“Ninguém é profeta na sua terra”, diz um velho provérbio. Dimitrov o contrariou. Na Bulgária, como na Alemanha, fez escola. É fato que os trabalhadores búlgaros, cuja vanguarda está há 13 anos na ilegalidade, forneceram para a luta antifascista admirável contingente de heróis. Contentemo-nos com um exemplo: o de Lutibrodsky.
Condenado à morte em dezembro de 1934, o operário Jurdan Lutibrodsky era executado, em fins de maio de 1935, no páteo da prisão de Varna.
Antes da execução, a ditadura ousara propor-lhe um negócio vergonhoso: se declarasse lastimar sua atividade revolucionária, renunciar a ela e exortar seus camaradas a fazer o mesmo, seria agraciado. como reagiu a essa suprema humilhação? Como um bolchevique. Como respondeu a seu pai que, desesperado, pedia-lhe que se submetesse?
Basta-nos reproduzir, sem comentários (qualquer comentário só poderia deslustrar) a carta que escreveu:
Prisão de Varna, 3 de maio de 1935.
Querido pai!
Recebi tua carta há alguns dias. Aconselhas-me a fazer de tudo para escapar da forca. E escreves: “Fá-lo ainda hoje, porque amanhã será tarde demais”. Não compreendes que essa proposta não é a salvação, mas a morte certa, ainda que me reste a vida? Para que o compreendas, é preciso examinar a questão a fundo. Atualmente, a burguesia conseguiu desfechar alguns golpes severos sobre o proletariado e seu partido. Mas, será que isso quer dizer que a dominação da burguesia esteja estabilizada e a vitória final não pertença ao proletariado? Não! Se não for hoje, pelo menos amanhã o proletariado vencerá a classe agonizante e, graças ao seu partido, impulsionará o desenvolvimento da sociedade humana. Nós, filhos dessa classe ascendente e membros de sua vanguarda consciente, não devemos temer por nossa vida e sacrificar, por isso, o prestígio do Partido.
Para que necessitamos da nossa vida, pai, se nos couber a sorte de ficar como cadáveres vivos com o auxílio dos quais a classe reacionária em declínio se esforçará por levar a decomposição às fileiras do proletariado revolucionário e me utilizará, a mim, a quem terá deixado de viver, para prolongar sua própria existência? Não! Antes morrer, permanecendo, porém, vivo no coração da minha classe! Antes morrer do que ser cadáver vivo e fedorento!
“Bem”, me dirá, “mas pense em Mara e em Ilitch [1]. O que farão sem ti?”. Eu penso muito neles, pai. Eu mesmo, não sei como exprimir-lhes meu amor. Quando penso neles, uma amargura imensa se apossa de mim e sinto como que chumbo no meu peito. Um sofrimento que me obriga a cerrar os dentes tão fortemente que rangem e, não obstante, a prometer a mim mesmo resistir, conservar minhas forças e continuar combatendo até o último momento, erguido contra a classe que é responsável, não apenas pelo fato de que mei Ilitch não tenha visto seu pai e de que minha companheira fique sem mim, mas também, pelo fato de que milhões de outras famílias tenham que viver na miséria, nas privações e na fome.
“Em vista dos milhões de desempregados, em vista do perigo de uma nova guerra [Nota: refere-se à guerra mundial imperialista], cujo horror o cérebro humano não pode conceber, em vista dos milhões de vítimas que abaterá, não apenas entre os soldados, mas também entre as mulheres e as crianças, porque os gases asfixiantes, os bacilos da peste e do cólera não escolhem vítimas, em vista de todos esses horrores, que o capitalismo nos traz e nos trará ainda, com que direito daria eu ao inimigo uma arma contra todos nós, cujo sangue suga? Não! Não o posso fazer! Para este estado maldito do capitalismo, não vejo outra saída senão a apontada pelo meu Partido e essa saída conduz à libertação econômica e política completa do proletariado e dos trabalhadores. Minha vida foi uma luta, uma luta para impor essa saída. E, se a burguesia búlgara entende condenar-me à morte, isso quer dizer que permaneci filho fiel de minha classe, filho fiel do meu Partido. E isso bastará para ti, para Ilitch e para Mara. Sim, a morte; mas Ilitch saberá porque seu pai lutou e caiu nessa luta; saberá que preferiu cair na luta a cobrir-se de vergonha, a te enxovalhar, a ti, e a esse filho que nunca vi. É certo, é duro esperar a morte a qualquer momento, estremecer ao menor ruído, contar0lhes os passos… Aí vêm eles, vêm para te levar. O coração bate até estalar. Mas, os passos se afastam e a gente cai no catre, como um fruto maduro ao cair da árvore. Os nervos não podem suportar isso… E a gente chama pela morte, pela morte salvadora. A agonia é terrível, a morte, não!
E, precisamente neste momento, o inimigo tenta obter de mim que condene toda minha atividade passada. E sabes, pai, que ele já experimentou várias vezes essa tentação para poder triunfar depois: “Vêde! Mais um filho pródigo que volta à razão, que lamenta o que fez!”. É com tais ignomínias que o inimigo quer enfraquecer a fé no Partido e prolongar a existência dessa classe prejudicial à sociedade. Não, não participarei desse jogo ignóbil!
Isso, todavia, não significa que me deixarei levar sem nada fazer. É claro que é preciso fazer tudo para me salvar. Mas, fica atento para não dar ao inimigo argumentos contra o Partido. O melhor é mobilizar a opinião pública contra a minha condenação à morte.
Marcharei calmo e alegre para a forca com a consciência de não ter, em minha curta vida dedicada à luta pela liberdade, enxovalhado nem o nome do meu Partido, nem o teu nome.
E, com a corda no pescoço, eu vos grito: Cabeça erguida, pai, mulher armada, meu filho que nunca vi! Camaradas, para a frente! Embora paga com duros sacrifícios, a vitória é nossa! Quem estiver pronto para os sacrifícios terá a vitória! Mortos fisicamente, os combatentes continuarão a viver na consciência do proletariado vitorioso. E seus filhos colherão os frutos da luta que seus pais tiverem travado. Tu, também, meu pequeno Ilitch, que não posso beijar nem pela primeira, nem pelo última vez.
Jurdan Lutibrodsky.
Esta obra prima de dignidade, de nobreza revolucionária foi difundida no país por milhares de exemplares. O que pode haver de mais educativo para as novas gerações combatentes?
E como morreu Lutibrodsky? Perante a forca, gritou seu desprezo pela ditadura e sua fé na vitória final da causa popular. A emoção geral contagiou o próprio procurador civil, que maldisse, chorando, a justiça militar por tê-lo encarregado desse “trabalho sujo”.
Como tinha razão Dimitrov em Leipzig, quando proclamava seu orgulho “de ser filho da classe operária búlgara, que combate tão valentemente contra o fascismo e pelo comunismo [2].
(Do livro A Defesa Acusa…, de Marcel Willard.)
[1] A mulher de Lutibrodsky e seu filho nascido depois de sua prisão, respectivamente.
[2] G. Dimitrov: Cartas, notas e documentos, p. 123.