Nota do blog: Publicamos com grande júbilo a tradução não-oficial do documento assinado pelo Comitê de Redação da Revista O Maoista sobre os aportes do grande camarada Lenin à filosofia marxista.
Proletários de todos os países, uni-vos!
A questão filosófica em Lenin
Comitê de Redação
Marx traçou o objetivo fundamental da tática do proletariado em rigorosa consonância com todas as premissas de sua concepção materialista dialética do mundo. (V. I. Lenin, Karl Marx).
O artigo que apresentamos a seguir analisa o desenvolvimento das ideias filosóficas mais importantes – no nosso entender – que Lenin expôs em três de suas obras: Quem são os amigos do povo e como lutam contra os socialdemocratas (1894), Materialismo e Empiriocriticismo (1909) e Cadernos Filosóficos (1914-1915) [1]. Ainda que toda a obra (teórica e prática) de Lenin evidencie a aplicação e desenvolvimento magistral que ele fez no campo da filosofia marxista, do materialismo dialético, estas são as mais destacadas obras nas quais Lenin dá especial atenção aos assuntos filosóficos e, por isso, as tomamos como fonte para nossa exposição da questão filosófica em Lenin. Antes de analisar mais detidamente as referidas obras, veremos a seguir como o grande dirigente do proletariado russo viu a questão entre o materialismo dialético e o conjunto da doutrina de Karl Marx.
Lenin defendeu, aplicou e desenvolveu o marxismo em meio de tenazes lutas de classes e luta de duas linhas, e seu pensamento filosófico segue sendo uma poderosa arma para desmascarar e lutar contra todo tipo de oportunistas e revisionistas. Seguindo seu magistral exemplo, buscamos escrever este artigo em meio e a serviço da reconstituição do Partido do proletariado em nosso país que dirija a Guerra Popular, assim como da reconstituição da Internacional Comunista. O fazemos também no marco da Celebração do Centenário da Grande Revolução Socialista de Outubro.
I. O materialismo dialético como uma das três partes integrantes do marxismo
A doutrina de Marx é todopoderosa porque é exata. É complexa e harmônica e oferece aos homens uma concepção do mundo integral, intransigente com toda superstição, com toda reação e com toda defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do melhor que a humanidade criou no século XIX: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês. (V.I. Lenin, Três fontes e três partes integrantes do marxismo).
No curso da aplicação criadora do marxismo À realidade concreta da Rússia, desde fins do século XIX, o camarada Lenin adquiriu uma compreensão complexa e profunda da doutrina de Marx. Lenin foi o primeiro a expor que o marxismo constituía-se de três partes: a filosofia marxista, a economia política marxista e o socialismo científico. Como caracterizou Lenin, são partes inseparáveis e harmônicas, por isso, o Presidente Gonzalo rechaça as concepções revisionistas que procuram extrair um suposto “método marxista” do conjunto da ideologia comunista, que pretendem ver um materialismo histórico sem materialismo dialético, ou ver O Capital sem a aplicação da lei da contradição: “A aplicação do materialismo dialético dá pé ao materialismo histórico e à compreensão científica da sociedade” [2], e “Se não houvesse entendido a dialética, não teriam sido capazes de desenvolver O Capital”.
O Presidente Gonzalo, desenvolvendo o estabelecido por Lenin, foi quem precisamente sistematizou que as etapas de desenvolvimento necessário da ideologia científica do proletariado correspondem a um salto de qualidade integral no conjunto dessas três partes. A questão filosófica em Lenin, assim como em Marx e no Presidente Mao, só pode ser compreendida se forem tomadas as três partes integrantes da ideologia como unidade. De igual forma, só podemos compreender o salto de qualidade dado por Lenin no materialismo dialético analisando o leninismo de maneira integrada a sua etapa precedente, o marxismo, e ao maoismo, posteriormente sistematizado e sintetizado pelo Presidente Gonzalo como sua nova, terceira e superior etapa de desenvolvimento.
Na primeira etapa da ideologia do proletariado, assim como na segunda, não há, portanto, um desenvolvimento separado da filosofia. Tanto no Manifesto do Partido Comunista (1848), como em O Capital (1867) o que nós vemos é, respectivamente, o materialismo dialético desenvolvido plenamente na concepção socialista da história e o descobrimento da lei econômica do desenvolvimento da sociedade moderna. Lenin corretamente concluiu que:
Se Marx não nos deixou uma “Lógica” (com maiúscula), deixou em troca a lógica de O Capital, e neste problema deveria ser utilizada a fundo. Em O Capital, Marx aplicou a uma só ciência a lógica, a dialética e a teoria do conhecimento do materialismo (não fazem falta três palavras: é uma e a mesma coisa), que tomou tudo o que havia de valioso em Hegel e o desenvolveu. (V. I. Lenin, Cadernos Filosóficos).
É incorreta, portanto, a avaliação academicista e revisionista segundo a qual o marxismo deixou pendente a questão filosófica, ou de método. O marxismo é um todo integral, não lhe faz falta um manuscrito perdido ou uma interpretação de uma passagem obscura. Como ideologia científica, o que o marxismo demanda é desenvolvimento e saltos, só possível através de sua aplicação rigorosa, que correspondam, necessariamente, aos desenvolvimentos e saltos da realidade social em geral e da luta de classes em particular. O grande Engels, em 1888, de maneira brilhante analisou quais tarefas restavam à filosofia depois do advento do marxismo e da concepção dialética da natureza:
[a interpretação marxista da história] põe fim à filosofia no campo da história, exatamente o mesmo que a concepção dialética da natureza faz à filosofia da natureza tão inecessária como impossível. Agora, já não se trata de tirar da cabeça as concatenações das coisas, mas sim de descobri-las nos próprios fatos. À filosofia despojada da natureza e da história não fica mais refúgio do que o reino do pensamento puro, no qual ela ainda fica de pé: a teoria das leis do próprio processo de pensamento, a lógica e a dialética. (F. Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia Clássica Alemã).
De uma maneira geral, podemos dizer que o salto de qualidade dado por Lenin na filosofia marxista, como parte do leninismo, corresponde à solução dessa tarefa filosófica ainda pendente de desenvolver-se destacada por Engels. Lenin, como veremos de maneira mais detalhada a seguir, em Materialismo e Empiriocriticismo e em seus Cadernos Filosóficos, solucionou de maneira extremamente fundamentada, como parte da luta de duas linhas contra o revisionismo, a questão da teoria marxista do conhecimento, com a sua teoria (materialista dialética) do pensamento como reflexo. Em seus Cadernos Filosóficos, Lenin também estabeleceu a tarefa filosófica que ainda demandava desenvolvimento:
Em resumo, a dialética pode ser definida como a doutrina da unidade dos contrários. Isto encarna a essência da dialética, mas quer explicações e desenvolvimento. (V.I. Lenin, Cadernos Filosóficos).
Como sabemos, Lenin deixou em forma de manuscrito um conjunto de observações riquíssimas sobre a dialética marxista. Esse material, a partir de um minucioso trabalho dirigido pelo Estado soviético, sob a direção do camarada Stalin, foi publicado em 1930 com o título Cadernos Filosóficos. Em 1937, o Presidente Mao, desde montanhas da base de apoio em Yenan, pouco tempo depois de concluir a Longa Marcha e iniciar a Guerra de Resistência Antijaponesa, cumpre a exigência leninista de “esclarecimentos e desenvolvimentos” da doutrina da unidade de contrários. A obra Sobre a contradição corresponde ao essencial do que representou o salto de qualidade maoista na filosofia marxista, quando logra estabelecer que a lei da contradição é a única lei fundamental da dialética. Tomados em conjunto o camarada Lenin e o Presidente Mao, em filosofia, respondem às questões pendentes apresentadas às futuras gerações de comunistas pelo grande Engels.
II. Quem são os amigos do povo?, a defesa e aplicação contundente de Lenin do materialismo histórico e dialético
A análise das relações sociais materiais (isto é, das que se estabelecem sem passar pela consciência dos homens: ao trocar produtos, os homens estabelecem relações de produção, inclusive sem ter consciência de que existe neles uma relação social de produção) permitiu no ato observar a repetição e a regularidade e sintetizar os regimes dos distintos países em um só conceito fundamental de formação social. (V.I. Lenin, Quem são os amigos do povo?).
Aos 24 anos, Lenin publicada quem são os amigos do povo?, o primeiro folheto de sua autoria que saiu à luz em São Petersburgo, quando ele já dirigia ali o grupo local de marxistas e o círculo operário central. Apesar da pouca idade, Lenin, a esta altura, já havia sido encarcerado e cumprido um ano relegado numa aldeia de Kazan. Conhecia de perto a vida e a luta dos camponeses e tinha estreitos laços com o proletariado russo. Desde um ponto de vista teórico, demonstrava grande domínio do marxismo e, particularmente, expressava um estudo detido de O Capital. Em seu primeiro folheto, Lenin assumiu a defesa do materialismo histórico, sua difusão e, especialmente, sua aplicação à análise da sociedade russa em luta contra as concepções dos populistas, principalmente, mas também dos “marxistas legais”.
Contra a acusação dos populistas de que não existia nenhuma obra de Marx na qual estivera exposta a concepção materialista da história, Lenin defendeu que, em todas as suas obras, Marx havia aplicado esta concepção e assinalou que precisamente a ideia fundamental de sua obra cume O Capital – como Marx mesmo expôs no prólogo desta obra – é demonstrar, mediante o estudo rigoroso dos fatos, a lei econômica do movimento da formação socioeconômica capitalista. E, ao analisar esta ideia fundamental, Lenin demonstrou o antagonismo irreconciliável entre o “materialismo dialético” e a sociologia subjetivista.
Assim, planteia como Marx chegou a sua ideia fundamental do processo natural de desenvolvimento das formação econômicas, “destacando dos diversos campos da vida da sociedade o da economia, destacando de todas as relações sociais as relações de produção, por ser as fundamentais, as primárias, que determinam todas as demais”. Em contraste, os sociólogos antes de Marx (e até nossos dias) se enfocavam no estudo das formas políticas e jurídicas, concebendo as relações sociais como estabelecidas de forma consciente pelos homens, apesar de a história evidenciar que “a massa se adapta inconscientemente a essas relações” e não tem noção delas como relações sociais históricas.
Lenin assinala que o marxismo, ao descobrir que a origem das ideias sociais (superestrutura) está nas relações de produção entre os homens (estrutura), brindou um critério objetivo para a análise dos fenômenos sociais e possibilitou o “aplicar a estas relações o critério científico geral da repetição”. Ao demonstrar que as relações sociais têm sua base nas relações de produção e estas, por sua vez, dependem do nível de desenvolvimento das forças produtivas, permitiu elevar à categoria de ciência a sociologia e a história. Por isso Lenin assinalou que sem esta concepção “não pode haver, tampouco, ciência social” e que o materialismo é a “única concepção científica” da história.
Lenin expõe como Marx aplicou rigorosamente a concepção e o método materialista dialético em O Capital: baseando-se na investigação exaustiva dos fatos, Marx descobriu as leis que regem o funcionamento e o desenvolvimento da formação social capitalista exclusivamente partido para isto da análise das relações de produção. Mas, complementa Lenin (e esta é uma ideia que rebate uma tergiversação comum do revisionismo e da intelectualidade burguesa até nossos dias), Marx não se limitou a isto, mas sempre analisou a superestrutura que se erigia sobre estas relações de produção:
O Capital teve um êxito tão imenso precisamente porque este livro de um “economista alemão” mostrou ao leitor toda a formação social capitalista como organismo vivo: com seus diversos aspectos da vida cotidiana, com a manifestação social efetiva do antagonismo de classes próprio de tais relações de produção, com sua superestrutura política burguesa que protege a dominação da classe dos capitalistas, com suas ideias burguesas de liberdade, igualdade etc., com suas relações familiares burguesas. (V.I. Lenin, Quem são os amigos do povo?).
Por outro lado, os populistas tergiversavam o marxismo afirmando que este baseava suas conclusões na “inelutabilidade do processo dialético”, acusando o marxismo, com isto, de hegelianismo, de querer encaixar a realidade nas triadas hegelianas. [3] E, com respeito às acusação de que o marxismo deduzia suas teses a partir do esquema das triadas de Hegel, Lenin assinala que esta era uma velha acusação estereotipada feita pelos críticos burgueses do marxismo. Enquanto Hegel deduzia a história a partir do movimento lógico do concreto, Marx, ao contrário, como afirma Engels: “estudava e indagava o processo real, e o único critério de uma teoria era para ele sua conformidade com a realidade. E, se ao fazê-lo, ocorria por vezes que o desenvolvimento de algum fenômeno social coincidia com o esquema de Hegel: tese – negação – negação da negação, isso não tinha nada de estranho, porque não é raro na natureza em geral”.
Mas os populistas, além disso, esgrimiam que existia “conflito entre a ideia da necessidade histórica e o significado da atividade individual” – ideia que até nossos dias continua sendo uma ideia martelada por reacionários e revisionistas contra o marxismo –, Lenin criticou esta ideia populista assim:
A ideia do determinismo, que estabelece a necessidade dos atos do homem e rechaça a absurda legenda do livre arbítrio, não anula em absoluto a inteligência nem a consciência do homem, como tampouco anula a valorização de suas ações. Ao contrário, somente a concepção determinista permite valorizar com rigor e tino, ao invés de imputar ao livre arbítrio o que venha em ganho. Do mesmo modo, tampouco, a ideia da necessidade histórica não menoscaba em nada o papel do indivíduo na história: toda a história se compõe precisamente de ações de indivíduo, que são inquestionavelmente os atores. A questão real que surge ao valorizar a atuação social do indivíduo consiste em saber quais são as condições que asseguram o êxito desta atuação, onde está a garantia de que essa atividade não resulte num ato individual que se funde em um mar de atos opostos. (V.I. Lenin, Quem são os amigos do povo?).
Mas Lenin, na luta contra os populistas, não só defendeu e expôs claramente a concepção materialista da história, mas também, e isto é o principal, a aplicou magistralmente ao analisar a sociedade russa com o fim de pôr bases ideológicas e políticas para a construção do Partido do proletariado e ganhar os operários e intelectuais revolucionários à revolução. Lenin, em sua análise da sociedade russa, demonstrou que na agricultura, a comunidade rural diferenciava cada vez mais em burgueses e proletários, e na indústria kustar predominava já o sistema de grande produção baseado no trabalho a domicílio, convertendo aos kustares em explorados pelo capital, principalmente comercial. Deste modo, a economia de mercado já era nesse momento “o pano de fundo da economia” russa.
Este último era negado pelos populistas que, usando o método subjetivo em sociologia, partiam do ideal da pequena produção, de considerar moralmente “bom” se os meios de produção estão unidos ao produtor e “mal” se não o estão, e a partir disto condenar o capitalismo e intentar negar os fatos de que a própria comunidade rural e a pequena indústria desenvolviam-se com força como agricultura e indústria capitalista. Lenin, mediante a análise materialista, chegou à conclusão de que os populistas eram ideólogos da pequena burguesia, que como tal buscavam saídas aos problemas do povo dentro do marco das relações burguesas de produção, razão pela qual não queriam destruir a exploração, mas atenuá-la, não promoviam a luta de classes, mas a conciliação.
Lenin chamou aos socialdemocratas russos a romper com todas as ideias pequeno-burguesas, com firmeza e clareza, planteou a missão histórica da socialdemocracia russa com estas palavras que fecham magistralmente sua obra mencionada.
É à classe dos operários que os socialdemocratas dirigem toda sua atenção e toda sua atividade. Quando seus representantes avançados assimilarem as ideias do socialismo científico, a ideia do papel histórico do operário russo, quando estas ideias alcançarem uma ampla difusão e entre os operários se criarem sólidas organizações que transformem a atual guerra econômica dispersa dos operários em uma luta consciente de classe, então o OPERÁRIO russo, pondo-se à frente de todos os elementos democráticos, derrubará o absolutismo e conduzirá O PROLETARIADO RUSSO (ao lado do proletariado DE TODOS OS PAÍSES) pelo caminho reto da luta política aberta à REVOLUÇÃO COMUNISTA VITORIOSA. (V.I. Lenin, Quem são os inimigos do povo?).
III. Materialismo e Empiriocriticismo, a formulação da teoria materialista dialética do conhecimento
A obra de Lenin, Materialismo e Empiriocriticismo, publicada em 1909, foi seu principal trabalho filosófico. Nele está fundamentado o principal aporte leninista à filosofia marxista, que é a sistematização da teoria materialista dialética do conhecimento denominada por Lenin como “teoria do reflexo”. Essa não foi uma obra expositiva, mas sim uma obra de combate, uma arma poderosa na luta de classes, durante a denominada “reação stolipiniana”, e uma luta de duas linhas dentro da Fração Bolchevique. Depois do período revolucionário de 1905-1907 sobreveio uma ofensiva contrarrevolucionária do governo czarista, que no tereno ideológico manifestou-se em um ambiente de decadência social [4], de onde proliferavam as publicações que promoviam o idealismo e atacavam o marxismo. Esta situação da luta de classes se reflete no partido, no qual um grupo de intelectuais empreendem uma crítica ao marxismo, especialmente contra seus fundamentos filosóficos, critica que eles camuflam como “melhoras” ao marxismo, feitas a partir das concepções filosóficas de Mach e Avenarius, que eram os mais destacados representantes da corrente filosófica denominada empiriocriticismo.
A feroz reação desencadeada na Rússia não era, entretanto, um fenômeno exclusivamente russo, mas internacional. Na época do imperialismo, a burguesia passava da democracia à reação em toda a linha, no econômico, político e ideológico. A aparição de posições revisionistas que buscavam fundamentação filosófica no empiriocriticismo, também eram uma realidade do movimento comunista na Europa. Kautsky, por exemplo, considerava que era possível “completar” o marxismo com a gnoseologia de Mach. Em seu artigo Marxismo e revisionismo, de 1908, Lenin afirma:
O caráter inevitável do revisionismo está determinado por suas raízes de classe na sociedade atual. O revisionismo é um fenômeno internacional. (…) a “divisão” no movimento socialista internacional de nossa época se produz já, agora, nos diversos países do mundo, essencialmente em uma mesma linha, o qual mostra o formidável passo adiante que se deu em comparação com o que ocorria até 30 ou 40 anos, quando nos diversos países lutavam tendências heterogêneas dentro do movimento socialista internacional único. (V.I. Lenin, Marxismo e revisionismo).
Na sociedade russa, o empiriocriticismo será defendido, também, por intelectuais que haviam aderido à Fração Bolchevique, dentro dos quais estavam Bogdanov, Bazarov e Lunacharski. Em sua obra, Lenin aplastrou essas posições revisionistas. O menchevique Plekhanov, ao atacar a influência internacional do empiriocriticismo, de forma oportunista tentava associar essa filosofia burguesa ao bolchevismo. Em Materialismo e empiriocriticismo, estava nas mãos de Lenin, portanto, a tarefa extremamente complexa de combater uma filosofia burguesa reacionária, que tentava indevidamente apropriar-se dos últimos descobrimentos das ciências naturais; de combater o revisionismo internacional; de esmagar essa posição que tentava infiltrar-se entre os bolcheviques; e de rechaçar os mencheviques na crítica limitada e insuficiente de Plekhanov ao empiriocriticismo. Nesta obra teórica de combate estão os fundamentos ideológicos da Reconstituição do Partido, dirigida por Lenin, e a qual consumou-se em 1912.
A revolução nas ciências naturais e a falsa generalização empiriocriticista
Os filósofos burgueses Mach e Avenarius iniciaram sua carreira acadêmica na década de 1870, dentro do período conhecimento como retorno a Kant, ocorrido nas universidades alemãs e austríacas. No ano 1896 é descoberto o fenômeno da radioatividade e seguidamente se descobre a existência do elétron, partícula atômica de carga elétrica negativa e massa quase igual a zero. Mediante essas descobertas revolucionárias, Mach e Avenarius vão desenvolver o empiriocriticismo, um conjunto de generalizações filosóficas idealistas e reacionárias (como os devaneios de “desaparecimento da matéria”, ou de “movimento sem matéria”), supostamente apoiado nesses avanços científicos. Uma das grandes tarefas de Lenin foi demonstrar a inconsequência e falsidades dessas generalizações, defendendo que todo o avanço da física de então comprovava, mais uma vez, a materialidade do mundo e a dialética do processo do conhecimento. Engels havia concluído muito justamente que todo descobrimento transcendental no campo da história natural obriga o materialismo a modificar sua forma. Essa foi uma das tarefas fundamentais do grande Lenin para impor uma derrota consistente e decisiva contra o revisionismo.
Os filósofos burgueses Mach e Avenarius
Mas, ao fim das contas, o que é a filosofia empiriocriticista? O empiriocriticismo, como Lenin nos informa, se apresentava como uma corrente filosófica que pretendia superar a “unilateralidade”, tanto do idealismo como do materialismo. Os empiriocriticistas tomavam nossas sensações como uma realidade com existência objetiva. Para eles, qualquer especulação que sobrepassava os limites da “experiência” era dogmatismo. A posição empírica se baseava no sensorial, aparentemente aproximava o empiriocriticismo ao materialismo. Lenin, por sua vez, desmascara essa farsa e revela que o empiriocriticismo, de forma alguma, se situava acima das correntes idealistas e materialistas, muito menos se aproximava do materialismo, o empiriocriticismo não era outra coisa que puro idealismo. Lenin revela que quando diziam que todos os objetos do mundo existem apenas como sensações, o que os empiriocriticistas queriam era eliminar a matéria objetiva que existe independentemente de nossa observação, o qual é origem e causa de todas nossas sensações.
Para explicar a concepção de mundo e a gnoseologia empiriocriticista, Lenin toma o próprio exemplo de Mach, em que este diz que podemos ver a ponta de uma agulha sem experimentar a picada, que a ponta visível é a medula constante, que a picada é algo acidental, que pode ou não acompanhar essa medula; segundo Mach, a repetição desses acidentes cria nos homens o hábito de associar essas medulas constantes a determinadas sensações (neste caso, a picada); para Mach, conhecemos unicamente essas sensações, portanto, para sua teoria do conhecimento, a hipótese da existência daquela medula constante é completamente desnecessária. Do ponto de vista filosófico, o empiriocriticismo aparente certo absurdo, pois o idealismo é sempre um contra-sentido lógico, no entanto, a questão se torna mais complexa quando toma o terreno político. O empirismo, como o pragmatismo, tão comuns nas organizações revolucionárias, nada mais são do que uma variante da mesma base filosófica do empiriocriticismo. O militante empirista julga sua experiência individual como critério da verdade, da mesma forma que Mach e Averanius consideravam que a sensação pode conceber-se como existente.
A colocação do problema filosófico por Engels
Lenin, refutante a falsa superação da “unilateralidade do materialismo e do idealismo” dos empiriocriticistas, retoma a fundamentação do problema feita por Engels, que assinala em seu Ludwig Feuerbach que o pensamento filosófico se divide em dois grandes campos de acordo a como concebem “o problema supremo de toda filosofia”: a relação entre o ser e o pensamento. O materialismo defende que o ser é o primário e que o pensamento é secundário, o idealismo defende o contrário. E ligado a isto há outra questão importante que é colocada: “Que relação guardam nossos pensamentos acerca do mundo que nos rodeia com este mesmo mundo? O nosso pensamento é capaz de conhecer o mundo real; podemos nós, em nossas ideias e conceitos acerca do mundo real, formarmos uma imagem exata da realidade?
Para o materialismo – afirma Lenin – a matéria é o primário e a sensação e a consciência são secundários; a sensibilidade é uma propriedade de formas orgânicas superiores. E, uma vez mais citando Engels: “O materialismo: reconhecimento dos ‘objetos em si’ ou fora da mente; as ideias e as sensações são cópias ou reflexos destes objetos. A doutrina oposta (o idealismo): os objetos não existem ‘fora da mente’; os objetos são ‘combinações de sensações’”. Da caracterização precisa de Engels, não resta dúvida sobre a base idealismo e agnóstica dos empiriocriticistas. Ainda que estes não expressem a posição explícita do idealismo, de uma razão, deidade ou deus como origem do mundo, e situaram a realidade como um complexo de sensações, adotaram a posição idealista de negar a existência dos objetos independente de nosso pensamento e nossas sensações. Por outro lado, os empiriocriticistas diziam que o único possível de ser conhecimento são as representações provenientes de nossos órgãos sensoriais, que a única relação causal e necessária possível de ser estabelecida está no âmbito destas representações, e ao defender isto adotam a posição agnóstica de impossibilidade do conhecimento objetivo da realidade que nos circunda. Como precisamente afirmou Lenin, a postura dos empiriocriticistas, em relação a nossos órgãos dos sentidos, é:
O sofisma da filosofia idealista consiste em considerar a sensação, não como um vínculo da consciência com o mundo exterior, mas como um divisória, um muro que separa a consciência do mundo exterior (…).” (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
A sensação, portanto, é o vínculo com o mundo exterior, mas este existe independentemente da percepção sensorial. Quando os empiriocriticistas afirmam que os corpos são complexos de sensações, estão pressupondo que o mundo físico e natural só existe na medida em que são percebidos pelos seres humanos. Essa condição de existência dependente do mundo exterior é chamada por Avenarius de conexão indissolúvel entre “o meio e o Eu”. Ou seja, o mundo objetivo só existe na medida que é percebido pelo sujeito. Lenin vai desmascarar como essa concepção idealista do mundo é completamente incompatível com todo o conhecimento acumulado pelas ciências naturais. Lenin demonstra como as teses do “complexo de sensações” e “Eu indissolúvel unido ao meio” são absurdas frente ao fato comprovado pela ciência da existência da terra antes da existência do homem. Esta fato só pode ser explicado partindo do ponto de vista materialista que afirma que a matéria é o primário e o pensamento, a consciência e a sensação são derivados, são produtos de um alto desenvolvimento da matéria, e que o mundo exterior, que se reflete em nossa consciência através dos sentidos, existe independente de nosso pensamento.
Nossas sensações, nossa consciência são só a imagem do mundo exterior, e dela compreende0se que o reflexo não pode existir sem o refletido, enquanto que o refletido existe independentemente do que o reflexe. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
A filiação filosófica do empiriocriticismo
Como parte da crítica ao empiriocriticismo, preparando os argumentos demolidores contra o revisionismo empiriocriticista, Lenin analisa as origens filosóficas das concepções de Mach e Averanius, particularmente a relação do pensamento destes com as filosofias de Kant, Hume e Berkeley. A crítica ao kantismo tinha particular importância, como já o planteara Lenin em Marxismo e revisionismo, no qual analisa a base filosófica neo-kantiana do revisionista Bernstein. Lenin caracteriza Kant, partindo do ponto de vista ideológico, como a tentativa burguesa de conciliação entre materialismo e idealismo:
Quando Kant admite que às nossas representações corresponde algo existente fora de nós, uma certa coisa em si, então ele é materialista. Quando declara esta coisa em si incognoscível, transcendente, ultraterrena, então ele diz como idealista. Reconhecendo como única origem de nossos conhecimentos a experiência, as sensações, Kant orienta sua filosofia pela linha do sensualismo e, através do sensualismo, sob certas condições, toma a linha do materialismo. Reconhecendo a aprioridade do espaço, do tempo, da causalidade etc., Kant orienta sua filosofia até o idealismo. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
A posição dos empiriocriticistas parte dessa conciliação kantiana, própria da burguesia, para posições filosóficas ainda mais atrasadas, como as do empirismo e idealismo inglês do século XVII. Se para os empiriocriticistas a sensação é um muro que interpõe o pensamento e os corpos, para Kant a razão é a divisória entre os fenômenos e suas respectivas essências. Os empiriocriticistas apoiam-se justamente nos aspectos idealistas da filosofia kantiana, concordam que nosso entendimento só pode alcançar o conhecimento daquilo que nos é dado por nossa observação; e, além de concordar com a incognoscibilidade da coisa em si, retrocedem até o ponto de vista cético de Hume que afirma ser impossível dizer se as causas das sensações são de fato uma realidade objetiva independente de nossa percepção. Ou seja, apoiados no agnosticismo de Kant, negam a realidade objetiva do mundo.
A “crítica” que Mach e Avenarius fazem a Kant é contra o apriorismo, isto é, a existência de categorias lógicas anteriores à experiência que determinam as possibilidades de nossas observações e de nosso entendimento. Mas, fazem essa crítica não partindo da dialética, que revela que essas categorias lógicas são justamente o reflexo no pensamento humano do movimento objetivo da matéria, em suas diferentes qualidades, a partir da ação transformadora do homem desta mesma realidade material. A crítica empiriocriticista ao apriorismo de Kant é a crítica empirista que desestima o segundo salto do processo do conhecimento, que nega a existência de uma verdade objetiva, presente em todas as coisas, como parte de uma verdade absoluta que pode ser descoberta pelo pensamento humano através de sua percepção sensorial, mas que não fica nela.
Como parte da crítica histórica ao empiriocriticismo, Lenin demonstrava a filiação de Mach e Avenarius ao idealismo subjetivista do bispo inglês Berkeley. Assim como os empiriocriticistas, Berkeley dizia que o ser das coisas está em sua percepção, que só existem as sensações, que a hipótese da existência de um mundo material anterior a essas sensações era uma posição dogmática e metafísica, que a realidade material do mundo não podia ser comprovada pela filosofia, etc.. Lenin nos mostra que o que não se mantém em pé é justamente o idealismo subjetivo, pois como sistema filosófico só pode sustentar-se a partir dos supostos deístas, de que todos os humanos e todo o mundo são sensações de uma inteligência superior, ou seja, deus. Sem uma explicação divina como causa de todas as sensações que nos chegam a nossa percepção, a filosofia de Berkeley chega ao absurdo filosófico do solipsismo, que é a conclusão ilógica de que só existe o Eu, todas as outras coisas, inclusive os outros seres humanos, são sensações minhas, às quais não posso atribuir uma existência independente do meu Eu. Lenin demonstrara filosoficamente o empiriocriticismo mostrando com suas teorias de complexos de sensações, de coordenação entre o Eu e o meio, levavam inevitavelmente ao solipsismo de Berkeley, uma filosofia sustentada na religião.
Contra o idealismo subjetivo, de sua absurda lógica solipsista, Lenin cita uma passagem na qual o filósofo materialista francês do século XIX, Diderot, afirma que essa concepção é a mais absurda e a mais difícil de ser refutada teoricamente. Como resposta de Marx a essa questão (da existência do mundo objetivo e da possibilidade de seu conhecimento), Lenin vai-nos trazer as Teses sobre Feuerbach (1845), nas quais nos diz o fundador do comunismo: o problema de se o pensamento humano pode atribuir uma verdade objetiva não é um problema teórico, mas um problema prático; é na prática onde o homem tem que demonstrar a verdade, a realidade e a potência, a terrenalidade de seu pensamento; a pugna sobre a realidade ou irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico.
A gnoseologia revisionista e empiriocriticista
Ao retomar o conceito científico de Engels sobre qual é o verdadeiro critério de distinção entre o materialismo e o idealismo, isto é, da existência anterior do mundo objetivo em relação ao ser humano e da independência dessa existência em relação ao sujeito, ao precisar essa definição, Lenin já combatia firmemente os revisionistas russos, que apoiando-se nos “descobrimentos filosóficos de Mach”, repetiam a suposta superação da distinção entre materialismo e idealismo. Ao demonstrar, a partir dos critérios de Engels, o caráter idealista e agnóstico da filosofia empiriocriticista, Lenin develava o caráter não marxista da filosofia dos revisionistas russos. Foi revelando a filiação de Mach e Avenarius às filosofias de Kant, Hume e, sobretudo, de Berkeley, que Lenin demoliu toda a fundamentação filosófica dos empiriocriticistas russos. Feita essa crítica, só restava revelar a própria letra desses revisionistas e sua renegação ao marxismo; é o que Lenin faz ao desmascarar tanto a gnoseologia de Bogdanov, assim como suas “correções” ao materialismo histórico de Marx.
O revisionista Bogdanov formulou sua gnoseologia baseado em dois princípios fundamentais do empiriocriticismo: o idealismo e o agnosticismo. Assim como Mach, para o idealismo Bogdanov, o mundo físico é a “experiência socialmente acordada”, ou seja, o mundo físico não existe objetivamente, ele é o resultado de nossa experiência sensorial, o que chamamos de mundo é a sensação compun que temos, é o resultado da interpretação dessas sensações e de forma alguma do descobrimento das leis objetivas que regem o mundo. Assim como todos os agnósticos, Bogdanov afirma que as leis não pertencem absolutamente à esfera da experiência, são apenas as criações do pensamento para organizar essa experiência.
Lenin demonstrou que Bogdanov, ao negar a existência de leis que regem os fenômenos independentemente da percepção humana, nega a existência da verdade objetiva e da verdade absoluta. Para o materialismo dialético a verdade objetiva é aquela que existe na natureza ou na base econômica da sociedade e independentemente da observação ou da vontade de um sujeito. Como caracteriza Hegel, essa verdade corresponde à necessidade inerente a um fenômeno. Os descobrimentos dos homens, segundo a filosofia marxista, correspondem à verdade relativa, que sempre se aproximam a essa verdade objetiva sem nunca abarcá-la em sua totalidade, porque a realidade está sempre em constante transformação. Segundo Engels, a soma das verdades relativas constituem a verdade absoluta.
A gnoseologia revisionista de Bogdanov, como revela Lenin, constitui justamente a negação da verdade objetiva e da verdade absoluta. Segundo as próprias palavras de Bogdanov: a verdade é uma forma ideológica, uma forma organizada da experiência humana. Lenin revela o idealismo dessa proposição ao afirmar que se a verdade é só uma forma ideologia não poderia haver verdade independente do sujeito, da humanidade. Revela assim o caráter falso dessa conclusão, pois se a verdade é uma verdade apenas relativa, uma forma ideológica, o catolicismo também o é. Seria então a religião uma forma da verdade? Essa é a consequência do raciocínio revisionista da negação da verdade objetiva e absoluta feita por Bogdanov, depois de tudo, a doutrina da religião teria um significado universal mais vasto que a doutrina da ciência. Nesse sentido, Lenin não nega o caráter ideológico da verdade, pelo contrário, defende que só a ideologia científica é a verdadeira:
Em uma palavra, toda ideologia é historicamente condicional, mas é incondicional que a toda ideologia científica (a diferença, por exemplo, da ideologia religiosa) corresponde uma verdade objetiva, uma natureza absoluta. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
Como resultado da fundamentação empiriocriticista da igualidade entre a sensação e a realidade exterior, a principal inovação revisionista de Bogdanov, no campo da sociologia, corresponde a igualdade entre o ser social e a consciência social. Bugdanov afirma que: em sua luta pela existência, os homens não podem associar-se mais do que por meio da consciência: sem consciência não existe relação. Por isso, a vida social é em todas suas manifestações uma vida psíquica consciente. E, utilizando o conceito filosófico de “identidade”, no sentido de igualdade, conclui que: o ser social e a consciÇencia social, no sentido estrito de ambos os termos, são idênticos. Como Lenin já havia explicado, de maneira bastante completa e profunda, em Quem são os amigos do povo?, para Marx o ser social são as relações sociais, dentro das quais a principal, portanto, a determinante, é a relação de produção; são as relações de produção as que, em última instância, determinam a superestrutura ou a consciência social. Quando Bogdanov igual a consciência social ao ser social, simplesmente está subtraindo o fundamento materialista da análise histórica do marxismo. Assim está decaindo até a análise subjetivista dos populistas russos, criticada por Lenin em 1894. Da mesma forma que este revisionista considera a verdade relativa como uma negação não dialética da verdade absoluta, para ele a existência da consciência nas relações entre os homens negaria o caráter inconsciente estabelecido pelos homens em suas relações econômicas. Lenin, de forma brilhante, refuta assim essa sociologia revisionista:
Todo produtor isolado na economia mundial, tem consciência de introduzir alguma modificação na técnica da produção; todo proprietário tem consciência de que troca certos produtos por outros, mas esses produtores e esses proprietários não têm consciência de que com isso modificam o ser social. (…) Tudo o mais, se tem descoberto as leis destas modificações, se tem demonstrado no principal e no fundamental a lógica objetiva destas modificações e de seu desenvolvimento histórico (…), senão no sentido de que o ser social é independente da consciência social dos homens. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
Desta maneira, Lenin critica os revisionistas empiriocriticistas não apenas por sua falta de sua falta de materialismo, mas também por sua incapacidade dialética. Na sociologia de Bogdanov, isto se expressa no fato de que não analisa a consciência e a inconsciência nas relações econômicas como unidade de contrários, da mesma forma que em sua gnoseologia machista (de Mach) não consegue perceber que a verdade absoluta e a verdade relativa também constituem uma unidade contraditória. Na análise das generalizações filosóficas feitas a partir da revolução na Ciência da Natureza, na troca do século XX, Lenin demonstra cabalmente que o idealismo dessas generalizações não se funda no caráter dos novos descobrimentos, mas sim, se baseiam unicamente na falta de domínio do pensamento dialético por parte dos físicos e cientistas em geral. Ao não ver uma relação dialética entre a verdade relativa e a verdade absoluta, esses investigadores, frente aos descobrimentos revolucionários ocorridos na física, tendiam a cair num relativismo ao negar o caráter objetivo da verdade. Esse fenômeno repetir-se-ia rapidamente na física, com a Teoria da Relatividade de Einstein, que Lenin comenta em Sobre o significado do materialismo militante, e com os descobrimentos que levariam à fundação da denominada “física quântica”, cujos descobrimentos são empregados de forma abusiva como falsos pressupostos para todo tipo de revisionismo e de teorias pós-modernistas. Como nos mostra Lenin, os novos descobrimentos não falam da não existência do mundo, mas no falam de uma aproximação ainda maior de nossa verdade relativa em direção à verdade absoluta.
“A matéria desaparece”: isto quer dizer que desaparecem os limites dentro dos quais conhecíamos a matéria até agora, e que nosso conhecimento se aprofunda; desaparecem propriedades da matéria que anteriormente nos pareciam absolutas, imutáveis, primárias (impenetrabilidade, inércia, massa etc.) e que hoje se revelam como relativas, inerentes somente a certos estados da matéria. Porque a única “propriedade” da matéria com cuja admissão está ligado o materialismo filosófico é a propriedade de ser uma realidade objetiva, de existir fora de nossa consciência. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
Lenin mostrou como essa tendência entre os cientistas era fruto da própria prática social limitada destes investigadores, dentro da sociedade capitalista, o que constituía a base objetiva e de classe para as limitações filosóficas desses grandes cientistas, mas péssimos filósofos. Esse aspecto ideológico e de classe da filosofia é denominado por Lenin de caráter partidista da filosofia, caráter que sempre dividiu as diferentes correntes filosóficas ao longo da história do pensamento da humanidade entre as correntes que serviam às massas, por um lado – isto é, aquelas que tendiam ao materialismo e à dialética e sustentavam a posição política da possibilidade e da necessidade de transformar o mundo objetivo no qual vivemos – e, por outro lado, as correntes no campo do idealismo e da metafísica.
A teoria do reflexo de Lenin
Lenin não sistematiza a teoria materialista do conhecimento como uma inovação separada do marxismo, pelo contrário, desenvolve a Teoria do Reflexo como um desenvolvimento do próprio marxismo sobre novas condições da luta de classes, o imperialismo, e sobre uma nova forma de luta de duas linhas contra o revisionismo em sua busca por fundamentar sua concepção idealista e metafísica com os novos descobrimentos das ciências naturais. Lenin sistematiza a teoria marxista do conhecimento a partir do desenvolvimento do materialismo histórico dialético, generalizando o específico da sociologia à questão central da filosofia.
Que a consciência em geral reflete o ser, é uma tese geral de todo materialismo. E não é possível não ver sua conexão direta e indissolúvel com a tese do materialismo histórico que diz: a consciência social reflete o ser social. (Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
Da conclusão materialista histórica e dialética de Marx, no estudo da sociedade humana, de que a consciência social reflete o ser social, isto é, que a superestrutura de uma sociedade é determinada, em última instância, por sua estrutura econômica, dessa grande lei social descoberta por Marx, Lenin concluiu que o pensamento é reflexo do ser. A tese leninista resolve a questão suprema da filosofia destacada por Engels e está em total consonância com os critérios materialistas dialéticos estabelecidos por este mestre do proletariado internacional: de que o ser é anterior ao pensamento e que o pensamento pode conhecer ao ser.
Na Teoria do Reflexo, Lenin nos ensina que as sensações são a única via de acesso ao conhecimento, ou seja, os pensamentos não brotam do cérebro, não são uma secreção cerebral, como supunham os materialistas vulgares do século XVIII. Todas nossas ideias passam antes por nossas sensações. Essas sensações constituem a imagem dos objetos materiais existentes independentes de nossa percepção; nosso pensamento, por sua parte, constitui o reflexo desses objetos. Refletir um objeto material corresponde a conhecer a essência de um fenômeno determinado. Esse pensamento é verdadeiro na medida em que reflete a verdade objetiva presente na matéria, essa verdade objetiva são as leis necessárias de um determinado fenômeno, essas leis existem independentemente de nossas sensações e nossos pensamentos. No entanto, a verdade desse reflexo é relativa e constitui sempre uma aproximação à verdade absoluta que é o conjunto infinito de leis que regem a matéria infinita e eterna em sua constante transformação. O critério dessa verdade não pode encontrar-se nem nas sensações (como queriam os empíricos) nem no pensamento puro (como queriam os racionalistas). O único critério possível para que se estabeleça o pensamento como reflexo e abarcar a essência de um fenômeno é a prática social. Na Teoria do Reflexo, leninista, a prática é a base do processo de conhecimento, pois é dela que originam todas as sanções que se convertem em reflexos, como também a prática é o critério decisivo para comprovar a correspondência ou não desses pensamentos com a realidade.
Ao formular a Teoria do Reflexo, Lenin não só combate o idealismo dos empiriocriticistas e dos revisionistas machistas russos, mas ele contrapõe ainda alguns aspectos metafísicos da formulação materialista de Dietzgen. Lenin destaca de maneira relevante o papel revolucionário da obra desse grande operário que chegou, de maneira independente, a conclusões análogas às de Marx e Engels no campo da filosofia. No entanto, apresenta algumas inconsequências importantes em seu pensamento filosófico. Lenin está de acordo quando Dietzgen afirma que o pensamento é produto do cérebro, mas não concorda com suas conclusões de que a representação sensorial também seja material, de que o espírito não se diferencie nem de uma mesa, da luta, do som, de que essas coisas distinguem-se umas das outras. Lenin afirma que o fato de o pensamento e a matérias serem reais, isto é, que existem, é uma verdade materialista, mas “qualificar o pensamento de material é dar um passo em falso para a confusão entre materialismo e idealismo” (p. 267). Lenin crtiica a visão de Dietzgen que defendia que o conceito de matéria deveria ser ampliado de maneira a compreender todos os fenômenos da realidade e também nossa capacidade de conhecer:
É uma confusão pretender que na noção da matéria seja incluída também o pensamento, como repete Dietzgen em suas Excursões, posto que com tal inclusão perde sentido a antítese gnoseológica entre a matéria e o espírito, entre o materialismo e o idealismo, antítese na qual o próprio Dietzgen insiste. (V. I. Lenin, Materialismo e empiriocriticismo).
O camarada Lenin mostra que dita ampliação, aparentemente unificadora e monista, na verdade corresponde à ocultação da matéria como primária, da matéria como “limite do espírito”. Ao destacar como uma antítese o pensamento e a matéria, isto é, como uma contradição, Lenin dá um caráter profundamente dialético à sua Teoria do Reflexo; isto não está em oposição à concepção monista do mundo, própria do materialismo, que é a concepção de que não existem dois mundos (um material e um social), mas apenas um. No entanto, essa unidade material do mundo só pode ser uma unidade dialética, pois se tudo fosse uma mesma substância, seja material ou ideal, não haveria sentido falar de unidade, pois a unidade pressupõe uma diferença e toda diferença é uma contradição. Ao dizer que o pensamento não pode ser confundido em um mesmo conceito com a matéria, Lenin destaca o mérito do “materialista dialético Dietzgen” de caracterizar que a antítese entre pensamento e matéria não deve ser muito excessiva, isto é, esses conceitos são uma contradição dialética e não metafísica. Essa antítese não muito excessiva está relacionada primeiramente com o fato de que o pensamento é um produto, uma manifestação da matéria, ou, como afirma Lenin de forma brilhante: “a consciência é um estado interno da matéria”. Ou seja, o pensamento é interno a um determinado processo de movimento da matéria, não de qualquer ou de todos eles, mas resultado do desenvolvimento natural do cérebro humano, que segundo a justa definição leninista, constitui o órgão do pensamento.
IV. Cadernos Filosóficos, a dialética como teoria marxista do conhecimento e a lei da contradição
A dialética é precisamente a teoria do conhecimento (de Hegel e) do marxismo: eis aqui em qual “aspecto” da questão (e isto não é um “aspecto” da questão, mas a essência da questão) no qual não fixou sua atenção Plekanov, sem falar de outros marxistas. (V. I. Lenin, Sobre a questão da dialética).
Nos anos de 1914-1916, período em que estava-se desenvolvimento a Primeira Guerra Mundial, Lenin escreve vários resumos e fragmentos que formam parte de seus Cadernos Filosóficos, dentro dos quais se destacam o Resumo da Ciência da Lógica de Hegel e o fragmento Sobre a questão da dialética. Nestes documentos, Lenin aprofunda seus conhecimentos sobre a dialética e a partir daí dá um grande avanço na teoria leninista do conhecimento, a Teoria do reflexo, e um importante salto na sistematização da contradição como única lei da dialética.
Em primeiro lugar, ainda que não seja o aspecto mais importante, devemos tomar os Cadernos Filosóficos como um complemento necessário a Materialismo e empiriocriticismo. O estudo pormenorizado da obra filosófica de Hegel aumentou o instrumental leninista para a crítica ao empiriocriticismo e, em particular, para uma demarcação mais clara, no campo filosófico, com as posições de Plekanov:
Sobre o problema da crítica ao kantismo contemporâneo, do machismo etc. 1) Plekanov critica o kantismo (e o agnosticismo em geral), mais de um ponto de vista materialista vulgar do que partindo de um ponto de vista dialético, na medida em que simplesmente rechaça suas opiniões a limine (desde o umbral), mas não os corrige (como Hegel corrigiu a Kant), aprofundando-os, generalizando-os e ampliando-os, mostrando a conexão e as transições de todos e cada um dos conceitos. 2) Os marxistas criticaram (em princípio do século XX) os kantianos e os discípulos de Humo, mais como Feuerbach (e como Büchner) do que como Hegel. (V. I. Lenin, Resumo do Livro de Hegel ‘Ciência da Lógica’).
Neste sentido, Lenin confirma o anteriormente destacado por Engels, de que a crítica decisiva a Kant que vem desde Hegel, e o que esta mesma teve em profundidade em Feuerbach, foi somente ingênuo. O que nos interessa no momento atual, por outra parte, é perceber como a maior compreensão da dialética através da crítica de Hegel a Kant armou Lenin para esse importante desenvolvimento de sua Teoria do Reflexo. Lenin passa a perceber com maior clareza dois aspectos já abordados em Materialismo e empiriocriticismo, mas até então não plenamente desenvolvidos. Em primeiro lugar, percebe a dialética do processo refletivo do pensamento: o pensamento reflete a matéria e a prática confirma a verdade desse pensamento. Lenin compreende melhor o sentido do conceito de identidade, que desde o ponto de vista dialético corresponde à transformação de um aspecto em seu contrário:
A dialética como conhecimento vivo, multilateral (…) eis aqui o conhecimento incomensuravelmente rico, em comparação com o materialismo “metafísico”, cuja desgraça principal é a de não ser capaz de aplicar a dialética à Bildertheorïe (Teoria do Reflexo) ao processo e desenvolvimento do conhecimento. (V. I. Lenin, Sobre a questão da dialética).
Neste sentido, Lenin estava percebendo o duplo sentido dialético da reflexão, de como a matéria se reflete no pensamento e de como a prática é a transformação do pensamento em objetividade, de como o processo do conhecimento não é um processo passivo ou um reflexo espontâneo:
“A consciência do homem não só reflete o mundo objetivo como o cria” (V. I. Lenin, Resumo do Livro de Hegel ‘Ciência da Lógica’, p. 192).
Um segundo aspecto no qual Lenin avança em sua Teoria do Reflexo é quando percebe que há também um movimento dialético na representação da sensação no pensamento reflexivo:
“É dialética não só a transição da matéria à consciência, mas também da sensação ao pensamento, etc.” (V. I. Lenin, Resumo do Livro de Hegel ‘Lições da história da filosofia’, p. 245).
A abstração da matéria, de uma lei da natureza, a abstração do valor etc.; em uma palavra, todas as abstrações científicas (corretas, sérias, não absurdas) refletem a natureza de forma mais profunda, veraz e completa. Da percepção viva ao pensamento abstrato, e deste à prática: tal é o caminho dialético do conhecimento da verdade, do conhecimento da realidade objetiva. (Resumo do Livro de Hegel, Ciência da Lógica).
No entanto, como afirmamos acima, o avanço mais importante destacado por Lenin em seus Cadernos Filosóficos, foi caracterizar a contradição como a essência da dialética, questão que posteriormente foi plenamente desenvolvida pelo Presidente Mao. As conclusões leninistas são um importante avanço em relação à sistematização feita por Engels, que falava de três leis fundamentais: 1) unidade e luta dos contrários; 2) transformação da quantidade e qualidade; 3) negação da negação. A definição da lei da contradição como única lei fundamental da dialética corresponde ao que o Presidente Gonzalo denominou “monismo filosófico”. Será em seus Cadernos Filosóficos onde Lenin mais avançara nesta questão:
A divisão de um todo único e o conhecimento de suas partes contraditórias… é a essência da dialética. (Sobre a questão da dialética).
A condição para o conhecimento de todos os processos do mundo em seu “automovimento”, em seu desenvolvimento espontâneo, em sua vida real, é o conhecimento dos mesmos como uma unidade de contrários. O desenvolvimento é a “luta” de contrários. (Sobre a questão da dialética).
Nas citações acima estão contidos os aspectos mais importantes que resultam da compreensão da contradição é a essência da dialética: tudo se divide em dois, conhecer os aspectos dessa contradição é a essência da dialética; todos os processos do mundo (físicos, naturais e sociais) se dão como “unidade de contrários” e se dão em conexão através da contradição, só assim é possível o conhecimento desses processos; os contrários são mutuamente excludentes e em determinadas condições transformam-se uns nos outros. O movimento da natureza e da sociedade é dialético, o movimento do pensamento para conhecer a natureza e a sociedade deve, necessariamente, ser também dialético. O pensamento como reflexo da sociedade ou da natureza deve ser dialético para conseguir refletir a essência desses fenômenos, em si dialéticos. Somente com o desenvolvimento da Lei da Contradição é possível a correta solução da questão planteada por Engels, como parte do problema supremo da filosofia que é o da “identidade entre o pensamento e o ser”.
V. O problema da identidade entre o pensamento e o ser e entre a consciência social e o ser social
Como o próprio camarada Lenin afirmou, um dos problemas centrais da dialética, de sua essência que é a contradição, é a questão da identidade dos contrários. Nesta questão é possível notar um expressivo desenvolvimento da posição leninista nos Cadernos Filosóficos em relação ao Materialismo e empiriocriticismo. De uma forma geral, na sistematização filosófica de Lenin, a questão da dialética vai ganhando maior importância no curso do processo revolucionário. Isso não significa que Lenin não aplicou a dialética e a própria lei da contradição em suas obras anteriores a 1914. A riqueza das obras como Que Fazer?, de 1903, Duas táticas da socialdemocracia, em 1905 e, claro, o próprio Materialismo e empiriocriticismo são provas cabais do grande manejo de Lenin na aplicação da dialética.
Não é necessário compreender profundamente a sistematização filosófica marxista, o materialismo dialético, para conseguir assimilar as obras básicas do marxismo, seja o Manifesto do Partido Comunista ou O Capital. No entanto, para que determinada teoria seja aplicada a uma realidade diferente, ou em uma época diferente, o domínio filosófico se torna fundamental para a aplicação criadora e o desenvolvimento da ideologia científica do proletariado.
A importância de perceber o desenvolvimento no processo de sistematização da filosofia marxista ao longo da obra de Lenin nos serve para perceber que sua filosofia completa deve ser tomada a partir do conjunto: Materialismo e empiriocriticismo e Cadernos Filosóficos. Tomar somente uma dessas obras pode conduzir a erros de unilateralidade. A apreensão dos conteúdos dos Cadernos, por não ser uma obra acabada, evidentemente é mais difícil. Esse conteúdo só foi devidamente sistematizado e desenvolvido pelo maoismo, por isso outras posições que pretendem desenvolver o leninismo sem considerar a terceira etapa derivarão, inevitavelmente, em desvios metafísicos.
Em sua obra Quem são os amigos do povo?, Lenin trata a dialética como uma forma de linguagem e expressão utilizada por Marx, como marca de origem hegeliana da doutrina, no entanto, refuta categoricamente a “triada” como expressão da dialética citando o mesmo Marx que partia da análise do objeto, coisa, fenômeno, como contradição, dialéticos. O materialismo é apresentado como uma concepção de mundo e a dialética como um método. Essa sistematização da dialética como um método e não com um caráter ideológico teve grande influência no pensamento filosófico soviético depois da morte de Lenin. Na monumental obra História da Filosofia, organizada pela Academia de Ciências da URSS, sob a direção de Dynnik, essa visão está bastante presente e conduz a uma apreciação excessivamente crítica de Hegel. Nos Cadernos Filosóficos, o próprio Lenin corrigi e avança nesta questão:
As duas concepções fundamentais (ou as duas possíveis? Ou as duas dadas pela história?) do desenvolvimento (evolução) são: o desenvolvimento como aumento e diminuição, como repetição, e o desenvolvimento como unidade de contrário (a divisão de uma unidade em contrários mutuamente excludentes e sua relação recíproca). (Sobre a questão da dialética).
Nesta passagem, Lenin passa a valorizar a dialética não como um método, mas como uma “concepção do desenvolvimento”, à qual o Presidente Mao denominará por “concepção sobre as leis de desenvolvimento do mundo”. Em Sobre a contradição, o Presidente Mao sistematiza, a partir da experiência da luta de duas linhas do PCCh, contra o dogmatismo, a caracterização da metafísica como uma visão de mundo correspondente à idealista, subjetivista. Outro elemento importante no qual Lenin avança nos Cadernos Filosóficos está na questão da identidade entre o pensamento e o ser. Em Materialismo e empiriocriticismo, Lenin de maneira muito correta mostra que não pode haver uma unidade de contrários do pensamento e do ser social em geral, pois a matéria é anterior à sociedade e às própria natureza orgânica. Pensamento e ser em geral não podem, portanto, ter uma relação absoluta de identidade, pois não são contrários mutuamente excludentes.
No entanto, a situação muda quando falamos da relação entre o ser social e a consciência social. Nesta questão, como vimos nas passagens acima, Lenin – de maneira muito correta e precisa – critica a posição do revisionista Bogdanov que falava de identidade, no sentido de igualdade, entre consciência social e o ser social; como vimos, falar de uma relação de igualdade não contraditória entre a base econômica e a sociedade e sua superestrutura é cair em métodos subjetivistas de estudos históricos. No entanto, não admitir a possibilidade de identidade em determinadas circunstâncias constitui um erro de unilateralidade. Lenin em Materialismo e empiriocriticismo, se manifestava assim acerca da identidade: “O ser social e a consciência social não são idênticos, da mesma forma que não o são o ser em geral e a consciência em geral”. No contexto da polêmica, como vimos, essa afirmação é correta, mas tomada de maneira absoluta se torna incompleta, pois nega a possibilidade da identidade dos contrários. Nos Cadernos Filosóficos, Lenin resolve essa questão e caracteriza assim a identidade dos contrários:
A identidade dos contrários (…) constitui o reconhecimento (o descobrimento) da existência de tendências contraditórias, que se excluem mutuamente e antagônicas em todos os fenômenos e processos da natureza (entre eles também os do espírito e da sociedade). (V. I. Lenin, Sobre a questão da dialética).
A dialética é a teoria que mostra como os contrários podem ser e são habitualmente ( e tornam-se) idênticos ao converterem-se um no outro – , por que razão o entendimento humano não deve tomar esses contrários por mortos, petrificados, mas sim por vivos, condicionados, móveis, convertendo-se um no outro. (V. I. Lenin, Resumo do Livro de Hegel ‘Ciência da Lógica’).
O descobrimento de Lenin, da identidade dos contrários como parte da lei da contradição, corresponde a um grande avanço no desenvolvimento da dialética marxista. Lenin vê claramente que a identidade está presente em todos os fenômenos e que consiste fundamentalmente na possibilidade de transformação de um aspecto em seu contrário. Mas é com o Presidente Mao que a Lei da Contradição será plenamente desenvolvida, necessidade de desenvolvimento que havia ficado explicitamente exposta por Lenin em seus Cadernos Filosóficos. Em Sobre a contradição, o Presidente Mao, ao explicar a Lei da Contradição, nos demonstrará: que em todos os fenômenos existem contradições e que essas contradições recorrem o processo do início ao fim; que essas contradições se compõem de dois aspectos, sendo um deles o dominante e que determina a qualidade do fenômeno; que esses contrários estão sempre em luta e são mutuamente excludentes; que em determinadas condições um contrário se transforma no outro, fato que determina a mudança de qualidade do fenômeno.
É a compreensão da dialética que permitirá ao Presidente Mao desenvolver a Teoria do Reflexo leninista ao demonstrar que a prática social e o conhecimento constituem uma unidade de contrários; o ser em geral prescinde do conhecimento para existir, mas a prática social é a base material da sociedade humana e, portanto, só existe em contradição com o pensamento humano que é seu complemento oposto e necessário (é a isto que Lenin denomina de antítese entre o pensamento e a matéria em sua crítica a Dietzgen). A identidade entre estes aspectos contraditórios expressa-se nos dois saltos dialéticos do processo do conhecimento, o primeiro salto: do conhecimento sensorial ao conhecimento racional correspondente à transformação da prática social em seu contrário que é o conhecimento lógico, em seguida se demanda o seguindo salto: do conhecimento à prática, que é a transformação do pensamento em ação transformadora. Na medida que se alcançam progressivamente os objetivos determinados, na medida que se têm êxitos, se expressa que alcançou-se, no fundamental, o domínio das leis objetivas de determinado fenômeno. De maneira análoga, esse movimento do conhecimento ocorre em toda a sociedade. O ser social e a consciência social representam uma unidade de contrários, o ser social determina, em última instância, a consciência social. Como aspectos contraditórios não podem ser a mesma coisa, como pretendia o revisionista derrotado por Lenin, mas também pelo fato de ser contrários significa que, em determinadas condições, um aspecto se transformará em seu contrário. Como afirma Lenin, a consciência social reflete o ser social, esse reflexo é uma primeira transformação de um aspecto em seu contrário, o ser social se transforma em consciência social sob a forma ideológica (no caso da época das sociedades de classe); no entanto, em determinadas circunstâncias essa mesma consciência social é a que transforma a base econômica da sociedade e suas relações sociais.
O fato de que essas transformações, até o advento da revolução proletária, tenham sido em sua maior parte processos inconscientes enquanto aos resultados sociais em curso, não significa que não tenha ocorrido a identidade dos contrários. Foi a partir dessa aplicação da lei da contradição ao estudo da história da humanidade que permitiu ao Presidente Mao a fundamentação filosófica do processo da Grande Revolução Cultural Proletária, que trata justamente da necessidade de uma revolução na consciência social, como condição para que se complete plenamente a transformação da estrutura da sociedade e conduzir a sociedade humana até o luminoso comunismo.
Palavras finais
Lenin, grande mestre do proletariado, encarnou, explicou, defendeu e desenvolveu a filosofia marxista em meio da luta implacável contra os oportunistas e revisionistas de todo tipo – tanto seus representantes russos como estrangeiros –, e em função da conquista do poder para o proletariado e ao povo russo, para o proletariado internacional e aos povos do mundo.
Na primeira grande tarefa que tomou sobre seus ombros, a formação do Partido do proletariado russo, Lenin lutou ferreamente contra os populistas, os “marxistas legais” e os economicistas, defendendo, difundindo e principalmente aplicando o marxismo á análise da sociedade russa, com objetivo de sentar bases ideológico-políticas, a organizar e unificar os operários de vanguarda e à intelectualidade revolucionária no Partido do proletariado, o Partido Comunista. É em cumprimento desta tarefa que Lenin defende, aplica e desenvolve o materialismo histórico em luta contra a sociologia subjetivista dos populistas e contra o objetivismo burguês dos marxistas legais. Estes últimos, nesse então, (e logo os mencheviques) foram a expressão russa do revisionismo europeu que encabeçara Bernstein na Alemanha, e na filosofia eram seguidores da corrente burguesa do neokantismo, com o qual pretendiam “emendar” o marxismo.
Em 1908, em seu brilhante artigo Marxismo e revisionismo [5], Lenin sintetizava que “no campo da filosofia, o revisionismo ia a reboque da ‘ciência’ acadêmica burguesa. Os professores ‘retornavam a Kant’, e o revisionismo se arrastava atrás dos neokantianos [6]; s professores repetiam, pela milésima vez, as vulgaridades dos padres contra o materialismo filosófico, e os revisionistas, sorrindo condescendentemente, resmungavam (repetindo palavra por palavra o último manual) que o materialismo havia sido ‘refutado’ há muito tempo. Os professores tratavam Hegel como um ‘cão morto’ e, pregando eles próprios, o idealismo, mas um idealismo mil vezes mais mesquinho e banal que o hegeliano, encolhiam desdenhosamente os ombros diante da dialética, e os revisionistas mergulhavam atrás deles no pântano do aviltamento filosófico da ciência, substituindo a ‘subtil’ (e revolucionária) dialética pela ‘simples’ (e tranquila) ‘evolução’; os professores ganhavam os seus ordenados do Estado acomodando os seus sistemas, tanto os idealistas como os ‘críticos’, à ‘filosofia’ medieval dominante (isto é, à teologia), e os revisionistas aproximavam-se deles, esforçando-se por fazer da religião ‘assunto privado’, não em relação ao Estado moderno, mas em relação ao partido da classe de vanguarda”.
Posterior à formação do Partido do proletariado russo, no processo de sua construção como partido de novo tipo, como partido para a revolução, anti-oportunista e antirrevisionista, Lenin combate contra os mencheviques, os machistas, os liquidacionistas, os otsovistas e os trotskistas. Em meio deste processo – na conjuntura de contrarrevolução e decadentismo posterior ao período revolucionário de 1905-1907 – Lenin escreve sua obra Materialismo e empiriocriticismo, na qual faz um magnífico trabalho de exposição, defesa e desenvolvimento do materialismo dialético, explicando à sua luz os novos desenvolvimentos científicos e enriquecendo-o com eles, assim como desmascarando o fundo idealista do “machismo” e seu caráter reacionário.
Nos anos de 1914 a 1916, Lenin aprofunda no estudo da dialética e chega a plantear que sua essência está na lei da unidade dos contrários, clareza que enriquece toda sua análise que desenvolve nas obras deste período e nos posteriores: sobre o imperialismo, a guerra, o Estado, o problema militar etc., em férrea luta contra os mencheviques, os social-chauvinistas da II Internacional, os trotskistas etc..
No resumo das principais ideias filosóficas de Lenin que temos apresentado, pode-se ver com clareza a riqueza do pensamento filosófico do grande Lenin, seu desenvolvimento do pensamento filosófico do grande Lenin, seu desenvolvimento do materialismo dialético e histórico, da teoria do conhecimento e da história da filosofia.
Lenin, o grande mestre do proletariado, é em filosofia – tal como no marxismo em geral – o continuador e desenvolvedor de Marx e Engels, firme defensor e aplicador de maneira riadora dos princípios do marxismo à análise da realidade concreta com o único fim de revolucioná-la ao serviço do proletariado e do povo, e através da ditadura do proletariado transitar a sociedade humana à meta luminosa do comunismo. Foi aplicando criadoramente o marxismo à análise da época, à prática revolucionária, em meio de férreas lutas de duas linhas, que Lenin desenvolveu o marxismo em suas três partes integrantes, devindo-se em marxismo-leninismo. Guiado inteiramente pelos princípios marxistas e aplicando-os à condição concreta de sua época, Lenin foi o indiscutível chefe da revolução russa; sua firme e brilhante direção do Partido Comunista da Rússia conduziu o proletariado à conquista de um de seus grandes marcos: a Grande Revolução Socialista de Outubro, dando nascimento à primeira nação na qual o proletariado assumiu o Poder e mudou a sociedade pela raiz, em benefício do povo trabalhador, e abrindo uma nova era na história mundial, a era da Revolução Proletária Mundial, na qual nos desenvolvemos e na qual, mediante Guerras Populares, alcançaremos o glorioso comunismo.
Assim como Lenin, em meio da façanha do grande marco do proletariado – a revolução russa – foi em filosofia (e em todo o marxismo como unidade) o continuador de Marx, assim o Presidente Mao, na construção de outro grande marco proletário – a revolução chinesa até o alto cume da GRCP – foi o continuador de Lenin, levando a novas alturas a filosofia, como parte da elevação de uma nova, terceira e superior etapa do marxismo: o maoismo.
Viva o marxismo-leninismo-maoismo, principalmente maoismo e os aportes de validez universal do presidente Gonzalo!
Combater o imperialismo, a reação e o revisionismo implacável e indesligavelmente!
Viva o Centenário da Grande Revolução Socialista de Outubro!
Notas
[1] Estamos adotando a denominação genérica de Cadernos Filosóficos, para os Resumo do livro de Hegel “Lições sobre a história da filosofia”, Resumo do livro de Hegel “Ciência da lógica”, para o Plano da Dialética de Hegel e Sobre a questão da dialética.
[2] A presente nota e a seguinte: Seminário de Filosofia do Presidente Gonzalo (notas: 1987).
[3] A famosa triada: tese – antítese – síntese, pertence ao filósofo idealista subjetivo Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), que é posterior a Kant e anterior a Hegel na história da filosofia clássica alemã.
[4] Lenin caracterizou assim o ambiente em dito período: “Abatimento, desmoralização, cisões, dispersão, apostasias e pornografia ao invés de política. Reforçamento da inclinação até o idealismo filosófico: tendências contrarrevolucionárias com roupagem de misticismo” (Lenin, OC t. 41, citado no prólogo OC t. 18).
[5] V. I. Lenin, Marxismo e revisionismo, 1908. Obras Completas, 5ª Edição, t. 17.
[6] Neokantianos: partidários da corrente filosófica burguesa surgida na Alemanha na segunda metade do século XIX. Reproduzia as teses idealistas mais reacionárias da filosofia de Kant. Sob a consigna de “retorno a Kant”, os neokantianos combatiam o materialismo dialético e histórico, tratavam de conciliar a ciência com a filosofia idealista de Kant, negava a “coisa em si”, rechaçavam a admissão da lei objetiva da sociedade. Na socialdemocracia alemã, os neokantianos (Bernstein, C. Schmidt e outros) revisaram a filosofia de Marx, sua teoria econômica e sua tese sobre a luta de classes e a ditadura do proletariado. Na Rússia, os partidários do neokantianismo foram os “marxistas legais”, os esseristas e mencheviques. Nota tomada da Fonte da citação.