Nos 101 Anos da fundação do Partido Comunista do Brasil, o blog Servir ao Povo disponibiliza para download o livro “O revisionismo albanês de Amazonas e sua crítica ‘demolidora’ do maoismo”, de Albenzio Dias Carvalho. O livro está em formato pdf para baixar e nos dias seguintes atualizaremos a postagem com o conteúdo do livro na íntegra em formato texto para web. Atualizado com texto na íntegra.
Apresentação dos Editores de Servir ao Povo
É com grande satisfação que nós, do blog Servir ao Povo, passamos a disponibilizar ao público a obra “O revisionismo albanês de Amazonas e sua crítica ‘demolidora’ do maoismo”, do destacado militante comunista Albenzio Dias Carvalho.
Publicada em 2006, no auge do que os ideólogos da reação apresentavam como “viragem à esquerda da América Latina” (isto é, a sucessão de governos oportunistas liderados por traidores do movimento operário, como o de Lula), a obra abre uma guerra sem quartel contra a revisão do marxismo pelos mesmos “chefes” apressados em se atrelar ao carro da velha ordem. O seu alvo imediato é João Amazonas, principal responsável pela viragem revisionista do PCdoB após o “massacre da Lapa”, de 1976, que liquidou aquele como partido marxista-leninista, em que havia se constituído com a reorganização de 1962. Em nome de rechaçar o “revisionismo chinês” de Mao Tsetung, o trânsfuga Amazonas soterrou o Balanço da Guerrilha do Araguaia, objeto da fatídica reunião do Comitê Central, e a linha revolucionária da Guerra Popular. Com isto, inaugurava-se um dramático período, em que o movimento revolucionário e comunista no País chegaria quase ao seu completo desaparecimento. Nas palavras do autor:
“No conjunto do debate e do balanço histórico consideramos que a questão enfocada na presente publicação, a localização e papel que a direção de João Amazonas jogou na luta ideológica no processo do movimento operário e popular no País, ser de suma importância. Por mais tardio que possa parecer, os revolucionários não podem se omitir de dar científica explicação da gravidade de erros que se seguiram ao dramático desfecho da Guerrilha do Araguaia para compreender o papel trampolineiro e reacionário que a agremiação de Amazonas vem desempenhando na atual gerência do velho Estado brasileiro. Do porque da junção para a mesma vergonhosa empresa, a do atual gerenciamento no País, do social-liberalismo de trajetória radical (PT) com a agremiação de Amazonas e destas estarem no centro presidindo a reação no país e no subcontinente sul-americano.”
Trata-se, portanto, tal publicação, de um verdadeiro acerto de contas entre marxismo-leninismo-maoismo (o marxismo de hoje) e revisionismo. Desde que veio à luz, sob os aportes de validez universal do Presidente Gonzalo, avançou não apenas o movimento revolucionário no Brasil, mas no mundo, convocando novas gerações de combatentes proletários para as batalhas, como atesta a grande notícia da fundação da Liga Comunista Internacional, a qual saudamos desde esta tribuna. Isso só torna as palavras que seguem mais relevantes e não é sem razão que podemos afirmar se tratar, “O revisionismo albanês”, de um clássico do movimento comunista do Brasil.
Brasil, 25 de Março de 2023
Proletários de todos os países, uni-vos!
Albenzio Dias de Carvalho
O revisionismo albanês de Amazonas e sua crítica “demolidora” do maoismo
Rio de Janeiro
Julho de 2006
“La herejía es indispensable
para comprobar la salud del dógma”
José Carlos Mariategui
Apresentação
A publicação de O revisionismo albanês de Amazonas e sua crítica “demolidora” do Maoismo tem grande importância para o debate a todos os interessados na transformação de nossa sociedade e da conquista de um mundo novo.
A situação a que se chegou o movimento revolucionário em nosso país nas últimas décadas, ou seja, a do seu quase completo desaparecimento, tem como causa principal a hegemonia que o revisionismo1* alcançou em todo o movimento operário e popular. Essa hegemonia se aprofundou dentro de uma situação internacional de crescente ofensiva geral da contra-revolução, cuja força capitaneadora foi inicialmente o revisionismo moderno com Gorbachev e sua perestroika à cabeça, e que logo em seguida convergiu com o imperialismo sob o bastão de mando dos ianques.
Todo este cenário de reação contra-revolucionária foi o pano de fundo das mais vergonhosas capitulações e traições no campo da esquerda em todo mundo, na América Latina e no País. Nos dias de hoje, quando salta aos olhos o que em tudo isto deu, particularmente aqui, exige-se voltar ao balanço rigoroso de todo processo revolucionário internacional, latino-americano e brasileiro. Há que buscar de forma mais precisa as razões para tão desastroso desemboque para a luta operária e popular e toda luta socialista e democrática de forma geral.
Por acaso não são os protagonistas do cenário atual os ardorosos críticos “à esquerda” do caminho histórico do movimento comunista no Brasil? Claro que o desastre a que conduziram contou com a contribuição dos antes tão criticados, na conformação da união de “toda esquerda” na frente popular oportunista eleitoreira. Diga-se se de passagem, criticados não por seu revisionismo, mais que isto acusados por seu suposto stalinismo.
Hoje, quando a resistência popular retoma a iniciativa em todo mundo, impulsionada inclusive pela ação agressiva e desembestada da reação com o imperialismo ianque como superpotência única, a heróica resistência do povo iraquiano e de outros tantos povos em luta em todo mundo, cobra-se urgência aprofundar o balanço histórico para responder com base no Marxismo os grandes desafios de hoje e do futuro. Mais que nunca faz-se necessário seguir combatendo de forma implacável o revisionismo e todo o oportunismo, pois nunca teve tanta validez o conselho do grande chefe do proletariado internacional de que para se combater verdadeiramente o imperialismo necessita-se combater todo o oportunismo. E mais, nesse combate dar guerra sem quartel ao revisionismo como perigo principal, como nos advertiu o grande Timoneiro já no final dos anos de 1950, quando da restauração capitalista na URSS.
Se para a reação em sua ofensiva de caráter geral foi e tem sido chave atacar o cérebro do proletariado com maciças e sistemáticas campanhas da “falência do Marxismo”, “fim do comunismo”, etc., e para o que o revisionismo foi seu aríete, não é menos chave para a luta contra o imperialismo, de libertação do proletariado e da emancipação humana prosseguir o combate implacável e sem tréguas contra o revisionismo e todo oportunismo.
Hoje, passados 50 anos do XX Congresso do PCUS, donde o novo revisionismo soou suas sinistras clarinetas pondo em marcha acelerada a restauração capitalista na URSS, e quando se completam 30 anos de idênticos episódios na República Popular da China (o golpe restauracionista de Teng Siao-ping), deve-se muito aproveitar para a mais profunda reflexão dos revolucionários das velhas e novas gerações.
Para deter a onda revisionista moderna desencadeada por Kruschev, a China Popular do Presidente Mao entrou prontamente em combate na defesa do marxismo-leninismo e a mais estrondosa polêmica se instalou no mundo, na mais contundente luta de duas linhas no movimento comunista internacional. Tal luta desembocou na Grande Revolução Cultural Proletária que por dez anos impediu a restauração capitalista naquele país. E como o próprio Presidente Mao previa não ser suficiente uma só revolução cultural e sim sucessivas para deter a restauração e avançar a revolução e construção socialista na perspectiva do comunismo, a esquerda proletária não pôde vencer e o Termidor prevaleceu.
Desta vez, o proletariado internacional, duramente golpeado e tendo perdido o Poder nas suas maiores cidadelas — URSS e China Popular — se viu sem base de apoio e sem forças suficientemente organizadas para fazer frente e dar combate à altura à ofensiva revisionista. A guerra popular em diferentes países seguiu erguendo a bandeira do Marxismo-leninismo já sob guia do maoísmo. Destacadamente a guerra popular no Peru sob a direção do PCP e sua chefatura, o Presidente Gonzalo, sustentam com solidez a luta contra o revisionismo e a elevação do Marxismo à sua terceira e superior etapa de desenvolvimento, o maoísmo.
No conjunto do debate e do balanço histórico consideramos que a questão enfocada na presente publicação, a localização e papel que a direção de João Amazonas jogou na luta ideológica no processo do movimento operário e popular no País, ser de suma importância. Por mais tardio que possa parecer, os revolucionários não podem se omitir de dar científica explicação da gravidade de erros que se seguiram ao dramático desfecho da Guerrilha do Araguaia para compreender o papel trampolineiro e reacionário que a agremiação de Amazonas vem desempenhando na atual gerência do velho Estado brasileiro. Do porque da junção para a mesma vergonhosa empresa, a do atual gerenciamento do País, do social-liberalismo de trajetória radical (PT) com a agremiação de Amazonas e destas estarem no centro presidindo a reação no país e no continente sul-americano.
Ademais, o presente texto é parte de um conjunto de publicações do Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoísmo voltados a combater o revisionismo, revelando sua presença e papel no movimento social, político e cultural de nosso país. Julgamos que, apesar de este ser um apêndice de um outro maior e mais amplo documento sobre os problemas da história do Partido Comunista do Brasil, sua apresentação em separado não sofre maiores prejuízos.
Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoísmo
Rio de Janeiro, julho de 2006
Introdução
Já a partir dos dramáticos episódios da Lapa de dezembro de 1976 [1], João Amazonas passou ao ataque aberto e declarado ao maoísmo. Para isto seguiu as pegadas de Enver Hoxha, como já vinha fazendo há tempos, passando a atuar sob seu bastão de mando. No entanto, tudo não passou de manobra realizada no intuito imediato de justificar sua traição e capitulação da linha revolucionária da guerra popular, buscando encobri-la com uma coloração revolucionária e seguir enganando incautos. Anos posteriores, quando a contra-revolução mundial operou sua ofensiva de caráter geral (fins dos anos de 1980), levando de roldão o revisionismo albanês e seu porta-voz Ramiz Alia, Amazonas desfez-se logo também de Hoxha para, na prática e em teoria, seguir desenvolvendo sua própria variedade de revisionismo. Da mesma forma, após a morte do Presidente Mao em 1976 e do golpe contra-revolucionário da camarilha de Teng Siaoping, Amazonas despejou os mais duros ataques a Teng afirmando que este, com sua restauração capitalista, representava em essência o pensamento de Mao Tsetung. Não demorou muito para fazer silêncio sobre os crimes dos traidores na China e logo passar a aplaudi-los. Por isto é indispensável demonstrar que suas formulações de ataque ao maoísmo são comprovação de que tudo não passou de puro artifício para justificar sua capitulação vergonhosa, ao mesmo tempo em que a negação do maoísmo serviu de base ideológica e teórica para sustentar, a partir de então, a criação de um novo partido revisionista (sob a capa de continuação do PCdoB), mas que ao mesmo tempo seguisse se diferenciando do grupo pró-soviético (Partido Comunista Brasileiro) de Prestes de então.
A importância aqui em apreciar e responder a estes ataques ao maoísmo, que em essência é o ataque ao marxismo, é principalmente para se comprovar de forma cabal como que o oportunismo esteve tão profundamente incrustado na história do Partido Comunista no Brasil. De como o revisionismo manteve-se sob diferentes formas influenciando na sua direção, mesmo após a Reconstrução de 1962. Na base dos argumentos expostos por Amazonas, em sua crítica ao maoísmo, encontram-se os traços de toda a herança do oportunismo na história do Partido Comunista e que ele foi seu principal porta-voz na direção após sua Reconstrução. Decorrente de uma base ideológica pequeno-burguesa este oportunismo seguiu manifestando não somente no conteúdo das formulações, mas principalmente como causa no tratamento das contradições internas do Partido, através do método administrativo e sectário do sufocamento das discussões ou da simples exclusão de oponentes das fileiras. É importante compreender que, se por um lado, a partir do processo de Reconstrução de 1962, os grandes avanços e progressos no Partido Comunista foram devido à aproximação ao Pensamento Mao Tsetung (como eram chamados os aportes do Presidente Mao ao marxismo-leninismo à época), ao esforço por sua assimilação, por outro, as dificuldades e atrasos (intolerância para com as divergências, por exemplo, com os militantes que vieram a se agrupar denominando-se por Ala Vermelha [2]), assimilação meramente formal do maoísmo, não reconhecimento dele como terceira etapa e sua negação) completa na década de 1970, foram resultantes de uma permanente resistência a ele, na qual Amazonas desempenhou papel central.
Daí a necessidade de limpar todo este terreno, porque, ao fim e ao cabo. ao contrário do revisionismo kruschevista de Prestes que provocou a primeira cisão entre marxistas-leninistas e revisionistas em 1962 e, portanto, na prática levou a um grande avanço na constituição do Partido Comunista do Brasil como Partido Comunista marxista-leninista, a capitulação de Amazonas representou o principal e maior golpe revisionista contra o Partido em toda sua história, liquidando-o por completo enquanto verdadeiro partido comunista marxista-leninista. Com o colapso da URSS revisionista (1990), em que o PCB desagregou-se dando origem ao PPS, o PCdoB de Amazonas e Rabelo tornou-se, dentro da frente do oportunismo de todo tipo (PPS, PSB, PSTU, PSOL, PCO, PCB, PCML, etc.) a principal força revisionista no país. Aquela que de forma mais perigosa utiliza as bandeiras do marxismo para negar o marxismo e, portanto, aquela que necessita mais profundamente, antes de tudo, ser desmascarada e varrida do meio do movimento operário e popular.
“O revisionismo chinês de Mao Tsetung”
Como se revelou posteriormente, Amazonas levou muitos anos na elaboração de sua crítica ao maoísmo a qual só foi exposta de forma completa em 1978, com a publicação de “O revisionismo chinês de Mao Tsetung” [3]. Nela, deixa claro que sempre esteve em contradição com as formulações do Presidente Mao e que a defesa que fez delas em determinados momentos, não passou do oportunismo de sua conveniência e de mero formalismo. De fato, manifestara sempre, oportuna, porém dissimuladamente uma hostilidade especial a ele, o que serviu de estorvo e instrumento de sabotagem, todo o tempo, da linha revolucionária do Partido Comunista, destacadamente a partir de 1970. Por uma questão de objetividade, tomaremos como objeto de nossa polêmica esta publicação. Nesta sua “obra-prima”, em umas tantas quantas laudas, Amazonas anunciou ter desmascarado o maoismo. “Mao Tsetung não chegou a ser um teórico marxista”2* (pg.7). Assim anuncia antecipadamente as conclusões de uma crítica que em lugar algum consegue minimamente demonstrar sua assertiva.
Desprovida de qualquer base de objetividade, a pretensa crítica de Amazonas ao maoísmo se resume a atirar para todos os lados numa verborragia odiosa que não escapa da adjetivação fácil como argumentação, num verdadeiro aranzel de incoerências. Seu subjetivismo é patente na própria intenção de fazer a crítica, não há um método sequer e uma direção a seguir, revelando seu desconhecimento completo do conjunto das formulações do Presidente Mao e da importância que o mesmo dá aos diferentes problemas que trata. Mesmo sendo muito reduzido o número de questões que procura abordar, o faz de uma forma errante atacando aqui e ali. Objetivamente, qualquer crítica minimamente séria que se proponha demonstrar que um determinado autor não é um teórico marxista e menos ainda um militante marxista-Ieninista, como é o que se propõe Amazonas em sua crítica ao Presidente Mao, teria que abordar essas formulações a partir das três partes constitutivas do marxismo (economia política marxista, filosofia marxista e socialismo científico) e sua correspondência com a prática na luta de classes; demonstrar que estas três partes em sua unidade não são a essência da formulação que é objeto da crítica.
Na ausência de uma devida fundamentação para as tonitruantes sentenças de condenação do maoísmo, a tergiversação: “Não pretendemos aqui apreciar os diferentes aspectos do pensamento Mao Tsetung. Oportunamente, em outros trabalhos, trataremos de examinar essa questão.” (pg. 8). Só que sobre isto, nunca mais se teve notícia, a não ser da sua prática bolorenta de revisionismo na que se afundou e chegou aos dias de hoje, sob sua direção, essa crosta purulenta chamada PCdoB. Em 1990, já se esbaldando na legalidade burguesa, a direção do PCdoB publicou livro de pomposo título: “30 anos de confronto ideológico – marxismo x revisionismo”, uma seleção de textos de Lenin, Stalin, Hoxha, Amazonas e Luiz Fernandes (acadêmico, herdeiro de Amazonas e atual teórico do PCdoB). Nesta publicação onde lança seus últimos suspiros contra o revisionismo soviético, Amazonas além de não apresentar nenhum novo argumento contra o maoísmo, sequer o menciona. E não é nenhum exagero concluir que Amazonas nessas alturas tenha considerado já liquidado o assunto por conta de sua “demolidora” crítica. Já Fernandes, empenhado em explicar a restauração capitalista na URSS, fazendo-se de desentendido desconhece toda a crítica do Partido Comunista da China (PCCh) e reduz-se a polemizar com Charles Bettelheim [4], em nome de estar criticando o maoísmo. Tudo isto, além do mais, só confirma que os oportunistas, particularmente os revisionistas, com mais ou menos capacidade argumentativa, são todos inimigos jurados do maoísmo. Ou melhor, de que o maoísmo é de fato o espelho revelador de revisionistas.
Ao desmascarar mais esta verborragia antimarxista vamos demonstrar como questão de fundo da posição de Amazonas, como de resto de todos os pretensos críticos do maoísmo, tais como os revisionistas kruschevistas-brezhnevistas, dogmato-hoxhistas, castristas, etc., o ecletismo da sua concepção de dialética mecanicista e metafísica. Não compreendem a questão da unidade e identidade na contradição, sua condicionalidade e transitoriedade e o antagonismo como sendo unia, e não única, das formas que se reveste a luta dos contrários. De que devido a isto, em determinadas condições, um aspecto contraditório pode se transformar no seu oposto e assim mesmo, uma forma de luta dos contrários pode se transformar noutra. Negam a universalidade da contradição e sua condição de absoluta e única lei fundamental da incessante transformação da matéria eterna. Não compreendem a particularidade da contradição como a manifestação concreta possível da universalidade. Negam a existência da contradição principal e seu papel diretor num fenômeno de várias contradições. Numa frase, não compreendem que para a dialética materialista um se divide em dois, isto é unidade de contrários, que tudo se divide em dois e ao mesmo tempo é uma das duas partes de outro. Estas são questões cruciais do correto entendimento e justo manejo da dialética materialista no conhecimento e transformação da realidade.
Para o nosso exame seguiremos a própria ordem ou desordem com que Amazonas, em sua obra, discorre sua crítica, destacando o que consideramos mais representativo dela.
“A obra teórica de Mao é eclética”, “Mao é empírico” (???)
Referindo-se de uma forma geral ao Presidente Mao diz ele: “Inegavelmente, encontramos, aqui e ali, opiniões corretas ou aproximadamente corretas em algumas de suas obras. Em geral, quando se trata de enunciar princípios gerais do marxismo-leninismo. Mas, quando esses princípios são traduzidos para a prática, aparecem claramente as definições antimarxistas.” (pg. 10). Esta é no mínimo uma constatação que fragiliza o propósito de quem pretende uma crítica arrasadora. Interessante mesmo é que, ao contrário da afirmação acima, de toda a vastíssima obra teórica do Presidente Mao, Amazonas só tenha conseguido localizar uma ou outra passagem, retiradas de uns poucos artigos. Refere-se exatamente aos seguintes textos: “A Revolução Chinesa e o Partido Comunista da China”, “Sobre o governo de coalizão”, “Sobre a ditadura democrática popular”, “Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo”, “Sobre as dez grandes relações” e a uma intervenção numa reunião partidária de 1962, que ria verdade trata-se do discurso do 20 Presidente Mao numa conferência ampliada de trabalho partidário, convocada pelo comitê central do PCCh e publicada com o título de “Sobre o Centralismo Democrático”. Deste último e do “Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo” é que Amazonas retira a maioria das passagens eleitas como objeto de sua crítica.
No mais, são digressões do tipo: “Mao disse que…“, “Mao afirmava que…“, “Num encontro com a delegação do PC do Brasil Mao disse que…“, etc. O artigo mais longo de sua publicação é uma crítica a um texto publicado por Renmin Ribao [5], em 1977, sob orientação de Hua Kuo-feng e Teng Siao-ping sobre a teoria dos três mundos, teoria que atribui ser da paternidade do Presidente Mao. O que de fato Amazonas não pode contornar é a existência da vasta obra teórica do Presidente Mao, resultante da aplicação criadora do marxismo-leninismo à realidade chinesa e mundial de sua época. Então tergiversa, ora julgando frases retiradas do seu contexto, ora tentando fazer contraposições, que só revelam a concepção antimarxista que ele, Amazonas, na verdade professa.
Ao afirmar que “Mao Tsetung não chegou a ser um teórico marxista” (pg. 7), pretende demonstrar que sua obra teórica não é marxista-leninista, para isto procura contrapor a uma série de afirmações do Presidente, algumas citações de caráter genérico, retiradas de Marx, Engels, Lenin e Stalin, concluindo que “O ecletismo e a falta de segurança em suas obras são evidentes.” (pg. 9) e “A obra de Mao Tsetung é eclética e, portanto, não marxista-leninista” (pg. 104). Sem qualquer coerência nos argumentos que arrola, talvez no afã de seus devaneios, sequer se dá conta do que afirma, intitulando o capítulo seguinte de “Menosprezo da teoria, prática empírica” (pg. 11), no qual caracteriza o Presidente Mao como essencialmente empírico. Aí, entre outras enormidades, afirma ironicamente: “Mao Tsetung ‘integrou’ as verdades universais do marxismo-leninismo com a prática da revolução chinesa, dando peso excessivo à prática e quase nenhum à teoria. Na verdade, contrapõe a prática à teoria” (pg. 11). Para ilustrar cita o Presidente Mao sem indicar de onde retirou: “Uni bom número dc camaradas faz trabalho de investigação (…) reduzindo todo o seu interesse ao estudo de ‘teorias’ vazias, divorciadas da realidade”. Continuando diz que o Presidente Mao “sentencia” que “Quem não pesquisa não tem direito à palavra” (sic), para logo fazer seu comentário de puro subjetivismo: “A pesquisa, porém, que [Mao] aconselhava era voltar-se inteiramente para a prática.“
Como mais uma prova do menosprezo de que teria o Presidente Mao pela teoria cita a seguinte afirmação dele, na já mencionada Conferência Ampliada do PCCh dc 1962: “Para formular um conjunto completo de princípios, medidas políticas e métodos concretos à luz da linha geral é preciso adotar o método de partir das massas; fazer pesquisas e investigações sistemáticas e minuciosas; e proceder a uma análise histórica das experiências, tanto bem como mal sucedidas” (grifo nosso) (pg. 11). Como podemos ver, em sua estupidez, o próprio Amazonas atesta a referência e importância que o Presidente Mao dava à teoria revolucionária. O que é a linha geral senão a teoria viva da revolução? Neste discurso a 7.000 delegados na Conferência Ampliada Sobre o Trabalho do Partido, na qual se achavam presentes os mais destacados dirigentes e militantes do partido dc todas as instâncias, do nacional ao local, o Presidente Mao falou sobre o centralismo democrático no partido e fora dele, da importância de sua plena compreensão, de que sem plena democracia, numa sociedade de classes não se pode conhecer profundamente a realidade para transformá-la, e da necessidade da total liberdade de discussão. bem como da disciplina e do centralismo proletário, sem o qual não se pode realizar plenamente a democracia e construir o socialismo.
Faz uma síntese do processo revolucionário na China em suas diferentes etapas e fases, em que destaca os acertos e erros, as vitórias e derrotas e de que, da acertada sistematização e síntese da correlação destes fatores, resultante duma permanente luta de duas linhas, é que foi possível ao PCCh conhecer mais as leis objetivas da revolução 29 chinesa, formular a linha geral e as específicas, lutar por aplicá-las e fazer avançar a revolução. Aí destaca sobre o problema do conhecimento do mundo objetivo, ou seja, exatamente da aplicação das verdades universais do marxismo-leninismo à prática concreta e particular. Está falando exatamente da análise concreta da realidade concreta, ou seja, de que somente a partir da prática é possível aplicar o conhecimento universal à realidade particular. É uma questão muito clara não? No entanto é necessário desmascarar a pretensa crítica de Amazonas para revelar que ela não passa de artifícios para encobrir sua capitulação e dar rédeas soltas ao revisionismo, com o qual deu origem à putrefação do PCdoB.
Vejamos, à diferença da ligeireza com que Amazonas joga a citação à guisa de um “Mao empírico“, o rigor e a profundidade teórica com que o Presidente está abordando nesta sua intervenção as relações no partido, do partido com as massas, enfim da prática revolucionária de um partido e uma direção marxista-leninista num dado momento concreto da revolução chinesa. Citaremos um longo trecho desta intervenção incluída a passagem destacada por Amazonas. Discorrendo sobre a experiência do Partido e das massas no enfrentamento dos problemas e erros na construção) do socialismo e que, após a realização do VIII Congresso do PCCh (1956), o comitê central formulou a linha geral de “pôr em tensão todas as forças e pugnar por alcançar resultados maiores, mais rápidos, melhores e mais econômicos na construção do socialismo”, o Presidente Mao afirma que logo se estabeleceram as Comunas Populares e se promulgou a consigna do “Salto Grande a Frente”. Diz que o partido, no entanto, “não havia tido tempo nem a possibilidade de formular um conjunto completo de políticas gerais e específicas concretas e de métodos apropriados às condições, na medida que a sua experiência não era suficiente.”
Continuando: “Nestas circunstâncias os quadros e as massas não tinham ainda um conjunto completo de materiais de ensinamento, não haviam recebido nenhuma educação sistemática sobre política e assim, não era possível ter genuinamente unificadas a compreensão e a ação. Isto só foi possível com o transcurso do tempo, com as experiências dos reveses e as dificuldades e com a aquisição de experiências tanto positivas como negativas. Agora está bem, já temos estas coisas ou as estamos formulando. Assim, podemos agora levar a cabo a revolução e construção socialistas de forma mais sensata. A fim de formular um conjunto completo de políticas gerais e específicas concretas e de métodos sob a orientação da linha geral. é necessário permitir que cheguem as idéias das massas e adotar o método de investigação e estudo sistemáticos a fundo e examinar historicamente as experiências tanto exitosas como não exitosas em nosso trabalho. Só então poderemos descobrir as leis inerentes às coisas objetivas e não criadas pelas imaginações subjetivas das pessoas; e só então estaremos em capacidade de formular diversas regulações que sejam apropriadas às circunstâncias. Este é um assunto muito importante. Por favor camaradas, prestem atenção a este ponto.” É este o contexto de onde nosso crítico retirou a citação na pretensão de desqualificar o Presidente Mao como teórico e marxista-leninista.
Assim, segundo a notável compreensão que Amazonas tem do marxismo, o empirismo deveria, afinal de contas, ser elevado à categoria de suprema teoria revolucionária, pois que, a história atesta, que dos três maiores acontecimentos do século XX, a saber, a Revolução de Outubro de 1917, a Revolução Chinesa (1949) e a Grande Revolução Cultural Proletária na China (1966), dois deles foram dirigidos pessoalmente pelo “empírico Mao Tsetung” no país mais populoso da Terra. Nada disto! Vejamos como o Presidente Mao abordava gente de pensamento como Amazonas na luta no partido: “O erro de nossos dogmáticos a este respeito [ao conhecimento] consiste em que, por uma parte, não compreendem que é imperativo estudar a particularidade da contradição e conhecer a essência particular das coisas individuais para poder conhecer plenamente a universalidade da contradição e a essência comum às diversas coisas, e, 24 por outra parte, não compreendem que ainda depois de conhecer a essência comum às coisas há que seguir adiante e estudar as coisas concretas todavia não estudadas profundamente, ou aquelas recém surgidas. Nossos dogmáticos são preguiçosos e recusam dedicar o menor esforço ao estudo das coisas concretas; consideram verdades universais como surgidas do nada e as convertem em fórmulas puramente abstratas, ininteligíveis, e, deste modo, negam por completo e invertem a ordem normal que segue o homem para chegar a conhecer a verdade. Tampouco compreendem a interconexão entre os dois processos do conhecimento humano: do particular ao geral e, logo do geral ao particular. Os dogmáticos não entendem nada da teoria marxista do conhecimento.” (Mao Tsetung — “Sobre a Contradição”). Temos aqui demonstrado a diferença e o abismo que separa um pseudomarxista, livresco e dogmático que tagarela sobre teoria e marxismo-leninismo, de um comprovadamente autêntico e verdadeiro marxista-leninista. Afinal, a prática é o critério da verdade, mesmo para aqueles que o marxismo-leninismo consiste em repetir frases aprendidas de cor.
“Burguesia no socialismo” e “Coexistência duradoura”
Mas, prosseguindo em sua burla, agora já procurando se contrapor às formulações teóricas do “empírico Mao“, Amazonas diz que o Presidente Mao tem uma concepção “estranha ao marxismo-leninismo” sobre o socialismo e a luta ideológica e política. Vamos a uma longa série de citações para ilustrar as observações “atentas” de Amazonas. “O erro de Mao nesta questão não restringe a afirmar que a burguesia era força aliada na primeira etapa, mas em pretender que, na segunda, ela continuaria como aliada, estaria interessada no socialismo.” (pg. 18). Citando passagens do “Sobre o tratamento correto das contradições no seio do Povo” destaca: “o sistema socialista acaba de instaurar-se e ainda não está totalmente estabelecido nem consolidado” e segue dizendo que o documento afirma que nas empresas estatal-privadas da indústria e do comércio, os capitalistas recebem dividendos, lucros fixos, “ainda há exploração” e logo comenta que o documento afirma de forma errônea que “as contradições na sociedade socialista (nas condições da existência da burguesia) não tomam caráter antagônico”; “O sistema socialista pode resolvê-las incessantemente de forma não-antagônica”. Amazonas faz a seguinte observação: “E Mao recomenda ser imperativo ‘diferenciar as contradições no seio do povo das existentes entre nós e os nossos inimigos (a contradição coma burguesia ele [Mao] a considera como sendo no seio do povo) e de tratá-las corretamente.’…”, “Ora, a contradição entre burguesia e o proletariado, em qualquer sistema, é uma contradição antagônica, irreconciliável.“…”A contradição com a burguesia se resolve através da luta de classes. Mao Tsetung, no entanto, recomenda resolvê-la usando o método do estudo, da transformação pacífica da burguesia.“
Continuando, logo volta a citar o Presidente Mao e fazendo comentários de estarrecido e irônico: “Por um lado os elementos burgueses se converteram em membros do pessoal administrativo (administrativo!) [exclama Amazonas] das empresas mistas e (praza aos céus!) [indigna-se Amazonas] estão se transformando de exploradores em trabalhadores que vivem de seu próprio trabalho. Por outro (…), continuam recebendo lucros das empresas.” E logo Amazonas comenta: “Isto seria uma manifestação de seu duplo caráter, de uni lado, trabalhador e, do outro, explorador.” (Todas citações são da pg. 20). Mais adiante Amazonas desemboca: “Mao Tsetung, nesta obra, não somente incensa os elementos burgueses— que se estariam convertendo em trabalhadores e se transformando por meio do estudo. Ele defende e proclama a necessidade da coexistência duradoura entre o partido do proletariado e os partidos burgueses.” (grifo nosso). E exibe novamente outra citação do Presidente Mao: “A idéia da coexistência duradoura nasceu faz tempo. O ano passado, quando ficou estabelecido fundamentalmente o sistema socialista, esta palavra de ordem foi apresentada em termos explícitos… Por que, pois, há que admitir uma larga 26 coexistência dos partidos democráticos da burguesia e da pequena-burguesia com o partido da classe operária? Por que não temos motivos para não adotar a política de coexistência duradoura com respeito a todos aqueles partidos que se dediquem verdadeiramente à tarefa de unir o povo para a causa do socialismo e tenham granjeado sua confiança”. Por fim, um exasperado Amazonas conclui: “Estranha teoria! Sob o socialismo, a burguesia teria existência duradoura e seus partidos políticos coexistiriam por longo tempo com o partido clo proletariado! Ela estaria interessada em fortalecer a causa do socialismo… Santa burguesia que tanta pedra te atiramos!…” (pg.21)
Amazonas simplesmente não admite o fato da experiência chinesa resolver as contradições nas condições do socialismo, com a pequena burguesia e a burguesia nacional ou média burguesia – que de forma matreira Amazonas apenas cita e genericamente “burguesia” -, através da luta ideológica e política. O Presidente Mao, quando fala de contradições de classes no socialismo, enfoca dois problemas. Primeiro, que de uma forma geral, a luta de classes na sociedade socialista se processa de forma diversa de como ela ocorre nas velhas sociedades como a capitalista. Destaca que devido à natureza do socialismo, em que o sistema de exploração foi abolido, a luta de classes não se processa com o antagonismo com que ocorre nas diferentes sociedades de classes baseadas na exploração. Que devido a esta condição nova e superior das relações de produção de não exploração no socialismo, as contradições entre proletariado e burguesia se devém em não-antagônicas. Por que? Porque na sociedade de classes baseada na exploração estas contradições não podem ser resolvidas nos marcos desta mesma sociedade e somente pela revolução violenta. Já na sociedade socialista, em que seguem existindo classes e luta de classes, estas contradições podem e serão resolvidas nos marcos do próprio socialismo com a extinção das próprias classes. Em segundo, ele é muito claro em diferenciar, na realidade concreta da China, da burguesia em geral a burguesia nacional ou média burguesia que é parte do povo na etapa de nova democracia e segue, em parte como proprietária de certos meios de produção ou recebendo lucros de seu capital, e ao mesmo tempo cooperando com o poder revolucionário do proletariado. Mostra que em tal condição, a contradição com esta burguesia tem, ao lado do caráter antagônico, um caráter não antagônico. Isto permite que a contradição entre esta burguesia e o proletariado se transforme de antagônica em não-antagônica, dependendo exatamente do método empregado na resolução da contradição, por ambas as partes em conflito. Podendo tal contradição ser superada através do método da persuasão.
Em função disso Amazonas conclui: “Toda aquela argumentação não passa de liberalismo burguês, inteiramente alheia ao marxismo-leninismo.” (pg. 23). O nosso eminente marxista está se referindo aí principalmente ao magistral trabalho do Presidente Mao “Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo” de I957, com o qual o autor faz um inestimável aporte ao marxismo-leninismo, quanto à questão de que no socialismo segue existindo classes e luta de classes e de como o partido do proletariado tem que manejar a ditadura para resolver as contradições com o inimigo (antagônicas) e a democracia para resolver as contradições no seio do povo (não-antagônicas). Abordando a experiência histórica da ditadura do proletariado (na URSS e na China) sistematiza o processo de luta de classes nas condições da construção do socialismo. Apontando que existem diferenças de natureza nas contradições que se dão entre o povo e seus inimigos e aquelas que se dão no seio do povo, afirma a necessidade das mesmas serem tratadas com métodos diferentes. A primeira de natureza antagônica se resolve através da luta violenta para subjugar o inimigo e a segunda, de natureza não-antagônica, o método de tratamento é a persuasão através da luta ideológico-política, da crítica e autocrítica. Em determinadas condições históricas concretas, ocorre que na construção do socialismo a burguesia nacional ou média burguesia não é de imediato expropriada e se submete ao poder revolucionário do proletariado e à colaboração com a construção socialista. Nestas condições a contradição existente entre ela e o proletariado — que em condições normais do capitalismo é contradição antagônica — pode evoluir para não-antagônica e ser resolvida pela luta pacífica e de persuasão. Se não se distinguem corretamente os diferentes tipos de contradição e se se aplica um método incorreto dc solução, a contradição que é não-antagônica no seio do povo, pode se transformar em contradição antagônica, sendo aproveitado pelos inimigos do povo em seus intentos restauracionistas c, aquela existente entre o povo e seus inimigos, pode conduzir à conciliação com estes, levando a derrotas e sofrimentos para o povo e ao longo prazo, à mestria restauração capitalista.
Tratando-se da realidade concreta da China, estamos falando do caso dos países então dominados pelo imperialismo, países coloniais e semicoloniais, cuja revolução socialista é precedida de uma etapa de revolução democrática e o Estado se dá na forma de ditadura conjunta de classes revolucionárias. Tais classes em geral, setores da pequena e média burguesias (burguesia nacional) são partes integrantes do povo, do campo revolucionário e, portanto, do novo Estado, este sob a hegemonia do proletariado tendo como base fundamental a aliança operário-camponesa. Ao se passar à revolução e construção socialistas, estas camadas da burguesia nacional ou parte dela, tendem a cooperar com o poder socialista e podem, através da luta ideológica e da reeducação, pacificamente e voluntariamente, entregar ao Estado socialista os meios de produção e outros capitais de que ainda dispõem, abrindo mão dos lucros que seguiam obtendo. O que o Presidente Mao argumenta é que. nestes casos, não se justifica e nem pode ser correto atuar através da coerção. da ditadura, mas sim da democracia. E claro, até o momento e desde que estas camadas e indivíduos que as compõem, não atuem com hostilidade frente ao poder do proletariado.
O método coercitivo, neste caso, só agudizaria o aspecto antagônico nesta contradição empurrando estas forças para o campo do imperialismo, da grande burguesia e dos latifundiários. Este é um problema de suma importância e de difícil compreensão para revisionistas e dogmáticos, que fazem um discurso aparentemente esquerdista, mas de essência direitista, para os quais, ou as classes sociais antagônicas desaparecem e a luta de classes cessa com a conquista do poder pelo proletariado e socialização dos meios de produção, ou então, que no socialismo a luta de classes se processa da mesma forma que nas sociedades de classes baseadas na exploração. Aqui se manifesta uma vez mais a compreensão unilateral da dialética por Amazonas. Ele não consegue compreender a conexão dos fenômenos e menos ainda sua relação externa condicionante. Enquanto que a luta de classes segue aguda no socialismo, ela se manifesta inicialmente no terreno ideológico e desenvolve-se para outros terrenos, conforme a dinâmica, por um lado, da ação das massas, que devem ser mobilizadas de forma permanente pelo partido do proletariado e, por outro, da ação dos inimigos.
No entanto, as contradições serão tratadas e resolvidas segundo a sua manifestação concreta. Daí que, as contradições entre o povo e seus inimigos caracterizando-se por antagonismo serão tratadas através da coerção pelos instrumentos da ditadura do proletariado, e aquelas no seio do povo, através da democracia. Nas condições concretas da China e sob a sábia condução do Presidente Mao, inimigo do “marxismo” livresco e fiel observador da realidade concreta, o PCCh e o Poder Popular e seu sistema legal pressupunham e permitiram àquela burguesia ou àqueles elementos burgueses e pequeno-burgueses que queriam colaborar com o socialismo, de se organizarem em partidos democráticos e ter com eles uma “coexistência duradoura”. Mas como “duradoura”? Ora, até quando estes partidos durarem, óbvio! A existência de outros partidos democráticos no socialismo depende da evolução das suas posições no processo de construção do socialismo, assim, poderão desaparecer antes que as classes sejam completamente extintas ou, senão, com a extinção das mesmas que acarretará o desaparecimento de todos os partidos, inclusive o do proletariado e o próprio Estado e suas instituições. E “duradoura” não no sentido de eternidade e entravamento da construção do socialismo, que Amazonas cinicamente quer dar a entender às palavras do Presidente Mao!
Assim é, a dinâmica da luta de classes no socialismo, segundo a experiência histórica da ditadura do proletariado, como particularmente nos ensina a Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) [7]. Na experiência da Revolução Russa só existiu o Partido Bolchevique na legalidade socialista. Clandestinamente e ilegalmente existiam vários partidos dos inimigos. Os trotskistas, bukarinistas e outros que traíram e conspiravam contra o Poder Soviético, também se organizaram partidariamente e de forma secreta. Não é princípio do marxismo a existência do partido único no socialismo, como a burguesia e a reação alardeiam, contando exatamente com “brilhantes aportes” de pseudomarxistas como Amazonas. Perguntamos: com a revolução socialista e estabelecimento da ditadura do proletariado, os indivíduos ou grupos de indivíduos burgueses, que se declaram em colaboração com o socialismo, politicamente devem fazer o quê? Da mesma forma que todos reacionários declarados estes indivíduos não gozarão de nenhuma liberdade política? Ora, diferentemente dos contra-revolucionários que deverão ser reprimidos sistematicamente, esses elementos burgueses deverão ter liberdade política. Deverão se organizar em partidos próprios ou ingressar no partido revolucionário do proletariado? O partido do proletariado é partido comunista, de comunistas, nele não há lugar para outro tipo de ideologia. Então os elementos burgueses que colaboram com o socialismo não podem se organizar politicamente? Sim e não! Sim, enquanto estiverem em palavras e atos de fato apoiando o Poder Popular e a construção do socialismo, através de partidos democráticos. E não, quando cessarem nos fatos com esse apoio. Portanto, quanto à agônica exclamação de “Santa burguesia que tanta pedra te atiramos!…” (pg. 103), nosso Amazonas pode descansar em paz, pois que com sua prática revisionista não atirou tanta pedra assim. A não ser como os tontos, que segundo um ditado popular chinês, levantam pedras para deixá-las cair sobre os próprios pés.
Logo Amazonas, como ele próprio afirma, que apoiou a Revolução Cultural no começo e posteriormente a condenou identificando-a como manifestação do extremismo pequeno-burguês do maoísmo. E o que foi a Grande Revolução Cultural Proletária do que a luta mais encarniçada entre o proletariado e a burguesia pelo poder nas condições da ditadura do proletariado? Além de que, cm essência, o que esteve no centro e em pugna na Grande Revolução Cultural Proletária, foi a solução das relações entre o poder e as massas, entre dirigentes e dirigidos. Não eram suficientemente claras as definições do Presidente Mao dc que terminada a revolução de nova democracia — que em resumo se conclui com a tornada do poder em todo país — a contradição principal na construção do socialismo é entre proletariado e burguesia, entre a via socialista e a via capitalista, em que não está decidido quem vencerá a quem? Não foi Amazonas à frente do seu PCdoB, que sob o bastão de mando do hoxhaismo, afirmou que na China nunca houvera prisca de socialismo, que a “nova democracia de Mao” não passava de uma vulgar ditadura reformista burguesa? Diz ele: “Se em teoria Mao defendia a ditadura do proletariado, na prática não compreendia essa necessidade, nem o papel dirigente da classe operária. Sua concepção do Estado não corresponde plenamente aos traços essenciais da ditadura do proletariado concebida pelos clássicos do marxismo. A Democracia Popular; ou a Nova Democracia, por ele ,fundamentada, é na realidade um Estado de tipo burguês-reformista, formalmente dirigido pela classe operária. Como ele mesmo disse: ‘uma forma original de Estado’“. (pg. 104)
Não foi sob a direção revisionista de Amazonas que o PCdoB — com simples sofismas, mas na verdade porque nunca entendeu a revolução de nova democracia— renunciou 32 ao conceito da revolução em duas etapas no Brasil, e ao passar a defini-la como sendo já socialista, incluiu cm seu “Programa Socialista” a existência nele da burguesia não monopolista? Não foi, pois, Amazonas c seu decrépito PCdoB que apontaram o traidor Teng Siao-ping como seguidor e continuador do Presidente Mao com a suposta “Teoria dos Três Mundos”, mas que, quando a contra-revolução se desembestou no mundo nos anos de 1990 foram os primeiros, com as caras mais deslavadas, a adular o bandido Teng com derretidos elogios sobre a modalidade chinesa de socialismo? Não foi Amazonas, em seu papelucho “O revisionismo chinês de Mao Tsetung”, que escreveu “A teoria dos três mundos, versão oportunista da luta de classes do proletariado” na vã pretensão de combater os revisionistas da camarilha de Teng, lançando contra os “trimundistas” toda a sorte de adjetivos usados para classificar um pestilento revisionista e dez anos depois se tornar seu maior adorador? Ora, senhores revisionistas, desde quando o Presidente Mao é defensor da burguesia no socialismo e vossas excelências inimigos inconciliáveis dela? Mas vamos à questão da famosa “teoria dos três mundos” e de quem é sua autoria.
Amazonas e a “Teoria dos Três Mundos”
Não podendo apresentar qualquer prova da relação do Presidente Mao com a dita teoria revisionista, Amazonas em sua magra e oca crítica, apenas diz que ela é a última novidade do revisionismo chinês. Mas, em outros artigos da mesma publicação insinua: “O pensamento Mao Tsetung forneceu a base e as diretivas que acabariam conduzindo à situação atual, à desenvoltura com que agem os Hua, os Xiaoping [8] (sic) e demais seguidores do caminho capitalista. Mao não apenas contribuiu substancialmente na elaboração da teoria dos três mundos; é o pregoeiro da aliança com os Estados Unidos, com os países imperialistas da Europa e da Ásia, com as forças reacionárias de todo o mundo.” (pg. 07); e mais “Desde quando os chineses começaram afalar na teoria dos três mundos, atribuída a Mao Tsetung, o PC do Brasiltomou posição clara contra essa tendência oportunista que, mais tarde, ainda em vida de Mao, se transformou na estratégia global do PCCh e da China.” (pg. 92). O Presidente Mao nada tem haver com tal exótica “teoria”. Esta é de autoria exclusiva da camarilha revisionista de Teng, que solapou todo o tempo a Revolução Cultural e após a morte do Presidente Mao, em 1976, deu o golpe para usurpar a direção do PCCh e do Estado Socialista, prendeu e assassinou covardemente milhares de quadros revolucionários maoístas, para enfim, restaurar o capitalismo. Para encobrir sua ação contra-revolucionária, medrar e traficar com a autoridade do Presidente Mao e confundir os revolucionários do mundo e as massas populares da China, afirmou sobre sua podre teoria que “A teoria sobre os três mundos do Presidente Mao constitui uma grande contribuição ao marxismo-leninismo” [9]. E mais, a fez e difundiu por toda parte para justificar o impulsionar de todo tipo de feitoria imunda que, infiltrados no Ministério das Relações Exteriores e sob a posição centrista de Chou En-lai, já vinham praticando anos a fio, dando apoio a governos e forças políticas reacionárias, no pretexto de isolar o EUA e a URSS social-imperialista.
O Presidente Mao, a respeito da época, analisando-a como de avançada crise do capitalismo e falando sobre o agravamento de todas as contradições fundamentais no mundo, em que se configurava a distinção dos países imperialistas em superpotências e potências, mostrou que as contradições interimperialistas criavam uma polarização complexa, entre as duas superpotências (EUA e URSS social-imperialista) por um lado e, ao mesmo tempo por outro, entre estas e as potências capitalistas (Europa, Canadá, Japão). Denunciou que esta era uma relação de pugna e conluio entre as duas superpotências pela repartição e controle de zonas de influência sobre todas as demais nações do mundo, para combater o socialismo e a revolução e perpetuar sua dominação sobre as nações oprimidas. Nisto, somente afirmou que “três mundos se delineiam“. Os revisionistas de Teng, através de seu testa-de-ferro Hua Kuo-feng, Foram os que difundiram em 1977 este simulacro de “Teoria dos Três Mundos”, em cuja exposição e fundamentação não apresentam nenhuma comprovação de que o Presidente Mao a formulou. Apenas, apresentam seus próprios argumentos entrelaçados com citações de Marx, Engels, Lenin, Stalin e o Presidente Mao, numa verdadeira salada teórica, na tentativa de dar legitimidade a sua criação revisionista e justificar sua capitulação ante o imperialismo e o social-imperialismo e encobrir a restauração capitalista que puseram em marcha. De noventa citações dos clássicos utilizadas na publicação do Renmin Ribao de novembro de 1977, das quais mais de vinte do Presidente Mao, somente numa ele se refere a três mundos. “A meu juízo, os EEUU e a União Soviética constituem o primeiro mundo; forças intermédias como o Japão, Europa e Canadá integram o segundo mundo, e nós formamos parte do terceiro.” “O terceiro mundo compreende uma grande população. Toda Ásia, exceto o Japão, pertence ao terceiro mundo; África inteira pertence também a este, e igualmente América Latina.” Ainda assim, tal suposta citação está antecedida no texto do seguinte: “Em fevereiro de 1974, em conversação sustentada com um dirigente de um país do terceiro mundo, o Presidente Mao disse”.
Com sua perspicaz e sagaz atenção às contradições, ao analisar a situação internacional, o que o Presidente Mao aplicava era o ensinado por Lenin e Stalin de se prestar atenção às contradições entre nossos inimigos. Dizia: “Devemos considerar as lutas entre os países imperialistas como acontecimentos importantes. Lenin e Stalin as consideravam como tais. Qualificavam tais lutas de forças como reserva da revolução.” (Anexo a Notas sobre “Problemas econômicos do socialismo na URSS”, de Stalin – 1959). Já em 1946, respondendo à indagação de Ana Louise Strong sobre a possibilidade de um ataque do EUA à URSS, dizia que “Os EEUU e a União Soviética estão separados por uma extensa zona formada por muitos países capitalistas, coloniais e semicoloniais da Europa, Ásia e África. Antes que os reacionários norte-americanos hajam subjugado a estes países, não se pode falar de um ataque à União Soviética”. Em 1957, falando na Conferência Nacional de Secretários afirmou: “No Oriente Médio têm produzido os acontecimentos do canal de Suez. Um homem chamado Nasser nacionalizou o canal; outro, chamado Eden, enviou ali um contingente de soldados e desatou uma guerra; em seguida, um terceiro chamado Eisenhower tratou de expulsar os ingleses com o fim de apoderar-se.do lugar. (…) Estes acontecimentos nos permitem ver donde se encontra o ponto chave das lutas no mundo hoje. Claro está que os países imperialistas vivem contradições muito agudas com os países socialistas, porém o que fazem agora é tomar como pretexto a luta contra o comunismo para disputar entre si esferas de influência. (…) Na atualidade, suas disputas se concentram no Oriente Médio, região de grande importância estratégica e sobretudo na zona do canal de Suez, no Egito. No conflito que ali se vive convergem dois tipos de contradições e três forças distintas. Esses dois tipos de contradições são: primeiro, as contradições interimperialistas, ou seja, as existentes entre os EEUU e Inglaterra e entre os EEUU e França e, segundo, as contradições entre as potências imperialistas e as nações oprimidas. Das três forças cm jogo, a primeira são os EEUU, a maior potência imperialista; a segunda, Inglaterra e França, países imperialistas de segunda ordem, e a terceira, as nações oprimidas. O principal cenário da atual disputa imperialista o constituem Ásia e África, donde tem surgido movimentos de independência nacional. Os EEUU recorrem a meios tanto militares como não militares; é assim como tem atuado no Oriente Médio.” Assim é que o Presidente Mao, em 1974, planteou sua tese de que “três mundos se delineiam”.
Mas, em suas tergiversações, os revisionistas não podiam esconder tudo e enganar a todos. Ao falar dos que combatiam tal “teoria” tiveram que atacar e combater os maoístas que se opuseram aos seus planos restauracionistas na China, os mesmos que com o golpe revisionista foram presos e condenados à morte. Na referida publicação de Renmin Ribao, a camarilha de Teng afirma que “Na China, também tem havido frenéticos opositores à teoria do Presidente Mao dos três mundos; eles são o ‘bando dos quatro’, Wang Jung-wen, Chang Chun-chiao, Chiang Ching e Yao Wcn-yuan. Ostentando as mais ‘revolucionárias’ divisas, se opuseram a que nosso país apoiasse o terceiro mundo e se unisse com todas as forças suscetíveis de se unir e a que assestássemos golpes no inimigo mais perigoso. Eles tentaram sabotar o estabelecimento de uma frente única internacional contra o hegemonismo e interferiram em nossa luta anti-hegemonista, amoldando-se às necessidades do social-imperialismo soviético. Se bem suas atividades de sapa causaram nefandos efeitos em determinadas esferas, nosso Partido e nosso Governo têm sido firmes e seguido invariavelmente a linha revolucionária traçada pelo presidente Mao para os assuntos exteriores. O ‘bando dos quatro’ de modo algum representa o povo chinês, eles são traidores desprezados por este”. Obviamente que sobre esta parte do texto dos defensores da “teoria dos três mundos” Amazonas sequer se interessou em mencionar. Claro, ao contrário de Amazonas, que se tornou inimigo feroz da Grande Revolução Cultural Proletária, o “bando dos quatro”, destacadamente a grande camarada Chiang Ching, era junto com o Presidente Mao, o principal porta-bandeira dela. Por fim, Amazonas se aproveitou desta teoria revisionista para acusar que ela era para sustentar a tese do “inimigo principal”, por sua vez derivação da concepção dialética do Presidente Mao sobre a contradição principal. Especificamente sobre a questão da contradição principal, abordaremos mais adiante.
Luta de duas linhas no Partido Comunista
Na continuidade de sua tentativa de demonstrar que “Mao Tsetung é um revolucionário pequeno-burguês” e portanto, liberal, ao abordar a questão da relação com a burguesia na construção do socialismo, afirma: “E esse liberalismo podre ele manifesta em relação à própria vida interna do Partido da classe operária. Em 1963, numa entrevista que teve com a delegação do PC do Brasil, apregoa a existência de três correntes no seio dos partidos comunistas: uma de direita, outra de centro e outra de esquerda, como se o partido fosse uma organização de frente única. Mao admitia a existência em caráter permanente, de duas linhas no Partido e de dois centros dirigentes (dois QGs), o que, no fundo, é o reconhecimento ao direito de fração no seio do Partido.” (pg. 23). Como forma sistemática de fazer sua crítica, Amazonas segue torcendo as palavras do Presidente Mao. Ademais de verificarmos nesta sua apreciação, uma completa estupidez política com respeito à questão de luta de linhas no partido comunista, podemos ver todo seu oportunismo em deduzir como defesa de dois centros no partido comunista os desdobramentos da luta, durante a Grande Revolução Cultural Proletária, em que num determinado momento os maoístas levantaram a consigna de “bombardear o quartel general da burguesia” no PCCh, referindo-se aos dirigentes revisionistas na alta direção do partido, particularmente a Liu Chao-shi.
Quanto à questão da luta de duas linhas, aqui só vamos esclarecer como ele torce o conceito afirmando que “Mao admitia a existência em caráter permanente, de duas linhas no Partido…” (pg. 23). Como temos discorrido no trabalho “Luta de duas linhas: problemas da história do Partido Comunista do Brasil”, em sua análise e síntese do processo do Partido Comunista do Brasil, parte-se exatamente da compreensão de que as contradições de classes na sociedade se refletem no interior do partido, expressando-se através da luta de linhas, que em determinados momentos se agudizam. Como um verdadeiro partido comunista poderia chegar, a estabelecer uma correta linha revolucionária proletária e sua prática justa, sem esta luta’? Como poderia se estabelecer, manter e persistir na linha justa e conjurar o perigo de se cair numa outra linha não proletária sem esta luta? Ao contrário do que alegam os revisionistas, em sua estupidez política, a compreensão e manejo da luta de duas linhas não se contrapõem aos princípios do Centralismo Democrático e sim verdadeiramente os praticam e os fortalecem. Na verdade, os revisionistas falam sobre Centralismo Democrático como um clichê para encobrir e legitimar sua prática de centralismo burocrático burguês. Somente com a compreensão correta do Partido como uma contradição é que se faz possível compreender que a luta de opiniões divergentes e opostas no 38 seio do Partido são reflexos das contradições na sociedade e o seu reconhecimento e manejo correto como luta dc duas linhas é a essência do exercício da democracia proletária no partido. Só assim os princípios do Centralismo Democrático podem verdadeiramente ser praticados e não sob a sofistaria do mesmo, própria dos partidos revisionistas. Pois, enquanto se luta internamente, todos membros do Partido estão obrigados a aplicar, em sua prática cotidiana, a ideologia, o programa e a linha política geral, já definidos, sem qualquer prejuízo para o cumprimento de suas tarefas e metas.
A alegação de defesa do fracionismo, de antileninismo, é simplesmente absurda. Os dogmáticos e sectários com seu “marxismo” livresco, como nosso Amazonas e seus sequazes, não podem compreender este medular problema do partido comunista, pois a dialética que professam, além de mecanicista e vulgar, só se aplica a determinados fenômenos e não à totalidade da matéria, do universo, da natureza, da sociedade humana e do pensamento do homem. Quando se refere, indignado, com as citadas declarações do Presidente Mao sobre a “existência de três correntes no seio dos partidos comunistas: uma de direita, outra de centro e outra de esquerda”, revela toda sua concepção antimarxista que não toma a realidade como base e sim dogmas e verdades abstratas e absolutas como referência. O subjetivismo, próprio da ideologia pequeno-burguesa, vem acompanhado pelo sectarismo e métodos administrativos e coercitivos no tratamento das contradições no seio do partido. Ainda referindo-se às declarações do Presidente Mao acerca das contradições no seio do partido comunista, da existência inevitável de correntes de direita, centro e esquerda, diz mais: Mao afirma que “nem tudo é puro no seio do Partido.” (pg. 24) E como paladino de uma tal assepsia ideológica no partido, assevera: “Nenhuma referência aí” se jaz sobre a necessidade de expulsá-los das hostes comunistas.” (pg. 24).
É muito importante compreender precisamente esta questão. Amazonas nos oferece esta oportunidade para examiná-la. Vejamos como o Presidente Mao localiza o núcleo do problema das contradições no seio do partido e como o trata: “No começo ou em alguns problemas, tais contradições podem não se manifestar imediatamente como antagônicas. Porém, à medida que se desenvolve a luta de classes, podem chegar a transformar-se em antagônicas. A história do Partido Comunista da União Soviética nos ensina que a contradição entre as corretas idéias de Lenin e Stalin e as errôneas idéias de Trotski, Bukarin e outros não se manifestou como antagônica no princípio, porém posteriormente se desenvolveu até converter-se em antagônica.” [10]. O método acertado para tratar as contradições no seio do partido tem que basear-se num correto manejo da luta de duas linhas, sob pena, inclusive de transformar determinadas e simples contradições não-antagônicas em antagônicas. Este é um critério que exige que no tratamento das contradições no seio do partido, deve-se não só permitir, como organizar e elevar a um plano superior a luta interna, objetivando caracterizar nitidamente a natureza de cada linha em confronto, através do método dc luta ideológico-política, da crítica e autocrítica, da unidade-crítica-unidade, desembocar sua solução. Mesmo quanto àquelas contradições, em que já de imediato se revelam antagonismos, é necessário que se transcorra um certo desenvolvimento da luta para uma correta e justa solução.
No debate entre o MRI’ [11] e El Diário Internacional [12]’, acerca dos problemas surgidos na revolução peruana, a partir da publicação das chamadas “Cartas de paz” [13], sobre se estes caracterizavam ou não um problema de luta de duas de linhas no Partido Comunista do Peru (PCP), coloca-se exatamente esta questão. Em sua argumentação de que, a posição de defesa do “acordo de paz” não constituía uma linha na direção do PCP e sim uma conspiração policial, El Diário, citando o Presidente Mao, afirma que, devido à diferença de natureza das contradições, seu tratamento deve ser diferente. Diz que, sendo a defesa do “acordo de paz”, nas condições do Peru, uma maquinação policial, uma ação do inimigo, esta se caracterizava como sendo uma contradição antagónica e como tal deveria ser tratada e seus defensores inimigos de classe e do PCP. Concluindo que neste caso o tratamento não seria de luta ideológico-política, luta de duas linhas e sim, sendo um caso de traição, tratado com expulsão do partido. No entanto, esta é uma apreciação diferente da do Presidente Mao sobre estes problemas, como está expresso em seu balanço das “Dez grandes lutas de duas linhas na história do PCCh”. Nele mostra lutas de vários tipos, porém que todas percorreram um determinado caminho e tempo relativamente longos até seus desfechos. Tal como foram as lutas no Partido Bolchevique, de Lenin e Stalin, contra Bukarin e Trotski e outros.
O erro de El Diário no tratamento desta questão é de dois tipos: um, em qualificar o surgimento da posição pelo “acordo de paz” como mera conspiração policial e não como essencialmente uma linha oportunista de direita. E dois, que por caracterizá-la como uma contradição antagônica, esta não deveria ser tratada com luta ideológico-política para um correto desfecho. Qual? Que se os defensores da linha oportunista de direita persistissem nela, recusando-se a fazer autocrítica e retificar os erros, tornava-se impossível conviver com os mesmos no partido. Por sua vez, ainda que o MRI tenha identificado a natureza do problema como sendo a do surgimento de uma outra linha, de direita, no interior do PCP, sua concepção do manejo da luta de duas linhas, na prática, revelou-se equivocada, na medida em que, no seu julgamento incorreto do estágio em que se encontra o movimento comunista internacional, transformou a consigna comunista internacionalista da luta ideológica entre todos os comunistas do mundo, num atropelo e ingerência indevida nos assuntos internos do PCP, num momento extremamente delicado por que passa. É claro que todo este é um problema muito complexo e não de simples manejo e solução.
Amazonas em todo caso, prefere argumentar, torcendo os fatos, e que como Lenin defendeu no X Congresso do Partido Bolchevique o fim do direito de frações, com isto teria terminado a época de existência de frações organizadas no seio do partido comunista. Esta é outra questão. A de que na sua infância, o Partido de Novo Tipo, concebido por Lenin, teve que viver, inevitavelmente, essa fase de frações. Se fora terrível para os oportunistas da época (início dos anos de 1900) aceitar o artigo número 1 proposto por Lenin quanto à constituição do partido, o que definia a condição de membro do partido, gerando a mais histérica gritaria, imagine o que significaria colocar o problema de direito ou não de fração àquelas alturas. Ademais, isto não estava totalmente claro à época, foi com a experiência concreta em construir o Partido de Novo Tipo, que Lenin e outros revolucionários da época puderam compreendê-lo melhor. A
concepção do Partido de Novo Tipo, planteada por Lenin, representou um grande salto na questão do partido revolucionário do proletariado, um aporte gigantesco à doutrina marxista sobre o partido. Da mesma forma, ainda que Lenin nunca tenha expressado qualquer dúvida a respeito da necessidade e importância da luta interna no partido, ele deixou isto muito claro em teoria e prática, foi o Presidente Mao que, com a experiência de dirigir um partido comunista por largos anos, antes e depois da conquista do poder, aprofundou Lenin aportando novo salto à doutrina marxista do partido, com a tese da luta de duas linhas” [14]. Portanto, fração e fracionismo são uma coisa e outra é luta de linhas. Fração é uma posição organicamente expressa e não simplesmente uma linha em luta. A luta de revolucionários proletários, em países onde o partido comunista foi afundado no oportunismo sendo liquidado enquanto tal, atravessou longos períodos para lograr a reconstituição do mesmo. Nestes casos, uma determinada fração, a verdadeiramente proletária, assumiu a reconstituição do partido enquanto partido revolucionário do proletariado. E isto, quem ensinou foi Lenin, quando, após longos anos de lutas de linhas no POSDR (Partido Operário Social Democrata Russo), onde se constituíram duas linhas que se converteram em duas grandes frações, a bolchevique e menchevique, e que, com a derrota da revolução de 1905, fez surgir outras como os Ultimatistas, o Otzovismo, o Veperiod, o Clube de Viena e seu Pravda [15] dirigido por Trotski, todas já com vidas próprias e independentes organicamente. Já em 1912, Lenin, contra a pregação de união de todos por Trotski, defendeu que chega a um determinado momento em que uma das frações deve assumir para si reconstituir o partido. O mesmo aplicaram outros comunistas em diferentes países, tal como destacadamente vimos no processo revolucionário do Peru, com a Fração Vermelha encabeçada por Abimael Guzmán.
O que Amazonas se nega a aceitar é que em qualquer partido comunista, ou processo orgânico comunista, haverá a tendência para a existência de três correntes: de direita, de centro e de esquerda, como reflexo das contradições da sociedade. E isto é uma coisa, outra é a fração. Por isto mesmo, que em nosso país, dado à prevalência da ideologia pequeno-burguesa na direção do Partido até o fim dos anos de 1950, e de que sua herança não foi totalmente superada com a Reconstrução de 1962, é que as contradições no seu seio, nunca foram tratadas corretamente, num constante e invariável prejuízo. Este é, em última instância, o problema de fundo que identificamos e que formulamos e expomos com o trabalho “Luta de duas linhas: problemas da história do Partido Comunista do Brasil“. É a herança oportunista da qual Amazonas revelou, posteriormente e de modo iniludível, ser o seu principal portador ao longo da história do Partido Comunista. Tanto é verdade a existência das três correntes, como afirmou o Presidente Mao que, apesar da corrente direitista de Amazonas, em 1966, ter expulsado as de esquerda — Ala Vermelha e o grupo de Manoel Lisboa — o Partido Comunista continuou tendo e desenvolvendo três correntes. Ainda que debilitada, a corrente de esquerda, foi responsável pela defesa do maoísmo dentro do partido, o que levou às definições pela guerra popular prolongada como estratégia, entre outras definições. Só que o maoísmo foi derrotado no partido em uns poucos anos, antes mesmo e por causa de não se ter desenvolvido sua compreensão, particularmente referente à questão da luta de duas linhas, o que exigia sagacidade, paciência e persistência.
Como a experiência comprovou, a resistência ao maoísmo — através inclusive de sua defesa formal e caricaturesca pela direita, como nos parece bem ter sido o papel desempenhado por Amazonas e seus sequazes —, desenvolveu-se para sua completa negação já no início dos anos de 1970. Um dos textos que compõe o livro de Amazonas em questão, “Breve histórico das divergências com o PCCh”, dá-nos disto, mostras em demasia. Nele Amazonas destaca triunfalmente que: “Em 1967, os chineses difundiam em larga escala a idéia de que o pensamento Mao Tsetung era nova etapa do marxismo-leninismo. (…) O Comitê Central do PC do Brasil considerou necessário definir-se o assunto. E chegou à conclusão de que o pensamento Mao Tsetung, embora por nós considerado naquela ocasião marxista-leninista, não era nova etapa da doutrina da classe operária. Por isso, o Comitê Central reafirmou, numa resolução aprovada com apenas um voto contra, que o PC do Brasil se guiava única e exclusivamente pelo marxismo-leninismo. Neste fato, evidencia-se já séria restrição ao maoísmo, então apresentado como desenvolvimento criador da ciência social mais avançada.” (pg. 88). Ele se refere à restrição, denota com isto seu espírito sectário, dogmático e intolerante às divergências.
O importante para ele — Amazonas — não é a luta como método de se chegar à verdade, e sim a votação formal oficializando seu rechaço e proibindo a continuidade ou mesmo a retomada desta luta. É próprio das concepções oportunistas, como tal as revisionistas, negar a universalidade da contradição, para negá-la em relação ao Partido Comunista, ou admiti-la nele com o único propósito para justificar seus métodos burocráticos de partido e suas soluções administrativas. Ao contrário dos revisionistas burocratas e dos trotskistas desagregadores, os comunistas, marxistas-leninistas-maoístas compreendem que a luta no partido é necessária para alcançar a unidade férrea e proletária num patamar mais elevado, superior. Só assim o partido comunista se forja, se desenvolve e dá saltos qualitativos. Do contrário, como ocorreu quase que invariavelmente na história do Partido Comunista do Brasil, ele nunca pôde se transformar, romper o reformismo, o oportunismo e o revisionismo e saltar à condição cabal de verdadeiro partido comunista. Contudo, como se tratam de contradições reais e concretas, as duas linhas contraditórias também são reais e concretas. Só que os oportunistas e revisionistas da laia de Amazonas, só as admitem no sentido burocrático de sabotá-la ou de praticá-la com os métodos coercitivos para sufocar e esmagar a linha revolucionária. De compreender a questão da luta de duas linhas e de a manejar corretamente, com sagacidade, está a chave para constituir, desenvolver e forjar verdadeiro partido comunista.
A concepção revisionista de Amazonas, como pano de fundo de suas posições, desconsidera por completo a importância da aplicação, a todas as coisas e fenômenos, das leis da dialética. Sua concepção mecanicista e condicional da dialética o faz dono de uma estupidez incrível. Na verdade, considera a dialética relativa e condicional, ou seja, que a mesma só se aplica a determinadas coisas e fenômenos e não a todas as coisas e todos os fenômenos, como afirma que “determinadas contradições são apenas aparentes e que na verdade não passam de meras diferenças e oposições de extremos.” (pg. 27). Não compreende assim a universalidade da contradição. Engels falando sobre a universalidade da contradição em seu “Anti-Dühring” afirmou: “…a vida consiste precisamente, ante tudo, em que um ser é em cada instante ele mesmo e ao mesmo tempo outro.“Não compreende que tudo é contradição, que o Partido Comunista é uma contradição. Menos ainda compreende que contradição e antagonismo, como afirmou Lenin, são coisas diferentes. Não compreende que enquanto a contradição e a luta dos contrários, são incondicionais e absolutas, o antagonismo ou não-antagonismo como forma desta contradição e luta de contrários, só se manifestam num segundo estágio do desenvolvimento do fenômeno, o da solução da contradição, cuja unidade é relativa, transitória e condicional. Em cada coisa ou fenômeno, o movimento no seu primeiro estágio, o que existe é uma transformação ou acumulação quantitativa e somente no segundo é que se produzirá, na forma dc antagonismo ou não, o salto qualitativo, destruindo aquela unidade velha, fazendo encerrar o velho fenômeno, dando início a um outro novo, ou nova unidade de contrários. A este respeito trataremos mais em seguida sobre a crítica “dialética” de Amazonas contra a dialética marxista do Presidente Mao.
Ainda sobre dialética: “Mao prioriza a unidade dos contrários em detrimento da luta dos contrários”
“Entretanto Mao Tsetung não trouxe nada de novo na esfera da filosofia marxista-leninista. Bem ao contrário, tentou nela introduzir conceitos errôneos, mecanicistas, metafísicos, ecléticos. É o que demonstra, por exemplo, sua maneira de abordar a questão das contradições.” (pg. 27).Assim Amazonas incursiona sua crítica na apreciação do maoísmo no terreno da dialética. Desconhece, por exemplo, que foi o Presidente Mao quem concretizou a solução de um problema de suma importância planteado por Marx: o de levar a filosofia às grandes massas. Como se isso fora pouco, incapaz de demonstrar isca do que afirma, quer por decreto escamotear que foi omesmo Presidente Mao, quem estabeleceu pela primeira vez no marxismo, que a contradição é a única lei fundamental que rege a matéria eterna em seu incessante processo de transformação; que estabeleceu os dois saltos do processo do conhecimento — o da prática à teoria e desta à prática — definindo o segundo como principal, ademais de aplicar amplamente a dialética à política. Amazonas chegou mesmo a dizer que os estudos “Sobre a Contradição”“…quando muito, podia ser considerado vulgarização didática das idéias dos clássicos do marxismo, e não uma obra original, fundamentada, acerca de problemas filosóficos”. (pg. 88).
Vamos a uma longa arenga de Amazonas, com suas pérolas dialéticas, em sua crítica “demolidora” do maoísmo:
Mao tem uma compreensão mecanicista da dialética.”Para demonstrar esta sua sentença Amazonas desfia sua concepção geral sobre dialética: “A dialética marxista dá importância fundamental ao problema da luta dos contrários, que é a fonte e o conteúdo interno do desenvolvimento. Se se analisa o desenvolvimento de qualquer fenômeno, em sua base encontram-se tendências opostas que se ligam e se excluem, que se negam mutuamente numa luta constante. Esta luta conduz, em certo estágio do processo, a um salto que cria uma qualidade nova.” (pg. 27). É necessário destacar, que esta afirmação de Amazonas, é correta por tratar-se praticamente de uma transcrição retirada dos clássicos. No entanto ela é imprecisa pois procura escamotear e camuflar parte da verdade. Destaca, em benefício de sua acusação ao Presidente Mao, que ele “prioriza a unidade dos contrários”, que a “dialética marxista dá importância fundamental à luta dos contrários”. Veja bem a precisão com que Lenin coloca a questão, exposta e minuciosamente destrinchada, pelo Presidente Mao em “Sobre a Contradição”:“A unidade (coincidência, identidade, equivalência) dos contrários é condicional, temporária, transitória, relativa. A luta dos contrários, mutuamente excludentes, é absoluta, como é absoluto o desenvolvimento, o movimento.” [16]. Aqui fica patente que, condicional e relativa, por um lado, e incondicional e absoluta, por outro, respectivamente, unidade e luta de contrários, não podem existir separadas e independentemente. Ou seja, o Universo em sua totalidade, a natureza, a sociedade e o pensamento do homem, é um complexo de unidades de contrários, em múltiplas, permanentes, integrais e infinitas conexões. “Um se divide em dois” e é ao mesmo tempo uma das partes de outro.
Não passa, portanto, da mais grosseira invencionice, a de que o Presidente Mao prioriza a unidade em detrimento da luta dos contrários. Esta é uma velha e surrada arenga revisionista, utilizada por todos inimigos do maoísmo. O Presidente Mao trata exatamente como é, a unidade como transitória, condicional e relativa e a lula como incondicional e absoluta, inseparavelmente uma da outra. Ou seja: “A combinação entre identidade, condicional e relativa, e a luta, incondicional e absoluta, forma o movimento dos contrários em todas as coisas.” [17]. É Amazonas que é unilateral, só considera a luta dos contrários e por isto mesmo diz que “nem todos extremos opostos formam unidade de contrários“. Primeiro, a contradição é universal, unímoda e absoluta, isto é está presente em tudo; segundo, qual é a forma de existência da contradição senão que a unidade de contrários? Quando Amazonas e outros oportunistas dizem que a “dialética marxista dá importância fundamental à luta dos contrários” (pg. 27) é para ressaltar uma vez mais que a dialética materialista só se aplica a determinados fenômenos e não a todos, ou que, em alguns casos ela não se aplica, como por exemplo no partido comunista. Como já pudemos comprovar a respeito da luta de duas linhas, para eles, a luta de contrários no Partido não pode ser incondicional, permanente e absoluta. Ao contrário da dialética materialista, para eles, em algumas coisas e fenômenos como o partido comunista, por exemplo, é a unidade que deve ser incondicional, permanente e absoluta, e a luta condicional, transitória e relativa. Ora, ora!
No seu próprio enunciado da dialética, Amazonas, como livresco e reles decoreba, não se dá conta do que copia. Veja, ele escreve: “Se se analisa o desenvolvimento de qualquer fenômeno…“, aqui se afirma exatamente a vigência universal e absoluta da dialética (lei da unidade e luta dos contrários) que ele nega ao apreciar determinados fenômenos; “…em sua base encontram-se tendências opostas que se ligam e se excluem…“, aqui se afirma ser junto e inseparável da luta a unidade e identidade dos contrários, mas para ele a unidade não tem importância (a não ser em alguns casos como o do Partido) e nem tudo existe na forma de unidade de contrários; e “...em certo estágio do processo, há um salto que cria uma qualidade nova.“, aqui se afirma que é só a partir de um determinado estágio do processo da luta que se dá a superação daquela contradição e portanto daquele processo, daquele fenômeno, daquela unidade, dando lugar a uma nova unidade de contrários ou novo fenômeno, que seguirá incessantemente neste processo de luta e unidade. Só que para ele, este certo estágio é na verdade o surgimento da contradição e não o da forma que ela se reveste e manifesta (antagonismo ou não antagonismo) para sua solução. Voltaremos a isto mais à frente. Contudo e afinal, o que é a qualidade nova de que fala, senão uma nova unidade de contrários’? (grifos nossos).
Eis aqui a confirmação das proezas dialéticas de Amazonas que já denunciamos anteriormente, diz: “Ele [Mao Tsetung] vê muitas vezes, contradições onde há apenas oposições momentâneas de aspectos dissociáveis que não formam, em realidade, uma unidade de contrários. A felicidade e a desgraça, a alegria e a tristeza, o bom e o ruim, o certo e o errado (por ele apresentado como unidades de contrários) constituem extremos opostos, mas não são tendências opostas que estejam constantes e reciprocamente ligadas entre si e que se excluem e se negam mutuamente, que se desenvolve num processo capaz de produzir uma qualidade nova, ou vitória de um sobre o outro contrário, em forma mais elevada, o que em linguagem filosófica se chama negação da negação. Com efeito, alegria e tristeza, desgraça e felicidade, bom e ruim não são contrários inseparáveis. Um pode existir sem o outro. Que qualidade nova surge dos dois extremos felicidade e desgraça, alegria e tristeza, bom e ruim? Aqui se opera um fenômeno de simples repetição, um extremo ocupa o lugar do outro, não há salto dialético. O desenvolvimento, todavia, não é simples processo repetitivo, mas um movimento que se dá no sentido de uma espiral, que está sempre avançando e jamais se mantém no mesmo lugar“. (pg. 27).
Ternos aqui um verdadeiro “prato feito” da dialética mecanicista e da metafísica. Vamos por partes. Primeiro, confirma que para ele, nem tudo que se apresenta como contraditório o é. O Presidente Mao diz em “Sobre a Contradição” que “Há que considerar toda diferença nos nossos conceitos como um reflexo de contradições objetivas“. Isto quer dizer que os conceitos que os homens formam são correspondentes ao que existe no mundo objetivo. Então, os conceitos que se opõem, tratam de contradições reais e, portanto não existe isto de que “oposições momentâneas” não são contradições. Tomemos por exemplo a contradição “felicidade e desgraça”, que ele diz que “constituem extremos opostos, mas não tendências opostas que estejam constante e reciprocamente ligadas entre si e que se excluem e se neguem mutuamente.” (pg. 27), que apenas “um extremo ocupa o lugar do outro, não há salto dialético.” (pg. 28). Para Amazonas isto constitui uma exceção à regra e, portanto não se aplica a dialética, nega assim sua universalidade e seu caráter absoluto. Como não? De onde pode surgir a felicidade se não da ausência de felicidade, que é a desgraça e vice-versa? Alguém que, por razão de determinadas condições, pode sair do estado de desgraça e passar ao de felicidade ou vice-versa, e se isto ocorre inúmeras vezes, como de fato é na vida real e concreta, trata-se de apenas uma repetição? A cada um destes acontecimentos não será uma nova pessoa? Se não, uma pessoa que está em “total” desgraça é a mesma quando está em total felicidade?
Segundo, que a única coisa que se repete aqui é o revisionismo de Amazonas, ele repete a tagarelice idealista da escola de Deborin (filósofo soviético), que o Presidente Mao critica em “Sobre a Contradição”, para quem a contradição ou luta dos contrários não aparece logo desde o início do processo, mas apenas numa certa etapa do seu desenvolvimento. Para Amazonas, a relação entre felicidade e desgraça é um fenômeno de simples repetição, assim como é para os metafísicos em que o desenvolvimento do processo produz-se não sob ação de causas internas, mas sim, sob a ação de causas externas, ou seja, como mera repetição. Se por um lado Amazonas diz que o movimento em cada fenômeno é determinado pelas contradições internas, ao afirmar que em determinados fenômenos o que aparentemente é contradição é mera “oposição momentânea“, admite a ação externa como determinação nestes casos. Isto é pura metafísica, os fenômenos externos são condicionantes e atuam sobre outro através dos aspectos contraditórios internos. No melhor, isto é ecletismo de dialética mecanicista com metafísica.
E em terceiro, ele diz que o “desenvolvimento não é simples processo repetitivo, mas um movimento que se dá no sentido de uma espiral“. (pg. 28). Embora afirme que “está sempre avançando“, revela, ao não caracterizar este movimento como ascendente, que admite que os fenômenos se repetem e que ao fim e ao cabo, a roda da história gire para trás. Como é de fato sua compreensão revi sionista sobre a restauração capitalista, que denomina de “crise do socialismo.” [18].
Ele afirma ainda: “Diz [o Presidente Mao] que uma coisa má pode transformar-se em boa, e a boa converter-se em ruim, como se na transmutação por ele indicada operasse a lei da unidade e da luta dos contrários” (pg. 28) (grifo nosso). Ironicamente Amazonas usa a palavra transmutação na tentativa de ridicularizar a afirmativa, transmutação é a mudança de qualidade, os alquimistas transmutavam vários metais em ouro. O Presidente Mao fala de uma análise da totalidade de um fenômeno, dos seus vários aspectos. Inclusive da análise de um fenômeno como instrumento de análise para outros fenômenos (o mestre pelo negativo). Mas, para Amazonas, da mesma forma que a felicidade e a desgraça, a alegria e a tristeza, o bom e o ruim, o certo e o errado não constituem unidades de contrários, mais ainda absurdo que vida e morte o seja. Como indaga o Presidente Mao, de onde pode surgir a paz senão da guerra e a guerra senão da paz? A vida e a morte formam uma unidade de contrários. Para qualquer um está bem claro que a morte surge da vida, e a vida não surge da morte, ou seria de uma força divina? Sim, surge da morte, pois como pode existir vida se antes no universo só existia a matéria inerte?
Em seu trabalho “Resumo do livro de Hegel ‘Ciência da lógica’”, Lenin diz: “A dialética é a doutrina de como os contrários podem ser e como costuma ser (como devém) idênticos, – em que condições costumam ser idênticos, convertendo-se um no outro, – porque o entendimento humano não deve considerar estes contrários como mortos, petrificados, senão como vivos, condicionais, móveis e que se convertem um no outro.” O Presidente Mao destaca esta passagem cm “Sobre a Contradição” e comenta: “Que significam estas palavras de Lenin? Em todo o processo, os aspectos de uma contradição se excluem, lutam e se opõem entre si. Os processos de desenvolvimentos de todas as coisas do mundo e todo o pensamento do homem, sem exceção, contêm tais aspectos contraditórios. Um processo simples contém somente um par de contrários, enquanto um processo complexo contém mais de um. Os diferentes pares de contrários, por sua vez, encontram-se em contradição. Podia parecer então que não há nenhuma identidade ou unidade, Em tal caso, como se pode falar dc identidade ou unidade’? O caso é que nenhum dos dois aspectos contraditórios pode existir independentemente do outro. Se falta um dos contrários, falta a condição para a existência do outro.(…) Os aspectos de toda contradição se chamam contrários porque, em virtude de determinadas condições, existe entre eles não-identidade. Porém também existe entre eles identidade, e por isto estão conectados.”.
O Presidente Mao mostra que a interdependência é apenas um dos sentidos da identidade dos contrários. Mais importante que este é o da transformação de um no outro, também sob determinadas condições. Mostra também que a identidade existe, na condição de que os aspectos contraditórios não são contrários mortos, petrificados, senão como vivos, condicionais e móveis. “O caso é que a unidade ou identidade dos contrários nas coisas objetivas não é algo morto, petrificado, senão algo vivo, condicional, móvel, temporário e relativo; sobre a base de determinadas condições. cada um dos aspectos da contradição se transforma em seu contrário. O reflexo disto no pensamento humano constitui a concepção marxista, dialética materialista, do mundo.” Ao se afirmar que, sob determinadas condições, existe a identidade dos contrários, está-se referindo a contrários reais e concretos, e se considera que a transformação de um no outro é também real e concreta. Exatamente ao contrário, por exemplo, das transformações fantásticas da mitologia, dos milagres da Bíblia e dos contos de fada, com suas contradições artificiais, imaginárias, ingênuas e absurdas. Citando Marx, destaca: “Toda mitologia conquista, domina e dá formas às forças da natureza, na imaginação e mediante ela, e desaparece quando as forças da natureza são dominadas realmente.” [19]. Os mitos não são criados baseando-se em situações determinadas surgidas de condições concretas e por isto mesmo, não refletem o mundo objetivo. Os exemplos citados por Amazonas em sua crítica, de serem “meros extremos opostos” que não formariam unidade de contrários, como “felicidade e desgraça“, são contrários objetivos, reais e concretos, que em determinadas condições se transformam um no outro, transformando um velho processo cm outro novo. E isto não é uma metamorfose mitológica ou o conto da bela e a fera, que se casaram e foram felizes para sempre.
É preciso ver que nenhum destes elementos arrolados por Amazonas, como de qualquer outro fenômeno só existe e só pode ser compreendido como algo concreto e não imaginário. Assim sendo, felicidade e desgraça, alegria e tristeza, bom e ruim só podem ser apreciados numa realidade concreta, ou seja como um fenômeno em manifestação. Portanto, não podem existir senão como aspectos contrários, que se excluem mutuamente e ao mesmo tempo interdependentes na forma de unidade de contrários. Em determinadas condições, estes aspectos em luta tendem a se transformar um no outro, passando um de aspeto principal ou dominante à condição de secundário ou dominado e vice-versa, e assim ao fim de um velho fenômeno e surgimento de um novo.
“Mao defende a existência da contradição principal”
Como já anunciamos ao tratar da questão da “teoria dos três mundos”, a qual Amazonas, juntamente com seus amigos do peito (camarilha de Teng de 1990 adiante), atribui ao Presidente Mao como justificativa para a tese do “inimigo principal”, derivada de sua “contradição principal”, vamos tratar dela aqui com base na menção seguinte: “Esta idéia está presente na formulação que fez [Mao Tsetung] acerca do chamado inimigo principal e da contradição principal. Diz ele que, assim como no conjunto das contradições há sempre uma que é a principal, também no conjunto dos inimigos existe um que é o principal. Isto porém, nem sempre ocorre. No Brasil, há duas contradições fundamentais na atual etapa da revolução: a contradição entre a nação espoliada e oprimida e o imperialismo e a contradição entre grandes massas populares e o sistema do latifúndio. Qual destas duas seria a principal? Na realidade, as duas estão entrelaçadas e ligadas também com a contradição entre o povo trabalhador e os grupos monopolistas da grande burguesia, em geral associados ao imperialismo. Se aceitássemos a conclusão de Mao Tsetung teríamos de dar prioridade a uma delas. Mas isto seria cair no oportunismo“. (pg. 29).
Este é um dos problemas da dialética de Amazonas, aqui mais uma vez ele diz “Isto porém, nem sempre ocorre“, negando a universalidade e caráter absoluto da contradição nos fenômenos, também aqui quanto ao problema da contradição principal. Tomamos aqui esta citação dele não somente para comprovar o que já tínhamos dito antes, mas também para discutir a aplicação da dialética materialista na análise da realidade brasileira, no conhecimento das leis gerais da nossa revolução, uma vez mais para demonstrar o porquê destes problemas nunca terem sido devidamente resolvidos. Centraremos no próprio exemplo citado por ele para demonstrar a questão da contradição principal nos fenômenos. Com a afirmativa que faz acima, que persiste na negação da contradição principal nos fenômenos, Amazonas sai da posição errônea do “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista” (tese do CC do PCdoB à VI Conferência Nacional, de 1966, muito bem criticada pela Ala Vermelha [20]), para cair noutra. Nesta tese, afirmava-se ter no Brasil à época duas contradições principais, já aqui não há nenhuma. O problema de compreender a questão da contradição principal é decorrente do que trata das particularidades na contradição, e é tão chave quanto o da sua universalidade.
Em “Sobre a Contradição”, o Presidente Mao afirma que: “…se um processo comporta várias contradições, existe necessariamente uma delas que é a principal e desempenha o papel diretor, determinante, enquanto que as outras ocupam apenas uma posição secundária, subordinada.” Quanto ao problema da tese da VI Conferência (1966) em afirmar que existiam duas contradições principais, este foi bem respondido à época pela Ala Vermelha. Não há exceção à regra: “Seja em que caso for, não cabe dúvida que, em cada uma das etapas do desenvolvimento do processo, apenas existe uma contradição principal, que desempenha o papel diretor”, insiste o Presidente Mao. Ele demonstrava concretamente a determinação de uma contradição principal, em três casos diferentes, nos processos revolucionários: Primeiro exemplo, “…na sociedade capitalista, as duas forças em contradição, o proletariado e a burguesia, formam a contradição principal; as outras contradições, por exemplo, a contradição entre os restos da classe feudal e a burguesia, a contradição entre a pequena burguesia camponesa e a burguesia, a contradição entre o proletariado e a pequena burguesia camponesa, a contradição entre a burguesia liberal e a burguesia monopolista, a contradição entre a democracia e o fascismo no seio da burguesia, as contradições nos países capitalistas e as contradições entre o imperialismo e as colônias, todas são determinadas pela contradição principal ou sujeitas à influência desta.”
Segundo exemplo, nos países semicoloniais; “Quando o imperialismo não recorre à guerra como meio de opressão, mas utiliza formas de opressão mais moderadas, políticas, econômicas e culturais, a classe dominante do pais semicolonial capitula diante do imperialismo; então, forma-se entre eles uma aliança para oprimirem em conjunto as massas populares. Nesse momento, as massas populares recorrem freqüentemente à guerra civil para lutar contra a aliança dos imperialistas e da classe feudal. Quanto ao imperialismo, em vez de recorrer à ação direta, usa geralmente meios indiretos, para ajudar os reacionários do país semicolonial a oprimirem o povo, donde a acuidade especial das contradições internas.” Este é o caso da revolução democrática, agrária antifeudal e antiimperialista em sua primeira fase. Terceiro exemplo, “Quando, num país, a guerra revolucionária ganha uma envergadura que ameaça a própria existência do imperialismo e seus lacaios, os reacionários do interior, o imperialismo recorre freqüentemente a outros meios para manter a sua dominação: fomento de divisões no seio da frente revolucionária ou envio direto de tropas em socorro da reação interior. Nesse momento, o imperialismo e a reação interior colocam-se completa e abertamente num pólo e as massas populares no outro pólo, o que constitui a contradição principal que determina o desenvolvimento das outras contradições ou age sobre esse desenvolvimento.” Este é o caso da revolução democrática, agrária antifeudal e antiimperialista em sua segunda fase, ou simplesmente revolução de libertação nacional.
Quando se fala de principal e secundárias, estamos falando de subordinação e condicionalidade. Em que se expressa esta subordinação quanto a um fenômeno que contém várias contradições? Como bem compreendemos, no Brasil existem muitas contradições de classes, mas aquelas que são as fundamentais são três: entre a imensa maioria da nação e o imperialismo; entre campesinato pobre, principalmente e sistema latifundiário; e entre proletariado e burguesia. São estas três porque as diferentes e fundamentais classes sociais dominantes e dominadas do país, que em sua condição semicolonial, de oprimido pelo imperialismo, principalmente ianque, constitui-se um processo nacional incompleto. Segundo as leis gerais do desenvolvimento econômico-social do país, a revolução caracteriza-se por ser nacional democrática, agrária antifeudal e antiimperialista, ininterrupta ao socialismo. Tem duas etapas que se processam de forma ininterrupta, sendo que na primeira demanda resolver as contradições entre campesinato e sistema latifundiário, e entre a nação e o imperialismo, em que confiscar o capitalismo burocrático é chave para assegurar sua passagem ininterrupta à segunda etapa. E nesta, dar solução cabal à contradição entre proletariado e burguesia monopolista. Ao contrário do que diz Amazonas, que optar por uma como principal leva ao oportunismo, uma destas é de fato a principal e não saber determiná-la, sim, conduz ao oportunismo que sempre minou o Partido Comunista em sua história. Neste caso, qual é a contradição principal e por que é? Para resolver esta questão faz-se necessário analisar detidamente todas as contradições do fenômeno, verificar suas diferenças e particularidades. Para isto necessita-se verificar os dois aspectos de cada uma das contradições buscando apreender o que há de geral e de particular, de identidade e oposição neles, observados em seu desenvolvimento. Sem examinar e conhecer as particularidades das contradições e os seus dois aspectos em suas etapas de desenvolvimento, não se pode determinar acertadamente qual das contradições de um processo é a principal.
Num determinado fenômeno uma contradição é a principal quando — por um tempo determinado ou estágio — sua solução subordina ou condiciona a resolução das demais. No caso da Revolução Brasileira, das classes dominantes que constituem o aspecto principal em cada uma das três contradições, a mais decadente, arcaica e podre é a dos latifundiários. Por sua vez, das classes dominadas e oprimidas que constituem o aspecto secundário de cada uma das três contradições fundamentais, a mais oprimida e que se acha num estado de maior inquietação é o campesinato pobre, principalmente. Estes são apenas alguns dos fatores a serem observados atentamente, existem muitos outros. Após examinar detidamente os dois aspectos de cada contradição e as diferenças entre elas, resumidamente podemos concluir de um conjunto de fatores, que a contradição mais aguda de todas é a que opõe campesinato pobre e latifúndio que se expressa ainda mais amplamente como contradição entre massas populares e velho Estado burocrático-latifundiário. A grande massa de dezenas de milhões de camponeses sem terra, com pouca terra ou submetidos à exploração dos grandes proprietários de terras em nosso país, constitui-se na força mais numerosa interessada na destruição do sistema latifundiário, e por isto ao longo dos séculos tem sido alvo de constantes e sistemáticos massacres pelas classes dominantes e seu Estado. De todas as contradições do país, aquela que o campesinato vive, percebe e revela maior interesse e exige urgência em resolver e, portanto, maior consciência tem a respeito, é a da conquista da terra e pelo fim da exploração e opressão latifundiárias. Nesta luta, o campesinato, nas condições de estar sob a direção do proletariado revolucionário partido comunista —, adquirirá um novo e mais elevado nível de consciência, levando a cabo a revolução agrária e tornando-se a força principal de toda a revolução democrática. Sempre que se mantiver sob direção do proletariado revolucionário, através de seu partido revolucionário, o partido comunista.
Já, para que a contradição entre a maioria da nação e o imperialismo possa ser resolvida a favor das massas populares, para passar da situação de aspecto secundário ou dominado à de principal ou dominante na contradição, suas forças têm que se acumular e constituir-se num nível superior para derrotar no terreno político e militar a opressão imperialista. Isto só poderá ocorrer se as massas populares lograrem acumular forças e constituir sua força armada. Este problema, por sua vez, só é possível de se resolver através da revolução agrária e da totalidade do movimento democrático revolucionário. Como classe mais revolucionária, o proletariado através de seu partido de vanguarda lança o programa agrário revolucionário como base da sua aliança com o campesinato, principalmente pobre. Na luta por tornar as terras do latifúndio e entregá-las aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra, as forças em luta — sob direção do partido comunista, através da luta armada revolucionária — passo a passo constituem o exército popular e a frente única revolucionária como novo Poder em construção, defendendo os interesses das classes do campo revolucionário, agrupando por fases e etapas todas as forças possíveis deste campo, até triunfarem. Mesmo antes do triunfo completo, e na medida em que o imperialismo e seus lacaios no país se vêem ameaçados de serem varridos, tende-se para a intervenção armada direta do imperialismo. Neste momento a contradição principal desloca-se para entre a imensa maioria da nação e o imperialismo. Verifica-se então que a solução da contradição entre imensa maioria da nação e imperialismo se achava subordinada à solução da contradição camponeses pobres e latifúndio.
Ao avançar na solução da contradição entre campesinato pobre e latifundiários, ainda que não tenha resolvido completamente a contradição, tal desenvolvimento conduziu ao fortalecimento do aspecto secundário de outra contradição que por isto mesmo passa a condição de principal, criando condições para que assim ela possa ser resolvida a favor das massas populares. Passa-se, então a guerra popular à fase de guerra de libertação, ampliando-se inclusive o leque da frente única revolucionária, até seu triunfo em todo país, confiscando a grande burguesia (burguesia monopolista em suas frações burocrática e compradora) e completando todas tarefas da revolução agrária. Ao desenvolver assim, acumularam-se forças para passar ininterruptamente às tarefas da revolução e construção socialistas, correspondendo à solução da contradição entre proletariado e burguesia, entre socialismo e capitalismo, que passou assim à condição de contradição principal. Então, sucessivamente, por fases e etapas determinadas por uma contradição principal, pode-se ir progredindo a luta revolucionária das massas populares pela conquista do Poder, por passar nossa sociedade do capitalismo burocrático ao socialismo e a nação brasileira, de país senil colonial a independente, e o proletariado e demais massas populares, de dominadas à condição de dominantes. Pode-se verificar ainda que durante o processo em que vai se resolvendo a contradição principal, as outras secundárias, porém fundamentais, seguirão progressivamente se potencializando e se agudizando e cada uma, à sua vez passando-se à condição de principal. Isto claro, dentro da complexidade de contradições de um processo revolucionário que não é uniforme, gradual e retilíneo, ao contrário é contraditório, cheio de voltas e reviravoltas, de acúmulos quantitativos e saltos qualitativos e mesmo ziguezagueante.
Por aqui podemos constatar claramente, que além das grosseiras afirmações pseudodialéticas de Amazonas, outras formulações na história do Partido também cometiam ainda erros importantes. Mesmo com sua essencialmente acertada crítica ao “União dos brasileiros para derrotar a crise, a ditadura e a ameaça neocolonial”, a Ala Vermelha apontava como contradição principal a que opunha a “imensa maioria da nação e o imperialismo e seu suporte social interno”, argumentando que era esta a contradição que correspondia à toda etapa em curso da revolução e que, com o golpe de Estado, as forças armadas nacionais passaram à condição de força de ocupação interna. Que a contradição principal de um processo revolucionário, em determinado momento, corresponda à etapa em que se desenvolve a revolução é uma verdade. Porém, a complexidade da realidade, dos fenômenos e das contradições em seus estágios de desenvolvimento exige maiores esforços dos revolucionários em suas investigações e análises. Há que atentar que etapas têm sub-etapas ou fases distintas e cada uma delas com suas particularidades no desenvolvimento do processo. No caso da revolução democrática agrária antifeudal e antiimperialista ininterrupta ao socialismo, dentre suas três contradições fundamentais, a principal nem sempre será a que encerra toda a etapa de libertação do imperialismo. Para resoivê-la e passar à seguinte, da revolução socialista, na maioria das vezes demanda iniciar pela revolução agrária para potenci ar a força das massas populares, que constituem o aspecto secundário e dominado do processo.
No caso de nosso país, após o golpe militar de 1964, não era uma situação fácil de compreender, pois aparentemente o golpe militar patrocinado pelo imperialismo, como fato novo na situação do país, aparecia como uma contradição aguda com o povo brasileiro. Caso as reações populares ao golpe crescessem e os ianques interviessem com tropas, como se sabe estava planejado, aí sim a contradição entre a maioria da nação e o imperialismo e seu suporte social interno passaria a ser principal e só poderia ser resolvida por uma guerra de libertação nacional. Sem tal reação interna, o que ocorreu na verdade foi apenas a mudança da forma de gerenciamento do sistema de poder do Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo. Assim, uma derrubada revolucionária dos militares do poder só seria possível numa prolongada luta armada e que para tal, demandava organizar política e militarmente as massas populares, principalmente as camponesas pobres. Como este processo não se deu efetivamente, podemos verificar que, esgotado o papel do gerenciamento militar no cumprimento de derrotar as forças revolucionárias, reestruturar o velho Estado e impulsionar no econômico, social, político e cultural segundo o padrão e ordem imperialista ianque do pós-guerra, as classes dominantes locais puderam reciclar seu domínio através do que se chamou de redemocratização ou volta ao “Estado de Direito”. Derrotada a resistência revolucionária, ocorrida a capitulação das forças revolucionárias, prevalecendo assim a linha reformista oportunista, as mobilizações populares por liberdades democráticas e pela constituinte, no final das contas, só serviram mesmo para avalizar e legitimar a continuidade do velho e podre Estado a serviço do imperialismo. agora novamente sob a máscara de “democracia”. “Democracia” da qual todos oportunistas, incluindo Amazonas com sua peculiar “dialética” e sua agremiação revisionista PCdoB, serviram-se para “se darem bem”(?!).
1 * Revisionismo: Corrente oportunista no movimento operário revolucionário, é hostil ao marxismo, porém se apresenta sob sua bandeira. Recebeu seu nome por submeter à “revisão” a teoria marxista, seu programa revolucionário, sua estratégia e sua tática. O revisionismo apareceu a fins do século XIX quando o marxismo havia obtido uma vitória completa sobre todas as variedades do socialismo no seio do proletariado e se difundia cada vez mais entre as massas operárias. Os principais representantes do velho revisionismo (final do século XIX— começos do século XX) foram os alemães Bernstein e Kautsky, os austríacos Victor Adler e Otto Bauer, os socialistas de direita da França e outros. Na Rússia houve os “economicistas”, mencheviques (minoria), e após a revolução de Outubro (1917) o trotskismo e o bukarinismo. A essência do revisionismo consiste em introduzir a ideologia burguesa no movimento operário, em adaptar o marxismo aos interesses da burguesia, em extirpar dele o espírito revolucionário. Os revisionistas, como afirmou Lenin, dedicam-se à “castração burguesa” do marxismo em todas suas partes componentes: filosofia, economia política e comunismo científico. A base social do revisionismo formada pela pequena burguesia que se vai incorporando à classe operária, assim como pela camada alta do proletariado — a denominada aristocracia operária — sustentada pelo imperialismo. Após ser desmascarado por completo por Lenin, o revisionismo entrou em bancarrota e a revolução proletária avançou. Stalin também desempenhou grande papel no combate aos revisionistas, principalmente após a morte de Lenin, levando a revolução a outros países. Posteriormente, já na década de 1940 e 1950 o revisionismo começou a levantar a cabeça novamente com Togliatti (do Partido Comunista da Itália) e Tito da Iugoslávia. Mas o principal formulador do novo revisionismo foi Nikita Kruschev, do Partido Comunista da União Soviética e que a partir do XX Congresso do PCUS (1956) traiu o socialismo e iniciou a restauração capitalista na URSS. O Presidente Mao Tsetung definiu o novo revisionismo de Kruschev como a teoria dos “Dois Todos” (Estado de todo o povo e Partido de todo o povo) e as “Três Pacíficas” (Transição pacífica, Coexistência pacífica e Competição pacífica). Como o velho revisionismo, o revisionismo moderno nega a luta de classes, a ditadura do proletariado, o partido revolucionário do proletariado e a violência revolucionária.
2 * Para maior comodidade do leitor no sentido de facilitar sua distinção na autoria das diversas citações feitas neste trabalho, as que se referem a Amazonas e demais partidários seus estarão sempre em itálico. Quanto a outras citações e títulos de obras de referência estarão distinguidas somente pelas aspas.
A “crítica” revisionista sobre a restauração capitalista
Para seguir desmascarando a pseudocrítica marxista de Amazonas ao maoísmo abordaremos ainda outros trabalhos seus e de seus seguidores. Em 1990, a editora Anita Garibaldi publicou “30 anos de confronto ideológico — marxismo x revisionismo”. Trata-se de uma coletânea com artigos de Lenin, Hoxha, Ramiz Alia, Amazonas, Luiz Fernandes e outros dirigentes do PTA (Partido do Trabalho da Albânia). Os artigos estão dirigidos a atacar o “revisionismo contemporâneo”, geralmente utilizando-se dos complementos “kruschevista”, “brezhnevista” ou “gorbachevista”. Com exceção de artigos dc Hoxha, que eventualmente solta um ou outro disparate arbitrário contra “Mao” e do artigo de Luiz Fernandes destinado a fazer a crítica à restauração capitalista na URSS, onde ataca Bettelheim acusando-o de seguidor das teses de “Mao Tsctung”, o que se chama de “30 anos de confronto ideológico — marxismo x revisionismo” se resume a criticar a “perestroika” de Gorbachev como continuidade do revisionismo de Kruschev e Brezhnev. O tão prometido combate e desmascaramento continuado ao “perigoso revisionismo chinês de Mao Tsetung“, não se fizeram presente em tão implacável compêndio de 30 anos do combate ao revisionismo (de 1960 a 1990). Curioso!
Mas destacaríamos ainda, antes de tratar propriamente da posição de Amazonas e de seu epígono Fernandes, que num dos artigos assinados por Ramiz Alia, do ano de 1990, em que falando numa reunião do CC do PTA sobre o tufão contra-revolucionário que varria a URSS social-imperialista e os Estados do Leste Europeu, afirmava: “Dizemos que na Albânia não aparecerão os fenômenos conhecidos no Leste. Não pelo fato de que as ações e as pressões do exterior sobre nosso país sejam mais fracas, mas porque aqui existe uma situação interna sólida, porque em nosso país o Partido do Trabalho tem sempre a iniciativa e suas políticas estão em unidade com a vontade das massas.” Algum tempo depois o que se chamava de “farol do socialismo no mundo” desmoronou-se por completo como castelo de cartas. Mais que isto. Sob a batuta do mesmo Ramiz Alia. O que queremos de fato ressaltar aqui, não é o fato dc ter-se desmoronado a “Albânia socialista”, dado que o cerco, a pressão e toda a situação internacional de contra-revolução levantada pelo revisionismo de Gorbachev, consistiam num fator objetivo de alto poder de destruição indiscutível. E que seguramente, em meio da grande confusão que tomou conta da mente das massas em todo Leste, muitos valorosos comunistas seguiam lutando pelo socialismo. Mas, queremos ressaltar sim, o fato do papel vergonhoso desempenhado por Ramiz Alia e sua camarilha revisionista.
O artigo “As transformações sociais na época da revolução e do imperialismo — Exame crítico da crise do socialismo”, de Amazonas, resume-se a um conjunto de “especulações” diante do tufão contra-revolucionário da perestroika e da revolução de veludo [21], sobre o que de fato levara a acorrer a “tragédia do socialismo”, como Amazonas classificou os processos restauracionistas. É necessário que façamos uma série de citações deste artigo para responder com maior clareza esta que é uma das questões essenciais do marxismo, a questão do Estado, da ditadura do proletariado, da existência de classes c luta de classes no socialismo, em todo o período da ditadura do proletariado, e por isto mesmo problema medular do marxismo e da luta contra o revisionismo e demais teorias burguesas, que procuram mistificar o Estado. Diz ele: “À guisa de especulação — teria havido demasiado concentração de poderes nas mãos de algumas pessoas ou de certos órgãos dirigentes? Funcionava corretamente a relação partido/massas? Teria o Partido sido, em certa medida, capataz de um grande canteiro de obras e não o impulsionador da organização, o apoiador decidido da iniciativa, do trabalho criador das massas? O conceito de que o Partido dirige tudo não se teria exagerado e contraposto à liberdade de criação, de expressão e manifestação do pensamento?“, etc., etc., e por aí vai. À primeira vista nos parece algo incomum, um Amazonas reflexivo e indagador, não o dogmático de pedra e sim um flexível investigador. Nada disto! Foi assim que Amazonas introduziu sua marcha disfarçada para, logo em seguida, atacar Stalin e descartar também Hoxha, aproveitando-se da ofensiva contra-revolucionária que se desatava no mundo. Argumentava que “Não é possível explicar cientificamente o domínio do revisionismo e o retrocesso na URSS, alegando simplesmente a atividade traidora e maquiavélica de um Kruschev, de um Brezhnev”. Sobre a China nada diz, sequer repete suas tonitruantes assertivas sobre o “revisionismo chinês de Mao Tsetung”. É patente, que com o notório simplismo daqueles que se recusaram a estudar as conclusões e ensinamentos, há mais de 30 anos [22], sistematizados pelo Presidente Mao sobre a experiência da ditadura do proletariado, só poderia conduzir a este tipo de indagações patéticas, tantos anos depois.
Dando vazão às suas “especulações”, nosso aturdido Amazonas segue tateando à guisa de explicações que o console. “Sabemos que nem o Estado, nem o Partido, são eternos. Cumprem tarefas que levam à sua própria negação. De que maneira e em que prazo se realiza esse processo dialético é algo a considerar. Seguramente, não permanecerão estáticos. Ao que tudo indica, depende do grau de acirramento da luta de classes no plano mundial e principalmente da educação das massas, da disseminação e assimilação da ideologia socialista, da cada vez maior integração do povo nas atividades públicas.” Aqui Amazonas faz sua vulgarização da concepção marxista da passagem do capitalismo ao socialismo em geral, e da fase inferior do comunismo (socialismo) à superior, em particular. Continuando, “Stalin debateu o problema do desaparecimento do Estado na marcha evolutiva da sociedade. Grande teórico, destacado dirigente revolucionário, justificou o fortalecimento do Estado na URSS face ao cerco do capitalismo agressivo. E disse que ‘as normas de nosso Estado socialista se modificam e irão se modificando, de acordo com o desenvolvimento do nosso país e com as mudanças na situação exterior. ‘Em princípio, as teses são justas“. Completa e logo se interroga: “Mas em que consistiram realmente, na União Soviética, em particular depois da II Grande Guerra, as mudanças nas funções de Estado? Em que medida foram dados passos para diminuir a intervenção do poder do Estado nas relações sociais, intervenção que deveria tornar-se supérflua em um campo após outro, como previa Engels?“. Amazonas toma assim as palavras dos clássicos (Engels em “Anti-Duhring”) [23] sobre tal transição, que na medida que o Estado não pode ser abolido e que ele se extingue, para fazer uma contraposição a Stalin. “Stalin, ao que parece, não abordava a questão sob este prisma. Considerava as mudanças no Estado não como diminuição da intervenção estatal num domínio após o outro, mas como novos encargos dos órgãos de Poder. Ele [Stalin] diz, por exemplo, levando em conta o desaparecimento das classes antagônicas, que ‘em lugar da repressão surgia outra função do Estado — salvaguardar a propriedade socialista contra os ladrões e dilapidadores dos bens públicos’“, citando o informe de Stalin ao XVIII Congresso do PC(b)R da URSS de março de 1939.
Aqui fica bastante claro, que embora Amazonas em suas especulações sobre o porquê da “tragédia do socialismo”, coloque a necessidade de investigar todo o processo de construção do socialismo, ele já definiu a direção de Stalin como alvo central da crítica. O velho e carcomido lugar comum de todos renegados e reacionários, o de que Stalin é o culpado por todos os males. De fato no XVIII Congresso do PCUS de março de 1939, em seu informe, Stalin referindo-se às incompreensões no Partido que indagavam por que não se atirava de vez ao lixo da história esta velha maquinaria do Estado, respondia que não se compreendia corretamente a questão do Estado no socialismo colocado pelos clássicos do marxismo. Argumentava que o Estado não poderia ser abolido, que ele se extinguiria gradualmente. Estas indagações no PCUS, por sua vez, baseavam-se nas próprias afirmativas que no seu próprio informe Stalin fazia indicando a “liquidação completa dos resíduos das classes exploradoras”. Ou seja, indagavam que se já não existia mais o que reprimir, não teria então o Estado que desaparecer? Como ele seguia existindo, propunham sua abolição. Em sua resposta a estas indagações Stalin faz uma exposição muito precisa da concepção marxista sobre a transição ao comunismo e de como o Estado vai se extinguindo. Sobre isto, Amazonas aparenta concordar com Stalin quando diz “Em princípio, as teses são justas” para logo, comparando com a citada passagem de Engels em “Anti-Dühring”, afirmar que “Stalin, ao que parece, não abordava a questão sob este prisma“. Vejamos o quê e como Stalin esclarece na polêmica.
Referindo-se à citação de Engels de que se ela era justa, respondia: “Sim, é justa, porém com uma destas duas condições: a) se estudamos o Estado socialista desde o ponto de vista do desenvolvimento interior do país unicamente, fazendo de antemão abstração do fator internacional, isolando, para maior comodidade da investigação, ao país e ao Estado da situação internacional, ou bem b) se supomos que o socialismo já venceu em todos os países, ou na maioria dos 66 países e, em lugar do cerco capitalista, existe um cerco socialista, não existe já a ameaça de ataque do exterior, não há necessidade de fortalecer o exército e o Estado” [24]. E considerando a situação concreta da URSS, em que o socialismo triunfou num só país, afirma que nestas condições que “Duas funções fundamentais caracterizam a atividade do Estado: uma interior (a principal), a de manter sujeita à maioria explorada, e outra exterior (não principal), a de estender o território de sua própria classe, a dominante, às custas do território de outros Estados, ou defender o território de seu Estado contra os ataques de outros Estados. Este é o que sucedia sob o regime escravista e feudal. O mesmo ocorre sob o capitalismo.” [25]
E mais, que no caso do Estado socialista, que só pode surgir da derrubada e destruição do velho Estado da burguesia e latifundiários, diz que: “Porém disto não se depreende em absoluto, que o novo Estado proletário não possa conservar certas funções do velho Estado, modificadas de acordo com as necessidades do Estado proletário. Disto não se depreende, nem muito menos, que as formas de nosso Estado socialista devem seguir inalteráveis, que todas as funções iniciais de nosso Estado devem seguir mantendo-se plenamente também no sucessivo. Na realidade, as formas de nosso Estado se modificam e irão se modificando, de acordo com o desenvolvimento de nosso país e com a mudança da situação exterior.” [26]. Em seguida Stalin cita Lenin que após dizer que as formas de Estado burgueses são muito variadas, mas sua essência a mesma, a ditadura da burguesia, e que “A transição do capitalismo ao comunismo não pode, naturalmente, por menos de proporcionar uma enorme abundância e diversidade de formas políticas, porém a essência de todas elas será, necessariamente, uma, a ditadura do proletariado” [27]. Aqui Stalin demonstra estar em perfeita harmonia com o planteado por Engels, o que rechaça as especulações de Amazonas. Mas, isto quer dizer que enquanto existirem classes ou vestígios de classes, a ditadura do proletariado deverá existir e quando, somente quando, elas desaparecerem por completo é que o Estado (ditadura do proletariado) começará a definhar-se, deixando de interferir na sociedade num após outro campo, atividade ou assunto, até se extinguir, nunca antes disto. Entretanto, enquanto existir terá de ir se reforçando e aperfeiçoando e não se enfraquecer como quer Amazonas com sua vulgar interpretação do marxismo e suas conclusões liberais pequeno-burguesas de “mais liberdade”.
Então o que há de correto e de errado em toda esta polêmica? Ao nosso critério a exposição de Stalin é essencialmente correta sobre a interpretação dos clássicos do marxismo, como um conceito geral. E em sua aplicação na realidade concreta (URSS)? Sim e não. Sim, no que diz respeito às indagações na época no PCUS sobre a conceituação geral, as quais estavam erradas como as conclusões que Amazonas depreende em forma de especulações. E não, quanto ao entendimento que tem Stalin ao classificar como sendo de dois tipos as funções do Estado, denominando-as de principal e não principal. Mais a frente esclareceremos esta questão. No caso de Amazonas, isto foi assim inicialmente, posteriormente o seu PCdoB saiu tagarelando que o erro de Stalin foi o de que, ao invés de ir enfraquecendo o Estado socialista, ele o reforçou cada vez mais. E com esta cantilena passaram abertamente ao coro reacionário do anti-stalinismo e jogando água, uma vez mais no moinho do revisionismo kruschevista. Mas se Stalin está essencialmente correto em suas apreciações, onde está então o problema da restauração? Algo de errado há na posição de Stalin sobre a questão. O erro de Stalin nesta questão está no que diz respeito à aplicação do conceito geral dos clássicos do marxismo-leninismo à realidade concreta e são dois: um, quanto a se é possível entrar ao comunismo em um ou alguns países isoladamente e dois, sobre a existência de classes e luta de classes no socialismo, sobre qual é a sua forma e em que reside o antagonismo nesta luta em todo o período de ditadura do proletariado. Especificando: 1) o de considerar que poderão um ou alguns países isoladamente passar ao comunismo. Isto conduz a atribuir funções para o Estado que não seja, como essencialmente, a de “força especial de repressão” [28] na luta de classes. Stalin em sua formulação destaca como os dois tipos fundamentais de função do Estado, o de “força especial de repressão” interna, que caracteriza de principal e o de ação externa (ataque e/ou defesa do país dado), que caracteriza de não principal. Ocorre que a função de força especial de repressão não é simplesmente um tipo principal de função do Estado, é a sua essência, outras, são decorrências. Ou seja, se desaparece a essência, desaparece o fenômeno Estado, fica a administração das coisas.
Stalin faz este exercício quando sistematiza a experiência soviética em duas fases, sendo a primeira desde a instauração do Poder Soviético em 1917 até a “liquidação das classes exploradoras” e a segunda “do período que vai desde a liquidação dos elementos capitalistas da cidade e do campo até o triunfo completo do sistema socialista na economia e adoção da nova constituição.” [29] Aí ele afirma que na primeira fase o Estado socialista exerceu sua “principal” função de reprimir a resistência das classes exploradoras derrotadas, além de organizar a defesa do país das agressões externas, restaurar a economia, desenvolver a economia socialista e liquidar os elementos de capitalismo. E que na segunda, a “tarefa fundamental roi de organizar a economia socialista em todo país e liquidar os últimos resíduos dos elementos capitalistas, organizar a revolução cultural, organizar um exército completamente moderno para a defesa do país.” [30]. E que com isto se caracterizava que “Desapareceu, se extinguiu a função de repressão militar dentro do país, porque a exploração foi suprimida, já não existem exploradores, não há quem reprimir. No lugar da função de repressão, surgiu a função, para o Estado, de salvaguardar a propriedade socialista contra os ladrões e dilapidadores dos bens do povo.” [31]. Esta sua compreensão da situação concreta da URSS decorre de sua concepção sobre a existência de classes e luta de classes, bem como das suas formas em todo o período da ditadura do proletariado, e que é o outro aspecto que destacamos de seu erro na questão. O Presidente Mao, em suas sistematizações sobre a experiência histórica da ditadura do proletariado, acertadamente concluiu que “Entramos todos ao comunismo ou não entra ninguém“. Planteava assim, que o comunismo cm um só ou em alguns países não era possível. Por isto mesmo, o problema da passagem ao comunismo constitui-se num grande desafio para a revolução proletária mundial. Confirmando assim o que Lenin afirmara e o próprio Stalin cita em sua explicação, mas da qual tem compreensão diversa, a de que, das diversas formas que o Estado socialista tome no processo de transição, ele será sempre a ditadura do proletariado, e assim sendo sua essência de força especial de repressão não se altera. E por que? Porque as classes seguem existindo em seu processo gradual de desaparecimento. Ou seja, embora o camarada Stalin afirme e constate, na realidade da URSS, um fim da função repressiva da ditadura do proletariado, ela seguia sendo força especial de repressão porque as classes seguiam existindo, e o seu manejo é que foi incorreto, compreendido exclusivamente da repressão aos “ladrões e dilapidadores dos bens do povo”, na verdade uma das formas de manifestação concreta de luta de classe da burguesia derrotada contra o proletariado e sua dominação. Ao não compreender assim o problema, com o tempo a burguesia venceu a luta com a restauração capitalista capitaneada pela camarilha revisionista de Kruschev.
E, 2) o de considerar a existência de classes, luta de classes e de sua forma no socialismo, em todo período de ditadura do proletariado. Stalin tem uma compreensão errônea sobre o problema do desaparecimento das classes no socialismo o que o leva a afirmar já em 1939 que elas teriam desaparecido por completo na URSS [32]. Por isto mesmo entendia que o Estado socialista modificava em suas funções e passava a ter somente a de seguir impulsionando a economia e cultura, bem como defender a URSS de possíveis agressões externas. Este foi um erro importante de Stalin quanto à existência das classes e da luta de classes em todo o período da ditadura do proletariado. Em “O falso comunismo de Kruschev e suas lições ao mundo”‘ [33] o PCCh mostrava que: “Depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, estabeleceu-se a ditadura do proletariado na União Soviética. Como resultado da nacionalização da indústria e da coletivização da agricultura, liquidou-se a propriedade privada capitalista, e se estabeleceram a propriedade socialista de todo o povo e a propriedade socialista coletiva. Ao mesmo tempo, lograram-se em uns quantos decênios enormes êxitos no curso da construção socialista. Tudo isto constitui uma indelével vitória conseguida pelo Partido Comunista e pelo povo da União Soviética sob a direção de Lenin e Stalin, vitória que tem uma grande importância histórica. Entretanto, depois de realizadas a nacionalização da indústria e a coletivização da agricultura na União Soviética, subsistiram a velha burguesia e outras classes exploradoras derrotadas, porém não aniquiladas completamente; subsistiu a influência política e ideológica da burguesia; subsistiram as forças capitalistas espontâneas na cidade e no campo. Engendram-se incessantemente novos elementos burgueses e kulaks. Durante longo período, continuou e continua a luta de classes entre o proletariado e a burguesia, a luta entre o caminho socialista e o capitalista, nos terrenos político, econômico e ideológico.”
Continua, “A União Soviética era o primeiro e, naquele tempo, o único país que construía o socialismo. Não havia, pois nenhuma experiência estrangeira que pudesse aproveitar. Ao mesmo tempo, observava-se ali um desvio da dialética marxista-leninista quanto à compreensão das leis da luta de classes na sociedade socialista. Em razão de tudo isso, Stalin declarou prematuramente, depois de consumada no fundamental a coletivização agrícola, que ‘já não há classes antagônicas’ nem ‘choques de classes’ na União Soviética. Sublinhou unilateralmente a unidade interna da sociedade socialista e menosprezou suas contradições. Não se apoiou na classe operária e nas vastas massas populares na luta contra as forças capitalistas, e considerou a possibilidade da restauração capitalista somente como um problema relacionado com ataques armados do imperialismo internacional. Tudo isto é falso tanto na teoria como na prática. Entretanto, Stalin segue sendo um grande marxista-leninista. Durante o período em que dirigiu o Partido e o Estado soviéticos, defendeu com toda firmeza a ditadura do proletariado e a orientação socialista, aplicou uma linha marxista-leninista e garantiu assim o avanço vitorioso da União Soviética pelo caminho socialista”. Aqui temos pois, um esclarecimento quanto à existência de classes e luta de classes no socialismo, na experiência soviética e onde situava o erro do camarada Stalin quanto a esta questão crucial. Entraremos mais a fundo na questão mais a frente ao refutar as críticas de Fernandes.
Retomando ainda a questão da possibilidade ou não do comunismo em um ou mais países. Fica evidente que havia (e ainda há) muitas confusões a este respeito. Vejamos, se o socialismo é uma fase de transição em que toda ela necessita da ditadura do proletariado e esta é o Estado, ou seja, o instrumento de uma classe para reprimir outra, é porque existem as classes e luta de classes, e que, portanto, este (o Estado) só desaparecerá quando as classes desaparecerem, como decorrência direta disto. Ademais, o imperialismo é um sistema mundial e a burguesia nele é uma classe internacional, portanto ela segue influenciando no interior do país socialista através das velhas classes derrotadas e expropriadas, mas não eliminadas. Logo, seus novos representantes se farão presentes, encobertos ou não, inevitavelmente no partido comunista, nos órgãos do Estado socialista e em todas as esferas econômicas e culturais da sociedade. Daí que, as classes só desaparecerão de fato e cabalmente, como um fenômeno mundial, mais ou menos simultaneamente em todos países, ou pelo menos na sua imensa maioria, no que for fundamental destes países.
O oportunismo kruschevista buscou se apoiar em formulações sobre o Estado no comunismo, com seu “Estado de todo o povo”, como se estivesse a sociedade soviética entrando ao comunismo, quando na verdade era para encobrir sua política restauracionista burguesa. Inclusive, em sua astúcia na polêmica com o PCCh, em 1963, citou uma passagem de Marx em “Crítica ao Programa de Gotha e Efurt”, onde ele diz: “a futura organização estatal (staatswesen) da sociedade comunista…”. Porém, em “O falso comunismo de Kruschev e as lições que dá ao mundo”, o desmascarou por completo afirmando que “No modo de ver desta camarilha, parece que essa frase de Marx poderia ajudar-lhe em algo. Como se houvesse previsto há muito que os revisionistas utilizariam essa frase de Marx para tergiversar o marxismo, Lenin, em seu “Marxismo sobre o Estado”, fez uma excelente explicação dessa frase. Disse: ‘A ditadura do proletariado é um período político de transição … Porém em outro lugar Marx fala da futura organização estatal da sociedade comunista!! Assim, inclusive na `sociedade comunista’ existirá a organização estatal!! Não há aqui contradições?”Não’, respondeu Lenin. E a seguir expôs esquematicamente, as três etapas do desenvolvimento do Estado, desde o Estado burguês até a extinção do Estado: A primeira etapa: na sociedade capitalista, a burguesia necessita um Estado, que é o Estado burguês. A segunda etapa: no período de transição do capitalismo ao comunismo, o proletariado necessita um Estado, que é o Estado de ditadura do proletariado. A terceira etapa: na sociedade comunista, o Estado não é necessário e se extingue. Lenin disse: ‘Isto é totalmente lógico e claro’. No quadro exposto por Lenin só se encontram o Estado burguês, o Estado de ditadura do proletariado e a extinção do Estado. Lenin deixou claro com isto que com o comunismo o Estado se extinguirá e não haverá nenhuma organização estatal.”
A questão de fundo de toda esta polêmica reside na concepção sobre a existência ou não de classes e luta de classes no socialismo, fase inferior do comunismo que necessita da ditadura do proletariado para conduzir à completa abolição das classes e sua passagem à sua fase superior. Nas críticas de Amazonas ao Presidente Mao, sobre a existência da burguesia no socialismo e à afirmação dele de que no socialismo a contradição antagônica entre proletariado e burguesia poderia devenir-se cm não-antagônica, era de que tais afirmações constituíam-se em absurdas falsificações do marxismo-leninismo. Pois bem, seu epígono Fernandes, no propósito de atacar o maoísmo na publicação já mencionada [34], em “O marxismo e a discussão sobre a natureza da sociedade soviética”, diz que a crítica dos “chineses” com respeito à situação da URSS era errônea, não marxista e destaca uma citação de Hoxha onde se afirma essa transformação das contradições no socialismo. Primeiro, Fernandes diz: “Os textos elaborados pelo PC chinês acerca desta questão também não são muito felizes. A começar pelo fato de não existir nenhum grande trabalho que procure aprofundar a discussão sobre a natureza atual da União Soviética, mas apenas publicações esparsas. Em geral, especialmente no período de predomínio do chamado ‘Bando dos Quatro’, as análises chinesas resvalam para o campo do idealismo…“. Fernandes afirma que as classes não existem no socialismo e que a luta de classes nele é a manifestação apenas da luta entre a via capitalista e a via socialista.
Para sustentar suas afirmações de que não existem classes no socialismo na tentativa de refutar as formulações maoístas de que no socialismo existem classes e luta de classes, de que nele torna-se mais encarniçada a luta entre o proletariado e a burguesia, entre a via socialista e a via capitalista, transcreve as seguintes citações de Lenin: “Chamam-se classes a grandes grupos de pessoas que se diferenciam entre si pelo seu lugar num sistema de produção social historicamente determinado, pela sua relação (na mais das vezes fixada e formulada nas leis) com os meios de produção, pelo seu papel na organização social do trabalho e, conseqüentemente, pelo modo de produção e pelas dimensões da parte da riqueza social de que dispõem”. “E que são as classes em geral? São aquilo que permite a uma parte da sociedade apropriar-se do trabalho de outra. Se uma parte se apropria de toda a terra, temos as classes dos latifundiários e dos camponeses. Se uma parte da sociedade tem as fábricas, tem as ações, tem os capitais, enquanto outra trabalha nessas fábricas, temos as classes dos capitalistas e dos proletários”. Trata-se de citações de concei tu ação geral, retiradas respectivamente de “Uma grande iniciativa” e “As tarefas das Uniões da juventude”. Com isto Fernandes afirma que não tem sustentação no marxismo afirmar a existência de classes no socialismo. Diz que os maoístas confundem regime político (ditadura do proletariado) com modo de produção (socialismo). Ele que nega o marxismo, que sustenta que de uma forma ou de outra, a superestrutura da sociedade é uma projeção ou reflexo dc sua base material. No caso da revolução socialista, o proletariado destrói o Estado burguês (ditadura burguesa) e erige o Estado socialista (ditadura do proletariado) para transformar as relações de produção pondo fim à exploração. No socialismo, o proletariado é classe dominante e a burguesia derrotada e expropriada, porém não aniquilada, é classe dominada. A ditadura do proletariado é a expressão concentrada na superestrutura da sua dominação de classe e das relações sociais existentes na base material da sociedade em transição. E como tal, deverá existir até o completo desaparecimento das classes e para assegurar o seu desaparecimento.
Tomemos então aqui, do mesmo texto de Lenin “Uma grande iniciativa”, a continuidade da citação retirada por Fernandes e que ele não ousou citar e omitiu propositadamente: “É evidente que, para suprimir por completo as classes, não basta derrubar Os exploradores, os proprietários de terra e capitalistas, não basta suprimir suapropriedade, senão que é imprescindível também suprimir todapropriedade privada sobre os meios de produção; é necessário suprimir a diferença existente entre a cidade e o campo, assim como entre Os trabalhadores manuais e intelectuais.” (grifos em negrito de Lenin e sublinhado nosso). Mas vamos a outras citações de Lenin sobre a questão, não de conceitos gerais, mas sobre o socialismo e período da ditadura do proletariado. E as tomaremos em abundância, pois esta é uma questão que todos os comunistas têm que compreender bem e dominar para não cair no revisionismo. Em “Economia e política na época da ditadura do proletariado”, texto publicado no mesmo tomo em que está “Uma grande iniciativa”, de suas obras completas, todos dois de 1919, ele ajuíza: “Teoricamente, não há dúvida de que entre o capitalismo e o comunismo existe certo período de transição. Este período não pode deixar de reunir os traços ou as propriedades de ambas as formações da economia social, não pode menos de ser um período de luta entre o capitalismo agonizante e o comunismo nascente; ou noutras palavras: entre o capitalismo vencido, porém não aniquilado, e o comunismo já nascido, porém muito débil ainda. A necessidade de toda uma época histórica, que se distinga pelos traços do período de transição, deve ser por si mesma não só para um marxista, senão para toda pessoa culta que conheça de uma maneira ou outra a teoria da evolução”. Aqui caracterizou o socialismo como período de transição.
Logo ressalta as particularidades da Rússia para afirmar que no essencial o período de transição é comum a todos os países, sejam capitalistas avançados ou atrasados: “Na Rússia, a ditadura do proletariado tem que se distinguir inevitavelmente por certas particularidades em comparação com os países avançados, como conseqüência do imenso atraso e do caráter pequeno-burguês de nosso país. Porém as forças fundamentais — e as formas fundamentais da economia social — são, na Rússia, as mesmas que em qualquer país capitalista, pelo que estas particularidades podem referir-se tão somente ao que não é essencial. Estas formas básicas da economia social são: o capitalismo, a pequena produção mercantil e o comunismo. E as forças básicas são: a burguesia, a pequena burguesia (particularmente o campesinato) e o proletariado.” É evidente que Fernandes não poderia apresentar toda a argumentação de Lenin, por isto, tomou só o conceito geral de classes que ele apresenta.
Na seqüência Lenin mostra como as classes prosseguem no socialismo após a socialização dos meios de produção no fundamental, afirmando: “O socialismo é a abolição das classes. Para abolir as classes, é preciso, primeiro, derrubar os latifundiários e os capitalistas. Esta parte da tarefa já cumprimos, porém é só uma parte e, ademais, não é a mais difícil. Para abolir as classes, é preciso, em segundo lugar, suprimir a diferença entre os operários e os camponeses, converter a todos em trabalhadores. Isto não é possível fazê-lo de um golpe. É uma tarefa incomparavelmente mais difícil e, por força da necessidade, de longa duração.” (grifos em negrito de Lenin e sublinhado nosso). Enfatiza que “Não é um assunto que possa resolver-se com o derrubamento de uma classe qualquer. Só pode resolver-se mediante a reorganização de toda a economia social, passando da pequena produção mercantil e isolada, à grande produção coletiva. Este trânsito é, por necessidade, extraordinariamente longo, e as medidas administrativas e legislativas precipitadas e imprudentes só conduziriam a fazê-lo mais lento e difícil. Somente cabe acelerá-lo prestando aos camponeses uma ajuda que lhes permita melhorar em enorme medida toda a técnica agrícola, transformando-a de raiz. Para resolver esta segunda parte da tarefa, a mais difícil, o proletariado, depois de ter vencido à burguesia, deve aplicar inalteradamente a seguinte linha fundamental em sua política com respeito aos camponeses: o proletariado deve separar, diferenciar, os camponeses trabalhadores dos camponeses proprietários, o camponês trabalhador do camponês comerciante, o camponês laborioso do camponês especulador. Nesta delimitação reside toda a essênciado socialismo”. (grifos de Lenin).
Quanto a este problema sobre as diferenças entre operários e camponeses, aproveitamos já aqui para esclarecer seu significado e importância para o processo de abolição completa das classes. Na realidade das experiências de construção do socialismo, com socialização dos meios de produção e coletivização da agricultura, acarretou a existência de dois tipos de propriedade socialista. A propriedade de todo o povo e a propriedade cooperada (no caso da URSS denominada de kolkosiana). Desta última derivava produção mercantil e por isto mesmo, seguia sendo fonte e base para a restauração capitalista. Esta situação denotava claramente uma importante diferença entre operários e camponeses. Stalin via isto com clareza. Em seu trabalho “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”, trata detidamente disto e inclusive aponta a necessidade de transformar a propriedade coletiva kolkosiana em propriedade de todo o povo para eliminar tais diferenças. Indica para isto a necessidade de se elevar a produção sob o sistema de propriedade de todo o povo como via para equilibrar a produção entre os dois sistemas de propriedade e eliminar a relação mercantil. Porém, em sua crítica à condução da economia soviética e a este trabalho de Stalin, o Presidente Mao aponta que Stalin não diz como fazer este processo. E isto diz respeito exatamente às formas de conduzir a luta de classes pelo proletariado e que esta é a revolução cultural proletária. Ou seja, de que tanto para elevar a produção sob o sistema de propriedade de todo o povo, quanto para transformar a propriedade kolkosiana em propriedade de todo o povo, era necessário uma grande transformação ideológica em toda a sociedade e que esta só poderia ser feita sob a direção do proletariado, através da sua ditadura em todos os domínios. O que Lenin havia ressaltado: ditadura onímoda do proletariado sobre a burguesia. Por isto mesmo, o Presidente Mao destaca a total ausência, patente neste trabalho teórico de Stalin, com respeito à mobilização permanente das massas, o papel central da luta ideológica; da luta da ideologia proletária contra todas as manifestações de ideologia burguesa.
Ainda reafirmando a existência das classes Lenin diz: “O socialismo é a abolição das classes. A ditadura do proletariado fez neste sentido tudo o que estava ao seu alcance. Porém não se pode abolir de um golpe as classes. E as classes seguem existindo e seguirão existindodurante a época da ditadura do proletariado. A ditadura deixará de ser necessária quando desapareçam as classes. E sem a ditadura do proletariado as classes não desaparecerão. As classes seguem existindo, porém cada uma delas se modificou na época da ditadura do proletariado; tem variado igualmente as relações entre elas. A luta de classes não desaparece sob a ditadura do proletariado, o que faz é adotar outras formas. O proletariado, sob o capitalismo era uma classe oprimida, desprovida de toda propriedade sobre os meios de produção, a única classe oposta direta e integralmente à burguesia, e por isso a única capaz de ser revolucionária até o fim. O proletariado, ao derrubar a burguesia e conquistar o poder político, converteu-se em classe dominante: tem em suas mãos o poder do Estado, dispõe dos meios de produção já socializados, dirige Os elementos e as classes vacilantes, intermédios, esmaga a resistência dos exploradores, que se manifesta com energia crescente. Todas estas são tarefas especiaisda luta de classe, tarefa que antes o proletariado não havia planteado nem podia planteá-las. A classe dos exploradores, dos latifundiários e capitalistas, não desapareceu nem pode desaparecer de um golpe sob a ditadura do proletariado. Os exploradores estão derrotados, porém não aniquilados. Resta-lhes uma base internacional, o capital internacional, do que eles são um ramo.Resta-lhes alguns meios de produção, dinheiro, amplíssimos vínculos sociais. Sua força de resistência aumentou, precisamente em função de sua derrota, em centenas e milhares de vezes. Sua ‘arte’ no governo do Estado, no mando do exército, na direção da economia, lhes proporciona uma superioridade muito grande, e, portanto uma importância incomparavelmente maior à que corresponde por seu número entre o conjunto da população. A luta de classe dos exploradores derrotados contra a vitoriosa vanguarda dos explorados, quer dizer, contra o proletariado, tornou-se incomparavelmente mais encarniçada.” (grifos em negrito de Lenin e sublinhado nosso).
Temos aqui, pois, os fundamentos de Lenin em meio do torvelinho da revolução proletária diante dos primeiros passos da construção do socialismo. Estas questões foram retomadas e desenvolvidas pelo Presidente Mao já em 1957 e abordadas amplamente em “Sobre o justo tratamento das contradições no seio do povo” e mais aprofundadas em 1959, nas “Notas de leitura sobre o Manual de Economia Política” da URSS e sobre os “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS” de Stalin. Posteriormente em 1963, na aguda luta de duas linhas contra o revisionismo moderno de Kruschev, nas “Proposições acerca da linha geral do Movimento Comunista Internacional” e os “Nove comentários”, os reafirmou. Em “O falso comunismo de Kruschev…”: “A sociedade socialista abarca um período histórico muito longo. Nesta sociedade ainda existem classes, a luta de classes e a luta entre o caminho do socialismo e o do capitalismo. A revolução socialista realizada só na frente econômica (na propriedade sobre os meios de produção) não é suficiente nem sólida. É necessário ademais, uma revolução socialista completa nas frentes política e ideológica. É necessário um período muito longo para resolver o problema de “quem vencerá a quem”: o socialismo ou o capitalismo nas frentes política e ideológica. Para conseguir o êxito não bastam uns decênios, se necessitarão de cem a centenas de anos. Quanto ao tempo, mais vale preparar-se para um período maior que um menor; quanto ao trabalho, mais vale considerar preferentemente a tarefa como difícil do que como fácil. Pensar e atuar desta maneira é mais proveitoso e menos prejudicial. Se esta situação não é bem compreendida, ou, se não se compreende em absoluto, pode chegar-se ao mais grave dos erros. Durante a etapa histórica do socialismo há que manter a ditadura do proletariado e levar até o fim a revolução socialista, e só assim se poderá prevenir a restauração do capitalismo, realizar a construção socialista e preparar as condições para a passagem ao comunismo.“
Neste período advertiu seriamente: “Não esquecer jamais as classes e a luta de classe“, e logo, numa magistral sistematização, fez a previsão: “A luta de classes, a luta pela produção e a experimentação científica são os três grandes movimentos revolucionários para construir um poderoso país socialista. Estes movimentos constituem uma sólida garantia de que os comunistas se verão livres do burocratismo e imunes contra o revisionismo e o dogmatismo e permanecerão sempre invencíveis. São uma garantia segura de que o proletariado será capaz de unir-se com as amplas massas trabalhadoras e praticar uma ditadura democrática. Se, em ausência destes movimentos se deixasse surgir os proprietários de terra, camponeses ricos, contra- 80 revolucionários, elementos nocivos e outros monstros, e frente a isto nossos quadros fechassem os olhos e inclusive, em muitos casos, não distinguissem entre os inimigos e nós, senão que colaborassem com eles e se tornassem corrompidos e desmoralizados; se com isto nossos quadros fossem arrastados ao campo inimigo ou o inimigo lograsse colar-se em nossas fileiras, e se muitos de nossos operários, camponeses e intelectuais fossem deixados indefesos ante as táticas brandas e as duras do inimigo, então não necessitaria muito tempo, talvez só alguns anos ou uma década, ou várias décadas em suma, para que se produzisse inevitavelmente uma restauração contra-revolucionária em escala nacional, o partido marxista-leninista se transformaria em um partido revisionista ou partido fascista e toda a China mudaria de cor.”.
Esta questão esteve todo o tempo no centro da luta ideológico-política e foi a contenda da Grande Revolução Cultural Proletária que por dez anos impediu a restauração capitalista na China. O Presidente Mao declarou: “A Grande Revolução Cultural Proletária é, em essência, uma grande revolução política empreendida, nas condições do socialismo, pelo proletariado contra a burguesia e todas as demais classes exploradoras; é a continuação da prolongada luta entre o Partido Comunista da China e as amplas massas populares revolucionárias sob sua direção, por um lado, e dos reacionários do Kuomintang, pelo outro; é a continuação da luta de classes entre o proletariado e a burguesia“. E destacando sua função no econômico: “A Grande Revolução Cultural Proletária é uma poderosa força motriz para o desenvolvimento das forças produtivas sociais de nosso país“. No ideológico seu problema básico guiado pelo princípio de “combater o conceito de privado e criticar e repudiar o revisionismo.” “A Grande Revolução Cultural Proletária é uma grande revolução que chega à própria alma das pessoas e está destinada a resolver o problema de sua concepção de mundo.” Assim o Presidente Mao reafirmou, em 1967, a uma delegação militar da Albânia: “Agora gostaria de fazer-lhes uma pergunta: Qual, acreditam vocês, que é a meta da Grande Revolução Cultural? (alguns presentes respondem: `Lutar contra os dirigentes seguidores do caminho capitalista dentro do Partido’ ). Lutar contra os dirigentes seguidores do caminho capitalista é a tarefa principal, porém de maneira nenhuma a meta. A meta é resolver o problema da concepção do mundo; é a questão de extirpar as raízes do revisionismo. O Comitê Central pôs ênfase uma e outra vez em que as massas devem se educar e liberar a si mesmas, porque a concepção de mundo não se pode lhes impor. Para transformar a ideologia é necessário que as causas externas atuem através das causas internas, mesmo porque estas últimas são o principal. Como poderia chamar-se uma vitória a Grande Revolução Cultural se não se transforma a concepção de mundo? Se não se transforma a concepção de mundo, ainda que haja agora 2000 dirigentes seguidores do caminho capitalista nesta grande revolução cultural, haverá 4000 da próxima vez.”
Por fim, as pretensões de Fernandes em atacar o maoísmo e ressaltar as posições de Hoxha, afirmando que a sua é a única posição marxista de crítica à restauração capitalista na URSS, da qual o PCdoB compartilha, não passa de bolorentas e vergonhosas manobras. Vejamos o ridículo em que chega. Ele destaca a seguinte citação de Hoxha de 1977, em “Algumas questões fundamentais da Política Revolucionária do Partido do Trabalho da Albânia para o desenvolvimento da luta de classes”: “A luta de classes é a principal força motriz, não só para a sociedade de classes antagônicas, mas para toda a sociedade de classes, também para a sociedade socialista… As contradições antagônicas não desapareceram em nosso país com supressão das classes exploradoras, elas subsistem ao lado de contradições não-antagônicas. A contradição antagônica fundamental é sempre a contradição entre o capitalismo e o socialismo, entre a via capitalista e a via socialista… A amarga experiência da União Soviética demonstrou que, enquanto esta contradição não for resolvida completa e definitivamente nos terrenos político e econômico, ou seja, a vitória da revolução socialista não pode ser 82 considerada completa e definitiva. Se a luta de classes não é desenvolvida correta e continuamente, não só no terreno ideológico, como também no político e econômico, existe a possibilidade de ver as contradições não-antagônicas se transformarem em contradições antagônicas“. Cheio de júbilos Fernandes exibe esta citação para afirmar que esta é a concepção correta. Só não diz de onde Hoxha copiou a parte que é correta com mais de vinte anos de atraso” [35], e que o fez somente para tagarelar e na prática sabotar sua aplicação. Vejamos as incoerências de Fernandes. Nesta citação Hoxha afirma que no socialismo existem classes, porém enfatiza que a contradição antagônica é somente entre o capitalismo e o socialismo e não também, entre o proletariado e a burguesia. De onde então surge a burguesia com a restauração capitalista? Vinda de fora do país ou como um coelho retirado da cartola do mágico revisionista? De onde surgiu a burguesia na restauração capitalista na Albânia senão das próprias fileiras de Hoxha? Já quanto a plágios, Hoxha era mestre, ele chegou ao desplante de afirmar que as célebres formulações Dois Todos e os Três Pacíficos[36] eram de sua autoria!
A questão que sempre esteve e se acha na base de toda esta luta teórica e ideológica é a questão da liberdade e da democracia. Tanto em “Uma grande iniciativa”, “Economia e política na época da ditadura do proletariado”, entre outros, de Lenin, bem como de todo material aqui citado trata-se da luta que Lenira, Stalin e o Presidente Mao travaram contra os oportunistas e revisionistas e suas concepções liberais pequeno-burguesas de liberdade e democracia. No caso de Stalin, o que ocorreu foi que devido ao seu manejo insuficiente da dialética e das contradições, ao desprezar determinadas manifestações destas, conduziu-o a concluir que a luta de aparatos policiais poderia levar à suas superações, quando se tratavam de questões ideológicas que só poderiam operar-se através duma grande revolução cultural proletária. Por isto mesmo, as inocentes especulações de Amazonas – logo transformadas em posições hostis a Stalin — e as posições hoje expostas publicamente pelos dirigentes do PCdoB (ver debates sobre o desafio do socialismo no século XXI- Rabelo e Fernandes — sitio vermelho.org.br) [37], não passam de ser as mesmas cantilenas e choramingas liberais sobre liberdade e democracia da pequena burguesia. Já em “Uma grande iniciativa” Lenin acusava: “Aqueles que tentam resolver os problemas do trânsito do capitalismo ao socialismo com tópicos sobre a liberdade, a igualdade, a democracia em geral, a igualdade da democracia do trabalho, etc. (como fazem Kautsky, Mártov e demais personagens da Internacional amarela, de Berna), o único que conseguem é pôr a nu sua natureza de pequeno-burgueses, de filisteus, de espíritos mesquinhos, que se arrastam servis atrás da burguesia no aspecto ideológico.“
Estes, em suma, são exatamente problemas que estão no centro da polêmica originada com as decisões do XX Congresso do PCUS de 1956. A essência da luta entre o marxismo e o revisionismo moderno, ademais do problema da violência revolucionária no processo da revolução mundial e luta contra o imperialismo, é a questão da ditadura do proletariado, da existência de classes e luta de classes no socialismo e das formas que ela se reveste, bem como do manejo correto que o partido do proletariado tem que fazer para seguir a luta de classes na construção do socialismo, contra o perigo de restauração, pela abolição das classes e supressão da vigência do direito burguêsna sociedade, pela completa eliminação das diferenças entre operários, camponeses e intelectualidade, entre o campo e a cidade, entre o trabalho manual e intelectual, pela eliminação completa de qualquer vestígio de opressão da mulher e conseqüente extinção gradual de toda forma de Estado, na passagem para a sociedade comunista. São problemas que Amazonas e seus sequazes revelaram com o tempo nunca lerem compreendido e resolveram suas contradições com eles segundo as velhas e surradas fórmulas revisionistas. E esta é a base sobre a qual conduziu seu partido revisionista a rechaçar e atacar o maoísmo, o camarada Stalin e varrer do seu meio qualquer vestígio de socialismo científico além do palavrório oco, renegando a experiência do proletariado na revolução e construção socialistas e com a qual o PCdoB, com seu falacioso -programa socialista” tenta encobrir a sua prática hoje de força auxiliar da reação.
A superioridade, vigência e invencibilidade do maoísmo
No IX Comentário, “O Falso Comunismo de Kruschev e suas lições ao mundo” [38], o PCCh, sob a mais estrita direção do Presidente Mao, sistematiza a experiência da ditadura do proletariado e estabelece a linha geral para todo o período de construção do socialismo e passagem ao comunismo. A abordagem dos problemas da relação do poder com a sociedade, da direção ideológico-política com as massas é completamente diversa do ponto de vista dos revisionistas modernos do PCdoB. Ainda que a Grande Revolução Cultural Proletária, como a encarnação viva desta compreensão e aplicação radical de sua avançada linha geral, mobilizando centenas de milhões de massas na luta pelo Poder do proletariado tenha produzido avanços extraordinários, tanto no teórico quanto prático, a sistematização exposta neste documento segue vigente. Vamos reproduzir aqui esta sistematização, longa, porém de suma importância e necessidade para a ideologia científica do proletariado. “O conteúdo principal das teorias e princípios políticos formulados pelo camarada Mao Tsetung a esse respeito é o seguinte:
1 – É necessário aplicar a lei marxista-leninista da unidade dos contrários no estudo da sociedade socialista. A lei da contradição nas coisas e fenômenos, ou seja, a lei da unidade dos contrários é a lei fundamental da dialética materialista. Esta lei rege em todo lugar, tanto na natureza. como na sociedade humana, como no pensamento do homem. Os contrários numa contradição formam uma unidade ao mesmo tempo que lutam entre si, o que impulsiona o movimento e a mudança de todas as coisas. Nem a sociedade socialista é uma exceção. Na sociedade socialista existem dois tipos de contradições sociais: contradições no seio do povo e contradições entre nós e o inimigo. Estes dois tipos de contradições sociais são de natureza absolutamente diferente, e os métodos para resolvê-las devem ser diferentes também. Sua acertada solução fortalecerá crescentemente a ditadura do proletariado, e consolidará e desenvolverá diariamente a sociedade socialista. Muitos reconhecem a lei da unidade dos contrários, porém não são capazes de aplicá-la no estudo e solução dos problemas da sociedade socialista. Negam-se a reconhecer que na sociedade socialista existem contradições e que nela não só existem contradições entre nós e o inimigo como também contradições no seio do povo, e não sabem distinguir nem resolver de maneira acertada estes dois tipos de contradições sociais; por isso tampouco podem resolver com acerto o problema da ditadura do proletariado.
2 – A sociedade socialista abarca um período histórico muito longo. Nesta sociedade ainda existem classes, a luta de classes e a luta entre o caminho do socialismo e o do capitalismo. A revolução socialista realizada só na frente econômica (na propriedade sobre os meios de produção) não é suficiente nem sólida. É necessária ademais, uma revolução socialista completa nas frentes política e ideológica. É necessário um período muito longo para resolver o problema de “quem vencerá a quem”: o socialismo ou o capitalismo nas frentes política e ideológica. Para conseguir o êxito não bastam uns decênios, se necessitarão de cem a centenas de anos. Quanto ao tempo, mais vale preparar-se para um período maior que um menor; quanto ao trabalho, mais vale considerar preferentemente a tarefa como difícil do que como fácil. Pensar e atuar desta maneira é mais proveitoso e menos prejudicial. Se esta situação não é bem compreendida, ou, se não se compreende em absoluto, pode chegar-se ao mais grave dos erros. Durante a etapa histórica do socialismo há que manter a ditadura do proletariado e levar até o fim a revolução socialista, e só assim se poderá prevenir a restauração do capitalismo, realizar a construção socialista e preparar as condições para a passagem ao comunismo.
3 – A ditadura do proletariado está dirigida pela classe operária e baseada na aliança dos operários e dos camponeses. Significa que a classe operária e o povo por ela dirigido exercem a ditadura sobre as classes reacionárias, os reacionários e os elementos que resistem às transformações e à construção socialistas. No seio do povo se pratica o centralismo democrático. Esta democracia nossa é a democracia mais ampla, uma democracia que é impossível num Estado burguês.
4 – Na revolução e construção socialistas, é necessário seguir a linha de massas, mobilizar com audácia as massas e desenvolver movimentos de massas em grande escala. A linha de massas: “das massas, para as massas”, é a linha fundamental de nosso Partido em todos seus trabalhos. É necessário ter firme confiança na maioria do povo, em primeiro lugar na maioria das massas básicas — Os operários e camponeses. É necessário saber consultar as massas no trabalho e não separar-se delas jamais. O autoritarismo e a atitude de benfeitor devem ser combatidos. A livre e franca exposição de opiniões e o amplo debate são uma importante forma de luta revolucionária criada por nosso povo no curso de sua longa lula revolucionária, uma forma de lula para resolver, apoiando-se nas massas populares, nas contradições no seio do povo e nas contradições entre nós e o inimigo.
5 – Tanto na revolução socialista como na construção socialista, é necessário resolver o problema de em quem se apoiar, a quem ganhar e contra quem lutar. O proletariado e sua vanguarda devem fazer uma análise das classes da sociedade socialista, apoiar-se nas Forças dignas de toda confiança que seguem com firmeza o caminho socialista, ganhar a todos os aliados que são suscetíveis de serem ganhos, e unir-se com as massas populares que formam mais de 95% da população na luta comum contra os inimigos do socialismo. No campo, depois da coletivização da agricultura, só apoiando-se nos camponeses pobres e na camada inferior dos camponeses médios, pode-se consolidar a ditadura do proletariado e a aliança dos operários e dos camponeses, derrotar as forças capitalistas espontâneas e consolidar e ampliar sem cessar as posições do socialismo.
6 – É necessário levar a cabo extensa e repetidamente a campanha de educação socialista na cidade e no campo. Nesta campanha de educar continuamente o homem, deve-se saber organizar as forças de classes revolucionárias, elevar sua consciência de classe, resolver de maneira acertada as contradições no seio do povo, e unir-se a todos aqueles que sejam suscetíveis de serem unidos. Nesta campanha, deve-se desatar uma aguda luta, respondendo medida por medida, contra as forças capitalistas e feudais hostis ao socialismo, contra os latifundiários, camponeses ricos, contra-revolucionários e direitistas burgueses, e contra os malversadores, defraudadores e elementos degenerados, fazer fracassar seus ataques ao socialismo e transformar a maioria deles em novas pessoas.
7 – Uma das tarefas fundamentais da ditadura do proletariado consiste em desenvolver firmemente a economia socialista. Guiados pela política geral de desenvolver a economia nacional com a agricultura como base e a indústria como fator dirigente, devemos modernizar gradualmente a indústria, agricultura, ciência, técnica e defesa nacional. E sobre a base do desenvolvimento da produção devemos melhorar de maneira gradual e extensiva a vida das massas populares.
8 – A propriedade de todo o povo e a propriedade coletiva são duas formas da economia socialista. À passagem da propriedade coletiva à de todo o povo, a passagem das duas formas de propriedade à propriedade única de todo o povo, é um processo de desenvolvimento bastante longo. A propriedade coletiva por si só também tem um processo de desenvolvimento: do inferior ao superior e do pequeno ao grande. A comuna popular, criada pelo povo chinês, é uma forma de organização apropriada para resolver o problema da transição.
9 – A política de “que se abram cem flores; que se rivalizem cem escolas ideológicas” é uma política que estimula o progresso da arte e da ciência e o florescimento da cultura socialista. O ensino deve servir à política do proletariado, deve combinar-se com o trabalho produtivo. Os trabalhadores devem adquirir conhecimentos científicos, e os intelectuais, se incorporarem ao trabalho manual. Nos círculos científicos, culturais, artísticos e educacionais, a luta por promover a ideologia proletária e destruir a ideologia burguesa, é também uma longa e áspera luta de classes. Devemos formar um amplo exército de intelectuais da classe operária que sirvam ao socialismo e que sejam “vermelhos e qualificados”, isto é, politicamente conscientes e profissionalmente idôneos, no curso da revolução cultural e da prática revolucionária da luta de classes, na luta pela produção e na experimentação científica.
10 – É necessário ater-se firmemente ao sistema da participação dos quadros no trabalho produtivo coletivo. Os quadros de nosso Partido e Estado são trabalhadores comuns e não senhores que cavalgam sobre o povo. Participando no trabalho produtivo coletivo, os quadros mantêm os vínculos mais amplos, constantes e estreitos com o povo trabalhador. Esta é uma grande medida de importância fundamental do sistema socialista e contribui para superar o burocratismo e a prevenir o revisionismo e o dogmatismo.
11 – Não se deve aplicar de modo algum o sistema de altas remunerações em relação a um pequeno número de pessoas. É necessário diminuir razoável e gradualmente, em vez de ampliar, a distância entre os rendimentos individuais 90 dos funcionários do Partido, Estado, empresas e Comunas Populares e os das massas populares, É necessário evitar que os funcionários desfrutem de privilégios abusando de seu poder.
12 – As forças armadas populares de um país socialista devem estar sempre sob a direção do partido proletário e sob a supervisão das massas populares, e manter eternamente a gloriosa tradição do exército popular, a unidade entre o exército e o povo, a unidade entre oficiais e soldados. Devem ater-se com firmeza ao sistema de que todo oficial servirá como soldado raso em intervalos regulares. Devem praticar a democracia no militar, no político e no econômico. Ao mesmo tempo deve-se organizar e treinar amplamente as milícias e aplicar o sistema de ter armado o povo em seu conjunto. O fuzil deve estar sempre em mãos do Partido e do povo e é absolutamente inadmissível que se converta em instrumento de indivíduos ambiciosos.
13 – Os órgãos de segurança pública do povo devem estar sempre sob a direção do partido proletário e sob a supervisão das massas populares. Na luta pela defesa dos frutos do socialismo e dos interesses do povo, deve-se adotar a política de apoiar-se nos esforços combinados dos órgãos de segurança e das amplas massas populares para assim não deixar escapar um só elemento mau nem ultrajar nenhum homem bom. Os contra-revolucionários devem ser reprimidos sempre que sejam encontrados e os erros devem ser corrigidos assim que se descubra.
14 – Quanto à política exterior, é necessário ater-se com toda firmeza ao internacionalismo proletário e opor-se ao chauvinismo de grande potência e ao egoísmo nacional. O campo socialista é produto da luta do proletariado internacional e dos povos trabalhadores. O campo socialista pertence não só aos povos dos países socialistas, mas também ao proletariado internacional e aos povos trabalhadores. Há que levar realmente à prática às consignas combativas: “Proletários de todos os países. uni-vos!” e “Proletários e nações oprimidas de todo o mundo, uni-vos!”; lutar com resolução contra a política anticomunista, antipopular e contra-revolucionária do imperialismo e da reação mundial e apoiar e ajudar a luta revolucionária das classes e nações oprimidas do mundo inteiro. As relações entre os países socialistas devem basear-se nos princípios da independência e da completa igualdade e nos princípios do apoio recíproco e da ajuda mútua dentro do espírito do internacionalismo proletário. Na construção, todo país socialista deve apoiar- se principalmente em seus próprios esforços. Se um país dá rédea solta ao egoísmo nacional em sua política exterior e inclusive trabalha com afã para conluiar-se com o imperialismo para repartir o mundo, esse país degenera e trai o internacionalismo proletário.
15 – Como vanguarda do proletariado, o partido comunista deve existir ao lado da ditadura do proletariado. O partido comunista é a forma mais elevada de organização do proletariado. O papel dirigente do proletariado se realiza através da direção do partido comunista. Em todo centro de trabalho deve-se aplicar o sistema da direção do comitê do Partido. Durante o período da ditadura do proletariado, o partido proletário deve manter e desenvolver vínculos estreitos com o proletariado e as grandes massas trabalhadoras, conservar e fomentar seu vigoroso estilo revolucionário, ater- se com firmeza ao princípio de combinar a verdade universal do marxismo-leninismo com a prática concreta de seu próprio país e perseverar na luta contra o revisionismo, o dogmatismo e o oportunismo de todas as cores.
Em virtude das lições históricas da ditadura do proletariado, o camarada Mao Tsetung destaca:
“A luta de classes, a luta pela produção e a experimentação científica são três grandes movimentos revolucionários para construir um poderoso país socialista. Estes movimentos constituem uma real garantia de que os comunistas se verão livres do burocratismo e estarão imunes contra o revisionismo e o dogmatismo, e permanecerão sempre invencíveis, São uma garantia segura de que o proletariado será capaz de unir-se com as amplas massas trabalhadoras e praticar uma ditadura democrática. Se, na ausência destes movimentos, estivesse permitido que surgissem 92 os latifundiários, camponeses ricos, contra- revolucionários, elementos maus e ogros de todo tipo, enquanto nossos quadros fechassem os olhos a tudo isto e em muitos casos inclusive não distinguissem entre os inimigos e nós, mas sim colaborassem com eles e ficassem corrompidos e desmoralizados; se com isso nossos quadros fossem arrastados ao campo inimigo ou o inimigo lograsse colar-se em nossas fileiras, e se muitos de nossos operários, camponeses e intelectuais fossem deixados indefesos perante as táticas brandas e as táticas duras do inimigo, então não seria necessário muito tempo, talvez só alguns anos ou uma década, ou várias décadas quando muito, para que ocorresse inevitavelmente uma restauração contra-revolucionária em escala nacional, o partido marxista-leninista se transformasse em partido revisionista ou partido fascista, e toda a China mudasse de cor.” [39]
O camarada Mao Tsetung propõe que, para assegurar que nosso Partido e nosso país não mudem de cor, devemos não só ter uma linha e política corretas, e sim também preparar e forjar dezenas de milhões de continuadores da causa revolucionária do proletariado. O problema de preparar continuadores da causa revolucionária do proletariado, no fundo, trata de se a causa revolucionária marxista-leninista iniciada pelos revolucionários proletários da velha geração tem quem a siga levando adiante, se a direção de nosso Partido e Estado seguirá nas mãos dos revolucionários proletários, se nossos descendentes continuarão marchando adiante pelo correto caminho traçado pelo marxismo-leninismo, ou seja, se podemos precaver-nos com êxito contra uma repetição do revisionismo de Kruschev na China. Em uma palavra, trata-se de um problema importantíssimo que afeta o destino e a própria existência de nosso Partido e nosso Estado. Trata-se de um problema de importância fundamental para a causa revolucionária do proletariado para cem, mil e inclusive dez mil anos. Inspirados nas mudanças operadas na União Soviética, os agoureiros imperialistas põem sua esperança da “evolução pacífica” na terceira ou quarta geração do Partido chinês. Temos de fazer fracassar completamente este vaticínio imperialista. Temos que prestar atenção, de cima abaixo, ampla e constantemente, ao problema de preparar e forjar continuadores da causa revolucionária.”
A obra acabada de calejados revisionistas
Mas, mais interessante e ilustrativo mesmo para vermos em que deu toda esta fanfarronada e malabarismos teóricos contra o maoísmo, é a publicação mais recente do revisionista PCdoB, intitulada “Em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro — documentos do PC do Brasil de 1960 a 2000”. Abre-se a coletânea com o “Duas concepções, duas orientações políticas” de Maurício Grabois c encerra-se com “500 anos de luta…”. Em anexo traz “Em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho”, manifesto assinado por “personalidades democráticas” do país, entre as quais alguns dirigentes do PCdoB e que a publicação diz ter tido “papel de destaque na sua elaboração”. Trata-se de uma solene gororoba antineoliberalismo do mais puro espírito filisteu cívico-patrioteiro que unificava a frente única do oportunismo na oposição à FHC e que hoje se relfestela (ou chalurda na lama) na gerência do velho Estado. São literalmente vetados da publicação, o que de melhor o Partido Comunista do Brasil chegou a formular em sua história, exatamente o “Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil” de 1969 e “Grandes progressos na Revolução Cultural” [40] de 1967, quando as resoluções do VI Congresso (claro, incluída na coletânea) centram seus ataques contra eles. Mas o que nos parece de fato muito interessante e que na verdade é o último documento de dita coletânea, publicado em forma de “Apêndice para referência”, é deste ser, nada mais nada menos, que a famosa “Declaração de Março de 1958”, contra a qual levantou-se a luta contra o oportunismo, preparou-se a cisão de 1962 e que o primeiro documento da mesma coletânea tem por alvo de ataque. O que já em 1958, o revisionismo formulava e que, de forma impressionante reflete ípsis litteris, ipsissima verba[41] a posição dessa crosta revisionista chamada PCdoB de Amazonas e Rabelo, servindo de base histórica, de referência e vigência atual para a fusão dos revisionistas do PCdoB e PCB hoje. Este é o grande encontro histórico de calejados revisionistas, vinte anos depois sob o espírito da “Declaração de Março de 1958”. Esta é, enfim, a obra acabada de Amazonas e sua crítica revisionista ao maoísmo.
Conclusão
Durante muito tempo e até hoje, a opinião geral e particularmente no meio da esquerda, sobre a trajetória de Amazonas no Partido Comunista do Brasil na fase que vai de 1962 (Reconstrução) até o período marcado pelo fim da Guerrilha no Araguaia, é a de que ele e o PCdoB haviam adotado o Pensamento Mao Tsetung como guia ideológico. Há quem os denomine maoístas nesta fase. Assim tratou a reação ao lançar suas hordas sanguinárias contra o partido, os guerrilheiros e a população na região do Araguaia para destruir a “organização subversiva de linha chinesa”. O fato é que, após a Reconstrução de 1962, a direção do partido, que embora jamais aceitara os frenéticos ataques de Kruschev a Stalin, não tinha maior clareza sobre o problema do revisionismo moderno de Kruschev. Inclusive, como está registrado em vários depoimentos de participantes do processo de Reconstrução, a direção do PCdoB procurou o partido revisionista da URSS e o Partido Comunista de Cuba na busca de alinhamento internacional. Foi rechaçada pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que confiava então no grupo de Luis Carlos Prestes que consolidara a posição revisionista ditada por Moscou com o V Congresso (1960) do partido e pelo Partido Comunista de Cuba que já se aliara com as Ligas Camponesas de Francisco Julião e posteriormente com a ALN de Carlos Marighela. Só assim e após frustrada esta busca é que a direção do PCdoB procurou o Partido Comunista da China (PCCh).
A adoção pela direção do PCdoB das “idéias do Pensamento de Mao Tsetung” não foi muito além do aspecto formal e dogmático, pois nunca se aprofundou em seu estudo e luta ideológica no partido em torno delas. Embora os materiais de propaganda do partido naquele período tenham aparentado muito essa adesão ela nunca foi uma questão unânime e tranqüila no PCdoB. Aliás, teve forte oposição na forma de resistência passiva todo o tempo. Nossas investigações sobre os problemas da história do Partido Comunista do Brasil nos levaram a concluir que o dogmatismo, como forma de subjetivismo, tão manifesto e invariavelmente presente nas posições de Amazonas foi a principal vertente que solapou o aprofundamento da luta ideológica no PCdoB, luta necessária e vital para se desenvolver uma linha correspondente à realidade concreta do país tomando como guia as verdades universais do marxismo. Mais que isto, tal comportamento de Amazonas o faz portador dos desvios ideológicos do velho partido (antes da Reconstrução de 1962) de tipo subjetivista na forma de dogmatismo e seu principal transmissor no processo de Reconstrução e adiante.
E isto tem enorme significado, pois este período (de 1962, Reconstrução a 1976, “Chacina da Lapa”), foi o período de toda a história do Partido Comunista do Brasil (desde sua fundação em 1922) que verdadeiramente o partido se constituiu de fato enquanto um partido comunista marxista-leninista. Como a essa época o marxismo havia saltado a uma nova e terceira etapa de seu desenvolvimento, a do maoísmo, exigia-se de um verdadeiro partido comunista ser marxista-leninista-maoísta. Resquícios do velho reformismo e revisionismo se mantiveram embutidos no seio da direção do partido impedindo o seu aprofundamento ideológico na direção do maoísmo. Por fim, após os episódios da Lapa (dezembro de 1976), completando a eliminação física da maioria dos quadros revolucionários do partido, sob o comando contínuo de Amazonas, capitulou-se da linha revolucionária da guerra popular, liquidando por completo o partido enquanto um partido comunista marxista-leninista e dando lugar a uma outra organização de caráter revisionista sob a continuidade da sigla PCdoB.
Nos artigos e ensaios de Amazonas voltados à crítica ao maoísmo, confirmado por entrevistas suas, não se cansou de demonstrar que as resistências ao maoísmo no partido (quer dizer, principalmente dele) eram já da década de 1960. Ele chegou a afirmar que a aproximação do PCdoB com a China teria sido por causa do firme combate que o PCCh, sob a liderança do Presidente Mao, havia oposto ao revisionismo soviético gerando muita simpatia aos revolucionários em todo o mundo, nada mais que isto. Como já vimos acima, isto não ocorreu bem assim. É certo que a partir do alinhamento com o PCCh a direção do PCdoB tomou contato com a luta de combate ao revisionismo moderno que se dava, naquela época, à escala mundial e participou dela, sendo o partido atacado publicamente pelo PCUS na sua carta de resposta à famosa “Carta Chinesa” do PCCh [42].
Já nos debates da fatídica reunião do Comitê Central do PCdoB de dezembro de 1976 [43], num reclamo geral por aprofundar o balanço dos acontecimentos no Araguaia, Pedro Pomar apresentou consistente avaliação em que ressalta o valor da experiência, o cumprimento da decisão do partido em buscar o caminho revolucionário da guerra popular, o heroísmo e espírito de sacrifício dos dirigentes e militantes do partido que para lá se deslocaram, o esforço e a integração com os camponeses, práticas e condutas que consagraram aos guerrilheiros respeito e admiração inapagáveis na memória do povo de toda a região, verdade que nem mesmo a contra-propaganda sistemática da reação e a capitulação que a direção de Amazonas impôs ao partido pôde encobrir.
Porém, a avaliação de Pomar é uma contundente autocrítica que propõe ao partido. Afirma nela que a causa da derrota da guerrilha não era de natureza apenas militar e temporária como apresentou o relatório de Ângelo Arroyo, mas sim devido a causa mais geral, a problemas de fundo, o de erro de concepção com respeito à guerra popular. Na verdade, este brilhante documento que foi rechaçado pela conduta autoritária e golpista que Amazonas impôs ao partido após a morte dos principais quadros revolucionários do partido, é um balanço autocrítico que não se limita aos episódios dramáticos do Araguaia, em que formula claramente que o que se aplicou no Araguaia não foi a concepção da guerra popular prolongada, pois não se observou seus princípios e preceitos básicos. É assim uma vigorosa defesa da justeza da concepção da guerra popular como caminho da revolução brasileira. Isto remete objetivamente ao problema teórico e ideológico do maoísmo no partido, particularmente na sua direção. Ou seja, que de fato o maoísmo nunca fora compreendido e assumido plenamente no PCdoB, senão adotada uma forma dogmática e superficial do mesmo.
Não é questão menos importante como demonstrativo do fenômeno do dogmatismo no partido a do episódio relativo à VI Conferência realizada em 1966. O documento central [44] da Conferência apresentado pelo Comitê Central, do qual Amazonas era destacado membro, foi duramente criticado por quadros intermediários e de base do partido onde expunha erros grosseiros e de natureza revisionista no manejo da teoria revolucionária [45]. O dogmatismo da direção do PCdoB fez rechaçar o debate expulsando estes militantes do partido. Ademais de toda a crítica, com a atitude sectária a direção do partido revelou toda sua incompreensão sobre uma questão essencial e de primazia do maoísmo, a que se refere à luta interna e como esta deve ser manejada para forjar o partido comunista, a da luta de duas linhas.
O mito do PCdoB maoísta deve portanto ser debitado muito mais à conta da contra-propaganda da reação e da opinião sectária dos adversários no campo da esquerda do que por qualquer essência ideológica no partido. De fato muitos no partido brigaram pela concepção da guerra popular prolongada e alguns documentos do partido do período o comprovam. No entanto, a rapidez com que se capitulou, após a derrota da experiência do Araguaia. os métodos de condução da lula interna e de como outros procedimentos foram utilizados para se livrar de tudo que guardava identidade com o maoísmo, só revelam o formalismo e superficialidade com que esta ideologia foi abordada pela direção do PCdoB e o quanto de incompreensão e rejeição a ela sempre existira no seu seio. Por isto mesmo, a crítica de Amazonas ao maoísmo, em primeiro lugar não tem relação alguma com uma autocrítica de o ter assumido um dia. Em segundo, como uma crítica oportunista feita para encobrir uma posição capitulacionista em relação à linha revolucionária da guerra popular, através da fraseologia pseudomarxista da linha de Hoxha, é uma crítica revisionista.
Embora não tenha custado muito a Amazonas formular sua crítica “demolidora” do maoísmo, pois que, somente copiou o que lhe soprou nos ouvidos Hoxha, seguramente pensava ter passado tanto tempo tendo-as por originais. Tal crítica já estava sistematizada desde 1969, encomendada por Brezhnev: O.Vladimirov e V.Riazantsev escreveram “Páginas da biografia política de Mao Tsetung” e F. Konstantinov, e M. Sladkovski, “Críticas às concepções filosóficas de Mao Tse-tung”, 1973 (Instituto do Extremo Oriente da Academia de Ciências da URSS). Por curiosidade vale mesmo a pena dar uma olhadela e constatar a identidade. Agora que os revisionistas vão se acoitando todos num só covil, os seguidores de Amazonas, Rabelo e cia. e os demais revisionistas de PCB, PCML, PCR, etc., têm porque se preocupar. Podem tremer senhores revisionistas, o maoísmo avança para ser mando e guia da revolução mundial e esta não pode, inevitável e impreterivelmente, deixar de passar pelo Brasil!
Abaixo o revisionismo, o dogmatismo e todo o oportunismo!
Viva Marx, Engels, Lenin, Stalin e o Presidente Mao!
Viva o marxismo-leninismo-maoísmo!
Notas
[1] Refere-se ao que ficou conhecido como “Chacina da Lapa”, em que o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil caiu no cerco do exército reacionário, sendo que dos participantes da reunião Pedro Pomar e Ângelo Arroyo foram brutalmente assassinados na casa, João Batista Drumond assassinado na tortura e os participantes restantes presos.
[2] Posteriormente denominaram-se Partido Comunista do Brasil Ala Vermelha
[3] Esta publicação da Editora Anita Garibaldi do PCdoB, de 1978, assinada por João Amazonas, é assim apresentada:
“O revisionismo soviético, titista, eurocomunismo e suas variações receberam resposta à altura. O proletariado já conta com o arsenal teórico para enfrentá-los. Trata-se de enfrentar agora, com a mesma firmeza, o maoísmo e escoiná-lo do movimento operário. É com esta disposição que João Amazonas intervém nesse livro.”
[4] Charles Bettelheim, intelectual francês, em sua obra “Luta de classes na URSS” faz uma crítica à restauração capitalista na URSS, que em sua caracterização é essencialmente correta, porém quando trata das causas comete erros relevantes devido ao seu anti-stalinismo. Bettelheim foi da tendência francesa de “maoístas” que insistia em contrapor o Presidente Mao a Stalin.
[5] Renmin Ribao — Diário do Povo — Principal jornal diário da China revolucionária.
[6] Trata-se da famosa consigna maoísta de: “Quantidade, qualidade, rapidez e economia.”
[7] A Grande Revolução Cultural Proletária foi o grande movimento ideológico-político iniciado na China em I966, liderado pelo Presidente Mao Tsetung, através do qual centenas de milhões de massas populares se mobilizaram para combater a ideologia burguesa no seio do partido comunista, no Estado e nas instituições, na administração pública, na educação, nas ciências, artes e literatura, na produção, enfim em todas as esferas da atividade humana em prol de uma nova cultura liberta de quaisquer resquícios da exploração do homem pelo homem. A GRCP teve seu ápice em 1969, quando o IX Congresso do Partido Comunista da China sistematizou as experiências e resultados da mesma. No início dos anos de 1970 a GRCP começa a declinar-se com a ofensiva da direita no PCCh (Teng Siao-ping) e divisão no seio da liderança da esquerda proletária, terminando em 1976, após a morte do Presidente Mao, através do golpe de Estado promovido pela camarilha revisionista de Teng.
[8] Referindo-se a Hua Kuo-feng e Teng Siao-ping
[9] Este é o título da publicação do Renmin Ribao, de novembro de 1977. Hua Kuo-feng era formalmente o principal dirigente do PCCh, porém não passava de marionete de Teng Siao-ping.
[10] Mao Tsetung – O papel do antagonismo na contradição, em Sobre a Contradição.
[11] MRI — Movimento Revolucionário Internacionalista. Conferência de partidos e organizações maoístas fundada nos anos de 1980. Seu comitê coordenador, o CoMRI publica a revista “Um Mundo a Ganhar”.
[12] El Diário Internacional — Publicação no exterior de análise da realidade peruana e latino-americana, sediada em Bruxelas-Bélgica.
[13] Cartas de Paz — Documentos apresentados por Fujimori em 1993 (quando presidia o mais sanguinário regime no Peru) como sendo cartas de pedido de negociação de paz por parte do dirigente máximo da revolução peruana Abimael Guzmán, o Presidente Gonzalo, preso e mantido em completo isolamento desde 1992.
[14] Partindo do materialismo dialético para o qual tudo é contradição, o partido comunista também o é. No seio do partido refletem-se as contradições de classes da sociedade, a luta de classes e a luta entre o novo e o velho. As contradições no seio do partido expressam-se em linhas. A vanguarda proletária não pode eludir tal questão adotando medidas burocráticas e administrativas no seu tratamento. Reconhecendo tal realidade e assumindo-a deve-se organizar a luta da linha proletária contra as demais linhas não proletárias burguesas e de outros tipos. O partido é uma unidade de contrários, se a unidade é vital para o partido, a luta é o meio para alcançá-la. A contradição é lei fundamental da dialética, é absoluta. A contradição e a luta são permanente, enquanto que a unidade é transitória. Então, a luta no partido é para alcançar uma nova unidade em patamares mais elevados.
[15] Este é o Pravda de Viena, portanto não se trata do Pravda Bolchevique, o qual apareceu em 22 de abril de 1912, editado em São Petersburgo.
[16] Lenin — Em torno à questão da dialética
[17] Presidente Mao Tsetung — Sobre a Contradição
[18] Conceito utilizado por Amazonas em seu texto “As transformações sociais na época da revolução e do imperialismo — Exame crítico da crise do socialismo” na coletânea publicada em 1990 sob o título de “30 anos de confronto ideológico – marxismo x revisionismo”.
[19] Karl Marx — Introdução à crítica da economia política
[20] Ala Vermelha — O Partido Comunista do Brasil Ala Vermelha originou-se de um conjunto de militantes do PCdoB que ao regressarem da China em 1966 divergiram com as posições do Comitê Central. Foram expulsos e conformaram-se em partido logo a seguir. Seu principal documento de crítica denominou-se “Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo da União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”.
[21] Revolução de veludo — denominação que a imprensa reacionária deu aos acontecimentos do Leste Europeu no fim dos anos de 1980 e início dos de 1990.
[22] Refere-se ao tempo que separa os anos de 1956/57, quando o PCCh publicou o “Sobre a experiência histórica da Ditadura do Proletariado”, “Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo”, entre outros, e o ano de 1990, data das publicações do PCdoB de Amazonas.
[23] Refere-se à seguinte passagem: “Quando já não exista nenhuma classe social à que haja que manter na opressão; quando desapareçam, junto com a dominação de classe, junto com a luta pela existência individual, engendrada pela atual anarquia da produção, os choques e os excessos resultantes desta luta, não haverá já nada que reprimir nem fará falta, por tanto, essa força especial de repressão, o Estado. O primeiro ato em que o Estado se manifesta efetivamente como representante de toda a sociedade: a posse dos meios de produção em nome da sociedade, é, ao par, seu último ato independente como Estado. A intervenção da autoridade do Estado nas relações sociais se fará supérflua num campo após outro da vida social e se adormecerá por si mesma. O governo sobre as pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção dos processos de produção. O Estado não é `abolido’; se extingue”.
[24] Stalin — Informe ao XVIII Congresso do PCUS, 1939.
[25] Idem
[26] Idem
[27] Idem citando Lênin em sua obra Estado e Revolução.
[28] Engels – Anti-Duhring
[29] Stalin – Informe ao XVIII Congresso do PCUS, 1939.
[30] Idem
[31] Idem
[32] Stalin — Informe ao XVIII Congresso do PCUS, 1939.- “…liquidação completa dos resíduos de classes exploradoras.” E “…já não há classes antagônicas.”
[33] Nono comentário do PCCh à Carta do CC do PCUS ao CC do PCCh em resposta à publicação chinesa das “Proposições acerca da linha geral do Movimento Comunista Internacional”, de 1963.
[34] “30 anos de confronto ideológico- marxismo x revisionismo”
[35] Ver página 87 desta publicação, no item 2.
[36] Dois Todos e Três Pacíficos — Como o Presidente Mao sintetizou o revisionismo moderno de Kruschev: Dois Todos: Partido de todo o povo e Estado de todo o povo. Três Pacificas: Transição Pacífica, Coexistência Pacífica e Competição Pacífica.
[37] Vejamos esta pérola da atualidade, um dos comentários da palestra proferida por Fernandes, em Brasília (março de 2005), como parte do debate do PCdoB sobre os “desafios do socialismo no século 21”. Ao concluir sobre as experiências “fracassadas” do socialismo apresenta as seguintes conclusões segundo os comentários do sítio vcrmelho.org.br: “Luis Fernandes destacou que ‘nas sociedades onde predominam ainda valores alienados e herdados cia sociedade anterior; elas acabam gerando na prática variadas manifestações de partida e corporativismo. Ou seja, elas não conseguem construir um projeto coletivo para a sociedade, porque filha o mecanismo da mediação. Da mediação política. Todas as experiências socialistas do Século 20 lidaram com esse problema’. ‘A solução encontrada foi o partido dirigente da revolução se afirmar como o representante do interesse coletivo. Só que, na prática, isso gerou um processo de fusão do partido com o Estado, em que a lógica de poder real dentro do Estado não eram aqtteles mecanismos de democracia direta e participativa previstos constitucionalmente com base na leitura de Marx, mas sim a estrutura hierárquica de organização e deliberação cio próprio partido. Essa situação, em que o partido assume as funções de Estado e passa a defender interesses próprios, tolheu o pleno desenvolvimento democrático das experiências socialistas‘. Esta é uma grande lição da experiência socialista no século 20. Para ele [Fernandes], ‘isso implica na preservação de mecanismos de democracia representativa. Luis Fernandes destaca que existe um problema de fato, que é a necessidade de estruturar a mediação política no Estado socialista. E representa preservar, durante grande parte da transição socialista, mecanismos de representação e de mediação política para constituir o interesse coletivo’. ‘Na medida em que isso não foi feito, nas experiências socialistas do Século 20, houve a crise gerada pelo partido mesclado como Estado, que se trans/armou e se distanciou da sociedade que o havia gerado, consolidou privilégios e se tornou crescentemente não simpático para o restante da sociedade‘, explicou.” (o sublinhado é nosso).
[38] Trata-se do nono comentário que o PCCh fez da carta resposta dos revisionistas soviéticos à sua carta de 14 de junho de 1963, as “Proposições acerca da linha geral do movimento comunista internacional”, documento que ficou mundialmente conhecido como a “Carta Chinesa”. A resposta que os revisionistas soviéticos deram a esta carta do PCCh provocou da parte dos comunistas chineses outras nove denominadas de “Nove Comentários”. São eles: – A origem e o desenvolvimento das divergências entre a direção do PCUS e nós”, “II – Sobre o problema Stalin”, “III – A Iugoslávia é um país socialista?”, “IV – Apologistas do neo-colonialismo”, “V – Duas linhas diferentes no problema da guerra e da paz”, “VI – Duas políticas de coexistência pacífica diametralmente opostas”, “VII – Os dirigentes do PCUS são os maiores divisionistas de nossa época”, “VIII – A revolução proletária e o revisionismo de Kruschev” e – O falso comunismo de Kruschev e suas lições históricas para o mundo”. Este conjunto de cartas e documentos ficou conhecido como o “grande debate do mundo comunista”. Inéditos no Brasil, pelo menos no seu conjunto, foram publicados em 2003, incluídas as duas cartas dos revisionistas soviéticos mais outro documento dos comunistas chineses, “Porque caiu Kruschev”, sob o título de “A Carta Chinesa” pelo Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoísmo.
[39] Mao Tsetung, Comentário sobre “Sete bons documentos da província de Chechiang acerca da participação dos quadros no trabalho manual”, 9 de maio de 1963.
[40] Este ensaio é da lavra de Pedro Pomar, destacado dirigente comunista e membro do Comitê Central do PCdoB.
[41] Ipsis litteris: (Latim) — com as mesmas letras, nos mesmos termos, tal como está escrito. Ipsissima verba: (Latim)- com as mesmíssimas palavras, exatamente.
[42] “Carta Chinesa” — Trata-se da “Proposições acerca da linha geral do movimento comunista internacional”, de I4 de junho de 1963. A carta de resposta dos revisionistas soviéticos aos comunistas chineses, intitulada de “Carta Aberta do CC do PCUS às Organizações do partido e a todos os comunistas da União Soviética”, acusa o PCCh de divisionista por ter aliado com partidos surgidos na ruptura interna de partidos de diversos países. Neste documento chega mesmo a destacar no caso do Brasil o “grupo Amazonas-Grabois”.
[43] Trata-se da reunião do Comité Central do PCdoB que foi cercada pelos órgãos de repressão do Estado e do regime militar fascista, episódio conhecido como “Chacina da Lapa”.
[44] Trata-se do já referido “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”.
[45] Esta crítica foi sistematizada no documento “Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo da União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”. Os partidários da crítica foram expulsos do partido e posteriormente conformaram o Partido Comunista do Brasil Ala Vermelha.