relativamente pacífico”, e destaquemos as aspas. Era um período de preparação para as batalhas futuras, de desenvolvimento das bases da concepção do partido de novo tipo. O fato de neste período ter se formado a primeira expressão do revisionismo, especificamente na social-democracia alemã, não pode nos obscurecer as vistas e nos impedir de tirar as grandiosas lições que o proletariado teve nesse momento. Trata-se de um período de extremos paradoxos: combinação, por um lado, de uma grande expansão capitalista, sobretudo na Alemanha e no USA, e de extensão das liberdades democráticas burguesas ao proletariado, de consolidação do sufrágio universal e dos parlamentos nacionais; e, por outro lado, intensifica-se a repressão ao movimento revolucionário, de onde destaca-se a aprovação da Lei Anti-Socialista na Alemanha, que empurrou à ilegalidade, de 1878 a 1890, o Partido Operário Social-Democrata. Esta Lei tornava ilegal o Partido, a imprensa socialista e as organizações sindicais, enquanto permitia as candidaturas ao parlamento dos membros deste mesmo Partido. O Estado alemão, no qual se combinavam liberdades aparentes e o incremento repressivo, foi assim caracterizado por Marx, em 1875:

“(…) um Estado que não passa de um despotismo militar de arcabouço burocrático e blindagem policial, guarnecido por formas parlamentares, de mistura de ingredientes feudais e já influenciado pela burguesia (…).” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha).

Se, especialmente na Alemanha, este período estava repleto dessas contradições, na Rússia czarista a situação era bem clara: despotismo monárquico, ausência de eleições e de um parlamento. Por outro lado, grandes transformações econômicas também gestavam-se no Império Russo, particularmente com o decreto de fim da servidão, em 1861. Era o desenvolvimento irrefreável do capitalismo naquele país, o que, inevitavelmente, provocaria a crise na monarquia czarista e em seu Estado autocrático.

Mas é importante ver, como Lenin aponta, que este segundo período não foi um período de lutas massivas, abertas e violentas, diferentemente de 1848-1871, que foi um período marcado por insurreições populares em todos os países da Europa Ocidental, por guerras civis como em 1848, como a Comuna de Paris em 1871, a guerra civil no USA de 1864-18652, e até por guerras entre potências europeias como a Franco-Prussiana3 (1870-1871). Já após 1872, na Inglaterra, França e Alemanha consolida-se o sufrágio universal (masculino) e a formação de parlamentos nacionais. Essa estabilidade estava repleta de contradições em crescente antagonismo que iriam se manifestar alguns anos depois na I Guerra Mundial (1914-1918) e, sobretudo, na Grande Revolução Socialista de Outubro (1917).

Por isto, esse segundo período (1872-1904) foi o limiar de uma época na qual também atuaram os fundadores do comunismo, Marx e Engels, e cuja atuação foi decisiva para criação das condições subjetivas para a Revolução Proletária. Será da experiência política da social-democracia alemã e da luta de duas linhas de Marx e Engels contra as posições socialistas pequeno-burguesas que o camarada Lenin irá se apoiar para fundamentar os elementos políticos da sua teoria do partido de novo tipo. A concepção leninista do Partido bolchevique já aparece em sua forma teórica completa na grande obra Que fazer?, escrita ainda em 1902. Estava ali sistematizada toda a formulação de Lenin sobre um partido cujo objetivo era realizar a propaganda política revolucionária e não apenas a política sindicalista; de que o mais importante a se forjar no proletariado era a consciência política da necessidade da luta pelo Poder como questão principal e não de uma luta econômica de resistência sindical. Todos esses aspectos Lenin pôde extrair da experiência da social-democracia alemã, particularmente da direção de August Bebel, sob o comando de Marx e Engels.

Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) dedicaram seus últimos anos, principalmente, a levar a luta de duas linhas com a direção social-democrata alemã sobre diferentes aspectos da construção do partido e procuraram aportar contribuições para a compreensão das contradições econômicas e políticas na Rússia. Isto porque, o centro do movimento operário que, antes a 1848, esteve na Inglaterra, passando depois à França até 1871, à Alemanha até 1905, deslocara-se para a Rússia.

II. Marx e perspectivas para a Rússia

Depois do Congresso de Haia da I Internacional (1872), as condições de saúde do grande Karl Marx pioraram gradativamente. Por isso a sua atuação direta no MCI se restringiu, principalmente, aos trabalhos de elaboração teórica; afinal, estava pendente e era extremamente aguardada a publicação da parte restante de O Capital. A elaboração do material de todo o Livro Primeiro, bem como da maior parte dos Livros Segundo e Terceiro se completaram no ano de 1865. No entanto, de 1873 a 1883, Karl Marx deu continuidade a uma série de estudos complementares para enriquecer a parte restante de sua obra principal. Como Engels afirma, no Prefácio do Livro Terceiro de O Capital, durante a década de 1870 e 1880, a atenção de Marx se voltou prioritariamente para a situação da Rússia. Na década de 1860, como vimos nas partes anteriores de nosso artigo, Marx já havia dedicado parte importante de seus estudos à situação da Rússia, para isso aprendeu o idioma russo e pôde ler em fonte direta os autores democráticos e a copiosa literatura populista4.

Engels aponta no referido Prefácio ao Livro Terceiro que:

“Dada a variedade das formas de propriedade fundiária e de exploração dos trabalhadores agrícolas na Rússia, cabia a esse país desempenhar, na parte relativa à renda fundiária, o mesmo papel que, no Livro Primeiro, a Inglaterra desempenha no tocante ao trabalho assalariado industrial. Infelizmente, não foi possível a Marx executar esse plano.” (Engels, Prefácio ao Livro Terceiro de O Capital).

Esse plano, no entanto, seria cumprido por um admirável jovem marxista russo, Vladimir Lenin que, em 1899, escrevera a grande obra O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, aplicando de maneira criadora o marxismo na “análise concreta da situação concreta” daquele país. Essa obra de Lenin obviamente estava fundamentada tanto nas conclusões do Livro Terceiro, como numa série de artigos de Marx e Engels sobre a Rússia, que haviam sido publicados justamente nos últimos dez anos de vida de Marx.

Excetuando a Crítica ao Programa de Gotha (1875), que trataremos à parte, as últimas obras de Marx elaboradas para publicação neste período tratam do problema da revolução na Rússia. São elas: a Carta à Redação da revista Notas Patrióticas (1877) e o Prefácio à edição russa do Manifesto do Partido Comunista (1882). Além dessas obras, um texto que ficou durante longo tempo sem publicação, mas que nos ajuda a compreender mais a fundo as ideias de Marx sobre a questão agrária e camponesa na Rússia, é a Carta à Vera Zasulitch5, de 1881, bem como os esboços preservados da mesma.

Em todas essas obras, Marx dá continuidade à luta de duas linhas contra as ideias populistas. O populismo russo pode ser considerado uma variante do socialismo pequeno-burguês, mas diferentemente das posições de Proudhon, Lassalle e Bakunin, os populistas destacam a importância do campesinato na revolução socialista. O problema da posição populista, segundo nos aponta Marx, é que ela idealizava o papel do campesinato russo e não admitia a condição do proletariado como a classe mais avançada da história e, portanto, classe dirigente do processo revolucionário. As posições populistas defendiam que a comuna rural russa, uma forma remanescente de posse coletiva da terra, poderia impedir o desenvolvimento do capitalismo na Rússia, abreviando, assim, o caminho revolucionário. Marx e Engels estudaram a fundo essa questão.

Em sua Carta à Redação, Marx polemiza com o teórico populista Michailovski, que deturpa as conclusões do Livro Primeiro de O Capital. Em sua carta, Marx afirma que a forma por ele analisada da expropriação camponesa, no capítulo Acumulação primitiva, não servia como modelo para o desenvolvimento do capitalismo em todos os países; era, portanto, o exemplo histórico de como tal fenômeno havia se dado, pela primeira vez na história, na Inglaterra. Uma das particularidades do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, segundo Marx, é que essa expropriação estava em curso num período histórico no qual a revolução proletária avançava firmemente na Europa Ocidental. Seria, portanto, o desenvolvimento da revolução proletária, como afirmara Marx no Prefácio ao Manifesto, que determinaria o papel que a comuna camponesa poderia cumprir na revolução russa.

Marx decidiu não enviar essa carta à redação da revista Notas Patrióticas, pois acreditava que sua publicação colocaria em risco a existência da revista, afinal, poderia servir de pretexto para que o regime czarista proibisse sua circulação. No entanto, a Carta à Redação foi traduzida para o russo e circulou amplamente nos grupos embrionários da social-democracia russa, cumprindo um importante papel na elaboração do pensamento guia desta revolução. O camarada Lenin, em uma de suas primeiras obras, Quem são os “amigos do povo” e como lutam contra os social-democratas, publicada em 1894, polemiza com o mesmo autor populista, Michailovski, contra quem Marx escreveu sua carta.

O Prefácio à edição russa do Manifesto Comunista, de 1882, é o último texto publicado em vida por Karl Marx e tanto o seu conteúdo quanto o contexto de sua publicação lhe conferem grande significado. Um ano antes, no dia 1º de março, Alexandre II, imperador da Rússia, fora justiçado em uma ação armada revolucionária da organização populista Vontade do Povo. Esse foi, ao mesmo tempo, o ponto máximo da estratégia militar dos populistas e o seu limite. A crise estratégica enfrentada por essa corrente, bem como o impacto desta edição do Manifesto e do referido prefácio, impulsionaram, em 1883, a fundação da primeira organização de orientação marxista na Rússia, o grupo Emancipação do Trabalho, dirigido por Plekhanov.

O Prefácio à edição russa do Manifesto Comunista, assinado por Marx e Engels, além de conter em perspectiva a visão de que o centro da revolução se deslocava da Alemanha para a Rússia, continha ao menos dois outros aspectos fundamentais: o destaque da importância das ações armadas e o papel que o campesinato russo estava destinado a cumprir naquela revolução. Vejamos:

“O limitado campo do movimento daquele tempo (dezembro de 1847) está expresso na última parte do Manifesto: a posição dos comunistas em relação aos vários partidos de oposição nos diferentes países. (…) Que diferença hoje! Foi justamente a imigração europeia que possibilitou à América do Norte a produção agrícola em proporções gigantescas, cuja concorrência está abalando os alicerces da propriedade rural da Europa, tanto a grande quanto a pequena. (…) E a Rússia? Durante a revolução de 1848-1849, a burguesia e os monarcas europeus viam na intervenção russa a única maneira de escapar do proletariado que despertava. O czar foi proclamado chefe da reação europeia. Hoje ele é, em Gatchina [palácio nas cercanias de São Petersburgo], prisioneiro de guerra da revolução, ao passo que a Rússia forma a vanguarda da ação revolucionária na Europa. (…) Na Rússia vemos que, ao lado do florescimento acelerado da velhacaria capitalista e da propriedade burguesa que começa a desenvolver-se, mais da metade das terras é posse coletiva dos camponeses. O problema agora é: poderia a comuna rural russa, forma já muito deteriorada da antiga posse em comum da terra, transformar-se diretamente na propriedade comunista? (…) Hoje em dia, a única resposta possível é a seguinte: se a revolução russa constituir-se no sinal para a revolução proletária no Ocidente, de modo que uma complemente a outra, a atual propriedade comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para uma evolução comunista.” (Marx e Engels, Prefácio à segunda edição russa do Manifesto do Partido Comunista).

Quanto ao primeiro aspecto, vejamos a apreciação positiva de Marx diante da execução do czar Alexandre II, pois é isso que podemos ver em sua caracterização à condição de seu sucessor, Alexandre III, como um prisioneiro de guerra em seu próprio palácio, temeroso quanto à ação dos revolucionários russos. Além disso, Marx destaca que “a Rússia forma a vanguarda da ação revolucionária na Europa”. Claro que, com isso, apesar de seu reconhecimento do relevo do movimento revolucionário na Rússia, Marx não estava se pondo plenamente de acordo com a tática do terror individual dos populistas. Como está exposto em partes anteriores de nosso artigo, vimos quantas lutas de duas linhas Marx travou contra os desvios blanquistas, tanto na França como no próprio seio da Liga dos Comunistas. O que Marx destaca é a importância da ação revolucionária, pois sem ela não é possível a revolução. A social-democracia russa, sua fração menchevique, liderada por Plekhanov, por exemplo, ao romper com o populismo, abandonaria toda a experiência acumulada pela tradição revolucionária russa. O camarada Lenin, ao contrário, partirá desta experiência concreta, reelaborando-a e corrigindo-a sob uma perspectiva proletária para, juntamente com a experiência da social-democracia alemã, forjar a teoria do Partido de novo tipo: organização de vanguarda centralizada, clandestina, disciplinada, de combate e composta por profissionais da revolução. Lenin, em sua obra Que herança renunciamos?, trata justamente do que deveria ser abandonado da experiência populista e defende preservar exatamente a herança positiva destacada por Marx neste prefácio.

Quanto à questão camponesa, enfatizada por Marx na caracterização do problema da comuna rural russa, também teve seus desdobramentos confirmados na Grande Revolução Socialista de Outubro. O camarada Lenin, diferentemente dos mencheviques que degeneraram para uma posição economicista e sindicaleira supostamente “centrada na classe operária”, seguiu os apontamentos de Marx. Os bolcheviques sempre fizeram sua agitação e propaganda revolucionárias entre os camponeses: basta recordar o exemplo dado por Lenin em Que fazer?, da importância da imprensa comunista tratar dos zemtvos, que eram órgãos estatais encarregados da administração pública nas regiões onde predominavam as comunas rurais. Em outubro de 1917, o segundo decreto do governo revolucionário, chefiado por Lenin, definia a “nacionalização da terra”. Essa medida atendia de imediato a todos os camponeses pobres e médios da Rússia e, em parte, baseava-se na existência, ainda que em dissolução, desta forma coletiva de posse da terra do campesinato russo. Com essa medida, o governo socialista assegurava a posse camponesa da terra que estava ameaçada pelo desenvolvimento do capitalismo na Rússia e, ao mesmo tempo, criava as condições para o desenvolvimento do socialismo no campo. Essa definição programática brilhante, estabelecida por Lenin, além do acúmulo do trabalho dos bolcheviques entre os camponeses, dava solução prática aos problemas apontados por Marx e Engels sobre a importância fundamental da aliança operário-camponesa para o triunfo da revolução proletária. Será na Grande Revolução Socialista de Outubro que as verdades marxistas sobre a Rússia serão confirmadas e desenvolvidas.

Parte 7:

III. Marx e Engels e a Social-Democracia da Alemanha

Em linhas gerais a história do movimento comunista na Alemanha, no século XIX, pode ser assim resumida: em 1847, num Congresso em Londres, a organização clandestina Liga dos Justos, se transforma, sob a chefatura de Marx, na Liga dos Comunistas. Essa Liga dos Comunistas, em 1848, teve ativa atuação na Revolução Democrática alemã. Marx, em março daquele ano, se instala na cidade de Colônia e de lá publica o órgão da imprensa legal do Partido, A Nova Gazeta Renana. Após a derrota da revolução alemã, da segunda expulsão de Marx pelo reino da Prússia e dos processos de Colônia contra militantes e dirigentes comunistas, a Liga encerra suas atividades em 1852. No entanto, essa primeira experiência de uma organização comunista atuante nos territórios alemães frutificaria, na própria Alemanha, alguns anos mais tarde.

Em 1863, um ano antes da criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (a I Internacional), sob forte influência de Ferdinand Lassalle, foi fundada a Associação Geral dos Operários da Alemanha, que tinha uma posição política muito próxima ao socialismo pequeno-burguês de Proudhon. Em 1869, por sua vez, foi fundado por August Bebel e Wilhelm Liebknecht (que havia rompido com a Associação proudhonista), o Partido Operário Social-Democrata, de inspiração marxista, que iria compor a esquerda da I Internacional e apoiar fortemente as posições de Marx na luta contra o anarquismo. Contra a posição de Marx e Engels, em 1875, portanto quatro anos após os acontecimentos dramáticos e tão importantes da Comuna de Paris, o Partido Operário Social-Democrata se funde com a Associação lassallista e conformam assim o Partido Operário Socialista da Alemanha. No ano de 1878 é promulgada a Lei Anti-Socialista e até 1890 o Partido fica na ilegalidade. Em 1891, no Congresso de Erfurt, é aprovado um programa consequentemente marxista e o partido passa a se denominar: Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD).

Na presente sessão de nosso artigo iremos analisar três momentos da história da social-democracia alemã: a unificação com os lassalistas, em 1875; a influência do socialismo de cátedra de Eugen Dühring, em 1877; e o liquidacionismo crescente após a promulgação da Lei Anti-Socialista. Nesses momentos, destaca-se a participação decisiva de Marx e Engels na luta de duas linhas contra o socialismo pequeno-burguês.

1. Crítica ao Programa de Gotha6, a última grande obra teórica de Karl Marx

O Partido fundado por Bebel, em 1869, era o verdadeiro continuador das tradições da Liga dos Comunistas. Embora, naquele ano, ainda não fosse autenticamente marxista, pois em seu programa ainda havia muitas postulações imprecisas e não científicas, o Partido sempre procurou ter um posicionamento proletário e internacionalista. Este caráter do Partido e de sua direção principal ficou provado quando Bebel e Liebknecht foram presos acusados de traição à Pátria, em 1870, por denunciarem o Império Prussiano que derrotara o Império de Napoleão III e preparava a anexação da Alsácia-Lorena. Bebel, que era deputado, repudiando toda a espécie de chauvinismo ou nacionalismo burguês exigiu que a Prússia orquestrasse uma “paz sem anexações” com a recém criada Segunda República francesa; além disso, bradou da tribuna parlamentar a consigna revolucionária: Guerra aos palácios, paz às cabanas!

Marx e Engels sabiam da perspectiva revolucionária do Partido de Bebel e Liebknecht, bem como de suas limitações teóricas. Por isso, sempre dedicaram grande atenção, sobretudo Engels, à elaboração de artigos na imprensa Social-Democrata da Alemanha. Esses artigos se detinham tanto na análise da situação política do recém unificado Estado alemão, como na difusão do marxismo e principalmente na luta de duas linhas contra as posições socialistas pequeno-burguesas. Dentre esses artigos de Engels destacam-se: Para a questão da habitação, no qual polemiza com o proudhonista alemão Mülberger e seu projeto de transformar os operários em pequenos proprietários; Os bakuninistas em ação, no qual critica a atuação das posições anarquistas na Itália e na Espanha, mas visava também o reformismo existente no partido na Alemanha; e o Prefácio à terceira edição de Guerras camponesas na Alemanha, de 1874, no qual faz uma profunda análise de classes do Estado unificado alemão, de sua base social: a aliança contraditória entre os latifundiários economicamente decadentes (os junkers) e a burguesia industrial alemã politicamente fraca.

As expectativas de Marx e Engels quanto ao desenvolvimento do Partido na Alemanha apareceram descritas da seguinte maneira:

“Pela primeira vez, desde a existência do movimento operário, a luta se desenvolve em forma metódica em suas três direções concentradas e relacionadas entre si: teórica, política e econômico-prática (resistência aos capitalistas). Neste ataque concêntrico, por assim dizer, reside principalmente a força e a invencibilidade do movimento alemão.” (Engels, 1874, Prefácio à terceira edição de A guerra camponesa na Alemanha).

Apesar dessas perspectivas, em 1875, principalmente devido às insuficiências ideológicas e teóricas de seus dirigentes, ocorre o processo de fusão entre o Partido Operário Social-Democrata e a Associação lassallista. Marx e Engels tomaram conhecimento do processo de fusão pela imprensa social-democrata, foi aí que conheceram também o projeto de programa do futuro partido unificado, que continha uma enormidade de posições pequeno-burguesas. O Programa de Gotha1 significava um grande retrocesso frente ao já débil Programa de Eisenach de 1869. Contra tal posição, Engels imediatamente escreveu uma dura carta aos principais dirigentes do Partido, de sua ala esquerda: Bebel, Liebknecht e Bracke; e logo deu a conhecer o assunto a Marx. O grande dirigente comunista dedicou-se, então, a uma crítica de extraordinária profundidade e alcance ao Programa de Gotha. Obra esta que, nas palavras de Lenin, ultrapassa uma simples polêmica programática, pois trata fundamentalmente da “ligação entre o desenvolvimento do comunismo e a extinção do Estado” (Lenin, O Estado e a Revolução).

A crítica de Marx foi feita por meio de uma longa carta, de maio de 1875, na qual abordava detidamente 14 pontos do referido Programa. As críticas marxistas não foram aceitas pelo Congresso de Gotha, e o programa foi aprovado com pouquíssimas modificações. Esse congresso, portanto, representou uma vitória da linha de direita e a unificação se deu com a prevalência ideológica das posições lassallistas. A luta de duas linhas contra essas posições seguirá um tortuoso caminho por 16 anos, e a linha de esquerda só obteria a vitória programática em 1891, no Congresso de Erfurt. Nesse ano que a Crítica ao Programa de Gotha seria publicada pela primeira vez, por Engels, numa outra fase da luta de duas linhas do SPD.

Partindo do destacado por Lenin, devemos considerar esta última grande obra de Karl Marx como o coroamento de seu colossal trabalho e sua doutrina. É como uma síntese mais elevada das três partes constitutivas dela, e com o tratamento inédito de problemas importantíssimos da economia política do socialismo, das contradições inerentes a esta “primeira fase da sociedade comunista”. A Crítica ao Programa de Gotha, de Marx, foi uma obra fundamental para o desenvolvimento da ideologia do proletariado, na medida em que serviu de fundamento para obras de tão grande importância como Estado e Revoluçãoe Marxismo sobre o Estado, do camarada Lenin, e Problemas econômicos do socialismo na URSS, do camarada Stalin. E todas elas de suma importância, enquanto fundamento teórico marxista mais importante na grande batalha ideológica vanguardeada pelo Presidente Mao, contra o revisionismo moderno de Kruschov, tão brilhantemente exposta no 9o Comentário à Carta do CC do PCUS revisionista: Acerca do falso comunismo de Kruschov e suas lições históricas ao mundo, para refutar as podres “teoria das forças produtivas”, de “fim da ditadura do proletariado” e de “Estado de todo o povo”, e para a compreensão e defesa da continuidade da luta de classes para todo o período de transição como ditadura do proletariado, através de necessárias e “sucessivas Revoluções Culturais Proletárias”, para alcançarmos o luminoso comunismo, como apontou o Presidente Gonzalo em sua magistral síntese de: “Guerra Popular até o Comunismo!”.

1.1 Socialização da produção e o ‘direito burguês’

Ao criticar os pontos iniciais do programa de Gotha, o camarada Marx discute importantes elementos econômicos da sociedade socialista, ou em suas palavras da “primeira fase da sociedade comunista”. Marx refuta categoricamente a proposição programática de que o Partido lutava para que os operários recebessem o “fruto integral do trabalho”. Marx analisa a inconsistência dessa consigna, contrastando-a com o socialismo científico e mostrando sua incompatibilidade com a sociedade socialista. Nisto, Marx mostra como as consignas de “repartição equitativa” e “direito igual” não possuem nada de radicais, e são apenas a repetição do ultrapassado programa revolucionário da burguesia em sua luta contra o feudalismo.

Em termos científicos, Marx demonstra que, numa sociedade socialista o fruto do trabalho coletivo é a “totalidade do produto social”. Ele questiona o que seria a repartição equitativa desse produto, e então responde que a distribuição do resultado do trabalho coletivo entre os indivíduos constitui apenas o elo final de uma cadeia. Pois, a partir da totalidade deste produto social dever-se-ia: 1º) repor os meios de produção; 2º) destinar parte deste produto à ampliação da produção; 3º) reservar parte deste produto a um fundo de reservas para situações emergenciais; e 4º) deduzida as parcelas precedentes ter-se-ia, então, a parte destinada ao consumo individual; no entanto, desta parte seria necessário, antes de chegarmos à distribuição individual dos resultados da produção: a) deduzir os gastos gerais da administração; b) deduzir os gastos para a satisfação coletiva (construção de praças, etc); c) sustentação das pessoas incapazes para o trabalho.

Com essa descrição precisa, Marx retoma algo que ele já havia revelado, em 1859, na Contribuição para a Crítica da Economia Política, que a solução para os males do sistema capitalista não estaria na distribuição dos resultados da produção, mas que a contradição estaria no próprio modo de produção capitalista. Marx demonstrou que é o modo de produção que determina a forma da distribuição da riqueza produzida. Não se tratava, portanto, da classe operária lutar por uma distribuição equitativa dos lucros dos capitalistas; enquanto houvesse a propriedade privada dos meios de produção de um lado e, de outro, trabalhadores desprovidos destes meios de produção, a distribuição seria, inevitavelmente, exploradora e manteria o proletariado unicamente na condição de reproduzir sua vida individual enquanto classe explorada.

Marx, superando toda a economia clássica burguesa, de Smith e Ricardo, demonstra que antes da distribuição dos resultados da produção existe a distribuição das condições de produção e é a segunda que determina a primeira. Isto é, num sistema econômico no qual as condições de produção estejam distribuídas como no capitalismo: fábricas e terras nas mãos dos capitalistas e proprietários, e para os trabalhadores apenas sua condição individual de produção, ou seja, sua força de trabalho; num sistema econômico em cujas condições de produção estejam distribuídas desta maneira só pode resultar numa distribuição absurdamente desigual e antagônica dos resultados desta mesma produção.

O marxismo já havia comprovado anteriormente que ao proletariado só cabia uma alternativa para a sua emancipação: a socialização de todos os meios de produção e que a forma política correspondente a esta socialização seria a de um Estado de ditadura do proletariado. Feita essa socialização completa, estando os meios de produção distribuídos enquanto propriedade coletiva da classe, dirigidos de maneira planificada por seu Estado, feito isso, o problema da distribuição do resultado da produção estaria resolvido.

A partir deste ponto, Marx entra num aspecto fundamental de quais seriam as contradições da sociedade socialista, de que uma socialização da produção, mesmo que completa, não resolveria de imediato a conservação do direito burguês. Marx destaca aí o limite de uma sociedade nascida das entranhas do sistema capitalista, demonstrando que, numa primeira fase, a distribuição individual da totalidade do produto social ainda estará marcada com o selo da sociedade burguesa; e que só depois, a partir da nova base, ou seja, da sociedade socialista, se poderá atingir a meta final do comunismo, não só socializando os meios de produção e desenvolvendo as forças produtivas, mas também extinguindo o direito burguês. Assim diz Marx:

“Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede. (…) Por isso, o direito igual continua sendo aqui, em princípio, o direito burguês, ainda que agora o princípio e a prática já não estejam mais em conflito, enquanto que no regime de intercâmbio de mercadorias, o intercâmbio de equivalentes não se verifica senão como termo médio, e não nos casos individuais. Apesar deste progresso, o direito igual continua trazendo implícita uma limitação burguesa. O direito dos produtores é proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, aqui, consiste em que é medida pelo mesmo critério: pelo trabalho. Mas, alguns indivíduos são superiores, física e intelectualmente, a outros e, pois, no mesmo tempo, prestam mais trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; e o trabalho, para servir de medida, tem que ser determinado quanto à duração ou intensidade; de outro modo deixa de ser uma medida. Este direito igual é um direito desigual para trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque aqui cada indivíduo não é mais do que um operário como os demais; mas reconhece, implicitamente, como outros tantos privilégios naturais, as desiguais aptidões dos indivíduos, e, por conseguinte, a desigual capacidade de rendimento. No fundo é, portanto, como todo direito, o direito da desigualdade.” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha, negritos do autor).

Vejamos a precisão de Marx, o maior cientista da história: no socialismo, fase inferior do comunismo, todos os indivíduos da sociedade gozam de direito igual, cada indivíduo participa da produção com o seu trabalho e todos os meios de produção são coletivos. Essa condição coletiva da produção, destaca Marx, diferentemente do regime de troca de mercadorias, como no sistema capitalista, determina que todos os indivíduos receberão, na distribuição da totalidade da produção social, parte proporcional ao trabalho que cada indivíduo forneceu à sociedade.

Esse é um grande avanço em relação à sociedade capitalista e, ao mesmo tempo, uma necessidade da sociedade socialista. No entanto, a “distribuição equitativa” nem será possível no socialismo, nem corresponde a um objetivo para a sociedade comunista. No socialismo a medida da distribuição individual do resultado da produção social será o trabalho (no capitalismo, a medida é, para a burguesia, a propriedade de determinada quantidade de capital; e para o proletariado as condições da venda de sua força de trabalho), no entanto o trabalho só pode ser uma medida quando considerado em sua quantidade e em sua qualidade. Uma maior quantidade de trabalho implica numa maior participação na distribuição; uma qualidade superior de trabalho, seja uma maior precisão ou a realização de um trabalho mais complexo, corresponde, também, ao direito a uma parte maior na distribuição.

Marx demonstra que esse limite do direito à distribuição no socialismo é uma necessidade inerente à esta sociedade que brotou da antiga e ainda carrega o selo burguês na economia, na moral e na mentalidade. A experiência da construção socialista na URSS e na China, sob os respectivos comandos dos camaradas Lenin/Stalin e Presidente Mao Tsetung, comprovaram que somente atuando sob esta lei necessária é possível a construção do socialismo em determinado país, em particular, e em todo o mundo, em geral. Esses ensinamentos de Marx, na Crítica ao Programa de Gotha, são os fundamentos da economia-política do socialismo; eles ajudaram Lenin, Stalin e Presidente Mao a atuar contra as concepções utópicas e pequeno-burguesas, por um lado, e das direitistas revisionistas, por outro. Ou seja, combatiam as posições tanto dos que partiam do princípio de que se deveria haver uma igualdade absoluta dos salários, quanto dos que queriam eternizar grandes diferenças para restaurar o capitalismo. Isso contradizia o próprio socialismo e desconsiderava a diferença entre a quantidade e a qualidade dos trabalhos individuais, e as contradições que seguem no socialismo entre a base material da sociedade e sua superestrutura, entre as relações de produção socialistas e a consciência das massas trabalhadoras.

A política soviética de salários diferenciados na produção foi extremamente importante para a potente construção da indústria socialista, elemento decisivo para a derrota do nazifascismo na Grande Guerra Patriótica (1941-1945). Questão que foi posteriormente aprofundada e desenvolvida pelo Presidente Mao, na China, principalmente com a Grande Revolução Cultural Proletária, expressa nas relações mais corretas entre a indústria de base, de produtos de consumo de massas e agricultura, bem como da necessária diminuição gradativa da diferença entre os níveis dos salários. Por sua vez, a desconsideração da diferença qualitativa entre trabalho simples e trabalho complexo, foi um dos erros cometidos pela experiência anarquista na “autogestão” das fábricas na Guerra Civil Espanhola. O escambo “equitativo” absoluto entre fábricas de distinta complexidade, ou seja, de qualidades distintas de trabalho, levou à rápida falência da economia anarquista, nesta breve e desastrosa experiência “prática” do socialismo pequeno-burguês. E essa política econômica anarquista, somada à inconsequente imposição de propriedade coletiva da terra, comprometeu o desenvolvimento da República Espanhola e a Frente Antifascista dirigida pelos comunistas, ajudando a jogar todo o campesinato para os braços do fascismo de Franco.

Essa lei econômica do socialismo, no entanto, como previsto por Marx, traz implícita a contradição entre a base econômica socialista e o direito burguês na distribuição de seu resultado. O camarada Stalin, consciente desta lei e desta contradição, procurou resolver, ou sua manifestação nas diferenças entre a produção industrial e agrícola, em sua obra Problemas econômicos do socialismo na URSS. No entanto, este não era um problema apenas econômico, passível de solução através da contínua elevação da produção industrial; essa elevação era um pressuposto econômico, mas não sua resolução definitiva, mesmo porque tal elevação da produção estava condicionada pelo grau de desenvolvimento da consciência socialista das massas. A questão estava na contradição entre a estrutura econômica e a superestrutura da sociedade. Vejamos como Marx nos diz:

“Estes defeitos, porém, são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como brota da sociedade capitalista, depois de um longo e doloroso parto. O direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado.” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha).

Ou seja, Marx aponta que o problema da prevalência do direito burguês no socialismo é resultante do atraso da superestrutura em relação a economia, por isso um direito “superior” à economia sempre será uma utopia. Por sua vez, a prevalência do direito burguês, a sua resistência em desaparecer determina a necessidade da continuidade da luta de classes no socialismo. Será na Revolução Chinesa, sob a chefatura do Presidente Mao, que a questão colocada pela primeira vez por Marx encontrará sua solução prática e seu desenvolvimento teórico. O direito burguês não poderia desaparecer pelo simples desenvolvimento das forças produtivas, como sempre predicaram os revisionistas em sua podre “teoria das forças produtivas”. Se há uma lei da velha sociedade ainda necessária ao socialismo, como fora postulado por Marx, ela só perderá vigência pela luta de classes que, nas condições da ditadura do proletariado, segue sendo o motor da história. A experiência histórica da Grande Revolução Cultural Proletária é a demonstração que este direito burguês no socialismo não cairá de forma natural, econômica, ou espontaneamente, mas somente pela ação consciente, ideológica e política do Partido Comunista e das massas. Só assim a humanidade alcançará o planteado por Marx em 1875, neste seu magistral trabalho Crítica ao Programa de Gotha:

“Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha).

Parte 8:

1.2 A Ditadura do Proletariado e a Transição ao Comunismo

Está claro que, para Marx, na transição do capitalismo ao comunismo, denominada socialismo (primeira fase ou fase inferior do comunismo) ela é ainda sociedade de classes, embora não mais baseada na exploração, e que, assim sendo, a segunda ou fase superior é o comunismo propriamente dito, ou seja, a sociedade sem classes. Também quer dizer que para Marx a passagem do socialismo ao comunismo não será um produto exclusivamente econômico, uma decorrência naturalista do desenvolvimento das forças produtivas. Para ultrapassar “o estreito horizonte do direito burguês” será necessário: o desaparecimento da divisão social do trabalho; este mesmo trabalho será a primeira necessidade vital de todos os indivíduos e o desenvolvimento individual corresponderá ao progresso de todo o coletivo. Somente nestas condições econômicas, mas também ideológicas, poderemos escrever em nossas bandeiras: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade. Será o fim do direito burguês, pois agora não haverá uma medida única para condições individuais diferentes; tal condição só é possível com o desenvolvimento ideológico de toda a sociedade. E nesta transição tão radical da história da humanidade, que papel caberá ao Estado? Marx assim responde:

“Pergunta-se, então, por quais transformações passará o ordenamento estatal numa sociedade comunista? Em outras palavras, quais funções sociais, análogas às atuais funções estatais, nela permanecerão? Essa pergunta só pode ser respondida de modo científico, e não é associando de mil maneiras diferentes a palavra povo à palavra Estado que se avançará um pulo de pulga na solução do problema. Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado. Mas o programa é alheio tanto a esta última quanto ao futuro ordenamento estatal da sociedade comunista” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha, negritos do autor).

Marx, precisamente, caracteriza essa transição do capitalismo ao comunismo como um “período de transformação revolucionária”. Como vimos na visão marxista, a socialização completa dos meios de produção representa o resultado imediato da revolução proletária, este resultado, todavia, não elimina o direito burguês, que ainda se conserva. Por isso ,o socialismo precede necessariamente ao comunismo como um “período político de transição”, cujo Estado é a “ditadura revolucionária do proletariado”. Marx, após a Insurreição Operária de junho de 1848, em Paris, havia concluído pela primeira vez sobre a necessidade da ditadura do proletariado, de que essa ditadura revolucionária era a forma política do poder proletário, indispensável ao cumprimento do objetivo econômico do socialismo científico já apontado no Manifesto do Partido Comunista, qual seja: a socialização dos meios de produção. Ainda assim, Marx viu a necessidade de suprir a lacuna deixada no Manifesto através do Prefácio à sua edição de 1872, no qual afirma: “Face ao imenso desenvolvimento da grande indústria nos últimos 25 anos e, com ele, ao progresso da organização do partido da classe operária, face às experiências práticas, primeiro da revolução de Fevereiro, e muito mais ainda da Comuna de Paris – na qual pela primeira vez o proletariado deteve o poder político durante dois meses – este programa está hoje, num passo ou noutro, antiquado. A Comuna, nomeadamente, forneceu a prova de que ‘a classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina de Estado montada e pô-la em movimento para seus objetivos próprios’”. Agora, na Crítica ao Programa de Gotha, Marx especifica que o papel político do Estado da ditadura do proletariado não se restringe a essa socialização, mas que esta ditadura representa a “transformação revolucionária” do capitalismo no comunismo.

O camarada Lenin, em setembro de 1917, como já nos referimos, em O Estado e a Revolução, extrai preciosas lições desta última grande obra de Marx. Pois é aí, já como marxismo-leninismo, que o proletariado encontrará de maneira completa a formulação do conceito “ditadura do proletariado”. Essa era uma questão chave e foi objeto de dura luta de Lenin contra o revisionismo de Kautsky. Por sua vez, o revisionismo moderno de Kruschov, que após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 1956, com o seu famigerado “relatório secreto” contra o camarada Stalin irá tentar atacar justamente a concepção marxista-leninista sobre a ditadura do proletariado. A podre tese kruschovista de “Estado de todo o povo” procurava justamente atacar este caráter de ditadura da classe mais revolucionária da história, este caráter de impulsionador da luta de classes no socialismo, exatamente como necessidade de eliminar as classes, rumo ao comunismo, apontado pelo grande Marx e desenvolvido pelo camarada Lenin.

Na resposta do PCUS revisionista à Carta de 25 pontos do Partido Comunista da China (PCCh), Kruschov procurou sustentar sua podre tese de “Estado de todo povo”, deturpando citações da Crítica ao Programa de Gotha. Os revisionistas buscaram fundamentar sua tese revisionista utilizando-se da última frase da citação acima, quando Marx fala em “futuro ordenamento estatal da sociedade comunista”. Kruschov retira a frase do contexto para justificar sua teoria de fim da ditadura do proletariado, quando na frase anterior Marx havia sido claríssimo ao dizer que à transição do capitalismo ao comunismo corresponde o período “cujo Estado não pode ser outro senão que a ditadura do proletariado”. Este é o falso comunismo de Kruschov, desmascarado pelo PCCh e pelo Presidente Mao no 9º Comentário à Carta do PCUS. Neste brilhante documento, os camaradas chineses assim seguem desmascarando o revisionista Kruschov:

“Como se houvesse previsto há muito que os revisionistas utilizariam essa frase de Marx para tergiversar o marxismo, Lenin, em seu Marxismo sobre o Estado, fez uma excelente explicação dessa frase. Disse: ‘A ditadura do proletariado é um período político de transição … Porém em outro lugar Marx fala da futura organização estatal da sociedade comunista!! Assim, inclusive na sociedade comunista existirá a organização estatal!! Não há aqui contradições?’ ‘Não’, respondeu Lenin. E a seguir ele expôs esquematicamente as três etapas do desenvolvimento do Estado, desde o Estado burguês até a extinção do Estado. A primeira etapa: na sociedade capitalista a burguesia necessita um Estado, que é o Estado burguês. A segunda etapa: no período de transição do capitalismo ao comunismo, o proletariado necessita um Estado, que é o Estado de ditadura do proletariado. A terceira etapa: na sociedade comunista, o Estado não é necessário e se extingue” (PCCh, Acerca do falso comunismo de Kruschov e suas lições históricas para o mundo).

Conclui então o PCCh: “No quadro exposto por Lenin só se encontram o Estado burguês, o Estado de ditadura do proletariado e a extinção do Estado. Lenin deixou claro com isto que com o comunismo o Estado se extinguirá e não haverá nenhuma organização estatal”. Na grandiosa luta de duas linhas vanguardeada pelo Presidente Mao, em 1963, as teses kruschovistas serão completamente desmascaradas e confrontadas com as teses de Marx na Crítica ao Programa de Gotha e de Lenin em O Estado e a revolução e Marxismo sobre o Estado. E o Presidente Mao, além desta defesa, desenvolveu a teoria marxista do Estado solucionando o problema da transição do capitalismo ao comunismo de maneira teórica (em Sobre a Contradição, 1937 e Sobre a Nova Democracia, 1942) e prática com a Grande Revolução Cultural Proletária (1966-1976), dando conteúdo e forma à luta de classes no socialismo como revolução permanente para se eliminar as classes e com isto dar-se a condição em que o Estado se extingue.

1.3 A luta de duas linhas contra a volta do Lassallianismo

No aspecto particular, a Crítica ao Programa de Gotha trata do retrocesso gravíssimo da socialdemocracia alemã para posições do socialismo pequeno-burguês que haviam sido derrotadas na I Internacional, do ponto de vista ideológico com O Capital, e do ponto de vista prático com a Comuna de Paris. Ferdinand Lassalle era um democrata burguês que se aproximou, no início dos anos de 1850, de Marx, ainda na efervescência da revolução democrática alemã de 1848. Lassalle ajudou na propaganda e popularização das descobertas econômicas de Marx na Contribuição para a Crítica da Economia Política; como hegeliano ajudou os operários na compreensão de determinados raciocínios econômicos de Marx, mas como um bom prussiano falsificava as conclusões revolucionárias do pensamento de Marx. Politicamente, Lassalle defendia a unificação alemã levada a cabo pelo Império Prussiano, que consistia na anexação de outros reinos germânicos sem qualquer transformação econômica importante nas relações sociais no campo. Depois da morte de Lassalle, em 1865, foram comprovadas suas relações secretas com o imperador Bismarck e seu posicionamento pró-Prússia na unificação alemã.

Foi com a unificação do Estado alemão, consumada em 1871, sob a hegemonia da Prússia, que as divergências políticas e táticas entre o Partido Operário Socialdemocrata e a Associação lassallista, aparentemente, diminuíram. Marx e Engels, em suas cartas anteriores à divulgação do Programa de Gotha já diziam que a tendência seria a dissolução da Associação e a incorporação da maior parte de seus membros no Partido. No entanto, como vimos, o que se deu foi de certa forma o contrário, pois os lassallianos ingressaram e transformaram o programa do partido, recuando em décadas suas posições.

Na Crítica ao Programa de Gotha, Marx irá sempre buscar confrontar o referido programa com o Manifesto do Partido Comunista e os Estatutos da Internacional. Marx demonstra como esses documentos eram a principal referência para a elaboração dos programas partidários em cada país. Retroceder em relação a eles era decair na vala comum do socialismo pequeno-burguês, que naquela altura já se encontrava em franca decadência, se tornando na maioria dos países em meros apêndices dos partidos liberais burgueses. Em três questões Marx destaca este retrocesso: a) na reafirmação da “lei de bronze”, formulação “clássica” de Lassalle; b) na afirmação de que afora o proletariado todas as outras classes eram uma “massa reacionária”; c) na defesa da criação de cooperativas com o apoio do velho Estado como via de transição para o socialismo.

A “lei de bronze” consistia na reformulação de uma tese oriunda da economia política burguesa, de que o salário do operário nunca poderia ultrapassar determinada medida, pois o salário seria regulado pelo excesso populacional do exército proletário de reserva. Na verdade, como Marx faz ver, a “lei de bronze” de Lassalle era a aplicação das teorias reacionárias de Malthus travestidas de socialismo. A caracterização científica do salário como preço da força de trabalho já havia sido feita por Marx, em 1859, e de forma popular em 1865, nas palestras denominadas Salário, preço e lucro, e depois de maneira completa, em 1867, em O Capital. A “lei de bronze” era na verdade uma pseudo-teoria para justificar o reformismo de Lassalle e sua posição de não agudização da luta de classes. Por isso Marx se indigna com o retrocesso do Programa de Gotha, pois este fora um problema teórico resolvido cabalmente e amplamente aceito pelo MCI. Quanto às cooperativas, Marx destaca que as cooperativas produtivas só teriam alguma importância para a luta revolucionária se fossem organizadas de maneira completamente independentes e contrárias à intervenção do velho Estado.

Dentre essas questões particulares, a mais importante diz respeito ao problema do caráter revolucionário das classes, o que é assim destacado por Marx:

“No Manifesto Comunista, afirma-se: ‘De todas as classes que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais autêntico’. Aqui, a burguesia é considerada como uma classe revolucionária – veículo da grande indústria – diante dos senhores feudais e das camadas médias, empenhados, aqueles e estas, em manter posições sociais que foram criadas por formas caducas de produção. Não constituem, portanto, juntamente com a burguesia, uma massa reacionária. Por outra parte, o proletariado é revolucionário diante da burguesia, porque havendo surgido sobre a base da grande indústria, aspira despojar a produção do seu caráter capitalista, que a burguesia quer perpetuar. Mas, o Manifesto acrescenta que as ‘camadas médias…’ tornam-se revolucionárias quando têm diante de si a perspectiva de sua passagem iminente ao proletariado” (Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha, negritos do autor).

Aqui está de maneira clara a posição materialista dialética sobre as classes sociais. O papel e a condição de revolucionária de uma classe obedecem a condicionantes históricas, por isso Marx mostra como no Manifesto, embora se tratasse da luta da classe operária contra a burguesia, esta era considerada como revolucionária quando lutava contra os senhores feudais. Da mesma forma, destaca o papel do campesinato, que não é visto como parte de uma massa reacionária, mas como uma classe revolucionária quando se vê na iminência de decair à condição proletária, isto é, de ter expropriados os seus meios de produção, ou de ter impedido o caminho de acesso a eles. Nesse sentido, só o marxismo-leninismo em sua precisa formulação sobre a aliança operário-camponesa e a ditadura democrática revolucionária de operários e camponeses, e logo com o marxismo-leninismo-maoismo com a ditadura conjunta de classes revolucionárias na completa formulação da revolução democrática de novo tipo, conseguiram colher o que havia de mais precioso e universal na crítica de Marx às posições pequeno-burguesas de Lassalle e de seus seguidores, em sua suposta “centralidade na classe operária”.

Parte 9:

2.1. Anti-Dühring e a sistematização do Marxismo

O Congresso de Gotha e a correspondente fusão com os lassallianos significou um importante decaimento ideológico do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). No mesmo ano daquele Congresso, 1875, Marx e Engels já haviam percebido uma influência particularmente negativa na direção do Partido. Tratava-se das formulações teóricas, pseudo-socialistas e pseudo-científicas, de um professor de filosofia da Universidade de Berlim, chamado Eugen Dühring, que recentemente havia se proclamado “comunista”. Ao lado dessa proclamação, Dühring compôs um extenso sistema teórico, que abrangia a filosofia, a economia e a teoria social. Ele autoproclamava seu sistema como um “revolucionamento da ciência”, e pretendia corrigir supostas falhas no pensamento de Marx.

De início, mesmo os principais dirigentes da esquerda da Social-Democracia, Bebel e Liebknecht, avaliaram como positiva a auto-proclamação de Dühring como “comunista”. No entanto, rapidamente corrigiram seus posicionamentos a partir da correspondência com Engels. Por sua vez, a direita da Social-Democracia saudava efusivamente a teoria de Dühring, visando se apoiar nela para substituir o marxismo e suas “inconveniências” revolucionárias. A direita havia conseguido uma grande vitória no Congresso de Gotha e pretendia, então, lançar uma ofensiva contra a esquerda no Partido. Dentre os propagandistas de Dühring, estava Eduard Bernstein, dirigente social-democrata, que após a morte de Engels, em 1895, se tornaria o principal teórico das primeiras formulações revisionistas.

A figura de Dühring era insignificante para o Movimento Comunista Internacional (MCI). No entanto, foi visando a demolir tal linha de direita na Social-Democracia da Alemanha que Engels elaborará essa grande obra teórica: Anti-Dühring. Isso fica evidente nos seguintes trechos da correspondência entre Engels e Marx, no ano de 1875:

Engels: “Pergunta-se se não será tempo de tomar seriamente em consideração a nossa atitude em relação a estes senhores.”

Marx: “A minha opinião é que a ‘atitude em relação a estes senhores’ só pode ser tomada criticando Dühring sem contemplações.” (Correspondências, Marx e Engels, negrito nosso).

“Estes senhores” eram justamente os representantes da linha de direita: Bernstein, Most e Viereck.

Engels dedicará parte do ano de 1876 para estudar a extensa obra de Dühring e preparar sua réplica. Como ele mesmo afirma, todos os manuscritos foram lidos anteriormente por Marx, que fez várias sugestões e inclusive escreveu alguns capítulos da sessão Economia Política. A publicação do Anti-Dühring foi feita por capítulos no jornal teórico do SPD. A publicação da primeira parte aconteceu em janeiro de 1877 e da última em julho de 1878. Neste mesmo ano foi editado um livro com o conjunto dos artigos reunidos intitulado: Revolucionamento da Ciência pelo Senhor Eugen Dühring. Filosofia. Economia Política. Socialismo. Mas será como Anti-Dühring que a obra seguirá sendo conhecida daí em diante no MCI.

A publicação do Anti-Dühring coincide com a promulgação da Lei Anti-Socialista, do imperador Bismarck. O livro, assim como toda a propaganda social-democrata, foi censurado, o que resultou, nas palavras de Engels: na triplicação de suas vendas. No entanto, não só o imperador tentou impedir sua circulação. No Congresso do SPD, em 1877, a linha de direita propôs a suspensão da publicação dos capítulos do livro de Engels no jornal partidário. Essa proposição foi rechaçada por Liebknecht, mas por muito pouco não chegou a ser aprovada.

Tamanho ódio, do oportunismo e da reação, pela obra de Engels, tinha sua explicação. O Anti-Dühring, depois de O Capital, era uma das obras mais completas do marxismo. Na verdade, apesar de ser uma obra polêmica, permeada pela contestação aos argumentos de seu oponente, o Anti-Dühring de Engels é a primeira exposição sistemática do marxismo em suas três partes constitutivas: a filosofia marxista, a economia política marxista e o socialismo científico. Essas três partes constituem, justamente, as três sessões do livro.

2.2 A concepção materialista dialética da sociedade e da natureza

No Capítulo I do Anti-Dühring, Engels traça um panorama histórico-filosófico do surgimento do socialismo científico. Nesta introdução, o dirigente comunista mostra como o socialismo utópico advém diretamente do iluminismo francês, da burguesia enquanto classe revolucionária. A posição racionalista burguesa se colocava na condição de inauguradora do pensamento correto, e este era um dos limites do materialismo francês do século XVIII. O idealismo alemão surge como produto indireto da Grande Revolução Francesa, 1789, e será com Hegel que atingirá seu ponto culminante. Hegel demonstra que o desenvolvimento do pensamento humano é um processo, possui uma história, cujo desenvolvimento apresenta uma série de necessidades internas. Esse ordenamento dialético das diferentes formas do pensamento, em evolução, bem como a determinação de que em cada uma destas etapas havia algo de verdadeiro, é um grande trunfo de Hegel e, segundo Engels, seu maior mérito foi “a retomada da dialética como forma suprema do pensamento”. Um dos maiores defeitos da filosofia hegeliana era justamente o seu caráter idealista, no lugar de descobrir os nexos reais (sociais e econômicos) que levavam à evolução das formas de pensar, Hegel substitui esses nexos por conclusões lógico-abstratas, que na maioria das vezes estavam corretas em seu conteúdo, mas representava uma forma invertida de ver o mundo e, portanto, imprestável, naquela condição, à luta revolucionária do proletariado.

A crítica à mistificação hegeliana da dialética conduziu ao materialismo, não ao materialismo antigo, mecanicista, do século XVIII, mas ao “materialismo moderno”, nas palavras de Engels, “essencialmente dialético”. Essa concepção de mundo surge como o materialismo histórico, no pensamento Marx, em 1848, explicando pela primeira vez em termos científicos (teóricos e práticos) que eram as condições materiais de produção que determinavam, em última instância, as transformações no campo do direito, da política e da ideologia. E que eram as forças econômicas contraditórias a base das revoluções políticas que de tempos em tempos abalavam a história da humanidade. Enfim, que era a luta de classes o motor da história. Nas palavras de Engels: “Devemos a Marx essas duas grandes descobertas: a concepção materialista da história e a revelação do mistério da produção capitalista mediante a mais-valia.” (Engels, Anti-Dühring).

E por que esse materialismo moderno essencialmente dialético aparece primeiramente, em sua forma completa, no estudo da história e não no estudo da natureza orgânica e inorgânica? Engels, assim, nos explica:

“Contudo, enquanto a reviravolta na visão da natureza pôde efetuar-se somente à medida que a pesquisa lhe forneceu o correspondente material positivo do conhecimento, muito antes disso haviam se afirmado fatos históricos que acarretaram uma virada decisiva na concepção da história. No ano de 1831, teve lugar, em Lyon, a primeira revolta de trabalhadores; de 1838 a 1842, atingiu seu auge o primeiro movimento nacional de trabalhadores, o dos cartistas ingleses. A luta de classes entre o proletariado e a burguesia passou para o primeiro plano da história dos países mais avançados da Europa, na mesma proporção em que ali se desenvolviam, de um lado, a grande indústria e, de outro, o recém-conquistado domínio político da burguesia.” (Engels, Anti-Dühring).

O materialismo histórico, a filosofia marxista, era um produto da luta de classes. Da mesma forma o era o desenvolvimento do materialismo dialético nas ciências naturais, mas neste caso de maneira indireta, vinculada mais estreitamente ao desenvolvimento industrial e à experimentação científica. Mas a descoberta do caráter histórico e evolutivo do cosmo e da natureza orgânica estava em curso. Ainda no século XVIII, Kant, antes de se tornar o fundador do idealismo alemão, lançara a teoria da formação do sistema solar a partir das nebulosas. Essa grande hipótese filosófica atacava diretamente o fundamento metafísico da mecânica celeste de Newton, que postulara um universo em movimento, mas sem transformação, sem história; ou seja, os corpos celestes desde sempre haviam girado daquela maneira. Laplace, 50 anos depois de Kant, realizou cálculos matemáticos que confirmavam, ainda que teoricamente, a hipótese kantiana. E, 50 anos depois de Laplace, nos diz Engels, com medições empíricas se comprovou a origem do sistema solar a partir de outros corpos celestes: as nebulosas gasosas. Mas antes desta confirmação, Darwin, em 1859, com sua grande obra Origem das espécies, dava uma explicação racional à variabilidade enorme das espécies vivas sobre o globo terrestre. Embora, como pontua Engels, Darwin não investigue as causas das mutações, ele logra o grande feito de explicar a evolução das espécies vivas sem a necessidade de uma força metafísica criadora. O materialismo dialético alcançava, assim, grandes resultados não só na explicação da história da humanidade, mas também na história do cosmo e na história da vida.

“(…) o materialismo sintetiza os progressos mais recentes da ciência da natureza, segundo a qual a natureza também tem sua história no tempo – tanto os corpos cósmicos como as espécies de organismos que os habitam em circunstâncias favoráveis surgem e desaparecem, e os ciclos, na medida em que se deixam legitimar, assumem dimensões infinitamente mais grandiosas. Nos dois casos, o materialismo é essencialmente dialético e não necessita mais de nenhuma filosofia posicionada acima das demais ciências.” (Engels, Anti-Dühring, negritos nossos).

O materialismo nas ciências naturais, ao ser definido por histórico, da mesma forma como ocorre na explicação da sociedade, assume a condição de “essencialmente dialético”. A dialética ao procurar a origem do movimento nas próprias coisas (e não fora delas, como faz a visão metafísica), de perceber tudo como um encadeamento, um movimento, um devir e fenecer, não é, por sua vez, apenas um método de pensamento, mas uma concepção de mundo.

“Todos esses processos e métodos de pensar não cabem na moldura do pensamento metafísico. Para a dialética, em contrapartida, que concebe as coisas e seus retratos conceituais essencialmente em seu nexo, em seu encadeamento, em seu movimento, em seu devir e fenecer, processos como os anteriormente mencionados são outras tantas confirmações do seu próprio modo de proceder. A natureza é a prova da dialética, e temos de afirmar a respeito da moderna ciência da natureza que ela forneceu para essa prova um material extremamente abundante e cada dia mais volumoso, comprovando, desse modo, que, na natureza, as coisas acontecem, em última instância, de maneira dialética, e não metafísica.” (Engels, Anti-Dühring, negritos nossos).

A natureza e os abundantes resultados das ciências naturais constituem a prova da dialética. Constituem a prova daquilo que Hegel percebeu como um reflexo invertido no espírito humano e Marx recolocou de cabeça para cima em sua concepção materialista histórica. Ao se tornar a prova da dialética, por sua vez, a natureza servia também de comprovação da unidade material do mundo, da condição de que uma série de leis válidas à natureza inorgânica e orgânica, também vigem no desenvolvimento da sociedade e do pensamento. A dialética na natureza reforçava, desta maneira, a concepção materialista do mundo.

2.3 As diferentes formas de movimento da matéria

O grande Engels, no Anti-Dühring, demonstra que o avanço científico no século XIX alcançou a compreensão de que, assim como a sociedade humana, o cosmo e a natureza orgânica possuem sua história particular. O significado imediato desta conclusão filosófica de Engels é, como vimos no tópico anterior, a universalidade da dialética. Por sua vez, essa universalidade não foi alcançada por uma especulação filosófica, mas pela sistematização dos resultados positivos dos diferentes ramos da ciência. A decorrência necessária da universalidade da dialética é a confirmação da concepção monista do mundo. Ou seja, não existem diferentes mundos, ou esferas intransponíveis entre eles. Não há um mundo das ideias, separado do mundo das coisas como defendia Platão. Há uma unidade do mundo e esta unidade é revelada por sua história; a história do cosmo devém na história da vida orgânica na Terra, a história da vida orgânica na Terra devém na história da sociedade humana; e, por sua vez, a história material da sociedade é o fundamento da história de seu pensamento.

Para Engels, portanto, era o desenvolvimento das ciências que assegurava a unidade do mundo. Antes destas descobertas, das quais podemos destacar os nomes de Marx e Darwin, a concepção monista do mundo podia consistir um avanço filosófico, mas situava-se ainda no terreno especulativo. Nesse sentido, a defesa de Spinoza de que o mundo era constituído por apenas uma substância era um avanço em relação ao dualismo de Descartes e suas duas substâncias: a coisa pensante versus a coisa extensa. Da mesma forma que Hegel ao fundar seu idealismo no automovimento do conceito (único) representava um progresso em relação ao dualismo de Kant com seu mundo do fenômeno separado do mundo da essência (ou da coisa em si). No entanto, as concepções de Spinoza e de Hegel, por mais brilhantes que fossem, situavam-se ainda apenas no terreno da especulação filosófica, como sistematização abstrata do conhecimento acumulado até então.

Por isso que para Engels não faz o menor sentido a ontologia de Dühring que busca fundamentar a unidade do mundo no conceito abstrato de ser. A retomada deste conceito por Dühring representava a tentativa de, novamente, colocar a filosofia acima das ciências; e do ponto de vista concreto apenas a substituição de um conceito por outro: ser no lugar da substância de Spinoza, ou do conceito de Hegel. Engels demonstra que é a própria história da luta de classes, da produção e da experimentação científica que comprovam a universalidade da dialética e do materialismo. A filosofia, a partir de então, deveria se encontrar imbricada na ciência e não separada ou acima desta. Eram os próprios resultados científicos e o avanço da luta de classe que confirmavam essa unidade material do mundo:

A unidade do mundo não consiste no seu ser, embora o seu ser seja um pressuposto de sua unidade, já que ele precisa primeiro existir antes de poder ser um só. Pois o ser é, de modo geral, uma questão aberta além do limite do nosso raio de visão. A unidade real do mundo consiste em sua materialidade, e esta foi comprovada não por meio da fraseologia de um prestidigitador, mas por meio de um longo e demorado desenvolvimento da filosofia e da ciência da natureza.” (Engels, Anti-Dühring, negritos nossos).

Essa é uma grande síntese filosófica de Engels: “a unidade do mundo é sua materialidade”. E a determinação “materialidade” não é um mero substituto ao ser, à substância ou ao conceito. A materialidade não é uma determinação pura sem qualquer qualidade, como Engels demonstraria alguns anos depois, em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, a matéria consiste em algo existente, anterior e independente da observação subjetiva, e além disso pode ser conhecida, em sua essência, pela consciência. Como Engels demonstra em Anti-Dühring o conceito de ser é completamente insuficiente para demonstrar a unidade do mundo:

“Quando falamos do ser, e apenas do ser, a unidade só pode consistir em [que] todos os objetos de que se está tratando – são, existem. Eles [os objetos] estão sintetizados na unidade desse ser e em nenhuma outra, e a alegação comum de que todos são não só não lhes pode conferir nenhuma outra propriedade, seja comum ou não comum, como também exclui provisoriamente da análise todas as propriedades desse tipo. Porque, assim que nos afastamos um milímetro que seja do fato básico e simples de que o ser compete ao conjunto de todas essas coisas, as diferenças entre essas coisas começam a aparecer diante de nossos olhos – e o fato de essas diferenças consistirem em que uns são brancos e outros pretos, uns são animados e outros inanimados, uns talvez sejam imanentes e outros talvez transcendentes não pode ser resolvido por ter sido atribuída a todos eles, uniformemente, a simples existência.” (Engels, Anti-Dühring).

Por isso a concepção filosófica marxista não é ontológica e sim materialista e dialética. Por isso, Engels, partindo do pressuposto de tudo o que existe, qualifica essa existência, como: diferentes formas de movimento da matéria. A existência do mundo, dos indivíduos, não é algo que necessita ser justificado ao proletariado. As próprias condições de vida dessa classe produtora lhe aliviam do questionamento filosófico sobre se o mundo e nosso pensamento são ou não reais. Por isso a existência, o ser em geral, é pressuposto ao qual não é necessário justificativa para o materialismo dialético, o que é necessário sim é descobrir as leis objetivas que regem essa realidade para transformá-las. Pois como o grande Karl Marx já, em 1845, havia apontado em suas Teses sobre Feuerbach:

“A questão de saber se cabe ao pensar humano uma verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas sim uma questão da prática. É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, quer dizer, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar. A controvérsia acerca da realidade ou não-realidade do pensar, que está isolado da práxis, é uma questão puramente escolástica.” (Marx, Teses sobre Feuerbach).

Ou seja, o poder de um pensamento, a sua verdade, está na capacidade de transformação da realidade; ou como sistematizou o Presidente Mao: “a prática é o critério da verdade”. Em Anti-Dühring e, posteriormente, em sua Dialética da Natureza, Engels delineia quatro formas de movimento da matéria: a natureza inanimada, os organismos vivos, a história da sociedade e o pensamento. O pensamento é portanto, uma forma de movimento da matéria e, como todo movimento, o pensamento é uma contradição, na qual os dois aspectos como unidade de contrários são: a prática social e o conhecimento; não existe prática social sem consciência, não há consciência sem prática social; e em determinadas condições a prática social se transforma em teoria, quando esta mesma prática é sistematizada sob a forma racional, por sua vez, em determinadas circunstâncias, o conhecimento se converte em prática na ação transformadora.

Portanto, a pergunta “pensamento é matéria?” trata-se, na verdade, de um questionamento escolástico e mal colocado pois pressupõe uma resposta ontológica. O pensamento, assim como a sociedade, a vida e os corpos físicos são uma relação material e dialética, são em si uma contradição e seus dois aspectos contraditórios e interdependentes. Para a ciência moderna não cabe a procura por uma substância do pensamento, o que cabe à ciência é descobrir as leis que regem esta forma de movimento da matéria. Quanto à materialidade do pensamento, aprendemos com o camarada Lenin a precisa definição de que ele nasce da prática e só a prática pode comprová-lo, “a consciência é um estado interno da matéria” (Lenin, Materialismo e empiriocriticismo), e com o Presidente Mao de que ele advém da prática, não surge do nada, não cai do céu e nem brota no cérebro, ou seja, advém da prática social em seus três tipos: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica. E essa definição leninista-maoista deve ser compreendida, do ponto de vista da sociedade, como a prática social determinando a consciência social e, do ponto de vista orgânico, do cérebro humano como órgão do pensamento.

2.4 A universalidade da contradição e a negação da negação

A definição do mundo como uma unidade entre diferentes formas de movimento da matéria, é um importantíssimo salto filosófico. Pois nela, está implícita tanto a materialidade comum a todas as formas de movimento – uma materialidade que não é um mero ser, ou uma substância, mas a própria objetividade, com sua independência e antecedência em relação ao sujeito – quanto está implícito também o caráter dialético e contraditório desta unidade. Afinal, se não houvessem diferenças não faria sentido falar em unidade, e como o Presidente Mao demonstra: toda diferença é uma contradição. O monismo marxista, portanto, é a unidade contraditória do mundo; pois todo movimento é o movimento de algo material, bem como todo movimento, mesmo o mais simples, é uma contradição:

O movimento é o modo de existir da matéria. Jamais e em lugar algum houve nem pode haver matéria sem movimento. Se o simples movimento mecânico de um lugar para outro já contém em si uma contradição, isso é ainda mais verdadeiro em relação às formas mais elevadas de movimento da matéria e, de modo bem especial, a vida orgânica e sua evolução.” (Engels, Anti-Dühring, negrito nosso).

Nos dois capítulos denominados Dialética, Engels trata de duas leis da dialética: a reversão da quantidade em qualidade e a negação da negação. Como o Anti-Dühring é uma obra de polêmica, Engels tem sua argumentação de certa maneira condicionada pelas postulações de seu oponente. E Dühring, em sua crítica a O capital vai se voltar, justamente, contra as relações feitas por Marx da correspondência de determinados fenômenos históricos, econômicos e sociais com essas duas leis da dialética. Engels demonstra que a dialética em Marx não é uma categoria a priori que sirva de parâmetro para a comprovação da verdade de determinado conceito. Por exemplo, quando Marx diz que, sob determinadas circunstâncias históricas, uma quantidade de dinheiro se converte em capital, ele não está querendo comprovar a lei da “reversão da quantidade em qualidade”, ele está, simplesmente, a partir de uma descoberta científica de um fenômeno social, demonstrando sua correspondência com determinada lei geral de diferentes formas de movimento da matéria:

“Aqui, como na ciência da natureza, comprova-se a exatidão da lei descoberta por Hegel em sua Lógica, de que alterações meramente quantitativas, tendo atingido um determinado ponto, convertem-se em diferenças qualitativas.” (Marx, O capital, negritos nossos).

Da mesma forma, quando Marx relaciona o surgimento da classe capitalista e o seu respectivo desaparecimento com a lei dialética da negação da negação, ele não está dizendo que é esta lei filosófica que torna necessário o desaparecimento do capitalismo. Ao contrário, Marx após demonstrar a necessidade inerente ao modo de produção capitalista que conduz ao seu inevitável desaparecimento, relaciona o movimento de surgimento e desaparecimento da propriedade capitalista dos meios de produção, com a lei da negação da negação.

“O modo capitalista de apropriar-se dos bens, decorrente do modo capitalista de produção, ou seja, a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual baseada no trabalho próprio. Mas, a produção capitalista gera sua própria negação, com a fatalidade de um processo natural. É a negação da negação. Esta segunda negação não restabelece a propriedade privada, mas a propriedade individual tendo por fundamento a conquista da era capitalista: a cooperação e a posse comum do solo e dos meios de produção gerados pelo próprio trabalho.” (Marx, O capital, negritos nossos).

A exposição de Engels é bastante rica sobre estas leis, revelando principalmente a universalidade da dialética em todas as formas de movimento da matéria. Os exemplos da reversão da quantidade em qualidade e da negação da negação perpassam desde a natureza inanimada, a vida, a sociedade até o pensamento. Mas o mais importante nestes capítulos, mesmo nos exemplos destas duas leis, é a demonstração da universalidade da contradição. E essa demonstração tinha uma importância tanto geral para a exposição da dialética materialista, como específica para a polêmica com Dühring:

“O primeiro e mais importante enunciado [de Dühring] sobre as propriedades lógicas fundamentais do ser refere-se à exclusão da contradição. O contraditório [para Dühring] é uma categoria que só pode ser própria de uma combinação de ideias, mas jamais da realidade.” (Engels, Anti-Dühring).

Ao longo do século XX, muitas correntes revisionistas acusaram os camaradas Engels e Stalin de naturalismo e determinismo, ao quererem encontrar leis dialéticas na natureza. É interessante notar como o pensamento destes revisionistas acaba se baseando nos mesmos argumentos de Dühring, que por sua vez não passam de versões atualizadas do idealismo kantiano. Pois, justamente, para Kant a dialética está restrita aos confins da razão humana, ou como demonstrou Hegel: “em respeito à pureza das coisas, Kant confina a contradição à consciência dos homens”. A universalidade da contradição essa é outra importante síntese filosófica feita por Engels em sua obra o Anti-Dühring.

“(…) processos que, por sua natureza, são antagônicos, que contêm dentro de si uma contradição, a reversão de um extremo em seu oposto (…). A infinitude é uma contradição e está repleta de contradições. Já é uma contradição pretender que uma infinitude seja composta exclusivamente de finitudes, e, no entanto, é o que ocorre. (…) A abolição da contradição seria o fim da infinitude. (…) já mencionamos que a matemática superior tem como um de seus principais fundamentos a contradição (…). Porém, tudo muda completamente de figura assim que examinamos as coisas em seu movimento, em sua mudança, em sua vida, na incidência recíproca uma sobre as outras. Nesse caso, envolvemo-nos imediatamente em contradições. O próprio movimento mecânico de um lugar para outro só pode se efetuar de tal modo que, no mesmo momento, um corpo está num lugar e simultaneamente está em outro, um corpo está no mesmo lugar e não está nele. E o contínuo pôr e a simultânea resolução dessa contradição são precisamente o movimento.” (Engels, Anti-Dühring, negritos nossos).

Por fim temos uma brilhante síntese da dialética e de sua universalidade:

“A dialética nada mais é que a ciência das leis universais do movimento e da evolução da natureza, da sociedade humana e do pensamento.” (Engels, Anti-Dühring).

O Presidente Mao, em Sobre a contradição, estabelece que a lei da contradição é a única lei fundamental da dialética. Nesta, que é a obra filosófica mais importante do século XX, está apresentada de forma completa esta lei fundamental. Como nos ensina o Presidente Gonzalo, com o maoismo chegamos ao monismo filosófico: uma única lei. No entanto, à universalidade absoluta da lei da contradição se fazia necessário, como pressuposto, o estabelecimento da universalidade da dialética. E isso foi obra do grande Engels em sua brilhante sistematização do Marxismo em suas três partes constitutivas.

3. A Lei Anti-Socialista e a Carta Circular de Engels e Marx

A publicação do Anti-Dühring foi, portanto, uma importantíssima conquista da esquerda e uma continuidade da Luta de Duas Linhas travada por Karl Marx, em sua Crítica ao Programa de Gotha, em 1875. No entanto, como vimos, o resultado dessa luta ideológica não foi imediato: no Congresso de Gotha, as críticas de Marx não foram aprovadas; e em 1877, em outro congresso do Partido, a direita por pouco não conseguiu impedir a continuidade da publicação dos fascículos do Anti-Dühring na imprensa da Social-Democracia da Alemanha. Coincidindo com a publicação das últimas partes da obra de Engels e com sua edição em brochura foi promulgada na Alemanha a já referida Lei Anti-Socialista. A promulgação dessa lei abriu uma nova etapa na luta de duas linhas no Partido e num primeiro momento fortaleceu a linha oportunista de direita que passou a pregar abertamente a capitulação e a liquidação do Partido. O papel de Marx e Engels, sobretudo de Engels, foram decisivos para a derrota da linha de direita e o fortalecimento da linha de esquerda.

A promulgação da Lei Anti-Socialista pelo governo de Bismarck foi um marco no aprofundamento das posições direitistas e reacionárias do “chanceler de ferro”. Do ponto de vista econômico, a Lei correspondia à uma política mais ofensiva do Estado alemão de medidas protecionistas, conquistas coloniais e expansão externa. As medidas protecionistas visavam a defesa do mercado interno dos latifundiários, os junkers, frente à concorrência com os produtos agrícolas mais baratos do USA. Essas medidas agravavam diretamente as condições de vida do proletariado da Alemanha e como medida preventiva diante do agravamento da luta de classes o governo alemão tramou para aprovar uma lei que colocasse a Social-Democracia na ilegalidade.

O pretexto utilizado para a aprovação da Lei foram os dois atentados contra o imperador austríaco, Guilherme I, ocorridos nos meses de maio e junho de 1878. Associando os atentados à Social-Democracia e alarmando a opinião pública sobre o “perigo vermelho”, Bismarck dissolveu o parlamento e convocou novas eleições. Na nova composição parlamentar havia se fortalecido as posições reacionárias. Isso facilitou para que, no dia 19 de outubro de 1878, fosse aprovada a Lei Anti-Socialista, por 221 votos a favor e 149 contra. Ficavam, então, proibidas, por um prazo de três anos, as organizações socialistas e as organizações sindicais operárias, os órgãos de imprensa, as reuniões públicas ou a propaganda de qualquer campanha socialista. As autoridades municipais podiam, também, decretar um estado de sítio parcial durante o qual todas as reuniões só poderiam acontecer com prévia autorização policial. Estava proibida a difusão de jornais em locais públicos e as pessoas consideradas suspeitas poderiam ser desterradas com suas famílias.

Em 1878, o Partido Social-Democrata da Alemanha, apesar de decaída a sua qualidade revolucionária, possuía uma considerável força política organizada. O Partido contava então com 32.000 membros ativos, com 40 órgãos de imprensa de amplo alcance entre as massas operárias. Nas últimas eleições o Partido havia obtido meio milhão de votos e elegido 12 deputados para o parlamento.

Essa força orgânica, esse peso entre as massas, não foram no entanto suficientes para que predominasse uma linha revolucionária em sua direção. Frente a Lei Anti-Socialista a posição da linha oportunista de direita foi vergonhosa. Ainda durante as discussões do projeto de Lei no parlamento, o Comitê Central Eleitoral de Hamburgo, que desempenhava as funções de direção central do Partido declarou-se dissolvido e defendeu que as organizações partidárias locais fizessem o mesmo. Bebel foi contra essa decisão, mas Liebknecht, como deputado do parlamento, declarou, após a aprovação da Lei, que o Partido a respeitaria. O predomínio de posições capitulacionistas por antecipação e de rendição eram expressão do baixo nível ideológico do Partido, fato que havia se agravado depois da unificação com os lassallianos.

Dirigentes comunistas experientes, como Marx e Engels, não se assustaram com esta modificação abrupta na condição da luta de classes na Alemanha. Afinal, fora em uma condição semelhante que a Liga dos Comunistas havia atuado, nos anos de 1848-1852, em sua luta pela revolução democrática na Alemanha. Marx e Engels haviam enfrentado justamente a ilegalidade e a expulsão de sua pátria. Para eles o que estava ocorrendo não representava nenhuma novidade nem motivo para desespero, ao contrário:

“O movimento socialista não pode ser asfixiado amordaçando-o. Pelo contrário, a lei contra os socialistas… completará a educação revolucionária dos operários alemães (…).” (Engels, A lei de exceção contra os socialistas alemães, negrito nosso).

Diante da ilegalidade do Partido, Engels e Marx começam a defender a necessidade da organização de um órgão de imprensa do Partido, que fosse editado e impresso no exterior para ser enviado clandestinamente para o território alemão. Uma intensa correspondência de Engels com a direção do Partido Social-Democrata da Alemanha, ocupará o ano de 1879, de cujo tema central era a organização do jornal, nomeado Der Sozialdemokrat (O Socialdemocrata), e particularmente a questão fundamental da composição de sua direção. A direção do Partido havia indicado o social-reformista Höchberg para a direção do jornal, contra o qual Marx e Engels, por correspondência, protestaram de forma veemente.

Em setembro de 1879, na revista científica dirigida por Höchberg, foi publicado o artigo “Retrospectivas do Movimento Socialista na Alemanha”, assinado por ele, Bernstein e Schramm. O artigo era um verdadeiro “manifesto” da linha oportunista de direita e constituía a posição direitista exposta da maneira mais explícita. O “trio de Zurique”, como ficou conhecido, era justamente o indicado para compor o comitê administrativo do Der Sozialdemokrat. A resposta de Marx e Engels, portanto, era urgente e necessária.

Essa resposta veio sob a forma de uma Carta Circular, escrita ainda no mês de setembro, e enviada para o Comitê de Redação do Der Sozialdemokrat, em Leipzig, composto por Bebel, Liebknecht, Fritzsche, Geiser, Hasenclever e Bracke, membro da fração social-democrata no parlamento. A carta foi escrita inteiramente por Engels, Marx leu e a aprovou assim que chegara de uma viagem para tratamento de saúde no balneário de Ramsgate. A carta foi, então, assinada por ambos. Esse documento histórico constitui um importante material da luta de duas linhas contra as posições reformistas, talvez essa seja a última grande luta antes das posições burguesas se verem forçadas a adotar, predominantemente, a forma revisionista, por ser a mais perigosa, na luta interna dos Partidos Comunistas.

Na Carta Circular, Engels retoma alguns trechos do artigo do “trio de Zurique” que demonstram sua evidente defesa do lassallianismo, e a condenação explícita a todos os posicionamentos de esquerda do Partido ao longo de sua história. A defesa internacionalista feita pela Social-Democracia da Alemanha à Comuna de Paris, num difícil contexto interno, pois a França estava em guerra contra a Prússia, foi considerada pelos oportunistas como uma posição unilateral e que afastava os elementos progressistas da burguesia. Na verdade, o que havia era uma defesa da retomada do projeto burguês de Lassalle, de um partido operário só de nome, mas que no fundo defendesse a união com a burguesia. Engels relembra que a luta contra essa posição já havia sido vencida em 1847, no Congresso da Liga dos Justos, que alterara o nome da organização para Liga dos Comunistas e substituíra o seu lema: “Todos os homens são irmãos” por “Proletários de todos os países, uni-vos!”.

A linha de direita argumentava que o partido não podia ser um “partido unilateral”, apenas de operários, mas que devia buscar membros entre as camadas mais esclarecidas da sociedade, pois só esses conseguiriam representar a classe operária no parlamento. Engels retoma então os estatutos da Internacional no qual: “formulamos o grito de guerra: a libertação da classe operária tem de ser obra da própria classe operária”. Retoma também o Manifesto do Partido Comunista, no qual discute sobre o ingresso de indivíduos oriundos de outra classe social no partido do proletariado seguindo determinadas condições:

“Se essas pessoas de outras classes se juntam ao movimento proletário, a primeira exigência é a de que elas não tragam consigo nenhuns restos de pré-juízos burgueses, pequeno-burgueses, etc, mas se apropriem com franqueza da maneira de ver proletária. Aqueles senhores, porém, como ficou provado, estão completamente cheios de representações burguesas e pequeno-burguesas.” (Engels, Carta Circular).

Engels caracteriza assim a posição do “trio de Zurique”:

São os representantes da pequena burguesia que se anunciam, cheios de medo de que o proletariado, compelido pela sua situação revolucionária, possa ‘ir demasiado longe’. Em vez de oposição política decidida – mediação geral; em vez de luta contra o governo e a burguesia – a tentativa de os ganhar e de os persuadir; em vez de resistência obstinada contra os maus tratos de cima – submissão humilde e admissão de que se tinha merecido o castigo. Todos os conflitos historicamente necessários são interpretados deturpadamente como mal-entendidos e toda a discussão termina com o protesto: no principal, estamos afinal todos unidos. (…) É o mesmo para a luta de classes entre proletariado e burguesia. É reconhecida no papel, porque já não se pode negá-la; na prática, porém, é mascarada, apagada, amortecida. O Partido Social-Democrata não deve ser nenhum Partido operário, não deve atrair sobre si o ódio da burguesia ou, em geral, de quem quer que seja; deve, antes de tudo, fazer uma propaganda enérgica entre a burguesia; em vez de dar peso a objetivos que vão longe, que assustam a burguesia e que, contudo, são inalcançáveis na nossa geração, ele deve antes empregar toda a sua força e energia naquelas reformas remendonas pequeno-burguesas que conferem à velha ordem da sociedade novos apoios e que, por esse fato, poderiam talvez transformar a catástrofe final num processo gradual, parcelar e o mais possível pacífico de dissolução.” (Engels, Carta Circular, negritos nossos).

Engels denuncia um procedimento que se tornaria típico do revisionismo: reconhecer a luta de classes no papel porque já é impossível negá-la, mas para a mascarar, apagá-la e não para a impulsionar como motor da história que de fato é. Engels, também, com muita perspicácia agarra o argumento que depois seria desenvolvido por Bernstein, a partir de 1896, de que “o movimento é tudo, os objetivos não são nada”. Será contra esta consigna revisionista que o camarada Lenin irá atacar o economicismo menchevique em sua grande obra Que fazer?. É isto que Engels enfatiza quando o “trio de Zurique” defende não dar tanto peso “aos objetivos que vão longe”. Ora, isso é o contrário do que apregoa o Manifesto do Partido Comunista, quando em sua conclusão afirma que: “Os comunistas não se rebaixam a ocultar seus objetivos e seus fins, proclamam abertamente… (…).” E será na Carta Circular que a definição da luta de classes como motor da história aparecerá assim, pela primeira vez, sintetizada:

“Desde há quase 40 anos que pusemos em evidência a luta de classes como a força motora da história e, especialmente, a luta de classes entre a burguesia e proletariado, como a grande alavanca do revolucionamento social moderno; é impossível, portanto, acompanharmos com pessoas que querem riscar esta luta de classes do movimento.” (Engels, Carta Circular, negrito nosso).

E a carta conclui com o seguinte ultimato ao Comitê de Redação do Der Sozialdemokrat:

“Não podemos, portanto, acompanhar com pessoas que abertamente afirmam que os operários são demasiado incultos para se libertarem a si próprios e que só a partir de cima têm de ser libertados, por grandes e pequenos burgueses filantrópicos. Se o novo órgão do Partido tomar uma atitude correspondente às opiniões daqueles senhores, for burguês e não proletário, não nos resta senão, por muita pena que isso nos faça, declarar-nos abertamente contra e romper a solidariedade com que, até aqui, face ao estrangeiro, temos representado o Partido alemão. Esperamos, contudo, que não se chegue até aí.” (Engels, Carta Circular).

O ultimato de Engels, referendado por Marx, surtiu efeito, e em outubro de 1879 a direção do Partido retirou de Höchberg a responsabilidade do jornal Der Sozialdemokrat. Essa foi uma primeira vitória da esquerda, mas ainda precária. Como base deste avanço da esquerda estava o trabalho do camarada August Bebel que, uma vez mais, demonstrava o seu grande talento organizador e se colocara na vanguarda da luta contra o liquidacionismo. Em novembro de 1878, imediatamente após a aprovação da Lei Anti-Socialista, Bebel iniciou a organização do Comitê Central de Ajuda, que em pouco tempo se tornaria o comitê partidário responsável por todo o trabalho ilegal dentro da Alemanha. Em 1913, em um artigo em homenagem a esse camarada, Lenin disse que: “Bebel mostrou [no período após a Lei Anti-Socialista] ser o verdadeiro chefe do Partido.” Mesmo na clandestinidade, graças a este trabalho subterrâneo, o Der Sozialdemokrat contava com 10 mil assinantes.

Em agosto de 1880, ocorre na Suíça o Congresso do Partido. Nesse Congresso, como resultado da Luta de Duas Linhas vanguardeada por Engels e o trabalho organizativo dirigido por Bebel, há uma primeira vitória mais significativa da esquerda. Essa vitória era a primeira em cinco anos de avanço da linha oportunista de direita, que crescera desde o Congresso de Gotha, em 1875. No Congresso de 1880, ocorre uma importante, ainda que restrita, revisão do Programa partidário. O trecho que dizia que o Partido procurava alcançar os seus objetivos “por todos os meios legais”, a palavra “legais” foi cortada. Retomava-se a tradição revolucionária da Liga dos Comunistas e criavam-se as condições para a importante aprendizagem do manejo do trabalho legal e ilegal.

Em dezembro de 1880, Bebel vai a Londres e se encontra pessoalmente, pela primeira vez, com Marx e Engels. Junto a ele estava Bernstein que havia se afastado das posições reformistas e passara a defender uma linha marxista. Em acordo com Marx e Engels, Bernstein assume a direção do Der Sozialdemokrat e, de fato, imprime um conteúdo melhor ao jornal. Depois de se assegurar que a direção do jornal havia se estabilizado em uma posição de esquerda, no final de 1881, Engels passa a colaborar periodicamente com o jornal do Partido e a exercer uma influência cada vez maior em sua linha. O fato de Bernstein ter assumido depois uma posição revisionista, após a morte de Engels, só serve para nos comprovar que o oportunismo em sua forma revisionista é o perigo principal para a linha revolucionária e contra ele todos os comunistas devem estar cotidianamente vigilantes e dar-lhe combate implacável.

O principal, no entanto, é que a luta de duas linhas travada com a Carta Circular foi extremamente positiva e derrotou parcialmente as posições da direita. Iniciou-se, no período da Lei Anti-Socialista a contra-ofensiva da esquerda dentro da Social-Democracia. Essa contra-ofensiva só foi possível graças aos esforços de Marx e Engels, graças a elaboração de grandes obras como: Crítica ao Programa de Gotha (1875), Anti-Dühring (1878), e Carta Circular, (1879). Como previra Engels, a Lei Anti-Socialista completara a educação dos operários alemães; como sistematizaria Lenin, o marxismo só se desenvolve em luta contra o revisionismo e todo o oportunismo.

Conclusão: O desaparecimento físico de Karl Marx e os destinos históricos do marxismo

Nesse momento de contraofensiva da esquerda na Social-Democracia de então, período de desenvolvimento relativamente “pacífico” do capitalismo na Europa, quando as posições marxistas ainda não haviam ganhado a maioria das direções dos Partidos Operários que avançavam sua construção em seus países; nesse momento de véspera da batalha, o mais revolucionário dos corações do proletariado deixou de bater. No dia 14 de março, de 1883, sentado em sua cadeira de trabalho, aos 64 anos de idade, falecia o Titã do pensamento e ação do proletariado. Nesse mesmo dia, Engels escreveria aos camaradas alemães:

“Ainda não posso pensar que esta cabeça genial tenha deixado de fecundar com os seus pensamentos poderosos o movimento proletário de ambos os mundos [Europa e América]. Aquilo que nós todos somos, somo-lo por ele; e aquilo que o movimento de hoje é, é-o pela atividade teórica e prática dele”. (Engels, Correspondência).

Marx foi enterrado no cemitério Highgate, na mesma sepultura que um ano antes havia sido sepultada sua companheira, a revolucionária comunista Jenny von Westphalen Marx. O desaparecimento físico de Marx foi acompanhado por enorme comoção em todo o Movimento Comunista Internacional. De todos os países, foram enviados para Engels as mensagens de apoio e consternação diante de perda tão importante. O fundador da doutrina comunista deixava um legado extraordinário de uma obra científica monumental, elaborada mediante uma atuação de vanguarda na Luta de Classes, pelo combate implacável e sem quartel contra as posições burguesas e pequeno-burguesas no seio do movimento operário e por uma profunda ligação com as massas exploradas e oprimidas de todo o mundo.

No entanto, a morte de Marx não deixou nem o marxismo, nem o Movimento Comunista sem uma direção. Ao lado de Marx, desde 1845, estava outro Titã do pensamento e ação do proletariado: Friedrich Engels, também fundador do comunismo, co-autor do inesquecível Manifesto do Partido Comunista. Mas Engels não foi apenas um fundador; entre os anos de 1850 à 1870, garantiu a manutenção financeira e logística do grande profissional da revolução: Karl Marx. Dedicou duas décadas na condução dos negócios de sua família, cumprindo isso como uma tarefa logística fundamental para que Marx pudesse dedicar-se integralmente na elaboração científica da doutrina comunista. Engels foi por isso obrigado, durante duas décadas, a interromper de modo recorrente sua produção teórica, mas nunca sua militância prática.

Quando, em 1869, Engels conseguiu sua aposentadoria das atividades comerciais, ele entrou triunfante na casa de Karl Marx. Finalmente estava livre para retomar, na mesma intensidade que sempre desejou, sua atividade de dirigente comunista. Logo ingressa no Conselho Geral da Internacional, e em 1872 terá uma atuação de vanguarda na luta de duas linhas contra o anarquismo. Após a dissolução da Internacional, nos anos de 1873 e 1874, Engels escreverá uma série de 5 artigos denominada Literatura de Refugiados, nos quais trava luta contra o anarquismo, o blanquismo e o populismo.

Diante do agravamento das condições de saúde de Marx, Engels assumiu cada vez mais a condição de vanguarda do Movimento Comunista Internacional. Podemos dizer que depois de 1875, da Crítica ao Programa de Gotha, o papel de Engels torna-se mais importante e ativo do que o de Marx para o movimento comunista. Não por acaso será ele o responsável pela sistematização do marxismo em suas três partes constitutivas, na grande obra Anti-Dühring; por isso será ele o autor da Carta Circular contra o liquidacionismo na Social-Democracia, luta que foi um ponto de virada no movimento revolucionário na Alemanha.

Ainda com Marx vivo, Engels secundou sua chefatura e isso constituiu um grande trunfo para o proletariado internacional. Pois nos anos seguintes à morte do grande fundador, será tarefa de Engels a publicação do Livro Segundo de O Capital, em 1885. Serão os anos de publicação de obras tão caras à doutrina do comunismo como A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em 1884; de Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, em 1886; da reedição de várias obras de Marx desconhecidas das novas gerações; da publicação do Livro Terceiro de O Capital, em 1894. Será o período em que o Partido Social-Democrata da Alemanha rejeitando o Programa de Gotha, assumindo pela primeira vez um programa autenticamente marxista, em 1891. Será o período que, em meio à duríssima luta de classes e acirrada luta contra o revisionismo, se daria duras lutas de duas linhas pela conformação do partido de Novo Tipo, através do qual e sob a chefatura do grande Lenin, triunfaria a revolução proletária, a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917. O leninismo, como elevação do marxismo à sua segunda e nova etapa de desenvolvimento, o marxismo-leninismo com que o proletariado da Rússia abriria uma Nova Era para a Humanidade, remarcando com ferro e fogo os destinos históricos do marxismo. Mais um gigantesco passo na Longa Marcha rumo ao luminoso Comunismo!