Nota do blog: Publicamos a seguir importante estudo que fundamenta a posição marxista-leninista-maoista sobre a Revolução Agrária como parte integrante da Revolução de Nova Democracia, sobre o caráter semifeudal da sociedade brasileira e sobre o caráter do capitalismo que desenvolve-se no campo. Artigo publicado em uma das primeiras edições do jornal democrático e popular AND.
A mistificação burguesa do campo e a atualidade da revolução agrária
I – Introdução
Estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, instituição ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, propondo uma “estratégia de desenvolvimento rural sustentável” para o país revela dados interessantes e suscita uma discussão de fundamental importância.
Afirma Sérgio Paganini Martins1 que as estatísticas oficiais referentes à distribuição da população brasileira, segundo as quais, dos 169,8 milhões de brasileiros somente 19%, ou seja 31,8 milhões, estaria no campo, não correspondem à realidade. Segundo ele a metodologia utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é resultante de um decreto de 1938, do Estado Novo de Getúlio Vargas e portanto “anacrônica e obsoleta”. A metodologia adotada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), considera espaço urbano a concentração com o mínimo de 150 habitantes por quilômetros quadrados. De acordo com essa metodologia, a população rural do país representa na verdade 49% — 73,5 milhões de brasileiros. Isto significa que dos 5.507 municípios somente 411 podem ser considerados espaços urbanos. 2
Paganini conclui que “isto resulta dos interesses políticos que conformam um lobby de prefeituras pela manutenção dos critérios, que com a caracterização de “urbano”, é fonte de impostos municipais como o IPTU”. Em última instância, diríamos, são os interesses das oligarquias latifundiárias aliadas de forma indissolúvel e historicamente aos da grande burguesia e do capital financeiro internacional que os impõem.
A proposição de uma “estratégia de desenvolvimento rural sustentável” é somente mais um dos incontáveis projetos governamentais e na essência corresponde à visão da tecnocracia do Estado sobre os problemas nacionais, no caso, o setor rural. Como não poderia deixar de ser, passa ao largo da verdadeira contradição e solução da questão agrária e está guiado por ditames do capital financeiro internacional, através de diretrizes tais como Agenda 21(saída da ECO 92) e o ZEE (zoneamento ecológico-econômico realizado pela SAE). Mais que qualquer outra coisa, essa proposição tecnocrática é um elemento a mais que explicita as contradições de classes agudas de nossa sociedade, no caso, particularmente as que se desenvolvem no campo. O problema agrário e camponês é de fato, junto à questão nacional, a grande questão pendente de solução de fundo de nossa sociedade e constitui mesmo parte substancial da própria questão nacional, na medida que a primeira não pode dar-se por resolvida sem a solução devida da segunda. O problema agrário-camponês está atado de forma profunda com a questão nacional.
Para ver, basta tomar um problema atual como o da soberania da Amazônia. Tanto é que, o próprio estudo do CNDRS afirma que “Um Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável que não corresponda ao desafio de desenvolver o Brasil Tropical poderá ser tudo o que se quiser, menos um plano nacional”. Não pretendemos aqui fazer o exame histórico e econônico-social da questão agrária-camponesa, senão que retomar, ainda que de forma geral, as teses da revolução agrária no país, demonstrando sua exigência objetiva e das condições subjetivas de sua realização. O debate sobre o tema é de extrema importância e se faz mais oportuno ainda, quando se agravam crescentemente todas as contradições sociais no país.
II — A situação hoje
Dados mais recentes do IBGE sobre a situação das terras, dão conta de que, de um total de 353 milhões de hectares, a metade, 178 milhões estão ocupados por pastagens; 94 milhões são de matas e florestas, 15 milhões são de terras inaproveitáveis, 50 milhões é a área de lavoura atual e há 16 milhões de terras produtivas não utilizadas. Da área plantada de 50 milhões de hectares, 37,8 milhões de ha está ocupada com a produção de grãos e que segundo dados oficiais, atingiu em 2001 a safra recorde de 100 milhões de toneladas/ano. Nessas áreas cultivam-se principalmente soja, café, algodão, milho, além de cana-de-açucar, laranja para suco e fumo. A área cultivada restante se ocupa com arroz, feijão, trigo e culturas permanentes como hortifrutigranjeiros. Assim, enquanto a maior parte está dominada pelo modelo de grandes propriedades sentadas na monocultura para exportação, altamente mecanizadas e servidas dos avançados recursos tecnológicos, sementes melhoradas, etc., o segundo é de produção diversificada, e destina-se principalmente ao mercado interno e é formado por médios e pequenos proprietários. Mas, no conjunto a agricultura se acha completamente submetida pela indústria, pelo capital financeiro e é a base das relações de intensa exploração da cidade sobre o campo. Isto por um lado e por outro, conduziu ao agravamento extremo a dependência e subjugação do país às potências estrangeiras.
Por mais que pretenda provar o contrário com sua defesa da eficiência com o impulsionamento do modelo das farms norte-americanas, os dados da realidade desmentem a publicidade dos sucessivos governos de turno. Dados do mesmo estudo citado acima revelam que “A propriedade familiar é proporcionalmente mais produtiva que a patronal, principalmente do ponto de vista de ocupação e renda.”, afirma Paganini que cita 13 milhões de ocupados nas propriedades familiares contra apenas 5 milhões nas patronais — grandes fazendas e agroindústrias. Mais ainda, que 82% das pequenas dão lucro contra apenas 69% das patronais. Enquanto as pequenas fazem uso de força de trabalho intensivo e exploram pequenos espaços de forma intensiva, as patronais são extensivas quanto a utilização de força de trabalho explorando espaços absolutamente grandes. Ademais de a competição do mercado mundial monopolizado impor sobre estes produtos primários exportados drásticas sobretaxas, cotas de importação e cláusulas fitossanitárias. Nos últimos anos os preços dos produtos agrícolas brasileiros sofreram uma queda de 37,5%, em média. São fatos incontestáveis.
Latifúndio, concentração e monopólio
De acordo com o último senso agropecuário, de um total aproximado de 5,5 milhões de propriedades (desde pequenas propriedades até as de dezenas e centenas de milhares de hectares), 1% ou seja, 55 mil apenas, de propriedades latifundiárias, acima de 1 mil ha, representam 48% das terras tituladas e totalizam l72 milhões de ha.3 Em contrapartida no outro extremo, os que detém propriedades de até 100 ha representam 90% dos proprietários, somam quase 5 milhões e detém apenas 21% das terras tituladas (74 milhões de ha). Dentro destas, os que possuem até 20 ha representam 70% e possuem apenas 6% das terras (21 milhões de ha). Seguramente não há país no mundo onde a concentração e monopólio da propriedade da terra se assemelhe à situação do Brasil. Em razão direta disto existem quase 5 milhões de famílias de camponeses sem terra. De tal situação deriva grandes problemas sociais e nacionais. Disponibilidade permanente de farta força de trabalho à cidade e aos latifúndios, extorsão da indústria sobre a economia camponesa que fornece os gêneros de primeira necessidade essenciais da cesta alimentar, que por sua vez é a base da reposição da força de trabalho (salários), sobre a qual se extrai mais-valia. Estes dois fatores concorrem para a permanente manutenção dos salários de fome, tal como é o mínimo e estão na base da gigantesca disparidade da renda, que cava um fosso intransponível dentro da sociedade brasileira, entre opulência de uma minoria e a miséria sem fim da imensa maioria; a decomposição social, a delinquência ascendente, o caos.
Longe de representar um problema em vias de solução através dos modelos impostos pelo Estado burocrático-latifundiário, e que chamam de desenvolvimento capitalista4, como advoga a maioria dos estudiosos do tema, sejam de direita ou da nossa conhecida esquerda, a questão agrária e camponesa é crucial, mais que nunca, para os destinos — presente e futuro — do país e de nosso povo. As consequências derivadas da situação arrastada ao longo de décadas são gravíssimas e o tratamento dado a ela pelo Estado reacionário, historicamente não se altera, serve à manutenção do latifúndio e monopólio da terra. Outros planos que surgem a cada governo não passam do ritual burocrático destinado, em cada etapa que se desenvolve, a encobrir a manutenção da mesma situação, assegurando e protegendo os interesses do latifúndio e todo o sistema que dele deriva, nele se apóia e dele se alimenta. A começar de como são tomados os dados da realidade, como a metodologia adotada pelo IBGE — e aceita por quase todos — através da qual pode-se tergiversar, como o absurdo de projetar a “extinção” da população rural em mais duas ou três décadas.
O conjunto de políticas de Estado que mistificam os graves problemas da agropecuária do país com velhos slogans propagandísticos, apenas cumprem o objetivo de justificar toda a repressão e massacres continuados sobre a imensa massa de camponeses pobres. Enquanto que, frente ao crescente caos social provocado diretamente pelo inchaço sem limites dos grandes centros urbanos, vituperam com seus brados de “segurança pública” e proteção dos “cidadãos de bem”, promovendo o aparelhamento sistemático da repressão, o seu armamento crescente e as matanças cotidianas de pobres. Tudo cinicamente revestido de defesa dos “direitos humanos”.
A essência da política agrária do Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo é a perpetuação do sistema latifundiário. Por baixo de toda a publicidade do governo, feita das mais escandalosas mentiras, sobre uma suposta reforma agrária, a “maior de todo o mundo”, publicidade que de tempo em tempo e de acordo com os embates com o movimento camponês é requentada na mídia, nada resta senão a mais dura realidade de sofrimentos e penúrias sem fim de milhões de famílias de camponeses pobres sem terra e os dos chamados “Projetos de Assentamentos” do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A estes batalhões de famélicos se somam outros milhões de pequenos proprietários arruinados pelos mil tentáculos do latifúndio, dívidas aos bancos, falta de créditos, pouca terra para o cultivo, trabalho brutal sem máquinas e implementos, carência de sementes de qualidade, de fertilizantes e defensivos, falta de transportes e estrutura de armazenagem, falta de preços para sua produção, perseguição dos órgãos fiscalizadores como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), Polícia Florestal, contratos de parceria leoninos impostos pelos latifundiários, pressão de agiotas e atravessadores, além das intempéries climáticas.
A publicidade também contempla a propaganda triunfal das “safras recordes”, como a de grãos de 2001, anunciada como de 100 milhões de toneladas/ano, ao lado do sistemático perdão de dívidas milionárias de grandes fazendeiros que mantêm prestigiosa bancada no Congresso Nacional. Por trás dessa realidade do Brasil rural um imenso e crescente aparelho burocrático assegura com zelo os interesses da classe latifundiária de mais de 22 mil5 parasitas donos das mais de 55 mil propriedades, senhores de terras de quase 200 milhões de hectares. São financiamentos a perder de vista a juros generosos, apoio estatal de extensão rural com todo um aparelho técnico e extensa malha de infra-estrutura. Quanto aos pobres do campo dedica os arremedos de reforma agrária, uma legislação canhestra fundada nos preceitos da Velha República, a burocracia do Incra e seus programas de “assistência social aos pobres” e seu serviço secreto de informações exclusivamente voltado para policiar, perseguir e criminalizar o movimento camponês organizado.
Através de quatro programas básicos6, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, com extensa burocracia espalhada no território nacional, ocupa-se do papel de gerenciar a manutenção do sistema latifundiário. De uma forma geral e em seu conjunto as políticas do Estado para o campesinato pobre representa muito ao contrário do que cantarola o governo e cacarejam pelegos e oportunistas à frente de organizações do movimento camponês, a perpetuação do latifúndio e a ruína dos camponeses. O movimento camponês, historicamente se debate entre a cruz e a espada. Hoje, entre não ter nada e seguir a política agrária do governo luta por um caminho novo. A aplicação da política agrária do Estado reacionário, baseada na desapropriação do latifúndio “improdutivo” para “projetos de assentamento” e seus programas de “créditos” e outros é em essência:
1 capitalizar latifundiários;
2 fornecer e disponibilizar aos latifundiários, na região dos “projetos e assentamentos”, força de trabalho farta e barata;
3 atar o campesinato ao latifúndio através da dívida e ruína inevitável;
4 despovoar as áreas rurais através da repressão sistemática do Estado. Agrega-se a isto toda a ação da organização dos latifundiários no sentido de alargar ainda mais seu espaço e restringir o do movimento camponês.
Dois projetos ou um só caminho?
Os dois projetos “para o desenvolvimento estratégico rural sustentado” a que se refere o documento do CNDRS são, nada mais, que a projeção da manutenção das vias pelas quais têm desenvolvido a realidade agrária e camponesa. A existência da grande propriedade latifundiária capitalista, sustentada no poder político de Estado, expressão da aliança de classes do latifúndio, da grande burguesia e o imperialismo, tudo sob a égide do capital financeiro internacional tem se viabilizado economicamente ao longo dos anos, se apoiando, entre outras bases, exatamente na existência de uma economia camponesa (agricultura familiar). Existem não simplesmente em paralelo uma à outra, senão que atadas numa relação em que a grande produção capitalista serve-se da pequena, e a pequena produção é explorada pela grande e por todo o capital. Nenhum dos dois serve verdadeiramente ao desenvolvimento da Nação e das massas camponesas. Ao contrário, são um mesmo e só caminho resultante de um processo de apodrecimento, de um atalho, são como a colheita de um plantio feito sobre o terreno sujo e sem qualquer preparo.
A idéia gestada na burocracia do Estado de dois projetos e que um seria mais vantajoso ou eficiente que o outro, é a defesa do latifúndio capitalista para seguir abrigando o latifúndio atrasado e a ruína continuada, penúria e morte anunciada de milhões de brasileiros, adocicada com a compensação do conto de uma mais amparada e robusta “agricultura familiar”. Portanto, reacionária e cínica. A apologia da grande produção capitalista no campo (agronegócio), em nosso país, não pode se sustentar a não ser sobre um púlpito de miseráveis, famélicos e ossos. O canto da via da “agricultura familiar” ainda que embalado de “modernidade” não soa mais que a nostalgia medieval de um “socialismo cristão rural”. De fato, debaixo dos milhões de toneladas de grãos das “safras recordes”, da “maior reforma agrária do mundo na atualidade” e de uma sonhada “agricultura familiar” os milhões de pobres do campo, explorados e oprimidos, querem viver e querem lutar. Já se levantaram muitos e estão aprendendo rapidamente a encontrar o caminho no próprio tropeço dos descaminhos. Serão milhões em poucos anos organizados e em movimento. Para eles, pelo menos, não há progresso algum e nenhuma maravilha que alguns vêem. O entulho que como uma irremovível montanha os oprime e esmaga secularmente será varrida, parte por parte. O progresso e o florescimento do campo só pode ser atingido com a organização, a liberdade e a satisfação das necessidades materiais e espirituais dos milhões de camponeses hoje oprimidos. Muitos duvidam disto, uns mais temem que duvidam. Mas, quando passarem, milhões se somarão.
A limpeza do terreno sobre qual pode florescer o desenvolvimento no campo, segundo o atendimento dos interesses das amplas massas trabalhadoras do campo e da cidade não ocorreu. Tal limpeza está por ser feita e quanto mais afunda a crise social no país mais sua demanda objetiva atiça as condições subjetivas de sua realização e não pode ir mais tão longe seu adiamento. Por todas razões históricas e em função de ser o Estado brasileiro o Estado da grande burguesia e dos latifundiários, essa tarefa só pode ser realizada, parte por parte, pelas mãos do movimento dos camponeses principalmente pobres, unidos ao movimento operário e aos setores progressistas da sociedade; através da luta de confisco das terras do latifúndio e com base num programa agrário assentado em três pilares fundamentais interligados e interdependentes:
1 Extinção do latifúndio nas áreas de desenvolvimento e consolidação do movimento camponês, com imediata mudança do caráter da propriedade da terra e dos demais meios de produção. Entende-se que a extinção do latifúndio, como instituição e classe social, leva a extinção das relações semifeudais no campo, ao menos nas áreas ocupadas pelo movimento camponês.
2 Libertação e desenvolvimento das forças produtivas no campo (do homem, da técnica, dos instrumentos de produção, dos hábitos de trabalho e das tradições de ofício), através da implantação de propriedades individuais de estrutura coletiva que comportem pequenos lotes, com consequente aumento da produtividade e produção agrícolas, estabelecendo novas relações de produção, assentadas numa crescente cooperação, que desenvolva do nível inferior ao superior; e
3 Estabelecimento do poder político das massas trabalhadoras nas áreas onde se processa a libertação das forças produtivas, incorporando os camponeses pobres, assalariados agrícolas e fazendeiros que se opõem à política latifundiária, burocrática e imperialista vigente em nosso país.
Um programa destinado não a “desenvolver o capitalismo no campo”, tampouco implementar um suposto socialismo camponês, mas sim, impulsionar e desenvolver plena e crescentemente as forças produtivas sob o poder das massas trabalhadoras para conduzir o controle dos meios de produção e à nacionalização de toda a terra tornada de usufruto social. Ao iniciar isto cumprirá o papel histórico de aplainar um largo caminho para transformações gigantescas em toda sociedade, para uma nova sociedade. Neste sentido, o caminho do movimento camponês revolucionário, em primeiro lugar, choca-se com toda política do Estado e seus mirabolantes projetos, são opostos e excludentes. Em segundo, percorre a via da qual, diferem os velhos esquemas reformistas dos programas do Estado, adotados pelas direções do movimento camponês de Contag, CUT e MST, etc. e que só podem ser alcançados pelas composições eleitoreiras. Assim, choca-se com essas direções na medida que seus programas se enlaçam em muitos pontos com os projetos estatais-governamentais, quanto ao conteúdo. E quanto ao método e forma vão por vias opostas.
A história e a realidade do campo realmente é outra. Os que alardeiam o fim do campesinato brasileiro, mesmo os que o subestima, não passam de arautos do latifúndio e da grande burguesia, que anunciam a boa nova do oportunismo. É tão ridículo como a falácia dos tecnocratas que já marcaram para o ano de 2030 a morte desses 40 a 50 de milhões de brasileiros.
III — O problema agrário e o capitalismo
Marx, no Tomo I de O Capital, Acumulação Originária, ao falar sobre as condições e as formas que aparece a classe capitalista, de todas transformações que lhe servem de ponto de apoio, em que grandes massas de homens são despojadas violentamente de seus meios de produção e privados de quaisquer meios de vida sendo lançadas ao mercado de trabalho como proletários livres, assinalava que: “Serve de base a todo este processo a expropriação que priva de sua terra o produtor rural, o camponês. Sua história apresenta uma modalidade diversa em cada país, e em cada um deles percorre as diferentes fases em distinta graduação e em épocas históricas diversas.”
E no Tomo III, Conversão do Lucro Extraordinário em Renda da Terra, “…a forma em que a produção capitalista incipiente se encontra com a propriedade territorial não é sua forma adequada. A forma adequada de propriedade territorial a cria o próprio regime de produção capitalista ao submeter a agricultura ao império do capital, com o que a propriedade feudal da terra, a propriedade feudal e a pequena propriedade camponesa combinada com o regime comunal se convertem também na forma adequada a este sistema de produção, por muito que suas formas jurídicas possam diferir.”
E ainda “A propriedade territorial pressupõe o monopólio de certas pessoas que lhes dá direito a dispor sobre determinadas porções do planeta como esferas privativas de sua vontade privada, com exclusão de todos os demais.”
Expondo como se processou essas transformações e adequações para o desenvolvimento capitalista na agricultura Marx “compara os diversos processos segundo os quais o capital cria as formas de propriedade agrária que lhe correspondem. Na Alemanha, a transformação das formas medievais de propriedades agrárias se processou, por assim dizer, seguindo a via reformista, adaptando-se à rotina, à tradição, às propriedades feudais, que se foram transformando lentamente em fazendas júnkers…Na Inglaterra, a transformação foi revolucionária, violenta, mas a violência sendo empregada em benefício dos latifundiários, sendo exercida sobre as massas camponesas, que foram esgotadas com os tributos, expulsas das aldeias, desalojadas, que foram extinguindo ou emigraram. Na América do Norte, a transformação foi violenta em relação às propriedades escravistas dos Estados do Sul. Exerceu-se ali a violência contra os latifundiários feudais. Suas terras foram fracionadas; a grande propriedade agrária feudal se converteu em pequena propriedade burguesa. Quanto à massa das terras norte-americanas ‘livres’, o papel de criar o novo regime agrário para o novo modo de produção (isto é, para o capitalismo) foi desempenhado pela ‘partilha negra norte-americana’..” 7
Considerando isso ao estudar o problema agrário na Rússia, Lenin demonstrou que a passagem ao capitalismo, no campo, se faz percorrendo inevitavelmente dois caminhos: o que chamou de tipo prussiano e o de tipo norte-americano. Um pelo meio da reforma o outro pela revolução. No primeiro caso, a exploração feudal do latifundiário transforma-se lentamente numa exploração burguesa-júnker 8, em que os camponeses são condenados a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação e opressão, ao mesmo tempo em que se vai conformando uma pequena minoria de camponeses abastados. No segundo caso, ou não existem domínios latifundiários ou são liquidados pela revolução, que destrói os latifúndio feudais, os confisca e divide a terra em pequenas parcelas. Aí predomina então o camponês que passa a ser o agente exclusivo da agricultura e vai evoluindo até se transformar no fazendeiro capitalista. Continuando, ele sintetiza: “No primeiro caso, o conteúdo fundamental da evolução é a transformação do feudalismo em sistema usurário e em exploração capitalista das terras dos feudais-latifundiários-júnkers. No segundo caso, o conteúdo está na transformação do camponês patriarcal em granjeiro burguês.” Mas, vemos aqui que Lenin se referia a países em que a burguesia promoveu um processo revolucionário para a tomada do poder para impulsionar o desenvolvimento capitalista naquele determinado país. Ou seja, que a burguesia de um determinado país, no processo revolucionário de destruir o poder político vigente e estabelecer o seu, para impulsionar o capitalismo, no campo especificamente, age por dois caminhos. Um de forma reformista e outro de forma revolucionária. Lenin estuda isto para fundamentar que o operariado russo deveria tomar a frente da revolução burguesa, em curso então na Rússia, devendo adotar o programa agrário centrado no segundo caminho, ou seja, optando pelo caminho revolucionário, só que através da ação revolucionária dos camponeses na luta pela destruição dos latifúndios.
Diferentemente de determinados “socialistas” 9, onde uns viam o primeiro caminho como destruição do feudalismo e transformação capitalista e portanto mais favorável ao operariado (o que de fato era verdade no sentido do progresso geral), negando o segundo, que qualificavam como sendo o do atraso da pequena exploração camponesa e que outros achavam ser o segundo caminho a via para um “socialismo camponês”, Lenin compreendia que os dois eram caminhos do desenvolvimento do capitalismo. Dois caminhos que, no caso da Rússia, se achavam em luta, mas destacava que o segundo era o que mais fundo limpava o caminho para o capitalismo, para o desenvolvimento das forças produtivas na forma que mais favorecia os interesses da classe operária. Na Rússia de então (início do século XX), época já do capitalismo monopolista, do imperialismo, a burguesia russa já se revelava vacilante em relação a via revolucionária do segundo caminho, que embora fosse o que mais rápido poderia abrir caminho ao pleno desenvolvimento capitalista, era o que mais lhe enchia de temores.10
O mesmo problema se apresenta relativo à propriedade da terra. Neste problema de suma importância está a pedra angular de toda a questão agrária. Do tipo de renda da terra verificada numa situação determinada se depreende o caráter das relações de propriedade e de produção que sustenta. Sendo o caráter das relações de propriedades dos meios de produção o que define o caráter das relações de produção, no caso da exploração da terra, o tipo de renda da terra que origina determinada exploração é reflexo direto do tipo dessa exploração determinada. Ou seja de ser renda capitalista ou não. Dos dois tipos de renda da terra, a renda absoluta obtém-se em função de ser privada a propriedade da terra. Já a renda diferencial é a que é formada essencialmente na exploração capitalista da terra arrendada de terceiros. Contudo, esclarece Marx em, Teorias sobre a mais-valia, (Tomo IV de O Capital), que “o proprietário da terra é um personagem completamente supérfluo para a produção capitalista.” Quer dizer, para o capitalista do ponto de vista de realizar a exploração capitalista não importa se a propriedade é privada, estatizada ou de outro tipo. O objetivo da exploração e produção capitalista na agricultura é como em qualquer produção capitalista, a produção de mercadorias para o mercado e seu lucro deriva da mais-valia que extrai da força de trabalho obreira e não de qualquer outra espécie de renda. Se o capitalista que aplica capitais na produção agrícola é o proprietário da terra, tanto a renda diferencial quanto a absoluta vem junto ao lucro obtido com aquela produção e sua venda no mercado.
No entanto a propriedade privada “cria um monopólio especial, que nada tem em comum com o modo capitalista de produção.” 11 Na medida em que “o monopólio da propriedade privada sobre a terra impede a liberdade de inverter capitais, impede a livre concorrência, impede a nivelação do lucro agrícola, desproporcionalmente alto (em consequência da baixa composição do capital agrícola)” 12 Isto quer dizer que quanto mais livre se acha a terra — em relação ao regime de propriedade — mais rápido e amplamente se desenvolve o capitalismo na agricultura. Assim temos dois elementos chaves para compreender o problema agrário na época do capitalismo: um é quanto às relações de propriedades da terra e outro é quanto ao tipo de renda que origina. O primeiro se refere ao grau de dificuldades e obstáculos ao livre desenvolvimento capitalista no campo e o segundo diz respeito ao próprio caráter das relações de produção que aí se desenvolvem, ou seja, se são estas capitalistas ou não.
O desenvolvimento peculiar do capitalismo no Brasil
Considerando os dois tipos de caminhos que o capitalismo percorre no campo e na situação particular de sua fase monopolista, e analisando o tipo de renda da terra que origina nas condições concretas estabelecidas com o fim da escravatura, podemos verificar a peculiaridade desse desenvolvimento no Brasil. No momento em que se põe fim à forma escravista de exploração da força de trabalho (porém, sua essência em sua totalidade conformava um sistema latifundiário de tipo feudal) na qual se assentava o essencial da economia nacional, o capitalismo enquanto modo de produção havia passado à sua fase monopolista, imperialista. A combinação de fatores como o da exportação de capital, uma das particularidades da fase monopolista do capitalismo, capital financeiro internacional que se inverte no país e a sua economia de tipo rural, até então, assentada na força de trabalho escrava e servil, engendrará um desenvolvimento peculiar do capitalismo no país. Por outro lado, em todo o processo do desenvolvimento agrário do país, nunca existiu qualquer forma facilitadora de acesso à terra pelos camponeses pobres, menos ainda no período pós abolição da escravatura que liberou milhões de braços para o trabalho. Pode-se verificar inclusive, que a propósito do estabelecimento da Lei de Terras de 1850, esta já era um ato preventivo das oligarquias latifundiárias frente a crescente possibilidade da abolição da escravatura. Quando esta ocorre, a substituição da economia apoiada até então no braço escravo, por formas de exploração capitalistas, se verifica impossível. Como também inexistia as condições que proporcionasse a instituição da pequena exploração camponesa, o sistema de propriedade e suas formas de exploração passam por um período de evolução caracterizado pela coexistência de relações capitalistas e pré-capitalistas de produção, no setor fundamental da produção, em que predomina a grande lavoura.
Estas relações podem ser verificadas pelas formas de renda da terra que origina, de tipos capitalistas e pré-capitalistas. Na época, o contrato de parceria formulado por um dos mais eminentes representantes do latifúndio, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, baseado na prática da meação e do colonato, resultou ideal para a transição de uma economia que tinha contra si a força do monopólio da terra. Nessas relações se acham dissimuladas “sob a capa de trabalho livre os traços mais vivos da servidão e vestígios evidentes do escravismo, o sistema de ‘parceria’, tomava fôros de um contrato bilateral, supostamente feito em igualdades de condições, combinado entre o senhor da terra e o seu cultivador.” 13. A parceria é definida por Marx (O Capital, Tomo III) “A parceria, ou sistema de exploração com partilha do produto, pode ser considerado como uma forma de transição entre a forma primitiva da renda e a renda capitalista; o explorador (parceiro) emprega, além de seu trabalho (próprio ou alheio), uma parte do capital aplicado, e o proprietário, além do terreno, fornece a outra parte do capital (por exemplo, o gado); o produto é repartido entre o parceiro e o proprietário em proporções determinadas que variam segundo os países. Para uma exploração inteiramente capitalista, falta ao parceiro, nesse caso, capital suficiente. A participação que cabe ao proprietário não constitui uma forma pura de renda. Pode conter os juros do capital por ele adiantado, assim como uma renda excedente. Pode também absorver todo o sobre-trabalho do parceiro ou deixar a este uma parte mais ou menos importante. O essencial, porém, é que a renda não aparece mais aqui como a forma normal da mais-valia. Por um lado, o parceiro, seja com o trabalho próprio ou alheio, pode pretender uma parte do produto não na qualidade de trabalhador, mas de possuidor de uma parcela dos instrumentos de trabalho, por ser ele seu próprio capitalista. Por outro lado, o proprietário da terra pode pretender a sua parte, não somente por ser o dono do terreno, mas por ser fornecedor de capital”.
Daí deduz-se o tipo de relações praticadas no interior dos latifúndios. “Salvo um ou outro caso legítimo de parceria, como, por exemplo, o dos fornecedores de cana, estes, ainda assim, subordinados ao monopólio de compra e a outras relações de dependência dos usineiros, a ‘parceria’ desde Vergueiro,bem como a meação, a terça, a quarta, o colonato, etc. são sistemas de arrendamento primitivo, ora aproximando-se da renda-trabalho, ora da renda-produto, todas estas aparentadas com as formas feudais ou semifeudais da renda pré-capitalista, e cuja principal característica é a limitação da liberdade do cultivador ou sua dependência servil ao senhor da terra.” 14
Nas condições do período, também não foi possível surgir e incrementar a pequena propriedade camponesa. Por sua vez, todas as tentativas massivas dos camponeses de apropriação de terras, foram esmagadas a ferro e fogo (Canudos, Contestado, Caldeirão, Pau de Colher entre outros). Mas, dado o excedente de braços sem trabalho, ainda que de forma fragmentada e individualizada, uma grande quantidade de posseiros foi se conformando nas vastas regiões interioranas do país. Claro está que a via pela qual o capitalismo percorre no campo em nosso país não é a via revolucionária da destruição dos entraves da base de relações servis herdadas (relações escravistas e semifeudais), seja quanto ao regime jurídico da propriedade da terra, quanto às relações de produção. Percorre o caminho de manutenção do sistema latifundiário via modificações graduais de adequação à exploração capitalista de um modo bastante peculiar. No Brasil, o capitalismo se desenvolve no campo pelo caminho prussiano, só que de uma forma, diríamos, estagnada. Ao longo do século XX, principalmente, se processa de forma lenta e gradual transformações muito mais quantitativas que de qualidade nas relações que se dão no interior do latifúndio. Em parte, passa-se de latifúndio semifeudal a latifúndio capitalista onde de forma subjacentes seguem as relações servis, em parte surge a grande propriedade capitalista agrícola, em parte surge a pequena exploração camponesa.
É, portanto, através do capital financeiro internacional e da ação subordinada a ele, do capital comercial e usurário originado da exploração servil na produção agrícola nacional, que se impulsionará o capitalismo no país. E é sobre a base podre e arcaica do latifúndio semifeudal que, principalmente, este capital se apoia e desenvolve um capitalismo atrasado de tipo burocrático, selando interesses do latifúndio, a grande burguesia e o imperialismo. Processo que resulta na lenta e arrastada transformação do campo, esmagando sempre os camponeses pequenos e pobres, em primeiro lugar, explorando a classe operária, bloqueando a expansão da pequena e média burguesia e afundando a nação na dominação e subjugação semicolonial. Em meio das confrontações sociais, em cada etapa, as classes dominantes, nos marcos desse capitalismo burocrático, tem sido capazes de resolver a seu favor um tipo de desenvolvimento no agrário, que no fundamental manteve a propriedade latifundiária, evoluindo parte para exploração capitalista e parte numa economia camponesa, gerando massas de milhões de camponeses pobres, num verdadeiro sistema latifundiário articulado, no qual as relações semifeudais, embora vão se reduzindo em termos relativos, seguem operando de forma subjacente.
Para esse capitalismo burocrático se revelou de extrema importância a existência de uma economia camponesa permanentemente arruinada e submetida por completo à industria e à cidade, como elemento chave para manter no mais elevado possível a taxa de lucro e o controle da classe operária. Primeiro, barateando os preços da cesta básica que permite os mais baixos salários em toda a esfera de exploração capitalista; segundo, fornecendo matéria prima a preços irrisórios e força de trabalho barata e abundante à indústria. Constitui-se assim, esse desenvolvimento no campo, uma reserva sem fim do capitalismo burocrático. Segue pendente, para o desenvolvimento da nação e das dezenas de milhões de massas camponesas, a total e completa liquidação do latifúndio, seja agora, de velho ou de novo tipo, através da nacionalização das terras nas grandes propriedades capitalistas e da destruição dos demais latifúndios, com a distribuição aos camponeses pobres sem terra e com pouca terra, de parcelas privadas em formas associativas, em transição para sua também nacionalização. Tarefa que para ser levada a cabo exige duas condições: primeira, que seja obra da força e organização do movimento dos camponeses pobres, sem terra e com pouca terra, principalmente pobres; segunda, que o caráter e conteúdo deste movimento camponês tem que corresponder à direção da classe operária, através de um programa de transformações agrárias que conduza com o fim do latifúndio a mais completa libertação das forças produtivas e consequentes novas relações de propriedades e de produção ao exercício do poder político pelas massas populares nas áreas libertadas.
IV — Desenvolvimento capitalista e capitalismo burocrático
Com a separação de Portugal em 1822 e a abolição da escravatura em 1888, nada na estrutura fundiária do país se alterou. Com o sistema de sesmarias se dá início ao processo de centralização e monopólio da propriedade da terra, concentradas nas mãos de nobres portugueses e de altos funcionários da burocracia colonial. As relações de propriedades de tipo feudal se agravaram consolidando no jurídico, com a Lei de Terras, de 1850, que estipulava que o acesso à terra só se realizaria através de sua compra. A manutenção e o reforçamento do caráter privado do regime jurídico de propriedade da terra, baseado no latifúndio, por si só representava o mais formidável obstáculo para o desenvolvimento capitalista, não somente no campo, mas no país como um todo, já que era no campo que se dava, essencialmente, a produção nacional. A Abolição da Escravatura e a Proclamação da República não resultaram de processos revolucionários, portanto não realizaram qualquer alteração estrutural no país, senão que foram artifícios das classes dominantes retrógradas, as oligarquias rurais semifeudais e burgueses compradores, para enfeixar mais poder e resistir às transformações democráticas burguesas que a realidade objetiva demandava. Esta é a situação na qual se encontrava o país no momento em que o capitalismo entrara na etapa superior de seu desenvolvimento marcada por um grande salto em sua expansão mundial, através da exportação de capital e o reforçamento da política colonial capitalista. É sobre esta base putrefata em que o país tinha seu desenvolvimento empantanado que os capitais europeus, principalmente ingleses, inicialmente, engendrarão um desenvolvimento capitalista.
As relações de produção junto às relações de propriedade que se desenvolvem no agrário, relações que se dão dentro do sistema latifundiário de monopólio e concentração da terra, relações sociais de produção entre latifundiários e camponeses, são relações de tipo semifeudal, que são, por sua vez, a base sobre a qual se assenta e desenvolve as relações capitalistas impulsionadas pelo imperialismo. Estas se reproduzem por toda a sociedade, na medida em que se constitui o fundamental das relações sociais de produção, determinando portanto o caráter de suas instituições políticas, jurídicas e culturais. Isto se processa por longos períodos e no recente período histórico, a partir do início do século XX, seguem evoluindo, só que de forma subjacente às relações capitalistas de tipo burocrático que deu origem.
Tais fenômenos são resultantes da passagem do capitalismo à sua fase monopolista, em que três de suas características essenciais — hegemonia do capital financeiro, exportação de capitais e política colonial — moldam sua ação sobre os países atrasados numa relação de dominação; se apoia nessa base de relações pré-capitalistas — escravistas, semiescravistas, feudais, semifeudais — e impulsiona os capitais originados destas relações. O que implica em manter e aprofundar, tanto aquelas relações arcaicas determinando um tipo particular de desenvolvimento capitalista, o burocrático, quanto um submetimento à sua dominação mais completa, impedindo que a formação da nação se complete e que esta se desenvolva de forma independente. Conformam-se assim, numa “associação” terrível de três forças reacionárias: imperialistas, grandes burgueses e latifundiários, na qual, os dois últimos são controlados e servem às primeiras, e juntas oprimem o proletariado, o campesinato, a pequena e média burguesias.
Tal base o país herdou e sobre ela evoluiu ao longo do século XX, sem que nenhum movimento social o rompesse até nossos dias. Todo o desenvolvimento político tem resultado senão em processos de reestruturação do Estado, para adequar a organização do poder de Estado e a economia à marcha dos acontecimentos, assegurando os interesses do capital financeiro, do imperialismo em primeiro lugar e em segundo das classes dominantes locais. É o que tem representado as inflexões políticas como “revolução de 30”, o fim do Estado Novo com o golpe de Dutra, o golpe militar de 64 e a chamada “redemocratização”. No econômico-social tem significado o acumulo quantitativo, porém não conduziu ainda ao salto de qualidade que representa a transformação completa de toda essa velha estrutura sempre reformada.
No agrário, que é a base de todo esse desenvolvimento, podemos comprovar que o regime jurídico de propriedade da terra, em substância, nunca foi alterado no país. Mantém-se no fundamental. Que modificação foi estabelecida com a Abolição da Escravatura? Nenhuma. E com a Proclamação da República? Nada. Com Getúlio, que estudiosos caracterizam como um processo de revolução burguesa, o que ocorreu foram projetos de colonização visando expandir a fronteira ocupada do país, fundamentalmente para oeste e que reproduzia, a cada passo, as mesmas relações de propriedade predominantes existentes. O que teremos de concreto, resultante da luta das Ligas Camponesas, na década de 50 e 60, é o Estatuto da Terra estabelecido pelos generais através do golpe militar de 64. O fizeram como válvula de escape necessária, para levar a fundo a liquidação do movimento camponês revolucionário. E de forma geral é o que temos hoje estabelecido em termos de legislação agrária: o acesso a terra segue sendo, exclusivamente, através do ato de sua compra.
A Lei 8.629 de 25/02/93 regulamenta a desapropriação do latifúndio improdutivo para fins de assentamento de camponeses sem terra, através de um contrato a ser pago. Por sua vez, os latifundiários são indenizados com dinheiro vivo para as benfeitorias e com Títulos da Dívida Agrária (TDA) para terra. Com o crescimento vertiginoso que vem tendo o movimento camponês, mais recentemente o governo reformulou a forma de cálculo do ITR (imposto territorial rural) de forma a pressionar a queda do preço das terras. O que, ao contrário de concorrer para facilitar a aquisição por parte de camponeses, só faz aumentar a tendência à concentração, simplesmente pelo fato de que quem pode comprar terras, são os que tem dinheiro disponível, os especuladores latifundiários e capitalistas.
A Revolução democrática de novo tipo
Portanto, o desenvolvimento de nosso país, tal como dos demais países atrasados, se vê condicionado por fatores de grande transcendência, resultantes da passagem do capitalismo para sua fase monopolista. O advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), guerra de partilha do mundo pelas potências imperialistas e da Revolução de Outubro na Rússia (1917), modificaram completamente o curso histórico, impactando de forma extrema o processo de desenvolvimento capitalista no resto do mundo. Terminava aí toda uma época das revoluções burguesas democráticas, ingressando na época do domínio dos monopólios, da época em que a burguesia perdeu por completo sua condição e papel revolucionário passando a sua fase reacionária e de contra-revolução geral. Ou seja, que a burguesia, em geral, não podia mais cumprir qualquer papel revolucionário como cumprira em épocas anteriores, tal como fora suas revoluções no século XVIII. A partir daí, isto fica patente nas relações das nações capitalistas desenvolvidas com as demais no mundo, nas quais se acentuaram o caráter exclusivamente de domínio, exploração e opressão crescentes.
É da essência dessa fase particular do capitalismo — monopolista — a hegemonia do capital financeiro, a exportação de capital e a posse de colônias, que entre outros aspectos, terão na guerra uma necessidade e lei do seu desenvolvimento. A burguesia que tinha realizado as revoluções democráticas liquidando praticamente toda a base feudal em seus países para impulsionar o desenvolvimento capitalista, agora, na condição de burguesias imperialistas tinha na manutenção das condições pré-capitalistas existentes dos países atrasados uma nova forma de suporte e acumulação de seus capitais. Por essa razão mesma, não as liquida, ao contrário se apóia nelas.
Por seu lado, as nascentes burguesias nacionais 15, muito débeis economicamente, embora em profunda contradição com os monopólios temiam o caminho revolucionário. Situação que faz da classe operária a classe mais interessada em levar a cabo as transformações democráticas burguesas. Quer dizer, estas transformações, embora de caráter democrático-burguês, não mais pertenciam à categoria da velha democracia, mas sim de um tipo novo de revolução democrática. Pois que, na situação que configurava a incapacidade histórica da burguesia de encabeçar as transformações democráticas, seja por a grande burguesia nativa ser umbelicamente atada ao imperialismo e a média burguesia economicamente débil e politicamente vacilante, restava a direção do processo à classe operária. Esta aliando-se ao campesinato, principalmente pobre — também grande interessado na destruição das propriedades latifundiárias, e aos setores progressistas da pequena e média burguesias, constitui-se como frente única revolucionária que leva a cabo as transformações agrárias em particular e democráticas em geral, tal como a libertação nacional do jugo imperialista. Caracterizando-se assim como uma revolução democrática de novo tipo que se inicia através de levar a frente à revolução agrária com a mais completa destruição do latifúndio, desenvolvendo-se consequentemente como revolução antiimperialista e de libertação nacional, que confisca a grande burguesia e o imperialismo e de forma ininterrupta passa à revolução socialista.
São essas condições, que como peculiaridades dos países dominados pelo imperialismo, diferem no processo econômico-social. Condição surgida pela determinação da lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, em que se expressa uma nova situação, originada do fato de que o capitalismo se expandiu pelo mundo não de maneira uniforme e igual, menos ainda na condição de um único e mesmo patamar. Mas sim, via um desenvolvimento desigual histórico e no espaço geográfico das civilizações e em duas fases bem particulares, a da livre concorrência e a dos monopólios, imperialista. Em que a passagem à fase monopolista modificou toda a relação no mundo, que ficou dividido definitivamente em, de um lado, um punhado de países industrialmente desenvolvidos, potências econômicas-militares e de outro, uma imensa maioria de países atrasados, subjugados e dominados pelos primeiros. Ainda mais, que a dinâmica dessa dominação e seu desenvolvimento é uma permanente luta, entre essas potências, pela partilha e repartilha do mundo. Nessas novas condições sua expansão fez engendrar, segundo o estágio de cada país atrasado, via a exportação de capitais e a política colonial moderna, um tipo particular de desenvolvimento. Como a base econômica fundamental desses países nesse período, é de tipo agrícola, assentadas no latifúndio feudal ou semifeudal ou na propriedade comunal indígena, nisto reside a essência da peculiaridade do desenvolvimento desses países de uma forma geral e do desenvolvimento do capitalismo neles em particular, como um capitalismo de tipo burocrático.
1 Secretário-adjunto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável. Ver Jornal do Brasil, dia 17 de março de 2002, Caderno Economia, página 21. Suas declarações se baseiam nos estudos do Secretário José Eli.
2 Ver Jornal do Brasil dia 17 de março de 2002, Caderno Economia, página 21
3 Os dados do IBGE de 1996 dão conta de um total de 372 milhões de ha. Segundo os últimos dados, este valor diminuiu, isto pode ser explicado pela não declaração de muitos proprietários, na medida que o levantamento é feito com base no cadastro geral das propriedades rurais.
4 O documento do CNDRS citado, fala de dois projetos estratégicos para o desenvolvimento rural no Brasil: “primeiro, de caráter setorial, visa maximizar a competitividade do chamado agrobusiness. Por consequência, a missão de seu segmento primário – formado pela agricultura, pecuária, silvicultura e pesa – é a de minimizar custos de produção e transação de gêneros e matérias-primas que são transferidos para o segundo elo da cadeia, formado por indústrias de transformação, exportadores, atacadistas ou centrais de compras das dredes de varejo. A corrida tecnológica exigida por essa necessária redução de custos impõe uma especialização das fazendas, que exclui a maior parte da mão-de-obra não-qualificada e sua absorção e inclusão ficam por conta dos outros setores da economia e de outros grupos sociais. Os defensores mais convictos desse projeto estimam que ‘faltalmente 15% da população brasileira deverá sair do campo nas próximas décadas’, não comportando a permanência de 18 milhões de ocupados nas atividades de seu segmento primário (segundo o Censo de 1995/6). Prevê-se que essa estratégia o Brasil chegar em 2020 com uma renda per capita superior à de Portugal de hoje, e significativa redução do número de pobres; ” e “outro projeto, cuja palavra-chave é a diversificação, visa maximizar as oportunidades de desenvolvimento humano em todas as mesorregiões rurais do imenso território brasileiro, e no maior número possível de sua microrregiões rurais. Por isso, pretende diversificar as economias locais, a começar pela própria agropecuária. Procura aquele tipo de dinâmica rural que resulta da diversidade multisetorial, e em termos de salubridade e de meio ambiente – duas das principais vantagens competitivas do século 21 – esta agrodiversidade é infinitamente superior à especialização. A pluriatividade favorece a industrialização difusa e a descentralização de serviços sociais, de serviços pra empresas e vários tipos de serviços pessoais. Como consequência, há absorção local da sobra de braços, o que alivia os outros mercados de trabalho dos setores secundário e terciário das regiões metropolitanas, aglomerações e centros urbanos, permitindo que o país acelere a adoção de inovações tecnológicas sem temor de desemprego explosivo. Com esta alternativa, o Brasil terá mais chances de ser uma potência econômica sólida e moderna por volta de 2020, atingindo um índice de desenvolvimento humano comprável ao da Espanha de hoje, com forte redução da probreza.”
5 Este dado se baseia numa citação feita pelo Procurador da República Luiz Francisco em declaração à imprensa, e não de fonte estatística oficial, portanto pode não corresponder à realidade. Contudo, seguramente está abaixo do número de propriedades na medida que na situação do Brasil é comum que os grandes proprietários de terras tenham inúmeras propriedades.
6 1— Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA); 2-Fundo de Terras e Reforma Agrária (Banco da Terra); 3-Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e 4— Programa Nacional de Geração de Renda no Setor Rural (PROGER)
7 O Programa Agrário da Social democracia — Lenin -Obras Completas Vol. XVIII
8 Júnker — Fazendeiro (do alemão)
9 Refere-se respectivamente a Mencheviques e Trudoviques
10 No caso da Rússia, àquela altura, se a liquidação da propriedade privada da terra, através da estatização, era o fator mais impulsionador para o desenvolvimento capitalista, a burguesia temia que, ao se lançar contra a propriedade privada da terra, que lhe favoreceria imensamente do ponto de vista econômico, abrisse um perigoso precedente contra a propriedade privada em geral.
11 O Programa Agrário da Social-democracia — Lenin — Obras Completas Vol. XVIII
12 Idem
13 Alberto Passos Guimarães, Quatro Séculos de Latifúndios (Editora Paz e Terra)
14 Idem
15 Burguesia nacional — Chamamos atenção para a conceituação distintiva de burguesia burocrática e burguesia nacional. A primeira grande burguesia brasileira atada ao latifúndio e ao imperialismo, composta de duas frações básicas, a burocrática propriamente dita e a compradora. A segunda, que é média burguesia ou burguesia genuinamente nacional. Burguesia nacional ou média burguesia, cujo duplo caráter determinado por sua condição de oprimida pela grande burguesia lacaia e pelo imperialismo de um lado, e por outro, pelo temor à classe operária e à revolução, a faz uma classe vacilante, inconsequente e totalmente incapaz de encabeçar a revolução democrático-nacional inconclusa e pendente.