Nota do blog: Publicamos a seguir a segunda de uma série de correspondências entre o Comitê Central do Partido Comunista (Bolchevique) da União Soviética–PC(b) da URSS, sob direção do camarada Stalin, e o Comitê Central do já degenerado Partido Comunista da Iugoslávia–PCY, sob direção do revisionista Tito. Consideramos a leitura da primeira parte desta série de publicações, que intitulamos “A luta do camarada Stalin contra o revisionismo iugoslavo”, como fundamental para compreender seu conteúdo político-ideológico.
Neste documento, o CC do PC(b) da URSS discorre sobre importantes tópicos que, em seu conjunto, demonstram a completa degeneração do PCY em partido burguês e da própria Iugoslávia em ditadura da burguesia: 1) a retirada dos conselheiros militares soviéticos da Iugoslávia; 2) em relação aos especialistas civis soviéticos na Iugoslávia; 3) sobre Velebit e outros espiões no Ministério das Relações Exteriores da Iugoslávia; 4) em relação ao embaixador soviético na Iugoslávia e ao estado soviético; 5) acerca da declaração antissoviética do camarada Djilas sobre o serviço de inteligência e negociações comerciais; 6) sobre a linha política incorreta do Birô Político do CC do PCY em relação à luta de classes na Iugoslávia; 7) sobre a política incorreta do Birô Político do CC do PCY sobre a questão das relações mútuas entre o Partido e a Frente Popular; 8) acerca da situação alarmante no PCY; e 9) sobre a arrogância dos dirigentes do CC do PCY e sua conduta incorreta perante seus erros. Dentre estes, destacamos os tópicos 6 a 9, pois mostram-nos que a concepção dos dirigentes iugoslavos – como Tito e Kardelj – sobre o próprio PCY passava muito longe dos princípios do marxismo-leninismo.

Carta ao Comitê Central do Partido Comunista da Iugoslávia (J. V. Stalin, 1948)
04 de Maio de 1948
Recebemos sua resposta e o anúncio da decisão do Pleno do Comitê Central do Partido Comunista da Iugoslávia de 13 de abril de 1948, assinada pelos camaradas Tito e Kardelj1.
Infelizmente, esses documentos, em especial o assinado por Tito e Kardelj, não melhoram os documentos iugoslavos anteriores; pelo contrário, complicam ainda mais as coisas e agudizam o conflito.
Chama-nos a atenção o tom dos documentos, que só pode ser descrito como exageradamente ambicioso. Nos documentos não se vê qualquer desejo de se estabelecer a verdade, de admitir honestamente os erros e de reconhecer a necessidade de eliminá-los. Os camaradas iugoslavos não aceitam críticas de uma forma marxista, mas sim de uma forma burguesa, ou seja, consideram-nas como um insulto ao prestígio do CC do PCY que mina as ambições dos dirigentes iugoslavos.
Assim, para se libertarem da difícil situação pela qual eles próprios são culpados, os dirigentes iugoslavos estão se utilizando de um “novo” método, o método da completa negação de seus erros, independentemente de sua existência óbvia. Os fatos e os documentos mencionados na carta do Comitê Central do Partido Comunista (Bolchevique) da União Soviética de 27 de março de 1948 são negados. Os camaradas Tito e Kardelj, ao que parece, não compreendem que este método infantil da negação infundada de fatos e documentos nunca pode ser convincente, mas apenas ridículo.
1. A RETIRADA DOS CONSELHEIROS MILITARES SOVIÉTICOS DA IUGOSLÁVIA
Em sua carta de 27 de março, o CC do PC(b) da URSS expôs das razões da retirada dos conselheiros militares soviéticos, e disse que a informação do CC do PC(b) da URSS se baseava nas queixas desses conselheiros quanto à conduta hostil dos oficiais iugoslavos contra o exército soviético e os seus representantes na Iugoslávia. Os camaradas Tito e Kardelj denunciam essas queixas como infundadas. Por quê deveria o CC do PC(b) da URSS acreditar nas declarações infundadas de Tito e Kardelj em vez das numerosas queixas dos conselheiros militares soviéticos? Com base em qual fundamento? A URSS tem os seus conselheiros militares em quase todos os países de democracia popular. Devemos sublinhar que até agora não tivemos queixas dos nossos conselheiros nestes países. Isto explica o fato de não termos tido mal-entendidos nestes países decorrentes do trabalho dos conselheiros militares soviéticos. Reclamações e mal-entendidos neste domínio só existem na Iugoslávia. Não é claro que isso só pode ser explicado pela atmosfera hostil especial que foi criada na Iugoslávia em torno desses conselheiros militares?
Os camaradas Tito e Kardelj referem-se às grandes despesas relacionadas aos salários dos conselheiros militares soviéticos, sublinhando que os generais soviéticos recebem três a quatro vezes mais, em dinares2, que os generais iugoslavos, e que tais condições podem dar origem ao descontentamento por parte dos militares iugoslavos. Mas os generais iugoslavos, além de receberem salários, recebem apartamentos, empregados, comida, etc. Em segundo lugar, o salário dos generais soviéticos na Iugoslávia corresponde ao salário dos generais soviéticos na URSS. É compreensível que o governo soviético não pudesse considerar a redução dos salários dos generais soviéticos que estão na Iugoslávia em serviço oficial.
Talvez as despesas dos generais soviéticos tenham sido um fardo demasiado pesado para o orçamento iugoslavo. Nesse caso, o governo iugoslavo deveria ter abordado o governo soviético e proposto que este assumisse parte das despesas. Não há dúvida de que o governo soviético teria feito isso. Contudo, os iugoslavos seguiram outro rumo; em vez de resolverem essa questão de forma amigável, começaram a abusar dos nossos conselheiros militares, a chamá-los de vadios e a desacreditar o exército soviético. Somente depois de criada uma atmosfera hostil em torno dos conselheiros militares soviéticos é que o governo iugoslavo abordou o governo soviético. É compreensível que o governo soviético não pudesse aceitar essa situação.
2. EM RELAÇÃO AOS ESPECIALISTAS CIVIS SOVIÉTICOS NA IUGOSLÁVIA
Em sua carta de 27 de março, o CC do PC(b) da URSS expôs as razões da retirada dos especialistas civis soviéticos da Iugoslávia. No caso em questão, o CC do PC(b) da URSS baseou-se nas queixas dos especialistas civis e nas declarações do embaixador soviético na Iugoslávia. A partir dessas declarações pode-se ver que os especialistas civis soviéticos, bem como o representante do PC(b) da URSS no Cominform, o camarada Yudin, foram colocados sob a supervisão da UDB3.
Os camaradas Tito e Kardelj, em sua carta, negam a veracidade dessas queixas e relatórios, afirmando que a UDB não supervisiona os cidadãos soviéticos na Iugoslávia. Mas por quê deveria o CC do PC(b) da URSS acreditar nas afirmações infundadas dos camaradas Tito e Kardelj e não nas queixas dos homens soviéticos, entre eles o camarada Yudin?
É compreensível que o governo soviético não tenha tolerado tal situação e tenha sido forçado a retirar os seus especialistas civis da Iugoslávia.
3. SOBRE VELEBIT E OUTROS ESPIÕES NO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA IUGOSLÁVIA
Não é verdade, como dizem Tito e Kardelj, que os camaradas Kardelj e Djilas, por ocasião de uma reunião com Molotov4, tenham limitado as suas dúvidas em relação à Velebit à observação “de que nem tudo estava claro sobre Velebit” para eles. Na verdade, na reunião com Molotov, falou-se que Velebit era suspeito de espionar para a Inglaterra. Foi muito estranho que Tito e Kardelj tenham identificado a remoção de Velebit do Ministério das Relações Exteriores com a sua ruína [N.T.: do Ministério]. Por quê Velebit não pôde ser removido do Ministério das Relações Exteriores sem que esse [N.T.: o Ministério] fosse arruinado?
Também estranha foi a declaração de Tito e Kardelj sobre as razões para deixar Velebit no cargo de Primeiro-Ministro Adjunto das Relações Exteriores; parece que Velebit não foi destituído de seu cargo porque estava sob supervisão. Não seria melhor remover Velebit justamente porque ele estava sob supervisão? Por quê tanta consideração por um espião inglês, que ao mesmo tempo é tão intransigentemente hostil contra a União Soviética?
No entanto, Velebit não é o único espião no Ministério das Relações Exteriores. Os representantes soviéticos disseram muitas vezes aos dirigentes iugoslavos que o embaixador iugoslavo em Londres, Ljubo Leontić, é um espião inglês. Não se sabe porque esse velho e fiel espião inglês permanece no Ministério das Relações Exteriores.
O governo soviético está ciente de que, além de Leontić, três outros membros da embaixada iugoslava em Londres, cujos nomes ainda não foram divulgados, trabalham no Serviço de Inteligência Inglês. O governo soviético faz essa declaração com total responsabilidade. Também é difícil compreender porque é que o embaixador dos Estados Unidos em Belgrado se comporta como se fosse o dono do lugar e porque é que os seus “agentes de inteligência”, cujo número está aumentando, circulam livremente, ou porque é que os amigos e relacionados ao carrasco do povo iugoslavo, Nedić, tão facilmente obtém cargos no aparelho estatal e do Partido na Iugoslávia.
É claro que, uma vez que o governo iugoslavo se recusa persistentemente a expurgar os espiões de seu Ministério das Relações Exteriores, o governo soviético é forçado a abster-se de correspondência aberta com o governo iugoslavo através do Ministério das Relações Exteriores iugoslavo.
4. EM RELAÇÃO AO EMBAIXADOR SOVIÉTICO NA IUGOSLÁVIA E AO ESTADO SOVIÉTICO
Em sua carta de 13 de abril de 1948, Tito e Kardelj escreveram: “Consideramos que ele (o embaixador soviético), como embaixador, não tem o direito de pedir informações a ninguém sobre o trabalho de nosso Partido. Isso não é problema dele.”
Sentimos que essa afirmação de Tito e Kardelj é essencialmente incorreta e antissoviética. Eles identificam o embaixador soviético, um comunista responsável que representa o governo comunista da URSS, como um embaixador burguês comum, um simples oficial de um Estado burguês, que é chamado a minar os fundamentos do Estado iugoslavo. É difícil compreender como Tito e Kardelj puderam chegar a um nível tão baixo.
Será que estes camaradas compreendem que tal atitude contra o embaixador soviético significa a negação de todas as relações amistosas entre a URSS e a Iugoslávia? Será que estes camaradas compreendem que o embaixador soviético, um comunista responsável, que representa um governo amigo que libertou a Iugoslávia da ocupação alemã, não só tem o direito como é obrigado, de vez em quando, a discutir com os comunistas da Iugoslávia todas as questões que interessá-los? Como podem eles suspeitar destas questões simples e elementares se pretendem manter relações amistosas com a União Soviética?
Para informação dos camaradas Tito e Kardelj, é necessário mencionar que, ao contrário dos iugoslavos, não consideramos o embaixador iugoslavo em Moscou como um simples oficial; não o tratamos como um mero embaixador burguês e não negamos o seu “direito de procurar informações sobre o trabalho de nosso Partido de quem quer que ele escolha”. Por ter se tornado embaixador, não deixou de ser comunista. Nós o consideramos um camarada e um comunista de alto nível. Ele tem amigos e conhecidos entre o povo soviético. Ele está “adquirindo” informações sobre o trabalho de nosso Partido? Muito provavelmente sim. Deixe-o “adquirir”. Não temos motivos para esconder dos camaradas as debilidades de nosso Partido. Nós mesmos as expomos para eliminá-las.
Consideramos que esta atitude dos camaradas iugoslavos contra o embaixador soviético não pode ser considerada um acidente. Surge da conduta geral do governo iugoslavo, que é também a causa da incapacidade dos dirigentes iugoslavos de verem a diferença entre a política externa da URSS e a política externa dos anglo-americanos; eles, portanto, colocam a política externa da URSS no mesmo nível que a dos ingleses e americanos e sentem que deveriam seguir a mesma política tanto em relação à União Soviética quanto aos estados imperialistas, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
A este respeito, o discurso do camarada Tito em Liubliana, em maio de 1945, é muito característico. Ele disse:
“Diz-se que esta guerra é uma guerra justa e nós a consideramos como tal. Contudo, procuramos também um fim justo; exigimos que cada um seja dono de sua própria casa; não queremos pagar pelos outros; não queremos ser usados como suborno nas negociações internacionais; não queremos nos envolver em nenhuma política de esferas de interesse”.
Isto foi dito em relação à questão de Trieste. Como se sabe, após uma série de concessões territoriais em benefício da Iugoslávia, que a União Soviética extraiu dos anglo-americanos, estes últimos, juntamente aos franceses, rejeitaram a proposta soviética de entregar Trieste à Iugoslávia e ocuparam Trieste com suas próprias forças, que estavam então na Itália. Uma vez que todos os outros meios estavam esgotados, a União Soviética tinha apenas um outro método para conquistar Trieste para a Iugoslávia – inciar uma guerra com os anglo-americanos por Trieste e tomá-la à força. Os camaradas iugoslavos não podiam deixar de perceber que depois de uma guerra tão dura a URSS não poderia entrar em outra. Entretanto, este fato causou insatisfação entre os dirigentes iugoslavos, cuja atitude foi descrita pelo camarada Tito. A declaração de Tito em Liubliana de que “a Iugoslávia não pagaria pelos outros”, “não seria usada como suborno”, “não estaria envolvida em nenhuma política de esferas de interesse”, foi dirigida não apenas contra os estados imperialistas, mas também contra a URSS, e nas circunstâncias dadas as relações de Tito para com a URSS não são diferentes de suas relações para com os estados imperialistas, pois ele não reconhece qualquer diferença entre a URSS e os estados imperialistas.
Nesta conduta antissoviética do camarada Tito, que não encontrou resistência no Birô Político do CC do PCY, vemos a base para a propaganda caluniosa dos dirigentes do PCY, levada a cabo nos círculos estreitos dos quadros do Partido Iugoslavo, sobre a “degeneração” da URSS num estado imperialista, seu desejo de “dominar economicamente a Iugoslávia”. Também [N.T.: vemos] a base para a propaganda caluniosa dos dirigentes do PCY sobre a “degeneração” do PC(b) da URSS e seu desejo “controlar os outros partidos através da Cominform”, e que o “socialismo na URSS deixou de ser revolucionário”.
O governo soviético foi obrigado a chamar a atenção do governo iugoslavo para o fato de que esta declaração não poderia ser tolerada, e uma vez que as explicações dadas por Tito e Kardelj eram infundadas, o embaixador soviético em Belgrado, camarada Sadchikov, foi instruído pelo governo soviético a fazer a seguinte declaração ao governo iugoslavo, o que ele fez em 5 de junho de 1945:
“Consideramos o discurso do camarada Tito um ataque hostil à União Soviética e a explicação do camarada Kardelj como insatisfatória. Os nossos leitores compreenderam o discurso do camarada Tito deste modo, e não pode ser entendido de outro. Diga ao camarada Tito que se ele permitir mais uma vez tal ataque à União Soviética seremos forçados a responder com críticas abertas na imprensa e a repudiá-lo”.
Desta conduta antissoviética do camarada Tito contra a URSS surge a conduta dos dirigentes iugoslavos contra o embaixador soviético em Belgrado, que é colocado no mesmo nível dos embaixadores burgueses.
Parece que os dirigentes iugoslavos pretendem manter esta conduta antissoviética no futuro. Os dirigentes iugoslavos devem ter em mente que manter esta conduta significa renunciar a todas as relações amistosas com a União Soviética e trair a frente única socialista da União Soviética e das repúblicas democráticas populares. Deveriam também ter em mente que manter esta conduta significa se privar do direito de exigir assistência e qualquer outra ajuda da União Soviética, pois a União Soviética só pode oferecer ajuda a amigos.
Para informação dos camaradas Tito e Kardelj, enfatizamos que esta conduta antissoviética em relação ao embaixador soviético e ao Estado soviético só é encontrada na Iugoslávia; noutros países de democracia popular as relações foram e continuam sendo amistosas e perfeitamente justas.
É interessante notar que o camarada Kardelj, que agora está totalmente de acordo com o camarada Tito, há três anos tinha uma opinião completamente diferente sobre o discurso de Tito em Liubliana. Aqui está o que o embaixador soviético na Iugoslávia, Sadchikov, relatou sobre sua conversa com Kardelj em 5 de junho de 1945:
“Hoje, 5 de junho, falei com Kardelj como foi sugerido. (Tito ainda não retornou.) A comunicação causou-lhe uma impressão séria. Depois de pensar um pouco, ele disse que considerava correta a nossa opinião sobre o discurso de Tito. Ele também concordou que a União Soviética não poderia mais tolerar declarações semelhantes. Naturalmente, em tempos tão difíceis para a Iugoslávia, disse Kardelj, a crítica aberta à declaração de Tito teria consequências graves para eles e, por esta razão, tentariam evitar declarações semelhantes. Contudo, a União Soviética teria o direito de fazer críticas abertas caso fossem feitas declarações semelhantes. Tais críticas os beneficiariam. Kardelj pediu-me que lhe transmitisse sua gratidão por esta crítica oportuna. Ele disse que isso ajudaria a melhorar o trabalho deles. As críticas aos erros políticos cometidos na declaração do governo em março foram de grande benefício, Kardelj tinha certeza de que estas críticas também ajudariam a melhorar a direção política.
“Numa tentativa de analisar (muito cuidadosamente) as causas dos erros, Kardelj disse que Tito tinha feito um grande trabalho em liquidar o fracionismo no Partido e em organizar a luta de libertação popular, mas estava inclinado a considerar a Iugoslávia como uma unidade autossuficiente fora do desenvolvimento geral da revolução proletária e do socialismo. Em segundo lugar, surgiu no Partido uma situação tal que o Comitê Central não existe como centro organizacional e político. Nos encontramos por acaso e tomamos decisões por acaso. Na prática, cada um de nós é deixado sozinho. O estilo de trabalho é ruim e não há coordenação suficiente em nosso trabalho. Kardelj disse que gostaria que a União Soviética os considerasse, não como representantes de outro país, capazes de resolver questões de forma independente, mas como representantes de uma das futuras repúblicas soviéticas, e o PCY como parte do Partido Comunista de Toda a União, isto é, que as nossas relações deveriam basear-se na perspectiva de a Iugoslávia se tornar, no futuro, parte constituinte da URSS. Por esta razão, gostariam que os criticássemos franca e abertamente e que os déssemos conselhos que orientassem a política interna e externa da Iugoslávia no caminho correto.
“Eu disse a Kardelj que era necessário reconhecer os fatos tal como são atualmente, nomeadamente tratar a Iugoslávia como um Estado independente e o Partido Comunista da Iugoslávia como um Partido independente. Você pode e deve, eu disse, apresentar e resolver seus problemas de forma independente, embora nunca recusaríamos conselhos caso você os solicitasse.
“No que diz respeito à Iugoslávia, temos obrigações, assumidas pelos nossos tratados, e ainda mais, temos obrigações morais. Na medida do possível, nunca recusamos aconselhamento e assistência, quando estes eram necessários. Sempre que passo as comunicações do Marechal Tito para Moscou, recebo respostas imediatamente. No entanto, tal aconselhamento só é possível e benéfico se formos abordados a tempo, antes de qualquer decisão ser tomada ou de qualquer declaração ser feita.”
Deixamos de lado o raciocínio primitivo e falacioso do camarada Kardelj sobre a Iugoslávia como futura parte constituinte da URSS e o PCY como parte do PC(b) da URSS. Entretanto, gostaríamos de chamar atenção para as críticas de Kardelj à declaração antissoviética de Tito em Liubliana e às más condições no CC do PCY.
5. ACERCA DA DECLARAÇÃO ANTISSOVIÉTICA DO CAMARADA DJILAS SOBRE O SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA E NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS
Em nossa carta de 27 de março, mencionamos a declaração antissoviética do camarada Djilas feita numa sessão do CC do PCY, na qual ele disse que os oficiais soviéticos, do ponto de vista moral, eram inferiores aos oficiais do exército inglês. Esta declaração de Djilas foi feita em conexão com o fato de alguns oficiais do exército soviético na Iugoslávia terem cometido ações de natureza imoral. Descrevemos esta declaração de Djilas como antissoviética porque, ao referir-se ao comportamento dos oficiais soviéticos, este deplorável marxista, o camarada Djilas, não se lembrou das principais diferenças entre o exército socialista soviético, que libertou os povos da Europa, e o exército burguês inglês, cuja função é oprimir, e não libertar, os povos do mundo.
Em sua carta de 13 de abril de 1948, Tito e Kardelj afirmam “que Djilas nunca fez tal declaração sob tal forma”, e que “Tito explicou isto por escrito e oralmente em 1945” e que “o camarada Stalin e outros membros do Birô Político do CC do PC(b) da URSS” aceitaram esta explicação.
Achamos necessário sublinhar que esta afirmação de Tito e Kardelj não corresponde aos fatos. Foi assim que Stalin reagiu à declaração de Djilas num telegrama a Tito:
“Compreendo a dificuldade da sua situação após a libertação de Belgrado. No entanto, você deve saber que o governo soviético, apesar dos sacrifícios e predas colossais, está fazendo tudo ao seu alcance e além do seu poder para ajudá-lo. No entanto, estou surpreso com o fato de alguns incidentes e ofensas cometidos por oficiais e soldados individuais do Exército Vermelho na Iugoslávia serem generalizados e estendidos a todo o Exército Vermelho. Você não deveria ofender tanto um exército que está ajudando você a se livrar dos alemães e que está derramando seu sangue na batalha contra o invasor alemão. Não é difícil compreender que em cada família existem ovelhas negras, mas seria estranho condenar toda a família por conta de uma ovelha negra.
“Se os soldados do Exército Vermelho descobrirem que o camarada Djilas, e aqueles que não o desafiaram, consideram os oficiais ingleses, do ponto de vista moral, superiores aos oficiais soviéticos, gritariam de dor diante de tais insultos imerecidos.”
Nesta conduta antissoviética de Djilas, que passou incontestada entre os outros membros do Birô Político do CC do PCY, vemos a base para a campanha caluniosa conduzida pelos dirigentes do PCY contra os representantes do Exército Vermelho na Iugoslávia, que foi a razão da retirada dos nossos conselheiros militares.
Como terminou o assunto com Djilas? Terminou com a chegada do camarada Djilas a Moscou, juntamente com a delegação iugoslava, onde pediu desculpas a Stalin e implorou que este erro desagradável, que cometeu na sessão do CC do PCY, fosse esquecido. Como se pode ver, a questão parece totalmente diferente quando apresentada na carta de Tito e Kardelj. Infelizmente, o erro de Djilas não foi acidental.
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Os camaradas Tito e Kardelj acusam os representantes soviéticos de recrutar iugoslavos para o seu serviço de inteligência. Eles escrevem:
“Consideramos impróprio que os agentes do serviço de inteligência soviético recrutem, em nosso país, que caminha para o socialismo, os nossos cidadãos para o seu serviço de inteligência. Não podemos considerar isto como outra coisa senão que prejudicial aos interesses do nosso país. Isto é feito apesar de os nosso dirigentes e a UDB terem protestado contra isto e feito saber que não pode ser tolerado. Os recrutados incluem oficiais, vários dirigentes e aqueles que têm uma disposição negativa em relação à Iugoslávia.”
Afirmamos que esta declaração de Tito e Kardelj, repleta de ataques hostis contra os oficiais soviéticos na Iugoslávia, não corresponde de forma alguma aos fatos.
Seria monstruoso exigir que o povo soviético que trabalha na Iugoslávia enchesse a boca de água e não falasse com ninguém. Os trabalhadores soviéticos são pessoas politicamente maduras e não simples trabalhadores contratados, que não têm o direito de se interessar pelo que está acontecendo na Iugoslávia. É natural que falem com cidadãos iugoslavos, façam-lhes perguntas e obtenham informações, etc. Seria necessário ser um antissoviético incorrigível para considerar estas conversas como tentativas de recrutar pessoas para o serviço de inteligência, especialmente as pessoas que estão “negativamente dispostas em relação à Iugoslávia”. Só os antissoviéticos podem pensar que os dirigentes da União Soviética se preocupam menos com o bem-estar da nova Iugoslávia do que os membros do Birô Político do CC do PCY.
É significativo que estas estranhas acusações contra os representantes soviéticos sejam encontradas apenas na Iugoslávia. Para nós parece que esta acusação contra os trabalhadores soviéticos é feita apenas com o objetivo de justificar as ações da UDB ao colocar sob vigilância os trabalhadores soviéticos na Iugoslávia.
Deve ser enfatizado que os camaradas iugoslavos que visitam Moscou visitam frequentemente outras cidades da URSS, encontram-se com o nosso povo e conversam livremente com ele. Em nenhum caso o governo soviético impôs quaisquer restrições a eles. Durante a sua última visita a Moscou, Djilas foi passar alguns dias em Leningrado para conversar com camaradas soviéticos.
De acordo com o esquema iugoslavo, as informações sobre o trabalho do Partido e do Estado só podem ser obtidas junto aos órgãos dirigentes do CC do PCY ou do governo. O camarada Djilas não obteve informações destes órgãos da URSS, mas sim dos órgãos locais das organizações de Leningrado. Não consideramos necessário perguntar o que ele fez lá e quais fatos ele descobriu. Pensamos que ele não recolheu material para os serviços de inteligência anglo-americanos ou franceses, mas sim para os órgãos dirigentes da Iugoslávia. Como isto estava correto, não vimos nenhum dano nisso, porque esta informação poderia conter material instrutivo para os camaradas iugoslavos. O camarada Djilas não pode dizer que tenha enfrentado quaisquer restrições.
Pode se perguntar agora: porque é que os comunistas soviéticos na Iugoslávia deveriam ter menos direitos que os iugoslavos na URSS?
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Em sua carta de 13 de abril, Tito e Kardelj referem-se novamente à questão das relações comerciais entre a URSS e a Iugoslávia, nomeadamente a alegada recusa do camarada Krutikov em continuar as negociações comerciais com os representantes iugoslavos. Já explicamos aos camaradas iugoslavos que Krutikov negou as declarações que lhe foram atribuídas. Já explicamos que o governo soviético nunca levantou a questão da suspensão de acordos e operações comerciais com a Iugoslávia. Consequentemente, consideramos esta questão encerrada e não temos intenção de voltar a ela.
6. SOBRE A LINHA POLÍTICA INCORRETA DO BIRÔ POLÍTICO DO CC DO PCY EM RELAÇÃO À LUTA DE CLASSES NA IUGOSLÁVIA
Em nossa carta escrevemos que o espírito da política de luta de classes não é sentido no PCY, que os elementos capitalistas estão aumentando nas cidades e no campo e que os dirigentes do Partido não estão tomando quaisquer medidas para controlar os elementos capitalistas.
Os camaradas Tito e Kardelj negam tudo isto e consideram as nossas declarações, que são uma questão de princípio, como insultos ao PCY, evitando uma resposta à esta questão essencial. As suas provas baseiam-se apenas no fato de estarem sendo empreendidas reformas sociais consistentes na Iugoslávia. No entanto, isso é quase insignificante. A negação, por parte destes camaradas, do fortalecimento dos elementos capitalistas e, em conexão com isto, da agudização da luta de classes no campo sob as condições da Iugoslávia contemporânea, surge da afirmação oportunista que, no período de transição entre capitalismo e socialismo, a luta de classes não se torna mais acirrada, como ensina o marxismo-leninismo, mas desaparece, como afirmado por oportunistas do tipo de Bukharin, que postularam uma teoria decadente da absorção pacífica dos elementos capitalistas na estrutura socialista.
Ninguém negará que as reformas sociais que ocorreram na URSS após a Revolução de Outubro foram abrangentes e consistentes com os nossos ensinamentos. Entretanto, isto não levou o PC(b) da URSS a concluir que a luta de classes em nosso país estava enfraquecendo, nem que não havia o perigo do fortalecimento dos elementos capitalistas. Em 1920-21, Lenin afirmou que “enquanto vivermos num país de pequenos proprietários, há uma base econômica mais forte para o capitalismo na Rússia do que para o comunismo”, uma vez que “a agricultura individual em pequena escala engendra o capitalismo e a burguesia continuamente, todo dia, a toda hora, através de um processo espontâneo e em massa”5. É sabido que durante 15 anos após a Revolução de Outubro, a questão das medidas para controlar os elementos capitalistas e mais tarde a liquidação dos kulaks como a última classe capitalista, nunca foi retirada da agenda diária de nosso Partido. Subestimar as experiências do PC(b) da URSS em questões relacionadas ao desenvolvimento do socialismo na Iugoslávia é um grande perigo político e não pode ser permitido aos marxistas, porque o socialismo não pode ser desenvolvido apenas nas cidades e na indústria, mas também no campo e na agricultura.
Não é por acaso que os dirigentes do PCY evitam a questão da luta de classes e do controle dos elementos capitalistas no campo. Além disso, nos discursos dos dirigentes iugoslavos não há menção à questão da diferenciação de classes no campo; o campesinato é considerado como um todo orgânico e o Partido não mobiliza suas forças num esforço para superar as dificuldades decorrentes do aumento dos elementos exploradores no campo.
No entanto, a situação política no campo não dá motivos para complacência. Onde, como na Iugoslávia, não há nacionalização da terra, onde existe a propriedade privada da terra e a terra é comprada e vendida, onde parcelas consideráveis de terra estão concentradas nas mãos dos kulaks, onde é utilizada mão de obra contratada, etc., o Partido não pode ser educado no espírito de camuflar a luta de classes e atenuar as controvérsias de classe sem desarmar-se para a aluta contra as principais dificuldades no desenvolvimento do socialismo. Isto significa que o PCY está sendo embalado pela teoria oportunista decadente da integração pacífica de elementos capitalistas ao socialismo, emprestada de Bernstein, Vollmar e Bukharin.
Nem é por acaso que alguns dos dirigentes mais proeminentes do PCY estão se desviando da via marxista-leninista na questão do papel de direção da classe operária. Embora o marxismo-leninismo comece por reconhecer o papel de direção da classe operária no processo de liquidação do capitalismo e de desenvolvimento de uma sociedade socialista, os dirigentes do PCY têm uma opinião totalmente distinta. Basta citar o seguinte discurso do camarada Tito em Zagreb, em 2 de novembro de 1946 (Borba6, 2 de novembro de 1946): “Não dizemos aos camponeses que eles são o pilar mais forte de nosso Estado para que, eventualmente, possamos obter os seus votos, mas porque sabemos que é isso que eles são e porque deveriam estar cientes do que são”.
Esta conduta está em completa contradição com o marxismo-leninismo. O marxismo-leninismo considera que na Europa e nos países de democracia popular, a classe operária e não o campesinato é a classe mais progressista, a mais revolucionária. No que diz respeito ao campesinato, ou melhor, à sua maioria – os camponeses pobres e médios –, eles podem estar ou estão em união com a classe operária, enquanto o papel dirigente nesta união ainda pertence à classe operária. No entanto, a passagem citada não só nega o papel de direção à classe operária, mas proclama que todo o campesinato, incluindo os kulaks, é o pilar mais forte da nova Iugoslávia. Como pode ser visto, esta conduta expressa opiniões que são naturais aos políticos pequeno-burgueses, mas não aos marxistas-leninistas.
7. SOBRE A POLÍTICA INCORRETA DO BIRÔ POLÍTICO DO CC DO PCY SOBRE A QUESTÃO DAS RELAÇÕES MÚTUAS ENTRE O PARTIDO E A FRENTE POPULAR
Em nossa carta anterior escrevemos que na Iugoslávia o PCY não é considerado a principal força dirigente, mas sim a Frente Popular; que os dirigentes iugoslavos diminuem o papel do Partido e estão de fato dissolvendo o Partido numa Frente Popular não partidária, permitindo desta forma o mesmo erro fundamental cometido pelos mencheviques na Rússia há quarenta anos.
Os camaradas Tito e Kardelj negam isto, afirmando que todas as decisões da Frente Popular são decisões do Partido, mas que não consideram necessário indicar em que conferência do Partido estas decisões foram aprovadas.
Nisto reside o maior erro dos camaradas iugoslavos. Eles têm medo de aclamar abertamente o Partido e as suas decisões perante o povo, para que todo o povo saiba que a força dirigente é o Partido, que o Partido lidera a Frente e não o contrário. De acordo com a teoria do marxismo-leninismo, o Partido Comunista é a forma mais elevada de organização dos trabalhadores, que está acima de todas as outras organizações de trabalhadores, sobre o Soviete na URSS, sobre a Frente Popular na Iugoslávia, entre outras. O Partido está acima de todas estas organizações de trabalhadores, não só porque atraiu todos os melhores elementos dos trabalhadores, mas porque tem o seu próprio programa especial, a sua política especial, com base na qual dirige todas as organizações dos trabalhadores. Mas o Birô Político do CC do PCY tem medo de admitir isto abertamente e proclamá-lo a plenos pulmões à classe operária e a todo o povo da Iugoslávia. O Birô Político do CC do PCY considera que se não enfatizar este fator, os outros partidos [N.T.: refere-se a partidos burgueses] não terão oportunidade de fortalecerem-se em sua luta. Parece também que Tito e Kardelj pensam que com esta artimanha barata podem abolir as leis do desenvolvimento histórico, enganar as classes, enganar a história. Mas isso é uma ilusão e autoengano. Enquanto existirem classes antagônicas, haverá luta entre elas, e enquanto houver luta, esta será expressa no trabalho de vários grupos e partidos, legal ou ilegalmente.
Lenin disse que o Partido é a arma mais importante nas mãos da classe operária. A tarefa dos dirigentes é manter esta arma em prontidão. No entanto, uma vez que os dirigentes iugoslavos escondem a bandeira de seu Partido e não enfatizam o papel do Partido perante as massas, estão embotando esta arma, diminuindo o papel do Partido e desarmando a classe operária. É ridículo pensar que, devido à artimanha barata dos dirigentes iugoslavos, os inimigos abandonarão a luta. Por conta disso, o Partido deve manter-se apto e sempre em prontidão para a luta contra o inimigo. A sua bandeira não deve ser escondida e não deve ser embalado pelo pensamento de que o inimigo abandonará a luta. O Partido não deve deixar de organizar as suas forças, legal ou ilegalmente.
Consideramos que esta limitação do papel do PCY foi longe demais. Referimo-nos aqui às relações entre o PCY e a Frente Popular, que consideramos incorretas em princípio. Deve-se ter em mente que na Frente Popular são admitidas diversas classes: kulaks, comerciantes, pequenos fabricantes, intelectuais burgueses, vários grupos políticos, incluindo alguns partidos burgueses. O fato de, na Iugoslávia, apenas a Frente Popular entrar na arena político e de o Partido e suas organizações não participarem abertamente na vida política em seu próprio nome, não só diminui o papel do Partido na vida política do país como também mina o Partido como força política independente, chamada a ganhar a confiança do povo e a espalhar sua influência sobre massas cada vez mais amplas de trabalhadores através do trabalho político aberto, da propaganda aberta de suas opiniões e seu programa. Os camaradas Tito e Kardelj esquecem que o Partido se desenvolve e que só pode desenvolver-se numa luta aberta contra o inimigo; que as artimanhas e maquinações baratas do Birô Político do CC do PCY não podem substituir esta luta como uma escola para educar os quadros do Partido. A sua determinada falta de vontade de admitir o erro das suas declarações – nomeadamente que o PCY não tem outro programa além do programa da Frente Popular – mostra até que ponto os dirigentes iugoslavos se desviaram dos pontos de vista marxistas-leninistas sobre o Partido. Isto poderia dar início à tendências liquidacionistas em relação ao PCY, o que seria um perigo ao próprio PCY e levaria eventualmente à degeneração da República Popular da Iugoslávia.
Os camaradas Tito e Kardelj afirmam que os erros dos mencheviques em relação à fusão do Partido marxista numa organização de massas não partidária foram cometidos há quarenta anos e, portanto, não podem ter qualquer ligação com os erros atuais do Birô Político do CC do PCY. Os camaradas Tito e Kardelj estão profundamente enganados. Não pode haver dúvidas quanto às ligações teóricas e políticas entre estes dois acontecimentos, porque tal como os mencheviques em 1907, também hoje, Tito e Kardelj, quarenta anos depois, estão igualmente degradando o Partido marxista, igualmente negando o papel do Partido como a forma suprema de organização que prevalece sobre todas as outras organizações de massas dos trabalhadores, igualmente dissolvendo o Partido marxista numa organização de massas não partidária. A diferença reside no fato de os mencheviques terem cometido seus erros em 1906-07 e, após terem sido julgados pelo Partido marxista [N.T.: existente] na Rússia na Conferência de Londres, não terem voltado a cometer esses erros, enquanto que o Birô Político do CC do PCY, apesar desta lição instrutiva, está trazendo o mesmo erro de volta à vida depois de quarenta anos, e fazem-no passar como sua própria teoria do Partido. Esta circunstância não diminui mas, pelo contrário, agrava o erro dos camaradas iugoslavos.
8. ACERCA DA SITUAÇÃO ALARMANTE NO PCY
Em nossa carta anterior escrevemos que o PCY mantém um status semilegal, apesar de ter chegado ao poder há mais de três anos e meio; que não há democracia no Partido; não existe sistema de eleições; não há crítica e autocrítica, que o Comitê Central do PCY não é composto por pessoas eleitas, mas sim cooptadas.
Os camaradas Tito e Kardelj negam todas estas acusações.
Eles escrevem que “a maioria dos membros do CC do PCY não são cooptados”, que “em dezembro de 1940, quando o PCY era completamente ilegal… na Quinta Conferência, que por decisão da Comintern, tinha todos os poderes de um congresso, foi eleito um CC do PCY composto por 31 membros e 10 candidatos…”, que “deste número 10 membros e seis candidatos morreram durante a guerra”, que além disso “dois membros foram expulsos do CC”, que o CC do PCY tem agora “19 membros eleitos na Conferência e sete membros cooptados”, que agora “o CC do PCY é composto por 26 membros”.
Esta afirmação não corresponde aos fatos. Como pode ser visto nos arquivos da Comintern, na Quinta Conferência, que foi realizada em outubro e não em dezembro de 1940, 31 membros do CC do PCY e 10 candidatos não foram eleitos, mas sim 22 de Belgrado no final de outubro de 1940: “Ao camarada Dimitrov: a Quinta Conferência do PCY foi realizada entre 19 e 23 de outubro. Participaram cento e um delegados de todo o país. Foi eleito um CC de 22 membros, entre eles duas mulheres, e dezesseis candidatos. Se manifestou uma completa unidade. Walter”.
Se, dos 22 membros eleitos do CC, 10 morressem, restariam doze membros eleitos. Se dois fossem expulsos, sobrariam dez. Tito e Kardelj dizem que agora existem 26 membros do CC do PCY – portanto, se deste número subtrairmos 10, restam 16 membros cooptados do atual CC do PCY. Parece assim que a maioria dos membros do CC do PCY foram cooptados. Isto aplica-se não apenas aos membros do CC do PCY, mas também aos dirigentes locais, que não são eleitos, mas nomeados.
Consideramos que tal sistema de criação de órgãos dirigentes do Partido, quando o Partido está no poder e quando pode usar a legalidade completa, não pode ser chamado de outra coisa senão semilegal, e a natureza da organização é sectária-burocrática. Não se pode tolerar que as reuniões do Partido não sejam realizadas ou sejam realizadas secretamente; isto deve minar a influência do Partido entre as massas; nem pode ser tolerado que a admissão no Partido seja ocultada aos trabalhadores; a admissão no Partido deve desempenhar um importante papel educativo na ligação do Partido à classe operária e todos os trabalhadores.
Se o Birô Político do CC do PCY tivesse respeito pelo Partido, não toleraria tal condição no Partido e, imediatamente ao ganhar o poder, ou seja, há três anos e meio, teria pedido ao Partido que convocasse um Congresso, a fim de se reorganizar segundo as linhas do centralismo democrático e começar a trabalhar como um Partido completamente legal.
É perfeitamente compreensível que sob tais condições no Partido, enquanto não há eleição dos órgãos dirigentes, mas apenas sua nomeação, não se possa falar de democracia interna do Partido e muito menos de crítica e autocrítica. Sabemos que os membros têm medo de expressar suas opiniões, têm medo de criticar o sistema do Partido e preferem manter a boca fechada para evitar represálias. Não é por acaso que o Ministro da Segurança do Estado é ao mesmo tempo o Secretário do CC para os quadros do Partido ou, como dizem Tito e Kardelj, o secretário organizacional do CC do PCY. É evidente que os membros e quadros do Partido são deixados à supervisão do Ministério da Segurança do Estado, o que é totalmente inadmissível e não pode ser tolerado. Foi o suficiente para Žujović, numa sessão do CC do PCY, ao não concordar com um projeto de resposta do Birô Político do CC do PCY à carta do CC do PC(b) da URSS, ser imediatamente expulso do Comitê Central.
Como se pode verificar, o Birô Político do CC do PCY não considera o Partido como uma entidade independente, com direito à sua própria opinião, mas como um destacamento partisano [N.T.: no sentido de um destacamento guerrilheiro], cujos membros não têm o direito de discutir quaisquer questões, mas são obrigados a cumprir todos os desejos do “chefe” sem comentar. Chamamos a isto cultivar o militarismo no Partido, o que é incompatível com os princípios da democracia dentro de um Partido marxista.
Como se sabe, Trotsky também tentou forçar uma direção baseada em princípios militaristas no PC(b) da URSS, mas o Partido, encabeçado por Lenin, triunfou sobre ele e condenou-o; as medidas militaristas foram rejeitadas e a democracia interna do Partido foi confirmada como o princípio mais importante do desenvolvimento do Partido.
Sentimos que esta condição anormal dentro do PCY representa um grave perigo para a vida e o desenvolvimento do Partido. Quanto mais cedo for posto fim a este regime sectário-burocrático dentro do Partido, melhor será tanto para o PCY como para a República Democrática da Iugoslávia.
9. SOBRE A ARROGÂNCIA DOS DIRIGENTES DO CC DO PCY E SUA CONDUTA INCORRETA PERANTE SEUS ERROS
Como se pode verificar na carta de Tito e Kardelj, eles negam completamente a existência de qualquer erro no trabalho do Birô Político do CC do PCY, bem como a calúnia e propaganda conduzidas entre os círculos internos dos quadros do Partido na Iugoslávia sobre a “degeneração” da URRS num estado imperialista e assim por diante. Consideram que isto decorre inteiramente de informações imprecisas recebidas pelo PC(b) da URSS sobre a situação na Iugoslávia. Consideram que o CC do PC(b) da URSS foi “vítima” das informações caluniosas e imprecisas divulgadas por Žujović e Hebrang, e sustentam que se não tivesse havido tais informações falsas sobre as condições na Iugoslávia não teria havido divergências entre a URSS e a Iugoslávia. Por isso chegaram à conclusão de que não se trata de erros do CC do PCY e das críticas desses erros por parte do CC do PC(b) da URSS, mas sim da informação imprecisa de Žujović e Hebrang, que “enganaram” o PC(b) da URSS com suas informações. Eles sentem que tudo ficaria bem se punissem Hebrang e Žujović. Desta forma foi encontrado um bode expiatório para os seus pecados. Duvidamos que os próprios camaradas Tito e Kardelj acreditem na veracidade desta versão, embora a agarrem como se fosse verdade. Fazem-no porque sentem que é a maneira mais fácil de sair da difícil situação em que se encontra o Birô Político do CC do PCY. Ao enfatizar esta versão falsa e aparentemente ingênua, desejam não só livrar-se da responsabilidade pelas tensas relações soviético-iugoslavas, jogando a culpa na URSS, mas também difamar o CC do PC(b) da URSS, representando-o como sendo ganancioso por toda informação “tendenciosa” e “antipartido”.
Sentimos que esta conduta de Tito e Kardelj em relação ao CC do PC(b) da URSS e suas observações críticas sobre os erros dos camaradas iugoslavos não é apenas perigosamente imprudente e falsa, mas também profundamente antipartido.
Se Tito e Kardelj estivessem interessados em descobrir a verdade e se a verdade não lhes fosse dolorosa, deveriam pensar seriamente no seguinte:
(a) Por que razão deveriam as informações do PC(b) da URSS sobre assuntos na Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Albânia parecerem corretas e não causarem qualquer mal-entendido com os Partidos Comunistas desses países, enquanto as informações sobre a Iugoslávia parecem, segundo os camaradas iugoslavos, tendenciosas e antipartido, e provoca de sua parte ataques antissoviéticos e uma atitude hostil para com o PC(b) da URSS?
(b) Porque é que as relações amistosas entre a URSS e os países de democracias populares se desenvolvem e se fortalecem enquanto as relações soviético-iugoslavas se deterioram?
(c) Porque é que os Partidos Comunistas das democracias populares apoiaram a carta do PC(b) da URSS de 27 de março e condenaram os erros do PCY, enquanto o Birô Político do PCY, que não admitia seus erros, permaneceu isolado?
Tudo isso foi acidental?
Para revelar os erros do Birô Político do PCY não é necessário obter informações de camaradas individuais como, por exemplo, Hebrang e Žujović. Mais do que suficiente pode ser encontrado nas declarações oficiais dos dirigentes do PCY, como Tito, Djilas, Kardelj e outros, que apareceram na imprensa.
Declaramos que os cidadãos soviéticos não obtiveram qualquer informação de Hebrang. Declaramos que a conversa entre Žujović e o embaixador soviético na Iugoslávia, Lavrentiev, não revelou um décimo do que estava contido nos discursos errôneos e antissoviéticos dos dirigentes iugoslavos. As represálias tomadas contra estes camaradas não são apenas um acerto de contas privadas, inadmissível e incompatível com os princípios da democracia interna do Partido, mas também testemunham a conduta antissoviética dos dirigentes iugoslavos, que consideram um crime as conversas entre um comunista iugoslavo e o embaixador soviético.
Sentimos que por trás das tentativas dos dirigentes iugoslavos de livrarem-se da responsabilidade pela tensão nas relações soviético-iugoslavas, reside a falta de vontade destes camaradas de admitir seus erros, bem como sua intenção de continuar uma política hostil para com a URSS.
Lenin diz:
“A atitude de um partido político diante dos seus erros é um dos critérios mais importantes e mais seguros para julgar se um partido é sério, se cumpre de fato os seus deveres para com a sua classe e para com as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente o erro, descobrir-lhe a causa, analisar a situação que o gerou, estudar atentamente os meios para corrigi-lo: isto é indício da seriedade de um partido, a isto se chama cumprir o seu dever, educar e instruir a classe e depois as massas”7.
Infelizmente, devemos afirmar que os dirigentes do PCY, que não admitem e corrigem os seus erros, estão destruindo grosseiramente esta principal diretiva de Lenin.
Devemos também sublinhar que, em contraste com os dirigentes iugoslavos, os dirigentes dos Partidos Comunistas francês e italiano admitiram honrosamente os seus erros na Conferência dos Nove Partidos [N.T.: realizada em setembro de 1947], corrigiram-nos conscientemente e permitiram assim que os seus partidos fortalecessem suas fileiras e educassem seus quadros.
Sentimos que subjacente à relutância do Birô Político do CC do PCY em admitir honrosamente os seus erros e corrigi-los está a arrogância ilimitada dos dirigentes iugoslavos. Suas cabeças ficaram viradas pelos sucessos alcançados. Tornaram-se arrogantes e agora sentem que a profundidade do mar chega apenas até os joelhos. Eles não apenas se tornaram arrogantes, mas até pregam a arrogância, não entendendo que a arrogância pode ser a sua própria ruína.
Lenin diz: “Todos os partidos revolucionários que existiram no passado pereceram porque eram arrogantes e porque não viam onde estava a sua força e tinham medo de falar das suas fraquezas. Não pereceremos porque não temos medo de falar das nossas fraquezas e aprenderemos a superá-las”.
“Todos os partidos revolucionários que pereceram até agora, pereceram porque se tornaram vaidosos, porque não conseguiram ver a fonte da sua força e temeram discutir as suas fraquezas. Nós, porém, não pereceremos, porque não teremos medo de discutir as nossas fraquezas e aprenderemos a superá-las”8.
Infelizmente, devemos afirmar que os dirigentes iugoslavos, que não sofrem de modéstia indevida e que ainda estão embriagados com os seus sucessos, que não são tão grandes, esqueceram os ensinamentos de Lenin.
Tito e Kardelj, em sua carta, falam dos méritos e sucessos do PCY, dizendo que o CC do PC(b) da URSS anteriormente reconheceu estes serviços [N.T.: à revolução] e os sucessos, mas agora está supostamente em silêncio sobre eles. Isto, naturalmente, não é verdade. Ninguém pode negar os serviços e os sucessos do PCY. Não há dúvida sobre isso. Contudo, devemos também dizer que as tarefas dos Partidos Comunistas da Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Albânia não são inferiores aos do PCY. No entanto, os dirigentes destes partidos comportam-se com modéstia e não se vangloriam dos seus sucessos, como fazem os dirigentes iugoslavos, que perfuraram os ouvidos de todos com os seus autoelogios ilimitados. É também necessário sublinhar que os serviços prestados pelos Partidos Comunistas francês e italiano à revolução não foram menores, mas maiores, que os da Iugoslávia. Embora os Partidos Comunistas francês e italiano tenham até agora obtido menos sucesso que o PCY, isto não se deve a quaisquer qualidades especiais do PCY, mas principalmente porque após a destruição do Quartel-General dos Partisans Iugoslavos por paraquedistas alemães, num momento em que o movimento de libertação popular na Iugoslávia passava por uma grave crise, o exército soviético veio em auxílio do povo iugoslavo, esmagou o invasor alemão, libertou Belgrado e desta forma criou as condições necessárias para o PCY alcançar o poder. Infelizmente, o exército soviético não prestou e não pôde prestar tal assistência aos Partidos Comunistas francês e italiano. Se o camarada Tito e o camarada Kardelj tivessem este fato em mente, seriam menos orgulhosos dos seus méritos e sucessos e se comportariam com maior justeza e modéstia.
A presunção dos dirigentes iugoslavos vai tão longe que eles até atribuem a si mesmos méritos que não podem de forma alguma ser justificados. Tomemos, por exemplo, a questão da ciência militar. Os dirigentes iugoslavos afirmam que melhoraram a ciência marxista da guerra com uma nova teoria segundo a qual a guerra é considerada uma operação combinada de tropas regulares, unidades partisanas [N.T.: unidades guerrilheiras] e insurreições populares. Todavia, esta chamada teoria é tão antiga quanto o mundo e não é nova para o marxismo. Como se sabe, os bolcheviques aplicaram uma ação combinada de tropas regulares, unidades partisanas e insurreições populares durante todo o período da guerra civil na Rússia (1918-21), e aplicaram-na numa escala muito mais ampla do que foi feito na Iugoslávia. No entanto, os bolcheviques não disseram que, ao aplicarem este método de atividade militar, produziram algo de novo na ciência da guerra, porque o mesmo método foi aplicado com sucesso muito antes dos bolcheviques pelo marechal de campo Kutuzov na guerra contra as tropas de Napoleão na Rússia, em 1812.
No entanto, mesmo o marechal de campo Kutuzov não afirmou ser o inovador na aplicação deste método porque os espanhóis, em 1808, aplicaram-no na guerra contra as tropas de Napoleão. Parece assim que esta ciência da guerra tem na verdade 140 anos e aquilo que eles [N.T.: os dirigentes iugoslavos] reivindicam como sua própria obra é na verdade serviço dos espanhóis.
Além disso, devemos ter em mente que os serviços prestados por qualquer dirigente no passado não excluem a possibilidade de cometer erros graves posteriormente. Não devemos fechar os olhos aos erros presentes devido à serviços passados. No seu tempo, Trotsky também prestou serviços revolucionários, mas isso não significa que o PC(b) da URSS pudesse fechar os olhos aos seus erros oportunistas grosseiros que se seguiram mais tarde, tornando-o um inimigo da União Soviética.
***
Tito e Kardelj, em sua carta, propuseram que o PC(b) da URSS enviasse representantes à Iugoslávia para estudar as diferenças soviético-iugoslavas. Consideramos que seguir este curso seria incorreto, uma vez que não se trata de verificar fatos individuais, mas de diferenças de princípio.
Como se sabe, a questão das diferenças soviético-iugoslavas já está em posse dos Comitês Centrais dos nove Partidos Comunistas que têm sua Cominform. Seria altamente irregular excluí-los deste assunto. Portanto, propomos que esta questão seja discutida na próxima sessão da Cominform.
CC do PC(b) da URSS
Moscou,
04 de Maio de 1948
Notas:
- Kardelj, membro do CC do PCY e da camarilha revisionista de Tito, seu ajudante de ordens. ↩︎
- Dinar iugoslavo (YUM, abreviado como din) era a unidade monetária dos três extintos estados iugoslavos: o Reino da Iugoslávia, a República Socialista Federativa da Iugoslávia e a República Federal da Iugoslávia entre 1918 e 2006. ↩︎
- UDB ou UDBA, sigla para “Uprava državne bezbednosti” (“Administração de Segurança do Estado”), o Serviço de Segurança do Estado iugoslavo. ↩︎
- Vyacheslav Molotov, revolucionário bolchevique e Ministro das Relações Exteriores da URSS entre 1946 e 1949 e entre 1953 e 1956, isto é, também à época da luta contra o revisionismo iugoslavo. ↩︎
- Em “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” (5a edição, Global Editora, Brasil), traduz-se esta mesma citação de Lenin como: “Porque, infelizmente, continua a haver no mundo a pequena produção em grande escala, e ela cria capitalismo e burguesia constantemente, todo dia, a toda hora, através de um processo espontâneo e em massa”. ↩︎
- Borba foi o jornal oficial do PCY até 1954 e da Frente Popular da Iugoslávia até sua dissolução. Seu nome é a palavra sérvio-croata para “luta” ou “combate”. ↩︎
- “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, capítulo 7 – V. I. Lenin. ↩︎
- “Closing Speech On The Political Report Of The Central Committee Of The R.C.P.(B.) March 28”. In: “Eleventh Congress Of The R.C.P.(B.)” – V. I. Lenin. ↩︎