Entrevista do Século com o Presidente Gonzalo (Parte IV)

Nota do blog: A seguir, a parte IV da Entrevista do Século realizada pelo jornal peruano El Diario, em 1988. Nessa parte, a entrevista trata sobretudo da Guerra Popular.

III. Guerra Popular

El Diario: Presidente, agora falemos da guerra popular. O que significa a violência para o Presidente Gonzalo?

El Diario: Quais são as particularidades da guerra popular no Peru e como se diferencia de outras lutas do mundo, na América Latina e o MRTA?

Nós partimos do marxismo-leninismo-maoismo, principalmente maoismo aplicado às condições específicas de nosso país, e insisto: eis aí uma vez mais, com claras particularidades que demonstram a falsidade do suposto dogmatismo que nos imputam e, inclusive, o fazem por ordem de seus amos.

El Diario: Presidente, então o MRTA estaria jogando um papel contrarrevolucionário no país?

El Diario: Sendo tão importante a Base de Apoio, como esta se constrói no país? Que pensa você da insurreição e como preparam as cidades?

necessariamente entraria as Forças Armadas, isso sabíamos. Esses Comitês Populares se centuplicaram, os que estão em uma área formam uma base de apoio, e o conjunto destas formam a República Popular de Nova Democracia (RPND) em formação. É desta maneira que surgiram os comitês, as bases e assim está em formação a RPND. Quando entraram as Força Armada, tivemos que desenvolver uma dura luta: eles aplicaram o restabelecimento do velho poder, nós aplicamos o contrarrestabelecimento para voltar a levantar o Novo Poder. Produziu-se um genocídio altamente cruento e sem misericórdia: temos lutado ardorosamente. A reação e as Forças Armadas, concretamente, acreditavam que em 1984 já haviam derrotado-nos. Me remeto a documentos que eles conhecem muito bem porque são seus, e neles se dizia inclusive que já não éramos perigo, e sim que o perigo era o MRTA. Porém o resultado qual tem sido? Que os comitês populares e as bases de apoio se multiplicaram, isso nos levou posteriormente já a desenvolver as bases, é nisso que estamos hoje.

Pensamos que a coisa é clara: o centro está no campo, porém, para a insurreição, se muda o centro, o centro passa a ser a cidade e, para isso, inclusive assim como no começo se desloca combatentes e comunistas das cidades ao campo, depois há que deslocar do campo para a cidade. Também se dá e assim vamos transferindo o peso e preparando a insurreição. Temos que ir vendo condições para que convirjam a ação do Exército Guerrilheiro Popular com a ação insurrecional nas cidades, ou em uma ou em várias. Isso é o que necessitamos. A insurreição aponta à captura das cidades para arrematar a guerra popular em todo o país. Porém tem que buscar a preservação dos meios produtivos que a reação buscará destruir, proteger os revolucionários prisioneiros de guerra ou revolucionários conhecidos que eles queiram aniquilar, assim como também caçar os inimigos para colocá-los sob custódia, e isso é o que nos foi ensinado e é uma insurreição. Lenin nos ensinou como se armava uma insurreição e o Presidente Mao nos ensinou como é a insurreição na guerra popular, assim é como a vemos e a preparamos. É o caminho que temos que seguir e que estamos seguindo. Uma coisa há que ter bem claro: a insurreição não é uma simples explosão espontânea, não, isso seria perigoso, entretanto pode ocorrer, por isso é que temos que preocupar-nos desde agora com a insurreição e o fazemos. Pensamos que há os que podem querer usar a guerra popular em seu benefício. Já analisamos em um evento do Comitê Central, há um bom tempo, possibilidades e uma delas é que o revisionismo ou outros gerem “insurreições” ou para fazer abortar o processo de desenvolvimento ou para ganhar posições e servir a seu amo social-imperialista ou a qualquer potência que os mande porque muitos centros poderiam querer utilizar-nos.

El Diario: Presidente, que faria o Partido nessas circunstâncias?

Presidente Gonzalo: Nessas circunstâncias deve-se fazer o que fez Lenin: dizer às massas que não é o momento, porém se as massas se lançam deve-se lutar com elas, para juntos poder fazê-las recuar adequadamente e para que sofram o menos possível, e se morrermos com elas soldamos mais nosso sangue. Isso foi o que Lenin nos ensinou nas famosas lutas de julho de 1917, porque não podemos dizer às massas que estão mal e que os fatos as façam entender. Não, não podemos dizer isso, a massa é a massa, a classe é a classe e se não estão bem orientadas e as condições as desesperam e as lançam a situações, ou inclusive há os que as lançam de má fé, temos que estar com elas para juntos fazer-lhes ver a inoportunidade, porém, combatendo com elas, ajudar-lhes a recuar da melhor forma possível, e então verão que estamos com elas nas boas e nas más situações e será a melhor maneira para que entendam, compreendam e se convençam mais que somos seu Partido. Assim atuaríamos.

El Diario: Presidente, uma pergunta. Quando você fala das formas de luta na cidade, que papel aponta para os sindicatos?

El Diario: Presidente, você falou da crise revolucionária. Você crê que a curto prazo se vislumbra esta situação?

Presidente Gonzalo: A questão é o triunfo da guerra popular e tem a ver, principalmente, com quanto mais e melhor lutemos. E a insurreição, como já disse, é o arremate que devemos preparar e o estamos fazendo seriamente, prever possibilidades de que outros queiram traficar com ela, tudo isso é algo que temos que pensar. Porém o problema principal é a oportunidade da insurreição, calcular o momento oportuno.

El Diario: Por que o Partido Comunista do Peru iniciou a guerra popular em 1980? Qual é a explicação militar e histórica deste fato? Qual foi a análise social, econômica e política que fez o PCP para iniciar esta guerra?

O Presidente foi muito exigente nesses problemas, sobretudo quanto ao que se refere a preparação. Cremos que os fatos nos confirmaram. Dois anos e não puderam entrar as Forças Armadas. Foi assim ou não? Hoje em dia estão dizendo que haviam queimado a informação de Inteligência que tinham, enfim, o novo governo tinha problemas para armar sua administração e os fatos o demonstraram. Logo veio a crise, entraram os militares com contingentes maiores cada vez e combatendo com eles vários anos estamos mais pujantes, vigorosos e em desenvolvimento. Essas foram as razões do iniciar em 1980 e os fatos demonstram que não erramos ou, pelo menos, não erramos nos grandes lineamentos que é onde não há que errar.

El Diario: Tendo em conta que na guerra são duas as estratégias que se enfrentam, poderia você explicar como se especificou o processo de desenvolvimento de seus planos militares, conquistas e que problemas tiveram?

Nós manjamos a guerra mediante um plano único com partes, por campanhas, com planos estratégico-operativos, planos táticos e planos concretos para cada ação. Porém a chave de tudo é o plano estratégico único, é o que permite manejar a guerra como uma unidade e isso é chave na direção da guerra popular. Creio que isso é que poderia dizer.

El Diario: Presidente, nestes oito anos de guerra popular, que resultado obteve a estratégia anti-subversva e quais são seus problemas atuais?

Presidente Gonzalo: É uma pergunta que preferiria respondê-la desta maneira, em síntese, a própria reação diz que fracassam e seguem fracassando, eles o sabem muito bem. “A confissão de parte, dispensa provas”, utilizando um termo de advogados.

El Diario: Quando você crê que o Exército Guerrilheiro Popular estará em condições de desenvolver guerra convencional, de defesa de posições territoriais e de um aberto enfrentamento com as Forças Armadas? Está este tipo de luta nos planos do PCP?

El Diario: Para potencializar a guerra, como você refere, é necessário potencializar o armamento do Exército Guerrilheiro Popular? Como pensam resolver em isto?

e corporativo encabeçado por um genocida vil e miserável. O povo peruano, demonstrou a história, não segue o fascismo e não se deixa corporativizar, isso já foi estabelecido e o problema não é de hoje, tem décadas no Peru. Então, as armas do inimigo, arrancando-as, são nossa principal fonte. A humilde dinamite, ademais, seguirá cumprindo um bom papel e as minas são as armas do povo e nós, por princípio, buscamos as armas mais simples que toda a massa possa manejar, porque a nossa guerra é massiva senão não é popular e a nossa é.

El Diario: Você prevê que com o triunfo e avanço da revolução que você dirige se desencadeará uma invasão militar norte-americana? Que faria o PCP nesse momento?

El Diario: A reação e o revisionismo e o oportunismo da IU, dizem que vocês estão isolados das massas. Que pode dizer a respeito?

El Diario: Que mudanças você considera que se produziram na política peruana, na base econômica da sociedade e nas massas como consequência de oito anos de Guerra Popular?

Presidente Gonzalo: A primeira questão que se produziu é o desenvolvimento de uma guerra popular que avança irrefreável, o que implica que a revolução democrática passou a fazer-se realmente pela primeira vez neste país, isso mudou todos os termos da política peruana. Daí que a própria reação, seus cupinchas começando pelos revisionistas e seus apoiadores de turno ou o que sejam, concluem que o primeiro e principal problema que o Estado peruano tem é a guerra popular. Assim estamos mudando o mundo neste país e se deriva o mais importante e principal que temos logrado, o surgimento e desenvolvimento de um Novo Poder em marcha que terminará estendendo-se em todo o país. Na base econômica, no Novo Poder estamos estabelecendo novas relações de produção, uma mostra concreta desta é a forma como aplicamos a política de terras, utilizando o trabalho coletivo e a organização da vida social com uma nova realidade, com uma ditadura conjunta, onde pela primeira vez mandam operários, camponeses e progressistas, entendendo por tais os que queiram transformar este país da única maneira como pode fazer-se, com a guerra popular. Quanto a eles, os reacionários, sem recordar-lhes prejuízo econômico que implica a guerra popular e combatê-la, estamos afundando o capitalismo burocrático e há tempos abalando a base gamonal das relações semifeudais que sustentam toda esta armação, ao mesmo tempo golpeando o imperialismo. Para as massas de nosso povo, essas heroicas massas, principalmente para o proletariado, classe dirigente que sempre reconheceremos, pela primeira vez assumem o Poder e têm começado a saborear o mel nos lábios, não ficarão aí, quererão tudo e o terão.

El Diario: Como vê a situação atual e a perspectiva da Guerra Popular no Peru? Que destino se apresenta ao povo peruano [no caso] de não triunfar a curto prazo a revolução que você vem dirigindo há mais de oito anos? Você crê que este governo ou outro tenha alguma saída para esta grave crise? O PCP, no documento “Bases de Discussão” destacou que entramos em anos decisivos, em que o Apra segue sem um plano estratégico. Acaso estaríamos às portas do triunfo da revolução e da tomada do Poder pelo PCP?

El Diario: Finalmente, pode desenvolver sua posição a respeito da guerra popular mundial? No caso de uma guerra mundial entre as superpotências quais seriam os resultados para a humanidade?

1 Rajatabla = Tabula rasa = Filos.: No empirismo mais radical, estado de indeterminação completa, de vazio total que caracteriza a mente antes de qualquer experiência. [NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO]

2 Gamonalismo: Fenômeno peruano comparável – com particularidades – ao coronelismo no Brasil, baseado na concentração da terra e no domínio político, militar, econômico e ideológico dos camponeses pelos latifundiários.

3 Beatos que comulgan conhecimento ruedas de molino = beatos que comungam com rodas de moinho.

4 Mesnada: tropa mercenária – NDA

5 Parapeito: linguagem militar: a parte superior de uma trincheira de fortificação, destinada a resguardar os soldados que podem fazer fogo por cima delas – NDA

6 Huaico =

7 No original “muñequitos en el aire” “dibujitos en el agua”. NT

8 Furriel: cargo militar de armeiro. NT

9 No original: infundios