Excerto de “En el cerro San Cosme” (Romance sobre a Guerra Popular no Peru)

Nota do blog: Publicamos a seguir a tradução do segundo capítulo do romance “En el cerro San Cosme”, de Hugo Ramirez Alcocer, publicado em 2012. A obra traz um vívido retrato das tormentas da Guerra Popular no Peru, dirigida pelo Partido Comunista do Peru–PCP sob chefatura do Presidente Gonzalo. Acompanhando a família de camponeses Calloccunto, é possível se transportar para um cenário onde as massas armadas lutam por desenvolver a Guerra Popular e construir o Novo Poder.

Este trecho narra uma ação de massas camponesas armadas que buscam o justiçamento de três policiais e para isso tomam um ônibus que seguia viagem de Ayacucho a Lima. Trata-se, portanto, de uma pequena passagem, que ao retratar esta situação em particular, nos traz uma visão geral do desenvolvimento da Guerra Popular, acontecimento de grande importância que estremeceu os Andes, a América Latina e todo o mundo, de significado transcendental para o proletariado internacional. Durante a leitura, é possível compreender o papel das massas, a repercussão da guerra no seu cotidiano, a coragem daqueles que se lançaram na luta armada contra a opressão do velho Estado peruano, bem como o ódio sanguinolento da reação.

II

Ayacucho, o “recanto dos mortos”. Um lugar condenado a uma pobreza secular por todos os governos que mataram em segredo toda ilusão e esperança. Que aniquilaram sonhos e apagaram a luz de um novo amanhecer. Região de criação de gado, lhamas e de agricultura, da saborosa e suculenta tuna [1] e o saboroso pacae [2]. Berço dos bravos guerreiros Pocras [3] e do grande império Wari [4]. Por acaso o presságio de algum bruxo feiticeiro induziu a chamar assim a esta região, antecipando seu futuro? Por acaso eternamente será Ayacucho o “recanto dos mortos” e os camponeses de hoje, os Pocras de ontem? Isso sim, o ancestral espírito Pocra dos camponeses havia sido reacendido pelos comunistas ao declararem guerra ao Estado. Anselmo Calloccunto nasceu neste “recanto”, na província de Huanta. Tinha vinte e sete anos quando começou a guerra. Analfabeto, de origem camponesa, não sabia outra coisa além de cultivar a terra e tocar quena [5] no campo a luz da lua em companhia de seus filhos. Obrigado pelas circunstâncias em que viviam nesta terra convulsiva e ameaçado de morte pelas forças armadas e policiais, que o tinham como comunista, imigrou com sua mulher e seus dois filhos, abandonando tudo para não ter a mesma sorte de seus dois irmãos, torturados no Quartel Los Cabitos [6] e, depois, desaparecidos.

– Vamos, Anselmo! Vão nos matar – dizia Jacinta a seu marido uma e outra vez.

– Não! São meus irmãos, Jacinta! Você não compreende?

– Nós vivos ou eles mortos. Tem que escolher. Já te disseram.

Anselmo não queria aceitar. Seguia buscando por todas as partes, ainda que fosse para encontrar seus ossos, sua carne, e dar-lhes uma sepultura cristã. Entretanto estava fresco em sua memória o que ocorreu com sua companheira Jacinta, as valas comuns e os cemitérios clandestinos em Pucayacu, Ocros, Infernillo, Totos… Ainda não podia apagar de sua imaginação como os cachorros e os porcos comiam os corpos, arrancando pedaços, nos acostamentos das estradas. Não deixava de pensar que podiam ser seus irmãos. Cansado de procurar, com o risco que significava, cada vez mais ameaçado, ficou com essa ideia. Havia perdido toda esperança, toda possibilidade, até que descobriu um cemitério clandestino. Conseguiu reconhecer um de seus irmão entre cinquenta cadáveres. Todos eles nus, com as mãos amarradas para trás e as pontas dos dedos mutiladas; os olhos vendados, sinais de tortura e a evidências de ter recebido um tiro na boca… um tiro na testa.

Saíram furtivamente, de noite, primeiro Jacinta e Juan. Duas horas mais tarde saíram Anselmo e Rosendo, levando somente o indispensável para não levantar suspeitas. Rosendo não se esqueceu do cachorro que seu tio Andrés havia lhe dado, que chamavam carinhosamente de Sultão. Com a focinheira e puxando uma corda, se aproximou de seu pai. Este assentiu com um sorriso e um movimento de cabeça.

– Por fim o encontrou, filho, não está esquecendo de nada? – perguntou, amassando-lhe o cabelo.

– Não, papai, está tudo pronto. Você imagina? Eu buscando-o por todas as partes e ele muito tranquilo embaixo da cama de Juan – respondeu o menino.

– Bem! Então vamos!

Chegaram na empresa de transporte procurando Jacinta e Juan. Não tardaram a encontrá-los. Foi Rosendo quem os viu no interior de um ônibus, de onde sua mãe e seu irmão faziam sinais através da janela.

– Papai, papai, estão ali! – gritou seu filho apavorado pegando-o pela mão.

– Onde?

– Ali, papai! – mostrou seu filho com a mão que segurava a corda.

Anselmo, com a algazarra de seu filho e com o ronco do ônibus a ponto de partir, acelerou o passo. Conseguiram subir quando o motorista estava fechando a porta. Partiram com destino a capital, e com ele, partiu a ternura ancestral e milenar do runa [7] Anselmo.

– Por que demoraram? – perguntou sua mulher – Estávamos quase descendo para procurar vocês quando vimos Rosendo.

– Sultão não aparecia. Quase o deixamos, mas já conhece seu filho.

– Bem, estamos juntos, é o que importa. Nem pense em olhar para trás, taita. [8]

Anselmo voltou seu olhar sobre o ombro. Viu como ficavam para trás sua cultura, costumes, existência e identidade, suas raízes. Quando voltou de suas divagações, aflorou em sua memória o Huaino [9] “Adeus, povo de Ayacucho” que tanto gostava seu irmão Andrés quando o interpretava com a quena. Recordou de uma noite de lua cheia sentado no saguão, acompanhando seu irmão com um violão enquanto a cantava com letra revolucionária.

No trajeto desta viagem cheia de nostalgia, Jacinta fingiu não se dar conta de que seu esposo ocultava suas lágrimas. O que o mortificava era onde iam chegar. Pensava em muitos conterrâneos e amigos que tiveram que abandonar esta terra e agora os necessitava. “Onde estarão?”, se perguntava em silêncio. Esse pensamento o atormentava até as lágrimas enquanto a distância ia diminuindo. Onde se refugiariam, o que iam comer seus filhos, sua mulher? “A mim que me engula a terra, que me parta um raio. Mas eles não tem porque sofrer”, dizia a si mesmo. Jacinta, com a mesma preocupação, intuindo os pensamentos de seu marido, se encostou carinhosa sobre seu peito e o ajudou em suas lembranças: “Se lembre, taita. Uma vez te escreveram de Huaycán, ali há muitos conterrâneos. Recorde de seu amigo, esse que vivia em uma colina no Augustino”, lhe sussurrou Jacinta ao ouvido. Jacinta prestava atenção quando seu cunhado Andrés lia a correspondência a seu marido. Ele jogava as cartas no lixo uma vez lidas. Ela depois de um tempo as recuperava e guardava. Pegou a bolsa de seu esposo nesse momento e entregou a ele. “Procura nas suas coisas, procura”. E colocando a mão na bolsa, Anselmo tirou um pacote de papéis, cartas, documentos e seus olhos brilharam de esperança ao ver os envelopes com os carimbos do país. “Não é possível!”, murmurou.

Jacinta, ainda com a dúvida, pegou o envelope da mão dele e o entregou para o passageiro ao lado.

– Por favor, senhor, o que diz aqui? – peguntou.

Este homem, evidentemente da capital, pegou o envelope como se lhe incomodasse a ignorância de Jacinta e respondeu.

– Remite Gertrudis Coronado, de…

– Não, esse não.

Pegou o envelope de sua mão e foi lhe entregando outro e outro e outro… até que, em um deles, por fim, acertou.

– Remite Fausto Acosta. Colina San Cosme, quarta etapa…

– Sim senhor, é esse. Muito obrigada, que Deus o abençoe.

Marido e mulher se entregaram a uma alegria e se apertaram em um apaixonado e terno abraço diante de seus filhos, que se lançaram sobre seus pais formando um novelo humano. Sultão, que contemplava a cena, imitou os meninos, emergiu distribuindo lambidas em seus rostos a torto e a direito.

– Fora, Sultão! Fora! – disseram uma e outra vez ao animal, enquanto as pessoas os olhavam com desagrado.

Lhes hadvertiram que se não o mantinham quieto, o desceriam do ônibus em qualquer trecho do caminho. Não faltou ninguém que, aproveitando da euforia do animal, gritou ao motorista:

– Tire este animal do ônibus, vai morder alguém!

Como sempre, muitos esperavam o primeiro grito para fazer eco.

– Sim, tire-o do ônibus. Está passando todas suas pulgas.

Sultão entendeu que esses gritos eram por sua culpa e que devia estar quieto. Assustado, com o rabo entre as penas, deixou-se cair embaixo do assento dos meninos com o focinho entre as patas. Quando chegou o ajudante do motorista o encontrou assim.

– Coloque a focinheira nele! – disse a Rosendo, que a tinha na mão. – Na próxima vez que provoque outro escândalo, ficará no caminho.

A senhora que se queixava das pulgas aproveitou a chamada de atenção para esquentar os ânimos.

– Tire ele, senhor. O ônibus é para as pessoas, não para os animais. Olhe – lhe disse apontando para frente – por ali galinhas, do outro lado porquinhos-da-índia, por aqui o cachorro. O que somos nós?

– Tira, tira, tira! – gritavam em uníssono.

– Estas galinhas também – gritou uma senhora à frente – Tire-as, viu. Cheire, senhor, cheire toda essa porcaria.

Nada podiam fazer nem o motorista nem seu ajudante. A mulherzinha, uma camponesa que em todo o trajeto viajou descascando e comendo favas, dando as cascas a suas galinhas, pagou cinco soles para levá-las. Anselmo pagou outro tanto por Sultão. O ônibus não era o que se chama de o máximo, mas também não era velho e muito menos caindo aos pedaços. Estava em boas condições e em uma boa estrada não tinha porque dar saltos como um grilo. Agora circulava por uma das péssimas e seus ocupantes se sacudiam. Pelos movimentos bruscos, Juan se soltou de sua mãe e foi parar contra o passageiro do lado, se agarrando na gola de seu casaco para não cair. O movimento descobriu uma pistola. Jacinta a viu dentro de seu coldre, pendurado embaixo da axila esquerda do homem.

Pela mente da mulher as conjecturas flutuaram. O medo a invadiu, torturando-a. “Será um delator?”, se perguntava assustada. “Talvez seja um policial que quer matar meu Anselmo por causa de seus irmãos. Quem será?”, repetia enquanto seu coraçãozinho acelerava o ritmo. “Não, não é um companheiro”. Sabia que não era a expressão do rosto de um companheiro e seu coração lhe dizia que não era um bom homem, pressentiu quando ele leu o envelope.

Anselmo, com o pensamento ocupado em como encontrar uma forma de localizar Fausto, não se deu conta da arma que o homem carregava. Ao sentir as excessivas batidas do coração de Jacinta, compreendeu que algo estava acontecendo.

– O que está acontecendo, mulher? Está suando. Me diz, o que está sentindo? – insistiu o marido.

Nesse momento o motorista parou o ônibus em frente a um restaurante.

– Têm vinte minutos para esticar as pernas – disse aos passageiros.

Jacinta não sabia se deveria descer, aguentava a vontade de fazer xixi. Assim permaneceu aguardando o que sujeito da pistola faria primeiro. Vários passageiros ficaram no ônibus. A mulher rogava que o homem ficasse também. Ao ver que o sujeito não se mexia, decidiu que sua bexiga não aguentava mais.

– Melhor não descer. Ficamos. Te fará mal o ar lá de fora – insistiu o marido.

– Não, amor. Vou fazer xixi, não aguento mais – argumentou perante sua insistência – Tomaremos algo quente e veremos como eu fico.

– Vamos, meninos – disse Anselmo a seus filhos.

No restaurante, tomando a goles o chá fumegante, Jacinta contou o que havia visto.

– Não sigamos, tenho medo de voltar para o ônibus. Ficamos aqui, neste povoado.

– Seguramente é um policial que volta para a capital – a tranquilizou Anselmo.

–Não, taita, eles viajam de avião.

– Talvez vá para o próximo povoado.

Anselmo não pressentia nada de mal e convenceu sua mulher para que continuassem. No trajeto restante, não fechariam os olhos enquanto aquele homem permanecesse no ônibus. Nesta parada subiram outros passageiros que ficaram com suas bagagens no corredor. Todos iam a povoados próximos. Era uma hora, a madrugada se apresentava gelada, e a distância ainda era grande, quando recomeçou a viagem. No trajeto, muitos dormiram em seus assentos ao não poder apreciar a paisagem pela escuridão desoladora. Ali fora, atrás da noite escura, se escondiam as colinas quietinhas, umas com as outras encolhidas. Somente os faróis do ônibus, como vaga-lumes, iluminavam fugazmente seus sopés quilométricos enquanto o ruído do motor parecia com uma abelha, às vezes como uma mosca varejeira. A mulherzinha que levava as galinhas se levantou devagar e, apontado com uma pistola para a cabeça do motorista, gritou:

– Afasta-te ou vou explodir seus miolos!

– Que ninguém se mova e abaixem as cabeças! – gritou outro que estava no começo do corredor com sua metralhadora a postos.

Três camponesas, que estavam dormindo durante a viagem, sacaram suas armas de baixo de suas saias e apontaram a seus vizinhos de assento. Um deles, era o que estava junto com Juan. Os policiais a paisana não puderam usar as armas que tinham escondidas com cobertores nas suas coxas.

Fora do ônibus, uns cinquenta comuneiros armados com rifles, paus, pedras e ferros esperavam rodeando o veículo. Enquanto uns o cobriam de pichações, outros iluminavam seu interior com lanternas entoando: “Julgamento popular!”, ao que as colinas repetiam, “Julgamento popular!”. Quando os prisioneiros desceram, se escutou nas imediações ruídos, golpes, gritos e as confusas interrogações cada vez mais distantes.

– Ei, você – diziam em quechua – Se lembra quando chegou na aldeia Pacha e entrou com outros cinco na minha casa, matou toda minha família, arrebentou um olho do meu irmão mais velho com a coronha do rifle e depois encheu seu corpo de balas? Se lembra?

– E você, desgraçado! – gritou uma moça a outro – Quando matou meu esposo e meu filho em Vinchos. Nenhum deles era comunista, nem tinham nada a ver com eles e por mais que te suplicassem, os matou.

– Por favor, não me matem! – suplicava – Não queria fazer isso, somente recebia ordens.

– Nós também.

– Valente para matar, covarde para morrer! – gritou um camponês.

Foi a única coisa que se conseguiu escutar entre o barulho que se afastava. Enquanto levavam os pobres desgraçados, subiu no ônibus um homenzinho. Por sua maneira andar, dava a impressão que tinha algum problema em uma das pernas. Avançou com dificuldade, apoiando o peso do corpo sobre a perna direita. Já embarcado, segurou na alça dos assentos e se dirigiu aos passageiros. O fez primeiro em quechua, depois em espanhol.

– Vão continuar sua viagem. Estes três homens têm dívidas pendentes. Não só violaram nossas mulheres, inclusive meninas, senão que também mataram nossos filhos e irmãos, fazendo mau uso de seu poder. Não obstante, terão uma oportunidade. Serão julgados pelo povo, que é justo.

A alma voltou ao corpo de Jacinta quando o homenzinho falou sobre continuar. O restante lhe partiu a alma. “Ai, virgem santinha, que também os perdoem!”, sussurrou entre dentes. A camponesa que estava levando as galinhas, e a quem todos chamavam de Dora, entregava uns panfletos de costas para Jacinta e conseguiu escutá-la.

– Silêncio – lhe disse virando, enquanto lhe alcançava um panfleto.

– Não os machuquem, tenham compaixão – suplicava Jacinta por estes infelizes.

– Assim lhes suplicaram e não tiveram nem uma pitada. Dilaceraram, humilharam, abusaram, violaram, denegriram, maltrataram, roubaram… Por que vamos ter compaixão deles? Você sabe as atrocidades que cometeram?

– Não – respondeu Jacinta tímida.

– Então, cale-se.

Se fez silêncio no interior do veículo que coberto de pichações comunistas retomou sua marcha. Foi tirado dali pelo motorista a toda velocidade, ondulando uma bandeira vermelha com a foice e o martelo enquanto eles, punho para cima, pedra, pau e rifle para cima, se afastavam entre as colinas gritando suas consignas.

Horas mais tarde, o ônibus parou em uma guarita de controle da Guarda Republicana. “Malditos terrucos [10]!” murmurou o tenente que o havia visto vir com a bandeira comunista ondulando e cheio de pichações.

– Tragam o motorista! – ordenou ao sargento enquanto entrava no posto.

– Boa madrugada, meu chefinho – saudou o motorista que chegou correndo para denunciar o ocorrido.

– Que madrugada que nada, terruco de merda!

– Eu não sou nenhum terruco, meu chefinho – respondeu ofendido – isso eu não aceito nem de brincadeira.

– Então por que merda trouxe até aqui esse trapo vermelho para que eu veja?

– Me ameaçaram, meu chefinho. Se tira isso, me disseram, ficaremos sabendo. Temos mil olhos e mil ouvidos. E você já sabe do que são capazes os terrucos.

O tenente sabia que entre os cinquenta passageiros, haveria alguém que era um dos mil olhos do Sendero, mas como averiguar quem? Os colocou em uma longa fila e olhou um por um, parando em uns mais que em outros.

– Vamos ver, todos os que são de Ayacucho que deem um passo a frente e esvaziem os bolsos. Documentos, dinheiro e tudo o que tenham, ponham no chão.

Todos obedeceram à ordem, até Sultão o fez adiantando-se mias que o necessário.

– Mas, chefinho, o que você vai fazer? – perguntou o motorista ao tenente ao ver que havia sacado a sua arma.

– Sargento! Leve esta merda daqui!

O sargento, um homem muito mais velho que seu tenente, tentou persuadi-lo.

– Não faça isso, meu tenente.

– Você cale-se! – ordenou e logo continuou – Todo aquele que não tenha seu título eleitoral, fica no lugar. O resto voltem dois passos.

Somente três ficaram no lugar, dois homens e uma mulher.

– Sargento! Estes três para dentro. Os demais, peguem somente seu dinheiro e esperem próximo ao ônibus. Cabo, recolha as documentações.

No interior, depois de uma hora, se escutaram três disparos. Logo, tiraram os cadáveres para que todos os vissem.

– Estes três morreram em combate, verdade? Respondam, caralho! Verdade que morreram em combate?

Amedrontados e em defesa de suas vidas, não lhes sobrou mais que afirmar o que impunha o tenente.

– E você, por acaso opina diferente? Não lhe escutei. E mais, não o vi abrir a boca. Verdade que morreram em combate? – e levando o cano de seu revólver ente os olhos repetiu – Verdade?

– Morreram em combate – gritou, começando a chorar.

Um dos cadáveres era de seu irmão.

O informe estava redigido. Somente faltava a assinatura do motorista e seu ajudante.

– Não, meu tenente. Não posso fazer isso.

– Eu não sou seu tenente, bicha de merda. Ou assina ou morre em combate você também – depois da dúvida inicial o motorista assinou no rodapé – Bom garoto, assim que se faz. Zacarías, Zacarías!

– Ordene senhor – disse o cabo.

– Que o ônibus fique limpo de todo esse lixo. Somente assim continuará a viagem, entendido? Adivirta-lhes que será melhor que esqueçam o ocorrido.

– Sim, meu tenente.

(…)

Notas:

[1] Fruta que nasce de cactos nas regiões áridas do Peru e que é bastante similar a pitaya. (NT)

[2] Fruta muito similar a fruta brasileira ingá e que tem bastante importância na medicina tradicional peruana. (NT)

[3] Povo originário do Peru que povoava a região de Huamanga antes da conquista incaica, entre 600 e 1450 d.C. Mais tarde foram incorporados ao Império Inca. (NT)

[4] Civilização que surgiu na parte central dos Andes, aproximadamente entre 500 e 1200 d.C. Foi um dos primeiros grandes impérios na América do Sul. (NT)

[5] É um instrumento de sopro, da família das flautas. É feita de bambu, madeira ou acrílico e tem uma importância central na música do Peru e demais países andinos. (NT)

[6] Base militar localizada em Ayacucho que, durante a Guerra Popular, foi um centro clandestino de prisão, tortura, violações, execuções e desaparecimentos forçados. Dentre as pessoas torturadas e assassinadas nesta base se encontram inclusive menores de idade. Contava com um forno crematório, onde incineraram aproximadamente 300 cadáveres, uma criação de porcos alimentados com restos humanos para que desaparecessem e um cemitério clandestino de 2 km², onde se estimam que foram enterradas 500 pessoas.

[7] Palavra originária do quechua que significa indígena dos Andes. (NT)

[8] Palavra carinhosa utilizada para dirigir-se ao pai, pessoas mais velhas ou que merecem respeito. (NT)

[9] Importante gênero andino de dança e música de origem pré-colombiana peruana e muito difundido entre os povos andinos atualmente. (NT)

[10] Forma coloquial que a reação usava para chamar os comunistas de terroristas durante a Guerra Popular. (NT)