CONTEÚDO
I – LENIN E A AÇÃO CLANDESTINA
-MÉTODOS DE MAQUIAGEM DO CAMARADA LENIN
-NÃO CHAMAR A ATENÇÃO
-A DESPEITO DA CLANDESTINIDADE
-MUDANÇA DO ASPECTO EXTERNO
-CORRESPONDÊNCIA CLANDESTINA
-TRANSPORTES ILEGAIS
-A TRAVESSIA DA FRONTEIRA
-PARTICIPAÇÃO NAS REUNIÕES CLANDESTINAS
II – O que disse Lenin sobre a estrutura orgânica e os métodos de edificação de um partido ilegal – Que fazer?
-PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO DE UM PARTIDO COMUNISTA ILEGAL
-CENTRALIZAÇÃO DA DIREÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO DAS FUNÇÕES
-AS ORGANIZAÇÕES AUXILIARES PRÓXIMAS AO PARTIDO
-A CÉLULA DE FÁBRICA
-MAIS SOBRE A CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES ILEGAIS DO PARTIDO
-LENIN E OS SINDICATOS ILEGAIS
-O ÓRGÃO CENTRAL
-RESOLUÇÃO DE 1908, RELATIVA A ORGANIZAÇÃO
-RESOLUÇÃO DE 1913, SOBRE ORGANIZAÇÃO
III – LENIN E AS FORMAS SUPERIORES DA LUTA DE CLASSES
-CARTA DO CAMARADA LENIN AO COMITÊ DE PETERSBURGO
-OS ENSINAMENTOS DA INSURREIÇÃO DE MOSCOU
-OS SOVIETS COMO ÓRGÃOS DA INSURREIÇÃO
-AS ORGANIZAÇÕES MILITARES
-1917
I – Lenin e a ação clandestina
Vladimir Ilich não foi somente o criador e chefe do grande Partido Bolchevique, mas também um notável revolucionário prático, e sua longa experiência no trabalho revolucionário [o confirma]. Neste capítulo aproveitamos a rica literatura sobre as memórias do camarada Lenin que caracterizam sua atividade de militante ilegal e, especialmente, as recordações de pessoas de sua intimidade: N. K. Krupskaia e as irmãs de Lenin, Maria e Ana.
As memórias da camarada Krupskaia demonstram que já no começo de sua atividade revolucionária, Vladimir Ilich atribuía uma grande importância a tudo que concerne à ação clandestina.
Em nosso grupo – escreve Krupskaia – Vladimir Ilich era o que melhor sabia trabalhar do ponto de vista conspirativo; conhecia os pátios com dupla saída, sabia enganar os espiões de um modo magnífico, nos ensinava a escrever nos livros por meio de procedimentos químicos, por meio de pontos, a empregar códigos convencionais, inventava todos os sobrenomes imagináveis…(Krupskaia, “Recordações sobre Lenin”, edições Europa América, pág 22,)
Há que constar, no entanto, que naquele tempo, a dizer, durante os anos da “União de Lutas” aos quais se refere à citação anterior, e durante os anos que seguiram (1903) a técnica de trabalho clandestino e, em geral, e tudo que se refere à conspiração, eram ainda muito primitivos.
Ao reler agora a correspondência com a Rússia, surpreende a candidez da conspiração daquela época. Todas essas cartas em lenços de bolso [passaportes], com essas alusões a “cerveja” e os “petiscos” (literatura ilegal), todos esses nomes de cidades que começam com a mesma inicial do nome verdadeiro (Odessa-Osip, Tver-Terenti, Poltava-Petia, Pskov Pacha, etc), toda essa substituição de nomes masculinos por femininos e vice-versa, tudo isso era extremamente transparente, não podia enganar a ninguém. Naquele tempo não parecia ingênuo e, até certo ponto, no entanto, contribuía a despistar. No principio não havia uma tal abundância de informantes como houve mais tarde. Os militantes se conheciam todos, era possível ter confiança em todos… (Krupskaia, “Recordações sobre Lenin”, pág 106, edições Europa América).
No entanto, na maioria dos casos, até mesmo uma clandestinidade como essa alcançava seus fins. E aqui um exemplo que mostrará até que ponto podia servir até mesmo um código tão ingênuo como a linguagem convencional de que fala Nadiejda Konstantinovna, porque os agentes de segurança política, inclusive os chefes, eram fundamentalmente ignorantes.
Em 1905, encontraram com um camarada detido em Tiflis, uma correspondência que tratava da compra e venda de batatas, nozes e avelãs, etc. Como não existia nenhuma relação entre a pessoa detida e o comércio de frutas, e como, pelo contrário, o preso já tinha sido perseguido por questões políticas, a Okrana, não sem razão, fez esta suposição sugerida pela carta: “As batatas designavam as bombas (as chamavam freqüentemente de laranjas); as nozes, balas de fuzil, as avelãs, balas de revólver”. Não obstante, o chefe da gendarmaria rechaçou esta suposição dizendo que tinha que ter muita imaginação para tomar batatas por bombas e as nozes por balas, e pôs o detido em liberdade.
Na discussão surgida a este respeito, o Departamento de Polícia deu razão a Okrana, porém “o comerciante de frutas já tinha tido tempo de desaparecer sem deixar rastro” (exp.do Departamento de Polícia, num. 3,755).
Na maior parte dos casos a policia descobria os métodos das organizações revolucionárias, não porque estas últimas empregassem métodos de conspiração muito primitivos, mas porque alguns membros do Partido os utilizavam às vezes sem prestar a atenção e seriedade devida.
Havia membros do Partido (que tem atualmente também seus semelhantes em todos os Partidos Comunistas clandestinos) que pensavam que eles não deviam ocupar-se senão que dos grandes problemas políticos e que tudo concernente à técnica, a conspiração, etc., não eram mais que “futilezas” que não mereciam sua atenção.
Se as circunstâncias lhes obrigassem, não obstante, a ocupar-se destas questões cumpriam sua tarefa de qualquer maneira, a fim de terminar o mais rápido possível. Admitamos, por exemplo, que é necessário cifrar em um livro uma carta urgente e importante. Este trabalho pode ser feito às pressas em meia hora, mas toma de duas a três horas para ser feito cuidadosamente (cifrar a carta e controlar o escrito). Se o encarregado desse trabalho não quer empregar seu “precioso” tempo em tais “futilezas”, pode resultar que a carta seja indecifrável ou, o que é pior ainda, que o secreto conteúdo da correspondência seja descoberto pelos gendarmes.
Em nenhuma parte, em nenhum trabalho, a estrita observação dos pequenos detalhes que exige a conspiração tem uma importância tão imensa. Como veremos mais adiante, V. Ilich consagrava mais séria atenção e grande parte de seu tempo – realmente precioso – a estas “pequenezas”, dando assim exemplo aos ativistas de todos os Partidos Comunistas legais ou semilegais.
Métodos de maquiagem de camarada Lenin
Uma das mais importantes condições que mais ou menos protegiam a um revolucionário contra a prisão, era a capacidade de disfarçar-se, de confundir-se com o meio ambiente, dando a sua figura e toda sua aparência o aspecto habitual dos meios ou nas classes nas que devia trabalhar. O revolucionário se confundia deste modo na massa de outros indivíduos semelhantes a ele, fazendo mais difícil sua vigilância.
Era igualmente importante para o membro do Partido saber ocultar seu verdadeiro nome aos numerosos camaradas com os quais realizava o trabalho ilegal, e ser conhecido por eles, só por seu pseudônimo, ou apelido de Partido. Essa dissimulação fazia consideravelmente mais difícil o trabalho dos informantes no seio da organização. É verdade que quanto mais importante era o papel desempenhado por um membro da organização, mais difícil era observar esta regra da conspiração; e, naturalmente, para [ele] líder, para o chefe, isto era mais difícil ainda.
Não era uma simples curiosidade, mas a admiração, o orgulho e o amor por seu chefe o que empurrava ao membro a fazer perguntas, a interar-se de algo da vida deste, e em muitos casos isto foi à causa de que se descobrisse o segredo.
O fato seguinte demonstra até que ponto Vladimir Ilich sabia observar as regras da conspiração. Durante um quarto de século, o verdadeiro nome de Vladimir só era conhecido por um circulo relativamente reduzido de camaradas. Só no período que se seguiu a fevereiro, e nas jornadas vitoriosas de outubro, Lenin Ulianov foi conhecido por todos os membros do Partido e da classe operária. Já no período de sua atividade de revolucionário, em Petersburgo, Vladimir Ilich recorria a diversos pseudônimos e alguns deles eram conhecidos nos círculos de operários avançados e de intelectuais. Assim, nos círculos operários era conhecido como “Nicolas Petrovich” e também como “Starik” (o Velho); em um círculo mais restrito de camaradas, lhes chamavam “Ilich”; nos periódicos marxistas legais, como por exemplo, no “Novoie Slovo” (A Nova Palavra), escrevia sob os pseudônimos literários de “Tulin”, “Vladimir Ilin”, “Karpov”. De ano em ano o número de seus apelidos e dos nomes que levava nos passaportes falsos, ia aumentando consideravelmente.
Apesar do cuidado excepcional e das precauções de Vladimir Ilich em tudo o concernente à conspiração, tampouco ele lograva levar até o final, e ocorria que no curso dos acontecimentos descobria-se casualmente o que ele ocultava com tanto cuidado.
Eis aqui o que relata a este respeito em suas memórias o operário Kniasiev:
Em 1893, minha avó morreu e eu tinha que receber sua herança…Pedia conselho aos camaradas sobre o que eu devia fazer para obtê-la. Eles me enviaram a ver o advogado V.I. Ulianov, recomendando-me não anotar seu endereço.
Chegando a casa número 7 da viela dos Cosacos, com ajuda do mapa que tinham me dado, encontrei o departamento 13, chamei. A porteira da casa veio a abrir-me a porta e me disse que Ulianov, não estava em casa, mas que voltaria logo, permitindo-me esperar em seu quarto. A habitação tinha duas janelas. O mobiliário era extremamente modesto. Uma cama de ferro, uma escrivaninha, três ou quatro cadeiras, uma cômoda. Depois de olhar tudo isso, fiquei refletindo, perguntando-me que tipo de advogado poderia ser esse, e se aceitaria se ocupar de meu assunto…O timbre se deixou ouvir, e logo um homem com um chapéu de abas (pela ilegalidade naturalmente) entrou no quarto. “Ah, você já me espera”, disse, tirando rapidamente o capote e alisando o amarrotado de seu casaco – um minuto, vou trocar de roupa e examinaremos seu caso”. Ao levantar a vista fiquei assombrado: – Mas…. é Nicolas Petrovich!..
Contando em suas memórias sua viagem ao estrangeiro para buscar Vladimir Ilich, Nadiejda Konstantinovna relata a forma como Lenin, que residia em Munique, no começo do período da “Iskra” (1901-1902), ocultava seu nome e lugar onde vivia.
Dirige-me a Praga, onde supunha que vivia Vladimir Ilich, com o nome de Modratschek. Antes havia mandado um telegrama. Cheguei a Praga; ninguém me esperava na estação. Esperei inutilmente. Muito confusa, tomei um carro, cujo condutor levava um chapéu de abas, coloquei minhas malas e fomos em frente. Chegamos em um bairro operário, num beco estreito, a uma casa enorme na qual em muitas de suas janelas se arejavam colchões.
Subi ao quarto andar. Uma checa ruiva abriu a porta para mim. Perguntei por Modratschek, herr (Sr) Modratschek.
Saiu um operário e disse: “Eu sou Modratschek”. Estupefata balbuciei: “Não, Modratschek é meu marido”. Finalmente, Modratschek adivinhou do que se tratava. “Ah!, seguramente é você. A esposa de herr Rittmeyer, vive em Munique, mas por meio de mim lhe enviava cartas e livros a Ufa”, disse. Modratschek passou todo o dia comigo, lhe falei do movimento operário russo, ele me falou do austríaco, sua mulher me mostrou as peças de roupas confeccionadas por ela e me alimentou de almôndegas checas.
Ao chegar a Munique ia vestida com um casaco de peles, e naquele momento em Munique todo mundo andava sem agasalho. Educada pela experiência, deixei minhas malas na estação, no guarda-volumes, tomei um bonde e fui em busca de Rittmeyer. Encontrei a casa; o número 1 era uma cervejaria. Aproximei-me do mostrador, detrás do qual estava um alemão gordinho, e pressentindo novamente que não tinha ido parar onde convinha, perguntei timidamente pelo Sr Rittmeyer. O cervejeiro respondeu: “Sou eu”. Completamente atônita balbuciei: “Não, Rittmeyer é meu marido”.
E nos olhamos, um ao outro como dois imbecis. Por fim chegou à esposa de Rittmeyer e depois de me observar adivinhou do que se tratava. “Ah!, seguramente é mulher de heer Meyer. Heer Meyer espera por sua mulher que deve chegar da Sibéria. Venha comigo”.
Sigo a senhora Rittmeyer até o pátio posterior da enorme casa, para um apartamento inabitável. Abre-se a porta e ao redor da mesa se encontram sentados Vladimir Ilich, Martov e Anna Ilitchina. Esquecendo-me de agradecer a patrona, começo a ralhar:
“ -Diabo! Porque não escreveu onde poderia te encontrar?’
“-Como que não escrevi? Três vezes ao dia ia lhe receber na estação. De onde veio?”
Revelou-se que o individuo, cujo em seu nome tinha sido enviado o livro com o endereço, ficou com ele para lê-lo.
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Vladimir Ilich, Martov e Potresov tinham feito sua viagem ao estrangeiro com passaportes legais, mas, mesmo assim, em Munique decidiram viver com documentos alheios e fora da colônia russa com o objetivo de não fazer cair nas mãos da polícia os companheiros que haviam chegado da Rússia e expedir mais facilmente a literatura ilegal a nosso país em maletas, cartas, etc.
Quando cheguei a Munique, Vladimir Ilich vivia sem registros na casa desse Rittmeyer, com o nome de Meyer. O cervejeiro era social-democrata e escondia Vladimir em sua casa.
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As cartas da Rússia eram mandadas a distintas cidades da Alemanha em nome de companheiros alemães, os quais remetiam a correspondência ao Dr. Lehmann, que, por sua vez, enviava a nós.
Pouco antes havia ocorrido um incidente engraçado. Na Rússia se tinha conseguido organizar, por fim, em Kichinev, capital da Bessarábia, uma imprensa dirigida por Akim (Leon Goldmann, irmão de Líber) para a impressão de folhetos. Este mandou ao endereço de Lehmann uma almofada na qual tinha costurado vários exemplares de folhetos publicados na Rússia. Surpreendido, Lehmann negou-se nos correios a receber a almofada, mas quando os nossos se interaram disso e chamaram a atenção do doutor, este recebeu a almofada e declarou que em seguida receberia tudo que chegasse em seu nome, ainda que fosse um trem inteiro.
Todavia não estava organizado o transporte da “Iskra” à Rússia. A “Iskra” era enviada principalmente em maletas de fundo falso por meio de distintas pessoas, que as levavam a Rússia em um lugar determinado.
Como vivíamos de um modo absolutamente ilegal, não nos encontrávamos em absoluto, com os companheiros alemães. (Krupskaia, “Recordações”, páginas 71 e seguintes, Edições Europa-América.)
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Não chamar a atenção
Um dos traços característicos de Lenin era que, apesar de ser o animador, o inspirador de todo movimento operário, exteriormente parecia ficar em segundo plano, esforçando-se para não chamar a atenção dos que o rodeavam, nem por sua aparência, nem por suas palavras, nem por seus atos. O camarada ILIN me contou que um dia foi em companhia de Lenin a uma reunião operária ilegal. Nesta reunião, Vladimir Ilich teve que falar muito enquanto que Ilin, que tinha uma aparência realmente imponente, tinha permanecido calado. Depois da reunião alguns operários expressavam seu assombro de que “o pequeno” tivesse falado o tempo todo e tão bem, enquanto que “Lenin” ficou calado. Eis aqui, por outro lado, como V. Kniasev descreve a chegada de Vladimir Ilich na primeira reunião do Círculo operário (em 1891-1892), que aconteceu no quarto de Kniasev (coleção sobre Ilich, edição de “Istpart”, de Leningrado).
Na hora marcada, alguém chama a minha porta. Abro e vejo um homem de uns 30 anos, com uma pequena barba avermelhada, de cara redonda, de olhar penetrante, com um gorro abaixado até os olhos, com um casaco de meia estação com a gola levantada, ainda que estivéssemos no verão. Nada que pudesse revelar a que meio pertencia. Ao entrar me perguntou: “Nníazev vive aqui?” com minha resposta positiva ele continua: “Eu sou Nicolai Petrovich”. “Os esperamos”, respondi. “Não pude vir diretamente, disse, por isso me atrasei”.
Vladimir Ilich seguia tendo em 1907 o mesmo aspecto indefinido, o aspecto que tem milhões de empregados, operários. Eis aqui o que diz Vinogradov (idem):
Levava uma velha americana [tipo de mala] de fundo falso, de listras finas, uma camisa de cetim azul escuro com pequenas pintas brancas. As calças com joelheiras, pretas, com as bordas puídas, botas engraxadas, que tinham se tornado avermelhadas. No estrangeiro, Vladimir Ilich se vestia à européia, já que as botas engraxadas e a calça de franjas raramente eram encontradas entre os proletários. Com essa indumentária não teria podido escapar à atenção e desconfiança da polícia e da massa de habitantes filisteus das cidades. Em 14 de julho de 1910, o agente da polícia no estrangeiro, Krapilnikov, envia desde Berlim ao departamento de polícia um informe, número 694, “absolutamente confidencial”, sobre as características de quarenta emigrados políticos russos, agregando que até então tinha sido impossível procurar fotografias de nenhum deles. Eis aqui a ficha de Lenin e de sua mulher, que data de 1909:
1 – Lenin: Estatura inferior à mediana, de quarenta a quarenta e dois anos, de pele vermelha, uma enorme calvície que abarca toda a cabeça, o resto dos cabelos cortados bem curtos, olhos cinzentos, pequenos, astutos, nariz ligeiramente curvado, cara de tipo kalmuk[1], pequenos bigodes vermelhos, recortados, barba feita, porte distinguido porém simples.
2 – A mulher de Lenin: Alta, de uns quarenta anos, cabelos castanhos, magra, inclinada para frente, olhos cinzas, nariz pequeno, lábios finos, porte sempre descuidado (coleção editada pelo “ispart”, de Leningrado).
Vladimir Ilich não se contentava em ser extraordinariamente prudente e precavido: ensinava os demais a sê-lo e também exigia que o fossem. Eis aqui um caso característico a este respeito, que se refere à chegada de Vladimir Ilich a Ufa em 1900, contado por A. Petrenko (“A Revolução Proletária”, nº 3/26):
No dia seguinte encontrei Vladimir Ilich e fui com ele ao quarto mobiliado onde havia se instalado. Não lembro exatamente a conversa que tive com ele. Mas recordo claramente que quando, no corredor, pronunciei em voz mais alta do que o habitual: “Nossas divergências”, Vladimir Ilich, com doçura, mas de forma expressiva, me disse: “Há que ser mais prudente, camarada; podem escutar-nos”. “Que há de imprudente nisto, Vladimir Ilich? Pode muito bem haver divergências entre nós”. (Na realidade, se tratava do livro clandestino de Plekanov: “Nossas divergências”). “Não, digo não é assim como se deve falar, se não quer chamar atenção sobre você do olho que vigia. Tem que esperar sempre o pior da parte dos adversários e pensar que nossas palavras serão interpretadas no sentido menos favorável; vale mais pensar em um perigo maior do que é na realidade e tomar as medidas correspondentes”.
Qualquer que fosse o trabalho que Vladimir Ilich se dedicasse, por muito abstraído que pudesse estar, sempre estava em guarda, observando o que passava ao seu redor. Eis aqui porque Vladimir Ilich não podia ser agarrado de improviso, cair em uma cilada, e por isso mesmo vigiar, capturar a um revolucionário tão hábil, tão prudente, era para os gendarmes uma tarefa superior às suas forças.
O camarada Adoratski cita um pequeno fato que, sem dúvida alguma, deve ter se reproduzido mil vezes na vida de Vladimir Ilich com poucas variações. Aconteceu durante o período de emigração do camarada Lenin.
Uma noite (em 1908) fui ver a Vladimir Ilich, e me convidou a uma cervejaria. Sentamo-nos em uma mesa, pedimos cerveja e entabulamos a conversação. Vladimir Ilich interessava-se por minhas ocupações. De súbito, Lenin interrompeu a conversa e disse: “Esse homem é suspeito”, e fez um gesto imperceptível para um sujeito que acabava de se colocar próximo de nós e que sem dúvida era um espião. Ato seguido, nos levantamos e saímos…
Eis aqui outro episódio da vida de Vladimir Ilich do tempo em que estava obrigado a esconder-se, em diferentes cidades da Finlândia, das perseguições do governo “democrático” de Kerenski. Este episódio mostra a importância que o camarada Lenin atribuía às exigências da clandestinidade.
O camarada em cuja casa Vladimir Ilich se escondia então em Helsingsfors, relata o que se segue:
Nos primeiros tempos Vladimir Ilich não saía à rua, permanecendo em casa. Mais uma noite, muito tarde, decidiu-se sair comigo e dar um pequeno passeio. Marchávamos em uma profunda escuridão (em 1917, em Helsingsfors, as ruas não eram iluminadas por causa dos zepelins alemães que podiam voar sobre as cidades). Durante a conversa, escapou-me seu nome sem querer. Lenin me chamou imediatamente à ordem, indicando-me que prestasse mais atenção às regras da ilegalidade (idem, p. 67).
A despeito da clandestinidade
Houve, no entanto, casos na vida de Vladimir Ilich em que trabalhou violando os requisitos da conspiração. Esses casos foram muito raros. E ocorria normalmente por causa dos erros dos camaradas “especialistas”. Vladimir Ilich lembra, por exemplo, de forma ligeiramente humorística, como viveu em 1906 – 1907, com o passaporte de um georgiano (Rovio).
Nadiejda Konstantinovna relata a viagem de Vladimir Ilich de Petrogrado a Moscou em 1905:
Tão logo regressei a Petersburgo fui ver-lhe. Assombrou-me o número de espiões à espreita por todas as partes. Porque começaram vigilância tão estreita? Perguntei a Vladimir Ilich. Este não tinha saído ainda de casa desde sua chegada e não tinha observado nada. Ao pôr em ordem as maletas, inesperadamente descobri nas mesmas uns grandes óculos azuis. Que é isto? Revelou que em Moscou lhe tinham colocado esses óculos, lhe haviam dado uma dessas maletas finlandesas azuis tão características e lhe tinham colocado em um trem rápido no último momento. Todos os policiais, tomando-o evidentemente por um assaltante, se puseram a seguí-lo. Era necessário marchar sem perder tempo. Saímos de braços dados e fazendo-nos de indiferentes, tomamos uma direção contrária a que nos convinha, mudamos três vezes de carro, atravessamos as portas de vários pátios e chegamos finalmente à casa de Rumiantsev, sem sermos seguidos por ninguém. Dormimos, se não me engano, na casa de Vitmerman, um antigo amigo meu. Passamos de carro diante da casa em que vivia antes Vladimir Ilich. Os espiões seguiam em seu posto. Ilich não voltou mais a este apartamento. Duas semanas depois, mandamos uma moça recolher as coisas e pagar o aluguel.
Mudança do aspecto externo
Apesar dos traços característicos do seu rosto e da sua cabeça, Vladimir Ilich sabia, quando era necessário, modificar sua aparência até o ponto de fazer-se desconhecido. Assim, quando regressou em 1907 do Congresso de Londres, sua aparência, segundo Nadiejda Konstantinovna, era completamente diferente, o bigode recortado, a barba raspada, levava um grande chapéu de palha… É em 1917, sobretudo depois das jornadas de julho, quando Vladimir Ilich se disfarçou de uma maneira particularmente brilhante. Nem seus amigos e parentes teriam podido reconhecer-lhe ao primeiro golpe de vista como “o operário Ivanov, da fábrica de Sestroretzk”. Reproduzimos alguns extratos descrevendo os três meses da vida clandestina do camarada Lenin em 1917:
Depois dos acontecimentos de julho, Vladimir Ilich logrou fugir de Petrogrado, apesar das desenfreadas perseguições dos diversos órgãos do governo e dos junkers (alunos das escolas militares) inspirados pelos socialtraidores Aleksinski, Burtzev, etc…
Alguns dias mais tarde conta o camarada Sergio Ordjonikidze, Stálin propôs ir à casa de Lenin para informar-lhe do que sucedia e receber dele as diretivas necessárias. Deram-me a localização do camarada Emilianov, que vivia não longe de Setrorestzk e a “senha e contra-senha”. Agi com grande precaução, temendo ser seguido por um espião e revelar assim o retiro de Vladimir Ilich. Cheguei de noite à estação. Depois de ter errado algum tempo, encontrei a casa do camarada Emilianov. Este não estava em casa, sua mulher me recebeu. Disse-lhe a “senha”. Mas eu não conhecia o da resposta, e nos confundimos. A mulher de Emilianov não soube esconder que conhecia o retiro de Lenin, mas negou-se categoricamente a dizer onde se encontrava. Tratei de persuadi-la de que eu era enviado pelo CC, mas ela seguiu inflexível. Eu estava extraordinariamente irritado. Tinha que ver a Ilich, insistia em ver-lhe, e ao mesmo tempo sentia que agia mal ao tratar de persuadir minha interlocutora de que violasse as regras da clandestinidade. Perdi toda esperança, e me dispunha a partir quando ela me deteve, chamou seu filho de uns dez anos e me fez partir em sua companhia. Nos dirigimos até um lago, tomamos um bote e chegamos à outra margem, marchamos através dos matagais; eu me dizia, que sem dúvida o camarada Lenin habitava uma “dacha”[2] e caminhava docilmente atrás de meu jovem guia.
Logo nos detivemos próximo a um prado, onde a colheita havia começado e onde se levava um monte de feno. O menino se pôs a chamar alguém; eu não compreendia nada, um homem veio até nós. Era o pai do menino. Ao saudar-lhe, expliquei-lhe o motivo de minha vinda, pensando que seria ele quem me conduziria mais longe. Nesse momento, um homem com o bigode e a barba feitos, se aproximou e me saudou. Eu lhe respondi simples e secamente. Então, batendo no meu ombro, me disse: “Bem, camarada Sérgio, você não me reconhece?”. Era o camarada Lenin. (S. Ordjonikidze, “A caça do chefe”, extrato da coleção “Primeiro aniversário”).
Após uma permanência de três semanas no monte de feno, Vladimir Ilich se transladou à Finlândia, atravessando a fronteira como foguista de locomotiva, “com as mangas arregaçadas”, colocava uma pazada após outra. Justamente nas vésperas da Revolução de Outubro, Lenin regressou a Petrogrado, atravessando a fronteira finlandesa, também disfarçado de foguista. Partiu de Viborg, disfarçado de pastor finlandês (Uholatuka: “Sobre Ilich”). “Lenin preparava sua partida com grande cuidado. Tudo tinha sido previsto nos mais mínimos detalhes: a peruca, a tintura para as sobrancelhas, o passaporte finlandês, etc. Até tinha aprendido algumas palavras e algumas frases em finlandês…” (Rovio).
Correspondência clandestina
Entende-se por isso, a correspondência em linguagem convencional ou por meio de signos convencionais (cifras), escrita ademais, com um composto químico especial chamado tinta simpática, a qual só é visível depois de um banho revelador.
Há muitos tipos de tintas simpáticas, mas por melhor que sejam, não podem ser consideradas como garantia de segredo da correspondência e podem ser descobertas enquanto, graças a outros indícios, a carta pareça suspeita e se realize uma perícia.
A correspondência do camarada Lenin é notável pelo seguinte fato: por mais que Vladimir Ilich empregasse procedimentos completamente primitivos, e isso durante longos anos, nenhuma só delas revelou seu segredo. Isso se explica pelo extraordinário cuidado que dedicou aos mais mínimos detalhes da correspondência (endereço, forma do envelope, conteúdo legal da carta, etc.).
Assim, em sua carta à Maria Ilichnaia, Vladimir Ilich escrevia desde o desterro, em 24 de fevereiro de 1898, o que segue:
Envie-me ademais, Maniascha, os seguintes objetos: 1) lápis Hardmuth, N.6; 2) caixa de lacre e um selo qualquer para lacrar as cartas. Não é necessário que tenham nome nem iniciais… (Cartas de Vladimir Ilich a seus parentes publicadas por M. I. Ulianova em “A Revolução Proletária”, número 5/88).
Fechando suas cartas com esse selo, Vladimir Ilich tornava muito mais difícil aos gendarmes o trabalho de censura e permitia reconhecer se uma carta tinha ou não passado pelas mãos dos gendarmes.
Lenin logrou até na prisão, se colocar em comunicação com as organizações do Partido e estabelecer uma correspondência legal.
A camarada A. I. Ulianova – Elizarova descreve minuciosamente a forma como Vladimir Ilich escrevia, enquanto estava na prisão preventiva de Petersburgo (de 1895 a 1897): a primeira carta que escreveu desde a prisão, em 2 de janeiro de 1896, fala do plano de trabalho que mais tarde deu por resultado sua obra “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”. Dirige-se na verdade aos camaradas que seguiam em liberdade, o que vai indicado na carta: “Quiçá encontrareis útil comunicar esta carta a alguém que pudesse aconselhar”. O tom sério de toda a carta e a longa lista de livros científicos, coleções de estatísticas que reunia, escondia seu objetivo com arte. A carta chegou intacta. E não obstante, Vladimir Ilich perguntava nela, nem mais nem menos, quem eram os que haviam sido presos com ele. Ainda que nada tivesse sido convencionado de antemão, o fez com tanta maestria que os camaradas compreenderam e responderam imediatamente, sem que os astutos policiais percebessem nada.
Desgraçadamente, só nos restou a primeira parte desta carta, faltando a lista de livros que levava adjunta; esta lista, evidentemente, se perdeu enquanto buscavam os livros. Uma grande parte dos livros citados na lista eram na verdade necessários a Vladimir Ilich para seu trabalho, de maneira que sua carta corria ao mesmo tempo em que as lebres e, contrariamente ao que diz o provérbio, matou a dois. Guardo em minha memória só alguns dos títulos que Vladimir Ilich introduzia com arte em sua lista, combinando-os magistralmente com os nomes dos camaradas por cuja sorte se interessava. Estes títulos iam acompanhados de um sinal de interrogação, como se Ilich, ao escrever, quisesse indicar que o título que citava de memória não era talvez completamente exato. Na realidade, cada sinal de interrogação colocado depois do título de um livro, indicava que não se tratava de um livro, senão que Vladimir Ilich queria ser informado da sorte de um camarada. Para isso se servia do sobrenome dos camaradas. Assim, para informar-se sobre V. V. Estarkov, apelidado Vevé, escrevia em sua carta: V. V. “Os destinos do capitalismo na Rússia”. Para ter notícias de Vaneeve e Sylvin (Nisjni Novorod), apelidados Minin e Poysarski, escrevia: Kostumarov “Os heróis do tempo turbulento”. No entanto, se tratava de um livro científico histórico. Não podia exigir-se naturalmente dos que verificavam o conteúdo das pilhas de carta, notar esta falta de concordância; teria sido pedir-lhes demasiada perspicácia.
Não obstante, nem todos os sobrenomes se enquadravam tão bem nos títulos dos livros de ciência. Um dos títulos seguintes, deslizado entre os das obras que Vladimir Ilich necessitava realmente para seu trabalho dizia: Brehm: “Os pequenos roedores”. Aqui o sinal de interrogação que seguia perguntava claramente aos camaradas o que tinha sido de Krijijanovski, apelidado “O busganho”. O título, escrito em inglês, “Thelanprey”, designava à Krupskaia, apelidada pescado ou lampreia. Estas denominações poderiam, ao parecer, chamar atenção da censura, mas o tom sério da carta, o grande número de livros citados e ademais a frase escrita na segunda página: “A diversidade dos livros servirá para compensar a uniformidade do meio”, relaxaram a vigilância dos jargões.
Desgraçadamente, não guardei em minha memória mais do que esses poucos títulos, que em seu tempo nos fizeram rir muito. Recordo ademais o nome Goutchoule, escrito intencionalmente segundo a difícil e complicada ortografia francesa, nome imaginado de não sei que livro histórico do qual não me recordo o título. Queria designar a Gutsul, a dizer Zaporoyetz. (“A revolução proletária” num. 3)
Todavia, muito tempo depois, Vladimir Ilich pensava que aquela forma de conspiração era cômoda e permitia alcançar seu objetivo, e em certas ocasiões a recomendava aos camaradas.
Vladimir Ilich, escreve Adoratski, me deu, ademais, um conselho útil (era em 1903 N. K). Vendo que meus livros levavam às vezes à margem anotações em inglês, me fez notar, sorrindo maliciosamente, que estas frases às vezes tinham uma ortografia estranha e me aconselhou fazer, como anotações à margem, extratos de resoluções, etc, que pareciam citações de Dickens, de Thackerey ou da bíblia, e efetivamente, os gendarmes não prestavam atenção. (“A revolução proletária”, num. 3/26).
Mas, junto com a correspondência legal, Vladimir Ilich estabeleceu igualmente desde sua prisão uma correspondência secreta, com ajuda de códigos convencionais nos livros ou com “tinta simpática”.
Em cada pacote de livros, escreve A. I. Elizarova, tinha sempre um que continha uma carta cifrada, pontos ou traços de lápis nas cartas. Desta maneira, mantínhamos correspondência durante todo o tempo da prisão de meu irmão. Quando ele recebia um pacote de livros, buscava imediatamente o que continha a carta (o reconhecia por algum código convencionado). O envio de livros por intermédio do promotor se fazia sem nenhum atraso; habitualmente os presos os recebiam no dia seguinte de terem enviados. Recordo que às vezes, impaciente por comunicar certas notícias ou por pedir certos informes a Ilich, eu lhe levava livros na tarde de quinta e recebia resposta, cifrada nos livros que ele me enviava, no dia seguinte por intermédio do guarda da prisão.
É assim, por meio da ligação com o exterior, Ilich, convencionava na correspondência anterior da prisão, indicando aonde tinha que buscar, durante o passeio, o pequeno bilhete escondido em uma bolota de pão.
O passeio era feito no que chama “o estábulo” ou “o cercado”, a dizer no pátio, onde se elevava uma construção em forma de estrela, feita de chapas mais altas que um homem. Cada ângulo da estrela era ocupado por um preso que passeava ali. O guardião cuidava de que os presos não tivessem nenhuma comunicação entre si.
Uma indicação detalhada do lugar em que se encontrava o bilhete (em que ponta da estrela, entre que chapas e em que extremo, fixava ao mesmo tempo o lugar deste para as vezes seguintes).
Ademais, meu irmão se comunicava com os camaradas da prisão por meio de pontos nos livros da biblioteca da prisão. Então era por meio dos parentes que transmitia o conselho de ler, tal ou qual livro…
O camarada Krjiyanovski, preso ao mesmo tempo que Lenin, e encarcerado na mesma prisão, faz o seguinte relato, mostrando-nos a seriedade e o cuidado que Lenin colocava em sua correspondência:
Logramos por intermédio da biblioteca da prisão e das pessoas que vinham nos visitar, estabelecer relações ativas uns com os outros. Isto não aconteceu sempre sem incidentes. Uma vez ocorreu que no lugar de minha primeira carta cifrada, segundo uma certa poesia em um livro convencionado, Vladimir Ilich encontrou em outro livro da biblioteca da prisão, outra carta cifrada igualmente por pontos. Ele me contou, mais tarde, que não podendo decifrá-la usando o código convencionado, indignou-se de meu imbróglio inadmissível. Mas Lenin não era homem que retrocedesse: quem tinha cifrado a carta era, em todo caso, pessoa sem experiência. Vladimir Ilich refletiu sobre a situação, e fez rapidamente deduções simples e justas. O código a que tinha recorrido quem cifrou a carta, em sua repetição corresponderia, sem dúvida, à repetição que tem as letras em todo o texto ordinário.
Então se pôs a contar um número de vezes que se repetia tal ou qual letra e ver em que relação se repetia; logo buscou a que código correspondia na correspondência cifrada. Depois de dois dias de trabalho, a carta foi decifrada. O que Vladimir Ilich decifrou era uma correspondência de um criminoso a outro.
Não obstante, se o leitor ensaia fazer um trabalho análogo, se convencerá rapidamente que para isso é necessária uma forte dose de energia, mas Vladimir Ilich não regateava nunca sua energia quando se tratava de qualquer coisa referente a seu dever de camarada. (Coleção “O primeiro aniversário”, artigo “Ilich na prisão”).
Nem sequer na prisão, Vladimir Ilich podia perder de vista o trabalho clandestino, se pôs a escrever coisas ilegais e encontrou o meio de enviá-las ao exterior. É, sem dúvida, a página mais interessante de sua vida na prisão. As cartas do exterior lhe informavam dos folhetos e outras edições clandestinas que apareciam e expressavam o pesar de que ele mesmo não escrevesse. Não é preciso dizer que não lhe faltava vontade. Naturalmente, era completamente impossível obter um reagente químico qualquer na prisão. Mas Vladimir Ilich recordou, contou mais tarde, um jogo infantil que sua mãe lhe ensinou: Escrever com leite e logo fazer aparecer a escrita (esquentando a folha sobre uma vela ou uma lâmpada). Todo o dia recebia leite na prisão. Lenin confeccionou pequenos tinteiros com migalhas de pão molhando-os com algumas gotas de leite, e se pôs a escrever entre as linhas de um livro que sacrificou. A efeito, recebia literatura que podia utilizar sem pena para esse fim. Deste modo, as cartas cifradas por meio de pontos, foram substituídas por este procedimento muito mais expeditivo. Por meio de uma carta cifrada com pontos, Ilich fez saber que em tal página havia uma carta química que tinha que ser submetida à ação do calor, colocando-a sobre uma lâmpada.
Lenin empregou este procedimento muito mais que nós por causa das dificuldades que tinha para esquentar a carta na prisão. Nadiejda Konstantinovna conta, no entanto, que para revelá-la bastava submergir a carta em chá quente e que desta forma se comunicavam, Lenin e ela, por meio de cartas escritas com leite ou limão na época em que se encontravam na prisão preventiva (Outono de 1896).
Em geral, Ilich, que sempre se propunha a ser de uma escrupulosa precisão e economizar forças, estabeleceu um código especial que indicava em que página se encontrava a página cifrada, para que não fosse necessário folhear todo o livro e buscar em todas partes. Ante tudo, tinha que buscar o código na página sete. Era um pequeno traço de lápis, a multiplicação do número de linhas pelo número de letras que assinalava o traço, indicava a página. Por exemplo, se era a sétima letra da sétima linha, tinha que buscar a carta na página 49. Desta maneira, nos era fácil a ele e a mim, encontrar rapidamente na pilha, às vezes bastante grande de livros, o livro e a página onde estava a carta.
Esse modo de indicação (a página mudada de vez em quando) foi constantemente empregado por nós e é assim como eu determinei o lugar em que se encontravam as últimas cartas que precederam a Revolução e que foram em grande parte escritas pelas mãos de Nadiejda Konstantinovna em 1915 e 1916.
Intencionalmente Vladimir Ilich confeccionava tinteiros minúsculos, pois assim eram fáceis de engolir ao menor movimento do guarda, ao menor ruído suspeito.
No começo, quando ainda não tinha se habituado às condições da prisão preventiva e quando a administração da prisão não tinha se acostumado todavia a considerar-lhe como um preso bem equilibrado, sério, amante do estudo, lhe ocorreu freqüentemente ter que engolir seus tinteiros. Rindo, contava que um dia foi obrigado a engolir seis. Recordo que nesses anos, antes e depois de sua prisão, Ilich se satisfazia em repetir: “Não há astúcia que não possa desbaratar-se”, e inventivo como era, se exercitava nisso na prisão.
Desde sua prisão, Ilich escrevia volantes, o folheto “Sobre as greves”, logo o programa do Partido e uma “Nota explicativa” bastante detalhada. (A. D. Elizarova, idem). “Assim como em liberdade, Ilich era o centro do trabalho revolucionário. Na prisão, era o centro das relações com o exterior”. (M. K. Krupskaia, “Recordações sobre Lenin”.).
Por outra parte, não somente na prisão, mas também durante os anos que seguiram, Vladimir Ilich empregava todo tipo de meios preventivos para que suas cartas lograssem seu objetivo sem prejudicar a ninguém, enganando os gendarmes. M. I. Ulianova, ao publicar “As cartas íntimas”, fez notar no prefácio as particularidades características da correspondência de seu irmão:
As cartas de Vladimir Ilich, dirigidas diretamente à sua mãe, às suas irmãs ou a seu irmão, não continham quase nenhum nome ou apelido, isso poderia ter acarretado incômodos às pessoas cujo nome tivesse sido mencionado. Tinha que falar por meio de imagens acerca das edições clandestinas, da correspondência conspirativa, dos livros contendo cartas cifradas, etc…
No final de dezembro de 1900, a que escreve essas linhas, enviou a Vladimir Ilich do estrangeiro o “Manifesto do Partido Socialista Revolucionário”, por intermédio de Krassin, que lhe escondeu em um álbum de fotografias. O envio agradou muito a Vladimir Ilich, e em sua carta de 16 de janeiro de 1901, escreve: “Os agradeço muito os livros enviados, sobretudo as fotografias tão belas e interessantes enviadas com o primo de Viena. Seria desejável receber mais freqüentemente presentes semelhantes…” (“A Revolução Proletária”, num. 11/94).
A camarada Elizarova conta também casos semelhantes:
E durante todo esse ano (1898) mantivemos com Vladimir Ilich uma ativa correspondência química. Quando ele fazia notar, enumerando os livros recebidos, como a “Revista do congresso de técnicos” e que a “prova de arquivos” eram especialmente interessantes, queria dizer, evidentemente, que a carta química tinha sido recebida. (“Rev. Prol., num 4/87).
“A Iskra” assim como outras edições ilegais, eram enviadas à Rússia, em chapéus, a endereços legais e “limpos”. Indicávamos igualmente endereços semelhantes para receber nossa literatura. E assim nessas cartas legais, nos informava do envio de um pacote, para que oportunamente pudéssemos nos informar na casa do destinatário.
No começo de sua permanência no estrangeiro, Vladimir Ilich, por razões de clandestinidade, não nos dava seu endereço pessoal, e quando vivia na Suíça e em Munique, nós lhe escrevíamos, a Paris, ou a Praga.(M. Ulianova, Idem).
Da carta de Vladimir Ilich a P. B. Axelrod datada em 29 (17) de setembro de 1897, e enviada por intermédio da camarada Elizarova em sua passagem por Berlim, se conclui que Vladimir Ilich não conhecia nem empregava então mais que uma forma de correspondência, a que se faz por meio da tinta simpática, revelando-se sob a ação do calor.
Não conheço mais que um meio – disse nessa a Axelrod – o que emprego para escrever essas linhas. Trata-se de saber se se pode encontrar alguém para re-copiar e que se encarregue deste trabalho que não é fácil. Você sabe, evidentemente, que é impossível, e que, por outra parte esse modo de correspondência não é conveniente, porém eu não conheço nenhum outro. Por simples que isso seja, eu não me desanimo: se não tivermos êxito imediatamente, o teremos quiçá mais tarde…(“Ilich Na deportação, art. A.I. Elizarova. “A Revolução proletária”, T. 2-3, 85-86). Tratava-se do estabelecimento de relações entre o camarada Lenin e o estrangeiro e do envio de artigos.
Transportes ilegais
Durante sua vida errante através da Rússia e no estrangeiro, Vladimir Ilich teve certamente mais de uma vez que transportar consigo literatura e outros materiais ilegais. Na maioria dos casos, terminava bem, e muitos desses casos habituais na vida de um revolucionário ficaram sem deixar marcas, nem na memória e que tinha assegurado o transporte, nem da de seus colaboradores mais próximos. Porém outra coisa era quando nem tudo ia bem; nesse caso não se esquecia, e seu conhecimento devia servir para evitar sua repetição.
Os camaradas Krupskaia e Elizarova, em suas “Recordações sobre Lenin”, nos relatam um caso semelhante:
O verão de 1895, Vladimir Ilich passou no estrangeiro, parte em Berlim, onde assistia as reuniões operárias, e parte na Suíça, onde viu pela primeira vez Plekhanov, Axelrod e Zazulich. Regressou cheio de impressões e com uma maleta de fundo falso, cheia de literatura ilegal.
Vladimir Ilich foi detido, não na fronteira, mas em Petersburgo. Pouco tempo depois de sua prisão, Vladimir Ilich, em uma carta cifrada, pedia que se alertasse imediatamente sua família de que a pergunta: “onde está a maleta trazida do estrangeiro tinha respondido que a deixou em casa em Moscou”. “Que comprem uma maleta parecida e que a façam passar pela minha, do contrário logo haverá detenções.”… esta maleta inquietou muito aos camaradas nos primeiros tempos da detenção; se bem que se tinha deixado passar Ilich com essa maleta, sem dúvida tinha sido notada. A pergunta feita no momento da detenção, ou imediatamente depois, o provava; depois de ter lhe deixado passar a fronteira, quiçá intencionalmente com objetivo de obter um grande resultado, haviam perdido sua pista em Petersburgo e buscavam seus rastros. Ilich contava que na fronteira não somente haviam registrado a maleta, mas que ainda haviam batido contra o fundo, do que deduzia que a presença do fundo falso tinha sido notada, e que ele havia sido descoberto. (A.I. Elizarova, “Vladimir Ilich na prisão”, “A revolução Proletária”).
Krupskaia escreve:
Imediatamente a polícia começou a vigiar de perto a Vladimir Ilich e a sua maleta. Naquele momento então, uma prima minha estava empregada na “seção de endereços” [administração pública]. Dois dias depois da chegada de Vladimir Ilich a dita prima me contou que pela noite, quando estava de serviço, chegou um agente de polícia, e enquanto manipulava displicentemente as fichas dos endereços, disse em tom pretensioso: “temos seguido a um delinqüente político importante, Ulianov; seu irmão foi enforcado; chegou; do estrangeiro, agora não nos escapará”. Minha prima sabendo que eu conhecia a Vladimir Ilich se apressou a me comunicar essa notícia. Eu, naturalmente adverti sem perder tempo a Vladimir Ilich (Krupskaia “Recordações”, pag27, edições Europa-América).
Naturalmente a maleta permaneceu invisível para os gendarmes, e desta vez Vladimir Ilich foi prontamente posto em liberdade. Em 1900, antes de partir para o estrangeiro:
Pouco antes de sair para o estrangeiro esteve a ponto de fracassar todos os planos de Vladimir Ilich. Chegou a Petersburgo, de Pskov, ao mesmo tempo em que Martov. Foram seguidos e detidos. No jaleco, Ilich levava dois mil rublos, recebidos da “Tia” e notas com endereços do estrangeiro, escritas por procedimento químico numa folha de papel de carta, na qual, para despistar havia escrito com tinta uma conta qualquer. Se ocorresse ao gendarmes esquentar a folha, Vladimir Ilich não poderia fundar o jornal no estrangeiro. Porém teve sorte, dez dias depois foi posto em liberdade (Krupskaia, “Lenin” paginas 67-68, edições Europa-América).
Sabe-se muito pouco da maneira como Vladimir Ilich guardava a literatura clandestina:
No ano de 1890, servia-lhe de depósito clandestino, uma mesinha construída por um ebanista[3] de acordo com os planos de Vladimir Ilich. A bola torneada em que terminava o único pé da mesa se abria, e no espaço livre podia se colocar facilmente um pacote bastante volumoso. Era ali onde eu escondia pela noite a parte do trabalho que tinha recopiado, enquanto que as folhas do original que haviam sido reveladas no calor de uma lâmpada eram cuidadosamente destruídas. Essa mesinha prestou serviços importantes. Durante a busca na casa de Vladimir Ilich e de Nadiejda Konstantinovna, a mesinha não foi aberta. A parte do programa que tinha sido recopiada em último termo, não foi tocada e me foi entregue ao mesmo tempo em que a mesa pela mãe de Nadiejda Konstantinovna. Seu aspecto não despertava suspeitas e somente mais tarde o esconderijo não fechava bem por ter se desgastado a rosca (A. I. Elizarova).
Na deportação, Vladimir Ilich colocava menos cuidado em ocultar as obras clandestinas. Não se impunha, por outro lado, uma particular prudência. Uma revista inesperada feita pouco antes de terminar sua deportação esteve a ponto de desbaratar o grandioso plano de trabalho esboçado por Vladimir Ilich. Somente graças a sua presença de espírito e a sua astúcia a busca não logrou nenhum resultado.
Durante horas de insônia forjou seu plano em todos os detalhes, discutiu-o depois com Krjijanovski e comigo, escreveu a propósito dele a Martov, a Potresov, e se pôs de acordo com eles para marchar ao estrangeiro. Quanto mais tempo ia passando, mais a impaciência ia se apoderando de Vladimir Ilich, mas, se sentia impulsionado pelo afã de entregar-se ao trabalho. Para acrescentar naqueles momentos, fomos alvo de uma revista. O recibo de uma carta dirigida a Vladimir Ilich foi parar nas mãos dos gendarmes. Em dita carta falava-se de um monumento a Fedoseiev[4]. Os gendarmes se aproveitaram da ocasião para verificar o registro. Encontraram a carta; revelou-se que era inofensiva, examinaram a correspondência e tampouco acharam nada interessante. Segundo nosso velho costume petersburgues, guardávamos separada a correspondência legal e ilegal. Essa última, na verdade, se achava na estante inferior do armário. Vladimir Ilich deu uma cadeira aos gendarmes para que começassem a revista pelas estantes superiores, onde havia várias publicações de estatísticas. Os gendarmes se fatigaram tanto que a estante inferior nem sequer foi examinada, dando-se por satisfeitos com minha declaração de que em dita estante não havia mais que minha biblioteca pedagógica (Id., págs 59-60).
A travessia da fronteira
Mais de uma vez Vladimir Ilich teve que atravessar clandestinamente a fronteira russa. Mais acima já recordamos com que precauções excepcionais e com que arte havia passado por duas vezes a fronteira depois das jornadas de julho de 1917, apesar dos enormes perigos de tal viagem. Porém a vida de Vladimir Ilich esteve num perigo muito maior, quando, dez anos antes, se viu obrigado a emigrar de novo e a abandonar seu último asilo na Finlândia.
Krupskaia conta:
Enquanto eu resolvia meus assuntos em Petersburgo, faltou pouco para que Ilich perecesse ao sair para Estocolmo. A vigilância era tão estreita, que marchar pela via habitual, tomando o vapor em Abo, equivalia a uma detenção certa. Tinham ocorrido já casos de detenção na hora de tomar o vapor. Um dos companheiros propôs tomá-lo na estação próxima. Isso não oferecia perigo no sentido de que a polícia russa em dito ponto não podia proceder a detenção, porém até a estação tinha que marchar durante três verstas[5] pelo gelo. E este, ainda que estivéssemos em dezembro, não era firme em todas as partes. Não havia nada que justificasse arriscar a vida. Finalmente se comprometeram a acompanhar Ilich dois camponeses que tinham bebido mais do que o necessário, e é aqui que ainda pela noite empreendiam a marcha pelo gelo, faltou pouco para que morressem os três: em um lugar o gelo começou a ceder e conseguiram se salvar com grandes esforços.
O companheiro finlandês Bolgo, fuzilado mais tarde pelos Brancos, e com a ajuda do qual me transladei a Estocolmo, me explicou depois o perigo que era o caminho escolhido e me disse que somente a casualidade pode salvar a Ilich da morte. Ilich dizia que quando o gelo começou a ceder sob seus pés pensava: que modo mais estúpido de se morrer!
Participação nas reuniões clandestinas
Basta recordar um só episódio de Vladimir Ilich que se refere a sua participação na Conferência do Comitê Central e do grupo dirigente dos bolcheviques que precedeu as jornadas de Outubro para compreender o sentido e a importância das regras da clandestinidade que cada um deve seguir pontualmente, com o fim de não fazer fracassar as reuniões.
O camarada Chetmam nos descreve detalhadamente esta reunião que aconteceu em 20 de outubro de 1917:
Vladimir Ilich, que vivia desde os fins de setembro em Lesnoie…encontrava de vez em quando alguns membros do Comitê Central, na casa de M.I. Kalinin (hoje presidente da URSS) ou de N.Koko, operário da fábrica “Aivaz”. Habitualmente, Vladimir Ilich saia ao anoitecer; o bigode e a barba feitos, com peruca, era difícil reconhecer-lhe. Chegado a Petrogrado, ele mesmo tinha se encarregado da preparação de Outubro…O dia da Conferência por volta das seis da tarde, Eino Rajia e eu, nos separamos não distantes da estação Lanskaia. Rajia foi buscar a Vladimir Ilich, e eu o camarada Zinoviev; havíamos acordado para, encontrarmos-nos às sete no cruzamento da estrada de Viborg no sentido Murinsk. Estava muito escuro, caia uma chuva fina e soprava um vento forte e violento. Exatamente às sete Zinoviev e eu nos encontrávamos no lugar combinado, Rajia e Vladimir Ilich chegaram alguns minutos depois. Rajia tomou a dianteira com Zinoviev, enquanto que nós prosseguíamos há alguns passos. Um pouco antes de chegar à Duma de rádio, tomamos uma pequena ruela e decidimos inspecionar os arredores da casa para ver se não havia nada suspeito, e darmos-nos conta do número de participantes que já tinham chegado. Enquanto estávamos os quatro na pequena ruela, Rajia nos contou o que acabava de acontecer a Vladimir Ilich; depois de abandonar seu apartamento, quando iam cruzando uma rua, uma rajada de vento lhe tirou o gorro e com ele a peruca. Felizmente estava escuro e não havia ninguém perto deles. Somente o paninho do qual se serviu Vladimir Ilich para tirar o barro da peruca, sofreu desse pequeno acidente….
Deixando-os na ruela, fui inspecionar os arredores da casa e não encontrei nada suspeito; entrei; havia somente cinco ou seis pessoas. Quinze minutos mais tarde; Rajia nos disse que tinham dez pessoas, logo voltei outra vez, e mais tarde Rajia. Isso continuou assim durante uma hora. Vladimir Ilich estava furioso por causa da pouca pontualidade dos camaradas de responsabilidade, e teve um momento em que propôs regressar a casa e resolver a questão da Revolução, prescindindo desta Conferência.
Somente vinte três pessoas assistiram a essa histórica Conferência…
Vladimir Ilich e Zinoviev foram os primeiros a abandonar a reunião. Rajia e eu os conduzimos até as suas casas…(Sobre Lenin, Coleção de Recordações, 1925).
Nos limitamos a estes testemunhos que pintam com cores suficientemente vivas a Vladimir Ilich como militante ilegal, como revolucionário proletário prático, e passaremos agora a herança literária que nos deixou Lenin sobre a estrutura de organização e os métodos de edificação de um Partido ilegal.
II – O que disse Lenin sobre a estrutura orgânica e os métodos de edificação de um Partido ilegal – Que Fazer?
AS IDEIAS de Lenin sobre a estrutura orgânica e os métodos de edificação dos partidos ilegais, são expostas com perfeita precisão em seu célebre folheto “Que fazer?”. Este folheto, apesar de estar escrito há trinta anos, conserva todavia todo seu valor de atualidade. Nem precisa dizer que seria simplesmente estúpido querer aplicar de forma mecânica às condições contemporâneas dos países capitalistas as indicações contidas neste folheto, correspondentes as condições da Rússia Czarista de antes de 1905.
Porém “Que fazer?” pode ser recomendado a todo membro ativo dos Partidos Comunistas destes países, para que possam estudar e compreender com sua ajuda como deve se abordar e como devem resolver-se as questões fundamentais relativas à edificação do Partido bolchevique e o trabalho de massas do Partido nas condições de um feroz terror policial.
Logo do aparecimento de “Que fazer?” os oportunistas de todas as cores e matizes se lançaram ao assalto, acusando Lenin de tergiversar os princípios essenciais do Marxismo e de querer de forma subjacente suplantar o partido proletário de massas, por círculos estreitos de conspiradores “revolucionários profissionais”. O órgão central dos social-imperialistas franceses, Le Populaire, em 1931 exuma de novo esta arma menchevique dos arquivos, tratando de resistir com argumentos deste gênero ao interesse dos proletários franceses pelo leninismo e pelo Partido Comunista francês.
Foi Lenin de fato, quem defendeu categoricamente a questão de que o Partido Social Democrata russo de então, devia ser uma organização de revolucionários profissionais, que “deve compreender principalmente a pessoas que tenham por profissão a atividade revolucionária (por essa razão falou de uma organização de revolucionários, tendo em conta aos revolucionários social-democratas)”. Com essa definição, o camarada Lenin erigiu uma barreira inquebrantável entre o conceito revolucionário bolchevique e o oportunista reformista, do caráter de partido político do proletariado.
Para Lenin, o partido político do proletariado é a organização dos proletários de vanguarda, que compreendem a necessidade da luta revolucionária contra seus inimigos de classe e que decidem participar firmemente de forma ativa nesta luta, enquanto seus promotores e organizadores. Nas condições de existência ilegal, uma organização desta índole tem que ser inevitavelmente uma organização estreita, e este princípio deve ser considerado como uma das regras essenciais da edificação dos Partidos Comunistas ilegais.
Os Partidos Comunistas ilegais devem ser organizações estreitas. O ingresso de novos membros nas filas dos Partidos Comunistas ilegais, deve efetuar-se inevitavelmente com uma prudência muito grande, tanto para não deixar introduzirem-se nelas agentes da polícia, como para não debilitar o Partido com elementos que são incapazes de sustentar uma luta revolucionária. Esses elementos, lendo livros, podem compreender teoricamente que a luta revolucionária pela ditadura do proletariado é inevitável, porém, na realidade, revelam-se com freqüência incapazes de ter uma participação ativa nesta luta, incapazes de sacrificar-se em prol do ideal revolucionário, incapazes de resistir e vencer as repressões das classes dominantes e de seus agentes de toda classe, secretos ou declarados.
Resumindo sua polêmica com os elementos oportunistas do movimento operário russo Lenin fixa já em 1903 no “Que fazer?” os seguintes princípios da edificação do Partido estritamente ilegal:
Princípios de organização de um partido comunista ilegal
“Eu afirmo:
1) Que não pode haver nenhum movimento revolucionário sólido sem uma estável organização de dirigentes que mantenham a continuidade;
2) Que quanto mais numerosa seja a massa arrastada espontaneamente para a luta, constituindo sua base e participando nela, mais indispensável é esta organização e mais sólida deve ser, pois de outro modo seria fácil aos demagogos arrastar as camadas atrasadas das massas;
3) Que essa organização deve compor-se principalmente de revolucionários profissionais;
4) Que, em um país autocrático quanto mais reduzamos os efetivos desta organização, até o ponto de não aceitar nela mais do que alguns revolucionários profissionais iniciados na luta contra a polícia política tanto mais difícil será ‘coptá-la’;
5) Mais numerosos serão os operários e os elementos das demais classes que poderão militar no movimento e atuar nele ativamente.
Que nossos ‘economicistas’, nossos terroristas e nossos ‘terroristas economicistas’ refutem se puderem essas teses!”
Analisando este resumo de Lenin, vemos que para ele a restrição do número de membros, assim como em geral, todo sistema clandestino da organização ilegal do Partido constitui um meio de assegurar à organização a possibilidade de desenvolver o trabalho de massas o mais intensamente possível e de arrastar as mais amplas massas da classe operária e de outras classes trabalhadoras para a luta revolucionária.
Na mesma obra “Que fazer?”, Lenin escreve o que segue, explicando essa regra fundamental da estrutura e dos métodos de trabalho de uma organização ilegal do Partido:
Centralização da direção e descentralização das funções
“A centralização das funções clandestinas da organização não implica de nenhum modo a de todas as funções do movimento.
Longe de diminuir, a participação ativa das grandes massas na literatura ilegal decuplicará, quando ‘uma dezena’ de revolucionários profissionais centralize em suas mãos as funções clandestinas deste trabalho. Então, e somente então, lograremos que a leitura da literatura ilegal, a colaboração nas publicações ilegais e a difusão deixem quase de ser um trabalho clandestino, pois a polícia compreenderá imediatamente o absurdo e a impossibilidade das perseguições judiciais e administrativas contra cada detentor e propagador de publicações difundidas por milhares de exemplares.
E assim, em todas funções do movimento, inclusive as manifestações. A mais ativa e ampla participação das massas em uma manifestação, longe de ser prejudicial, ganhará muito se ‘uma dezena’ de revolucionários provados, pelo menos tão bem instruídos profissionalmente como nossa polícia, centraliza todos os aspectos clandestinos dela: edição de panfletos, elaboração de um plano aproximado, nomeação de um Estado maior de dirigentes para cada bairro da cidade, para cada centro fabril, para cada estabelecimento de ensino, etc.
A centralização das funções clandestinas pela organização de revolucionários, enriquecerá e ampliará, longe de debilitá-lo, a ação de uma multidão de outras organizações destinadas ao grande público (e, por conseqüência regulamentadas menos estreitamente e o menos clandestina possível); sindicatos operários, círculos operários de instrução e de leitura da literatura ilegal, clubes socialistas, círculos democráticos, para todas as demais camadas da população, etc.
Esses círculos, associações e organizações são necessários em todas as partes; é necessário que sejam o mais numerosas e suas funções as mais variadas possíveis, porém é absurdo e prejudicial confundi-las com a organização de revolucionários, apagar o limite que a separa, extinguir nas massas o sentimento, já extraordinariamente fraco, de que para ‘servir’ ao movimento de massas fazem falta homens que se consagrem especial e inteiramente a ação social-democrata e que pacientemente e tenazmente desenvolvam sua educação de revolucionários profissionais.
É preciso militantes para todo tipo de trabalhos e o êxito estará tanto mais assegurado, as dificuldades para os gendarmes e os espiões para descobrir os revolucionários serão tanto maiores, quanto mais se especializem estes militantes nas distintas funções da atividade revolucionária, quanto mais profundamente reflitam os meios clandestinos de realizar e ocultar seu trabalho, quanto com maior abnegação se consagre a um trabalho miúdo, parcial, modesto. O governo desde já, cobriu de uma rede de agentes, não somente os atuais, senão também os prováveis focos de elementos antigovernamentais. O governo desenvolve de forma constante, em todas as direções, a atividade de seus funcionários que fustigam os revolucionários; inventa novos procedimentos, emprega novos provocadores e informantes, usa meios de pressão sobre os presos, intimidando-os, criando testemunhos falsos, assinaturas falsificadas, falsos bilhetes fabricados, etc…Sem o reforço e o desenvolvimento da disciplina, da organização e da clandestinidade revolucionária, a luta contra o governo é impossível. Uma organização tão vigorosa pode ser chamada, por sua forma, em um país autocrata, ‘conspiradora’ e a forma conspirativa é necessário em grau máximo….A conspiração é tão indispensável, que pré-determina todas as demais condições (número, escolha, funções dos militantes, etc…) por isso quando nós, social-democratas, somos acusados de querer criar uma organização conspirativa, seríamos ingênuos se nos espantássemos…
Mas se nos indagarem se uma organização tão potente e tão estritamente secreta, concentrando em suas mãos todos os fios da atividade clandestina, organização necessariamente centralizada, pode muito facilmente lançar-se a um ataque prematuro, pode forçar de forma inconseqüente o movimento, antes que seja possível e necessário pelo progresso do descontentamento político a força da fermentação e da irritação existente na classe operária, etc.?
A isso responderemos: Falando em geral, não se pode negar, está claro, que uma organização de combate possa entrar à ligeira sem refletir em uma batalha que, em outras condições, pudesse não ser perdida. Porém não se pode neste caso, limitar-se a considerações abstratas, pois todo combate implica possibilidades abstratas de derrotas e não há outro meio de diminuí-las além do que se preparar bem, de forma organizada, para o combate. Porém se colocarmos a questão no terreno concreto da situação russa atual, chegamos a conclusão positiva, de que uma organização revolucionária forte é necessária justamente para dar estabilidade ao movimento e preservá-lo da possibilidade de ataques impensados.
As organizações auxiliares próximas ao partido
“Toda arte da organização conspirativa deve consistir em utilizar a todos e a cada um, em dar trabalho a ‘todo mundo’ conservando ao mesmo tempo a direção de todo movimento, conservando se entende, não pela força do poder, senão pela força do prestígio, da energia, da maior experiência, da maior amplitude de visão, do maior talento. Essa observação tem em vista a possível e habitual objeção de que uma estrita centralização pode muito facilmente fazer fracassar tudo, se, por causalidade, no centro se encontra um incapaz armado de um poder colossal. Isto naturalmente, é possível, mas o remédio não pode apoiar-se na descentralização, absolutamente inadmissível e até formalmente prejudicial ao trabalho revolucionário sob um regime de autocracia. Nenhum estatuto pode remediar o mal. O remédio só pode ser encontrado em medidas de ‘influência amigável’ começando por resoluções de sub-grupos de todas as classes, continuando por um chamamento destes ao CC., para terminar (no pior dos casos) com a derrota do poder completamente inapto. O Comitê deve tratar de obter a mais completa divisão do trabalho, recordando que os diferentes aspectos do trabalho revolucionário exigem capacidades diferentes, que as vezes um homem absolutamente incapaz como organizador, será um agitador insubstituível, e que ele que não vale nada para a disciplina conspirativa será um excelente propagandista, etc…”
A célula de fábrica
“Cada fábrica deve ser para nós uma fortaleza. Para isso, a organização operária ‘de fábrica’ deve ser tão conspirativa interiormente como ‘ramificada’ exteriormente, quer dizer, em suas relações exteriores, deve ir tão longe e em sentidos tão variados como qualquer outra organização revolucionária…
Visto a importância destes sub-comitês de fábrica devemos construir na medida do possível, de forma que cada sub-comitê possua uma direção ligada pelo órgão central e um depósito de suas ligações em lugar seguro, quer dizer, que os informes necessários para o restabelecimento imediato do sub-comitê em caso de prisões sejam transmitidos tão regular e abundantemente quanto seja possível ao Centro do Partido, para ser conservados em locais onde os gendarmes sejam incapazes de penetrar.
Enfim, não será supérfluo fazer notar que às vezes, no lugar de um sub-comitê de fábrica de vários membros, será necessário ou mais cômodo limitar-se a designar um agente do comitê (com um suplente). Uma vez formado, o sub-comitê de fábrica deve ocupar-se de criar todo tipo de grupos e círculos de fábrica, cada um em suas funções, com seu grau de conspiração, e de firmeza, por exemplo, círculos de ligações e difusão de publicações (uma das funções mais importantes que deve ser organizada de maneira que tenhamos um verdadeiro serviço próprio de ligações, que sejam ensaiadas e verificas não somente todos os meios de difusão, senão também a ligação a domicílio, que se conheçam absolutamente todos os alojamentos e os meios de penetrar neles), círculos de leitura das publicações ilegais, círculos para a vigilância dos informantes. (observação: devemos inspirar aos operários a idéia de que a morte dos espiões, dos provocadores, dos traidores pode ser as vezes uma necessidade absoluta, porém seria indesejável e falso erigi-lo em um sistema; que devemos tratar de criar uma organização capaz de tornar inofensivos os espiões, descobrindo-os e perseguindo-os. Não se pode destruir a todos espiões, mas se pode e se deve criar uma organização que os desmascare e que eduque as massas operárias)[6].”
Mais sobre a centralização e descentralização das organizações ilegais do partido
“Se a direção ideológica e prática do movimento e da luta revolucionária do proletariado, exige o máximo de centralização, pelo contrário, a informação do Centro do Partido (e por conseqüência de todo o Partido em geral) sobre o movimento exige o máximo de descentralização. O movimento deve ser dirigido por um mínimo de grupos, o mais homogêneo possível, com experiência de revolucionários profissionais, porém devem participar no movimento o máximo de grupos, tão diferentes e heterogêneos quanto seja possível, saídos das camadas mais diversas do proletariado (e das outras classes do povo). E os Centros do Partido devem ter sempre sobre seus olhos cada um destes grupos, não somente os dados exatos acerca de sua atividade, senão também os dados mais completos sobre sua composição. Devemos centralizar a direção do movimento. Devemos também (e por isso mesmo, pois sem informação, não há centralização possível) descentralizar o máximo possível a responsabilidade perante o Partido, de cada um de seus membros, de cada participante no trabalho, de cada círculo aderente ou adjunto ao Partido. Esta descentralização é a condição indispensável na centralização revolucionária e seu corretivo imprescindível. Justamente quando a centralização se leve a cabo e tenhamos órgão central e comitê central é quando a possibilidade, e não só a possibilidade, senão o costume regular adquira em uma longa prática de que o menor dos grupos dirija a eles, eliminará as possíveis más conseqüências de um erro fortuito na composição de tal ou qual comitê local. Sobretudo, hoje, que nos acercamos da unificação real do Partido e a criação de um verdadeiro Centro dirigente, devemos recordar que esse Centro será impotente se ao mesmo tempo não procedermos ao máximo de descentralização no que concerne a sua responsabilidade e a sua informação sobre todas as engrenagens da máquina do Partido. Esta organização não é outra coisa que o reverso da divisão do trabalho que segundo a opinião geral, é uma das necessidades mais imperiosas de nosso movimento”[7].
Lenin e os sindicatos ilegais
No mesmo “Que fazer?”, Lenin dedica uma grande atenção a questão dos sindicatos ilegais. Esta questão tem um enorme valor de atualidade, pois em um considerável número de países a classe operária está na impossibilidade, não só de ter um Partido Comunista legal, mas mesmo de ter sindicatos de classe legais, e o número destes países aumenta a medida que progride o desmoronamento do sistema capitalista. E esta parte de “Que fazer?” dá também, valiosas indicações práticas aos dirigentes contemporâneos do movimento operário revolucionário.
Ante tudo, Lenin se pronuncia categoricamente pelo estabelecimento, desde o começo de uma diferença notadamente marcada entre as organizações do Partido e as dos sindicatos. Lenin escreve:
“A organização de um partido social-democrata revolucionário deve necessariamente ser de outro gênero do que a organização de operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em terceiro lugar, o menos clandestina possível (nisto e no que se segue me refiro somente a Rússia autocrática). Pelo contrário, a organização dos revolucionários deve englobar antes de tudo e principalmente, a pessoas cuja profissão é a ação revolucionária (esta é a razão, por outro lado, de que fale de uma organização de revolucionários, referindo-me aos revolucionários social-democratas).
As organizações para a luta econômica devem ser organizações sindicais. Todo operário social-democrata deve, em todo possível, sustentar estas organizações e trabalhar ativamente nelas, é verdade. Mas não nos interessa exigir que só os social-democratas possam ser membros das uniões ‘coorporativas’: isso restringirá o alcance de nossa influência sobre as massas….E quanto mais amplas sejam, mais se estenderá nossa influência sobre elas, não só pelo desenvolvimento ‘espontâneo’ da luta econômica, senão também pela ação consciente e direta dos membros social-democratas dos sindicatos sobre seus companheiros. Mas em uma organização numerosa é impossível uma conspiração estrita (pois exige muito mais preparação do que a luta econômica). Como conciliar a contradição entre a necessidade de efetivos numerosos e o regime clandestino? Como lograr que as organizações corporativas sejam o menos clandestina possível? Só há dois meios: legalização das uniões corporativas (que em alguns países precederam a das uniões socialistas e políticas) ou o mantimento da organização secreta, mas tão ‘livre’, tão pouco fixa, tão ‘lose’·[8] como dizem os alemães, que, para a massa dos membros o regime clandestino seja reduzido quase a nada.”[9]
Lenin se pronuncia categoricamente contra a tentativa dos elementos oportunistas da social-democracia russa de então, de dar aos sindicatos ilegais a forma de uma organização completa com estatutos fixos:
“Para encaminhar o incipiente movimento sindical pela via desejada pela social-democracia, há que compreender antes de tudo o absurdo do plano que preconizam já há cinco anos os ‘economicistas’[10] de Petersburgo. Esse plano está exposto no Estatuto da caixa operária, de julho de 1897, e no Estatuto da Organização Sindical Operária de outubro de 1900. O defeito de ambos estatutos, consiste em que estruturam com todo detalhe uma vasta organização operária a qual confundem com a organização dos revolucionários (…).
Mas o mais característico é talvez o surpreendente peso de todo esse ‘sistema’, que procura ligar cada fábrica ao ‘comitê’ por intermédio de regulamentos uniformes e minuciosos até ao ridículo, com um sistema eleitoral em três níveis. Comprimidos no estreito horizonte do ‘economicismo’, o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de papelada e burocracia. Na realidade, três quartos desses parágrafos nunca serão aplicados; por outro lado, semelhante organização ‘clandestina’, com um grupo central em cada fábrica, facilita aos policiais as prisões em massa. Os camaradas poloneses já passaram por essa fase do movimento; houve um período em que todos desejavam fundar caixas operárias por toda parte: mas logo renunciaram a essa idéia, quando se convenceram que simplesmente favoreciam os policiais. Se quisermos amplas organizações operárias e não descalabros, se não queremos fazer o jogo dos policiais, devemos agir de forma que essas não sejam de modo algum regulamentadas…
Um pequeno núcleo compacto, composto de operários mais seguros, mais experimentados e melhor temperados, um núcleo tendo homens de confiança nos principais bairros, e ligado de acordo com as regras da mais estrita ação clandestina à organização dos revolucionários, poderá perfeitamente, com maior colaboração da massa e sem qualquer regulamentação, encarregar-se de todas as funções que competem a uma organização sindical e, além disso, realizá-las exatamente segundo as aspirações da social-democracia. Somente assim poderemos consolidar e desenvolver, apesar de toda a polícia, o movimento sindical social-democrata .”[11]
O órgão central
Ao falar da edificação de um Partido Comunista ilegal, Lenin concedia uma atenção muito especial ao órgão central do Partido. Insiste nisto, cada vez que estuda as questões do fortalecimento do Partido. Em “Que fazer?”, a questão relativa ao órgão central do Partido é exposta nas eloqüentes linhas que seguem:
“Por isso, a atividade essencial de nosso Partido, o foco de sua atividade, deve consistir em um trabalho que seja possível e necessário tanto nos períodos de explosões mais violentas como nos de calma absoluta, isto é, deve consistir em um trabalho de agitação política unificada para toda a Rússia, que ilumine todos os aspectos da vida e dirija-se às massas em geral. Ora, esse trabalho não poderia ser concebido na Rússia atual, sem um jornal que interesse a todo o país e apareça com bastante freqüência. A organização a ser constituída por si mesma em torno desse jornal, a organização de seus colaboradores (no sentido amplo de palavra, isto é, todos aqueles que trabalham para ele) estará pronta para tudo, para salvar a honra, o prestígio e a continuidade no trabalho do Partido nos momentos de grande ‘depressão’ dos revolucionários, e para preparar, determinar o início e realizar a insurreição armada do povo.
Suponhamos que ocorram prisões, o que é muito comum entre nós, em uma ou várias localidades. Como todas as organizações locais não trabalham em uma única obra comum e regular, essas detenções são seguidas, freqüentemente, por uma suspensão da atividade por vários meses. Mas, se todas trabalhassem para uma obra comum, mesmo que as detenções fossem muitas, bastaria algumas semanas e duas ou três pessoas enérgicas para restabelecer o contato dos novos círculos de jovens com o organismo central, círculos esses que, mesmo agora, surgem de maneira muito rápida, e que surgiriam e estabeleceriam ligações com esse centro de modo ainda muito mais rápido se essa obra comum, que sofre as conseqüências das detenções, fosse bem conhecida de todos.
Suponhamos, por outro lado, que houvesse uma insurreição popular. Sem dúvidas, hoje todos concordam que devemos pensar e nos preparar para isso. Mas como preparar-nos? Terá um Comitê central que designar agentes em todas as localidades para preparar a insurreição? Mesmo que tivéssemos um comitê central que tomasse essa medida, nada poderia obter nas condições atuais da Rússia. Ao contrário, uma rede de agentes que se formasse por si própria trabalhando para a criação e a difusão de um jornal comum, não ‘esperaria de braços cruzados’ a palavra de ordem de insurreição; realizaria exatamente uma obra regular, que lhe permitiria maiores chances de sucesso em caso de insurreição. Obra essa que reforçaria os laços com as massas operárias, em geral, e todas as camadas da população descontentes com a autocracia, o que é tão importante para a insurreição. É fazendo esse trabalho que aprenderíamos a avaliar, exatamente a situação política geral e, por conseguinte, a escolher o momento favorável à insurreição. É nesta espécie de ação que todas as organizações locais aprenderiam a reagir simultaneamente aos problemas, incidentes ou acontecimentos políticos que apaixonam toda a Rússia, a responder a esses ‘acontecimentos’ da forma mais enérgica, uniforme, e racional possível. Pois, no fundo, a insurreição constituí a ‘resposta’ mais enérgica, uniforme e racional de todo o povo ao governo. Tal ação ensinaria, de forma precisa, a todas as organizações revolucionárias, em todos os pontos da Rússia, a manter entre si relações mais regulares e, ao mesmo tempo, mais clandestinas, relações que dariam origem à unidade efetiva – do Partido –, e sem as quais é impossível discutir coletivamente o plano de insurreição e tomar, às vésperas dessa insurreição, as medidas preparatórias necessárias, que devem ser mantidas no mais rigoroso sigilo.
Em uma palavra, o “plano de um jornal político para toda a Rússia” não é fruto de trabalho de gabinete, realizado por pessoas corrompidas pelo doutrinarismo e pela ‘literatura falsificada’ (como pareceu crerem pessoas que não refletiram o bastante sobre ele); ao contrário, é o plano mais prático para que nós possamos nos preparar para a insurreição, imediatamente e de todos os lados, sem que o trabalho normal e cotidiano seja esquecido por um instante.” [12]
Resolução de 1908 relativa a organização
A revolução de 1905 e a reação que se seguiu confirmaram plenamente os princípios da edificação do Partido, formulados por Lenin em seu “Que fazer?”. A resolução sobre a organização adotada pela colaboração de Lenin e a qual mais adiante nos referimos muitas vezes, generaliza na forma seguinte a experiência do Partido Bolchevique neste período:
“Considerando que:
1-Ainda que o triunfo da contrarrevolução cria no momento atual uma indiferença passageira frente ao Partido no seio das massas operárias, animadas de espírito operário, mas todavia pouco consciente desde o ponto de vista socialista, o Partido continua tendo ante si a tarefa fundamental do desenvolvimento da agitação política e econômica e do trabalho de organização entre as mais amplas massas operárias.
2-Que esse triunfo da reação, tendo alijado a realização das consignas democráticas do Partido, coloca para fora do Partido todos os elementos vacilantes formados por intelectuais e pequeno-burgueses que haviam aderido ao movimento operário principalmente com a esperança de ver próximo o triunfo da revolução.
3-Que as novas condições políticas tornam cada vez mais impossível a organização da atividade social-democrata nos marcos das condições das organizações operárias legais ou semilegais.
4-Que as instâncias dirigentes do Partido compõe-se cada vez mais de elementos conscientes do proletariado que aprofundam sua consciência de classe sob a ação da experiência vivida nos anos revolucionários.
5-Que as condições atuais do trabalho fazem impossível aplicar o principio da construção democrática da organização em toda sua plenitude.
a-O Partido deve ter uma atenção especial a utilização e o reforço das organizações existentes e a formação de novas organizações ilegais, semilegais, e, se possível, legais, suscetíveis de servir ao Partido do ponto de apoio no trabalho de agitação, de propaganda e no de organização prática entre as massas, como reuniões de fábrica, círculos de propaganda, clubes e todo tipo de associações operárias culturais e de sindicatos legais e ilegais, etc. Todo esse trabalho não será mais possível e frutífero, se em cada empresa industrial existam comitês operários exclusivamente do Partido, ainda que sejam pouco numerosos, mas estritamente ligados as massas, e se o conjunto do trabalho nas organizações legais é dirigido pela organização ilegal do Partido.
b-Para unificar o trabalho na periferia é necessário:
i)Organizar em cada região, centros regionais que devem não só prestar ajuda técnica as organizações locais, mas também mediante a orientação ideológica, reconstituí-las no caso de serem descobertas pela polícia.
ii)Estabelecer os laços mais estreitos entre as organizações locais e regionais e o Comitê Central.
iii)Para assegurar o contínuo e acertado funcionamento das organizações locais, é admissível que se recorra a aplicação parcial do principio de cooptação: os membros cooptados devem ser substituídos na primeira oportunidade por camaradas legalmente eleitos, segundo os estatutos. E quanto ao conteúdo do trabalho de organização, a Conferência estima que, ademais da agitação política e econômica, referente ao momento atual de que fala a resolução sobre as tarefas do Partido e sobre a fração da Duma, o Partido deve conceder atenção muito especial ao aprofundamento das concepções social-democratas no seio de amplos círculos de camaradas do Partido, e especialmente a formação de dirigentes práticos e teóricos do movimento social-democrata escolhidos nos meios operários.”
Resolução de 1913 sobre organização
Esta resolução sobre a organização, adotada pela Conferência do Partido de 1908, é complementada pelas resoluções da Conferência do Comitê Central bolchevique celebrada em fevereiro de 1913, com a participação de membros ativos do Partido. Esta Conferência, que aconteceu igualmente sob a direção de Lenin, adotou a seguinte resolução sobre a estrutura da organização ilegal:
“1-Resumindo o movimento e o trabalho do Partido no curso do ano de 1912, a Conferência decide que: a nova onda do movimento revolucionário de massas confirmou plenamente as decisões anteriores do Partido Social Democrata Operário Russo e particularmente as da Conferência que ocorreu em janeiro de 1912 sobre a construção do Partido. O curso das lutas grevistas de 1912, a campanha eleitoral dos social-democratas em ocasião das eleições a IV Duma, a marcha da campanha pelo seguro social patenteou de uma maneira evidente que o único tipo de estrutura de organização que convém a época presente, é o Partido ilegal, como conjunto das células do Partido, em torno as quais se agrupa toda uma rede de associações operárias legais e semilegais.
2-A adaptação das formas da organização ilegal às condições locais, deve ser obrigatória. A diversidade de formas que permitam encobrir as células ilegais, a maior flexibilidade possível na adaptação das formas de trabalho as condições e costumes locais, são a garantia da validade da organização ilegal.
3-A tarefa principal no domínio da edificação de organizações, consiste no momento atual na formação de comitês ilegais exclusivamente do Partido e todas as fábricas e empresas, que deverão compreender os elementos operários mais ativos. O formidável desenvolvimento do movimento operário cria as condições que permitem reconstituir os comitês de fábrica do Partido e consolidar os existentes na maior parte dos casos.
4-A Conferência considera que chegou a hora de constituir os pequenos grupos locais dispersos em organização dirigente em cada Centro.
5-Assim em Petersburgo, o comitê dirigente da cidade, criado combinando o princípio da elegibilidade das células de periferia e de cooptação, resultou no tipo de organização urbana.
Este tipo de organização permite estabelecer a ligação mais estreita e imediata entre o organismo dirigente e as células de base, e ao mesmo tempo criar um órgão executivo, reduzido quanto a composição, porém móvel e muito secreto, que tem o direito de trabalhar em todo momento em nome do conjunto da organização. A Conferência recomenda igualmente aos demais centros do movimento operário esse tipo de organização, com as modificações que se depreendem das condições e costumes locais.”
III – Lenin e as formas superiores da luta de classes
Em outubro de 1905 Lenin escreveu um projeto de artigo concebido da seguinte forma:
a)Como preparar e organizar uma insurreição. ‘O povo não é um exército, os revolucionários não são chefes’. (estas palavras são extraídas da proclamação escrita por A.A. Bogdanov). É verdade, mas nós criaremos o exército revolucionário à nossa maneira.
1)Os trabalhos já começam em todas as partes da Rússia.
2)A experiência da Polônia, do Cáucaso, os ataques de Riga.
3)Ver o número 14 de ‘Iskra’.
Nossas próprias patrulhas revolucionárias
4)Destacamentos de 3 a 5 pessoas. Armam-se elas mesmas como possam (revolver, punhal, bomba, trapos encharcados com petróleo).
5)Começo das operações militares: morte dos agentes de polícia, assaltar as prisões, assalto aos bancos, postos de polícia, da gendarmaria, das instituições de censura e outras; aniquilamento dos cavalos dos cossacos e incêndios de seus quartéis, etc…
6)São desejáveis e necessários os bureaux centrais; mas eles não devem sobreestimar seu papel durante uma vasta insurreição popular. A atitude dos destacamentos frente ao Partido.
7)Ataque contra os “Cem Negros”[13].
8)Ação durante as manifestações e greves. Preparar-se por antecipação.
9)Antes disso, organizar nos círculos conferências sobre temas militares
-Leitura e discussão de artigos sobre combates e barricadas.
-Busca e ocupação de alojamentos que sirvam de base para ações militares.
-Estudo do mapa da cidade e dos arredores.
-Conseguir os mapas das prisões, etc…
-Conseguir os endereços de pessoas perigosas e das autoridades.
-Fazer operações, tendo por objetivo o descobrimento do inimigo.
-Preparar bombas.
-Preparar os planos técnicos para operações isoladas. Múltiplas tarefas do grupo de iniciativa.
Conselhos de Cluser sobre ocupação das casas
b)Objetivos dos destacamentos do exército revolucionário.
1)Ação militar independente.
2)Direção da massa.
“Os destacamentos poderão ser de diversas proporções, a partir de 2 ou 3 homens.”
“Os destacamentos devem armar-se por si mesmos, cada um com o que tenha a sua disposição (fuzil, revólver, bomba, cacete, bastão, trapos encharcados com petróleo para incendiar, cordas ou escadas de corda, pás para construção de barricadas, cartucho de piroxilina, arames farpados, pregos, etc, etc.). Em nenhum caso devem esperar ajuda de fora da organização superior imediata, senão tratar de procurar por si mesmos tudo o necessário.”
“Os destacamentos devem estar compostos, se possível, de pessoas que vivam próximas umas das outras ou que se encontrem regularmente em horas fixas (o melhor seria ambas coisas, pois os encontros regulares poderão ser interrompidos quando surja a insurreição). Sua tarefa consiste em preparar-se de modo que possam encontrar-se todos juntos nos momentos críticos e nas condições mais inesperadas. Cada destacamento, pois, deve estabelecer de antemão os procedimentos e os meios para uma ação simultânea: sinais nas janelas, etcétera, para reunir-se o mais rápido possível, gritos ou assobios convencionados para encontrar os camaradas na multidão, sinais convencionados no caso de encontros noturnos, etc, etc.
Todo homem enérgico pode, com 2 ou 3 camaradas, achar toda uma série de regras e procedimentos semelhantes que há que estabelecer, conhecer bem, e em cuja aplicação terá que se exercitar. Não esquecemos que há 99 probabilidades sobre 100, de que os acontecimentos surjam de improviso e que haverá que se reunir em condições terrivelmente difíceis.
E ainda sem armas os destacamentos podem desempenhar um dos papéis mais sérios:
1) dirigir a multidão;
2) atacar oportunamente a um guarda municipal, um cossaco, isolado por azar de sua companhia (casos em Moscou) tomando-lhes as armas;
3) salvar presos ou feridos quando a polícia é pouco numerosa;
4) ficar a postos nos telhados ou pisos altos e jogar pedras sobre as tropas;
5) verter água fervendo…etc. Um destacamento bem organizado e bem unido, representa uma força enorme. Não se deve em nenhum caso renunciar a formação de um destacamento, ou adiar sua formação com o pretexto de faltarem armas.
Os destacamentos devem, se possível, de antemão dividir as funções, fazendo de uma vez a eleição do dirigente, o chefe do destacamento. Está claro que não se trata de brincar de nomeação de chefes, mas não se deve esquecer a importância gigantesca da direção uniforme, da ação rápida e decisiva. A decisão, o impulso, assegura 75% da vitória.
Imediatamente formados, ou seja, a partir de agora, os destacamentos devem por mãos a obra, que não só será teórica senão prática. O trabalho teórico deve compreender, a nosso juízo, o estudo das ciências militares, e familiarizar-se com as questões militares, a leitura de informes sobre questões militares, o convites de oficiais e suboficiais a conversações, etc, etc. Deve-se convidar também aos operários ex-soldados, ler, discutir e estudar folhetos ilegais e os jornais sobre os combates de rua, etc.
Os trabalhos práticos, repetimos, devem começar imediatamente. Dividirão-se em trabalhos preparatórios e em operações militares. Os trabalhos preparatórios compreendem o recolhimento de armas e todo tipo de projéteis, a busca de alojamentos apropriados para facilitar os combates com tudo que se tem direito, para depósito de bombas e pedras, etc. o de ácidos para verter sobre os policiais, etcétera, etcétera, assim como para locais propícios ao Estado Maior, para recolher informações, para esconder camaradas perseguidos, para dar abrigo aos feridos, etc.,etc. As medidas preparatórias compreendem, ademais, os trabalhos imediatos de investigação e reconhecimento, a averiguação dos mapas das prisões, dos postos de polícia, dos ministérios, etc. o estudo da divisão do trabalho das instituições do Estado, dos Bancos, etc. o exame das condições de segurança dessas instituições, o estabelecimento de contatos, sendo útil aproveitar empregados na polícia, nos bancos, nos juizados, nas prisões, em correios e telégrafos, etc. a localização dos depósitos de armas e todos armazéns de armas da cidade, etc. Há aqui uma infinita quantidade de trabalho, e de trabalho no qual cada um poderá ser de grande utilidade, até as pessoas completamente incapazes de participar em um combate de rua, as pessoas mais débeis, as mulheres, os adolescentes, os anciãos, etc. Desde já, devemos agrupar nestes destacamentos, absolutamente sem exceção, a todos que queiram participar na insurreição, posto que não há, nem pode haver um só homem, que querendo trabalho não seja de uma imensa utilidade, ainda que esteja desarmado, ainda que seja individualmente inapto para a luta.
Logo, sem limitar-se só às atividades preparatórias, os destacamentos do exército revolucionário devem passar o mais rapidamente possível, às ações de combate, a fim de: 1)exercitar as forças de combate; 2) interar-se das partes débeis do inimigo; 3) infligir ao inimigo derrotas parciais; 4) libertar aos presos; 5) prover-se de armas; 6) encontrar os meios financeiros para a insurreição (confisco de dinheiro do Estado), etc, etc. Os destacamentos podem e devem imediatamente aproveitar todo momento oportuno para um trabalho vivo, sem adiamentos de modo algum até o momento da insurreição, posto que sem uma preparação no fogo, não é possível adquirir capacidade para a insurreição.
É evidente que todo extremismo é nocivo. Todo bom e o útil, levado ao extremo, pode converter-se, e em certos casos se converte inevitavelmente, em nocivo e perigoso. Um pequeno terror desordenado e sem preparação, levado ao extremo, não fará senão dividir e desperdiçar forças. Isto é exato, e não deve, naturalmente, ficar esquecido. Mas, por outra parte, tampouco deve esquecer-se, de maneira alguma, que a consigna da insurreição armada já está lançada, que a insurreição já começou. Começar a ofensiva nas condições favoráveis não é só um direito, senão uma obrigação de todo revolucionário. A morte de espiões, policiais, gendarmes, a explosão de postos de polícia, a libertação de presos pela força, o apoderar-se de meios financeiros do Estado para empregá-los a serviço da insurreição, são operações que se levam a cabo em todas as partes onde a insurreição se estende: na Polônia, no Cáucaso, e cada destacamento do exército revolucionário deve estar pronto para estas operações. Cada destacamento deve ter presente, que se hoje deixa escapar uma boa oportunidade para uma operação semelhante, esse destacamento será o culpado de uma inatividade imperdoável e de passividade, e uma falta semelhante cometida em época de insurreição, é um crime gravíssimo para um revolucionário e o opróbrio maior para todo aquele que aspira a liberdade não de palavra, mas de fato.
Quanto à composição dos destacamentos pode se dizer o seguinte: a experiência demonstrará a quantidade de membros desejáveis e a distribuição de suas funções. É preciso adquirir pessoalmente esta experiência, sem esperar indicações de fora. Há que pedir, naturalmente, a organização revolucionária local, que designe a um revolucionário-militar para as conferências, conversações, conselhos, etc., mas na falta desse companheiro, é imprescindível preparar-se por seus próprios meios.
No que concerne a diversidade de partidos, está claro que os membros de um mesmo partido preferirão achar-se junto em um mesmo destacamento. Mas não se deve tampouco colocar obstáculos incondicionais a admissão dos membros de outros partidos. É precisamente aqui onde devemos realizar a unificação, o acordo prático (sem fundir-se o partido, se entende) do proletariado socialista com a democracia revolucionária. Todo o que queira combater pela liberdade e demonstre nos fatos sua decisão, poderá contar-se entre o número dos democratas revolucionários; devemos tratar de trabalhar com ele na preparação da insurreição (naturalmente, no caso de ter plena confiança em dita pessoa do grupo). Todos os demais ‘democratas’ devem ser tratados, categoricamente, como pseudodemocratas, como charlatães liberais, a quem não se deve ter em conta e respeito aos quais seria um crime ter confiança.
Naturalmente, é desejável a unificação dos grupos. A determinação das formas e condições para uma atividade conjunta, é extremamente útil. Mas em nenhum caso se deve, ao realizá-la, cair no extremo de elaborar planos complexos, esquemas gerais, desdenhar as ações vivas em função de fantasias pedantes, etc. A insurreição explodirá inevitavelmente em condição em que os elementos desorganizados serão mil vezes mais numerosos que os organizados; serão inevitáveis os casos em que terá que agir no ato, com a participação de dois, sozinho, e há que estar pronto para agir por conta e risco próprio. As perdas de tempo, as discussões, os adiamentos a indecisão, é a perda da insurreição. Uma grande decisão, uma grande energia, aproveitar todo momento oportuno, saber instigar imediatamente as paixões revolucionárias da multidão, dirigi-la, empurrá-las para as ações mais decididas, é o dever primordial de um revolucionário.
A luta contra os ‘Cem Negros’ constitui uma magnífica operação militar, que serve de treinamento para os soldados do exército revolucionário, é um batismo de fogo, e é de uma imensa utilidade para a revolução. Os destacamentos do exército revolucionário devem fazer um estudo imediato de quem, onde, e como compõe os ‘Cem Negros’, e logo, não se limitar somente a propaganda (que é útil, mas que por si só não basta), senão que agir por meio das armas, golpear os ‘Cem Negros’, matá-los, explodir seus quartéis generais, etc., etc.”
Carta do camarada Lenin ao Comitê de Petersburgo
Eis aqui a resposta que Lenin deu em Setembro-Outubro de 1905, aos camaradas do Comitê de Combate de Petersburgo com respeito a um informe enviado por eles sobre a atividade do Comitê:
“Queridos camaradas:
Muito obrigado pelo envio: 1)do informe do Comitê de Combate; 2)apontamentos sobre a questão da organização e preparação da insurreição, e 3)esquemas de organização. Depois de ter lido estes documentos, considero meu dever dirigir-me diretamente ao Comitê de Combate para trocar opiniões entre camaradas. Não é preciso dizer que não pretendo fazer um juízo sobre a forma da organização prática do assunto, que faz tudo possível nas difíceis condições atuais da Rússia – nisto (estou seguro) não cabe dúvida alguma. Mas, a julgar pelos documentos, o assunto ameaça degenerar em burocratismo. Todos esses esquemas, todos esses planos de organização do Comitê de Combate dão a impressão de uma papelada burocrática, perdão pela minha franqueza, mas confio que não me acusarão de querer arranjar briga. Numa obra semelhante, os esquemas, as discussões sobre as funções, e os direitos e deveres do Comitê de Combate são o menos conveniente. O que se necessita é uma raivosa energia, energia, uma vez mais energia. Com verdadeiro horror – palavra – vejo que faz mais de seis meses que se está discursando sobre bombas, mas que não foi fabricada nenhuma até agora. E, no entanto, são homens muito sábios os que falam…Dirijam-se à juventude! É só esta, a única panacéia universal. Do contrário, lhes dou minha palavra, chegarão tarde (eu vejo por todos os sintomas) e ficarão com as ‘sábias’ notas, planos, esquemas, desenhos, maravilhosas receitas, mas sem organização, sem atividade palpitante. Dirijam-se à juventude! Criem em seguida, destacamentos de combate em todas as partes, entre os estudantes e, sobretudo, entre os operários, etc., etc. Que se organizem imediatamente destacamentos de três, dez, trinta homens. Que se armem imediatamente por si mesmos, cada qual como possa e com o que possa, alguns com um revólver, outros com um punhal, outros com um trapo encharcado com petróleo para incêndio, etc., que esses destacamentos elejam já seus dirigentes e se ponham dentro do possível, em relação com o Comitê de Combate. Joguem no lixo, pelo amor de Cristo, todos esses esquemas, mandem a todos os diabos as ‘funções, direitos, privilégios’. Não exijam a adesão obrigatória do Partido social-democrata, seria uma exigência absurda para uma insurreição armada. Não se neguem, a entrar em relações com cada círculo, ainda que esteja composto por três pessoas, com a única condição de que seja de toda confiança e que esteja decidido a lutar contra o exército czarista. Que os círculos que desejarem, adiram ao Partido social-democrata, perfeitamente; mas eu estimaria absolutamente errôneo exigir-lhes isso como condição prévia.
O papel do Comitê de Combate anexo ao Comitê de Petersburgo deve ser o seguinte: ajudar a esses destacamentos do exército revolucionário a servir de ‘bureau’ de ligação, etc. Seus serviços serão aceitos voluntariamente por todo destacamento. Mas se em uma atividade semelhante vocês começam pelos esquemas, discursos sobre ‘direitos’ do Comitê de Combate, vocês farão fracassar a obra, isso lhes asseguro, farão fracassar inevitavelmente.
Nisto é preciso agir por meio de uma vasta propaganda. Que cinco ou dez pessoas percorram em uma semana centenas de círculos operários, estudantis, penetrem onde seja possível e que exponham um plano claro, um plano breve, simples e concreto; formados imediatamente destacamentos, armem-os como possam, trabalhem com todas as suas forças, nós os ajudaremos com o que pudermos, mas não esperes de nós, trabalhe por vossa conta.
O centro de gravidade em uma obra deste tipo é a iniciativa da massa dos pequenos círculos. Eles farão tudo. Creio que se pode medir a efetividade do trabalho do Comitê de Combate pelo número de círculos que esteja em relação. Se em um ou dois meses o Comitê de combate não dispõe em Petersburgo de um mínimo de duzentos ou trezentos destacamentos, é um Comitê de Combate morto. Nesse caso, há que enterrá-lo. Se em momentos de efervescência como a atual, não se consegue organizar uma centena de destacamentos, significa estar à margem da vida.
Os propagandistas devem dar a cada destacamento breves e simples fórmulas de preparação de bombas, fazer uma exposição elementar do conjunto de operações e logo lhes deixar trabalhar por conta própria. Os destacamentos devem começar em seguida os exercícios militares. Uns empreenderão a tarefa de liquidar um espião, explodir um posto de polícia, outros o assalto a um banco para confiscação de meios para a insurreição; os terceiros, uma manobra ou a cópia de mapas, etc. Mas obrigatoriamente, começar a aprender já, na prática, ou vocês tem que temer estes ataques de ensaio. Naturalmente podem degenerar em excessos, mas este é um mal do dia de amanhã, enquanto que hoje o mal está na estreiteza de nosso espírito, em nosso apego à doutrina, na imobilidade científica, no medo senil da iniciativa. Que cada destacamento faça sua aprendizagem ainda que seja no espancamento de guardas municipais: as dezenas de vítimas não farão senão dar centenas de combatentes experimentados que amanhã arrastarão atrás de si a centenas de milhares!
Um forte aperto de mãos e lhes desejo muitos êxitos. Longe de mim a idéia de insistir em que aceitem meu ponto de vista, mas considero um dever fazer o uso de voz deliberativa.
Vosso, Lenin”.
Os ensinamentos da insurreição de Moscou
Em um artigo sobre os ensinamentos da insurreição de Moscou, Lenin dá as diretivas sobre como há que se preparar e dirigir uma insurreição, que por sua clareza e precisão não foram jamais superadas por ninguém. Antes de tudo, Lenin ataca a ala direita do Partido (mencheviques) que afirmava que “não se pode lutar contra o exército de hoje, que há que esperar o exército se revolucionar”. Lenin propõe ante ao Partido, a tarefa de lutar pela conquista do exército: “Não temos que nos limitar a simples ‘espera’ de que o exército ‘passe’ para nosso lado; não, nós devemos dar o alerta sobre a necessidade mais enérgica e decidida luta pela conquista do exército vacilante. Lenin considerava como um dos maiores ensinamentos da insurreição de Moscou a “nova tática de barricadas”, a tática de guerra de guerrilhas sobre a base de destacamentos muito pequenos de dez, de três, de duas pessoas.
Lenin terminava seu artigo sobre a insurreição de Moscou com as seguintes palavras:
“Retenhamos em nossa memória que a grande luta das massas está se aproximando. Será uma insurreição armada. E deve ser, no possível, simultânea. As massas devem saber que vão a uma luta armada sangrenta, desesperada. O desprezo à morte deve ser difundido entre as massas e assegurar a vitória. O ataque contra o inimigo dever ser o mais enérgico, o ataque e não a defesa deve ser a consigna das massas; o aniquilamento desapiedado do inimigo será sua tarefa; a organização da luta deve ser móvel e flexível. Os elementos vacilantes do exército serão arrastados à luta ativa. O Partido do proletariado consciente deverá cumprir seu dever nesta grandiosa luta.”
Os ensinamentos práticos da insurreição de Moscou foram tratados por Lenin de forma mais detalhada no folheto “A dissolução da Duma e as tarefas do proletariado”.
Em referido folheto, os capítulos IV e V são dedicados especialmente às questões da insurreição armada. Lenin estabelece antes de tudo, que nos dias de outubro de 1905, os Soviets de Deputados Operários foram constituídos como órgãos de luta direta de massas.
Os Soviets como órgãos da insurreição
Lenin estabelece que:
“Os Soviets de Deputados Operários surgiram como órgão da luta grevista e se converteram logo, pela pressão da necessidade, em órgãos da luta revolucionária geral contra o governo. Transformaram-se forçosamente, como conseqüência do desenvolvimento dos acontecimentos e da passagem da greve à insurreição, em órgãos de poder da insurreição.
E posto que é assim – segue mais adiante Lenin –também surge de forma clara a discussão de que os ‘Soviets’ e demais instituições de massas semelhantes, são insuficientes para organizar a insurreição. São indispensáveis para a organização das massas, para a unificação no combate, para a difusão das consignas do Partido (ou de vários Partidos postos de comum acordo), para a direção política, para suscitar o interesse, para despertar, atrair as massas. Mas são insuficientes para organizar as forças diretas de combate, para organizar a insurreição no sentido mais estrito da palavra. Com freqüência, os Soviets de Deputados Operários eram chamados parlamentos da classe operária. Mas nenhum operário aceitará a convocação de seu parlamento para logo entregá-lo nas mãos da polícia. Todo mundo reconhece a necessidade da organização imediata das forças, a necessidade de criar uma organização militar para a defesa de seu ‘parlamento’ na forma de destacamentos de operários armados. Agora, quando o governo sabe por experiência e compreende perfeitamente aonde conduzem os ‘Soviets’, agora se armaram dos pés a cabeça…devemos muito particularmente explicar em nossa agitação a necessidade de ver as coisas com toda clareza, a necessidade de criar uma organização militar ao lado da organização dos Soviets, para sua defesa, para realizar a insurreição, sem o qual serão impotentes todos os Soviets e todos delegados das massas populares.”
As organizações militares
Nesse mesmo folheto, Lenin dá indicações detalhadas sobre o que devem representar essas “organizações militares”.
“Devem tender a agrupar as massas não por meio das instituições eleitas, senão recrutando os combatentes diretamente comprometidos em combates de rua e na guerra civil. Estas organizações devem ter como célula pequeníssimas uniões voluntárias de grupos de dez, cinco e até três pessoas. Há que repetir sem trégua que se acerca o momento em que todo cidadão honrado deve sacrificar-se e lutar contra os opressores do povo. Menos formalismo, menos burocratismo, mais simplicidade na organização, que deve ter o máximo de mobilidade e flexibilidade. Todos os que queiram colocar-se ao lado da liberdade deverão formar em seguida um ‘quinteto’ de combate – união voluntária de pessoas da mesma profissão, da mesma fábrica, de pessoas unidas por laços de amizade ou camaradagem, ou simplesmente vizinhos de uma mesma localidade (em uma aldeia) ou casa (na cidade). Estas uniões tanto de membros do Partido como os sem partido, deverão estar ligadas por uma mesma tarefa revolucionária imediata: a insurreição contra o governo. Estas uniões devem formar uma rede mais ampla possível, constituir-se antes de receber alguma arma, e independentemente da questão das armas.
Nenhuma organização do Partido poderá ‘armar’ as massas. Pelo contrário, a organização das massas em pequenas uniões de combate facilmente móveis, são as que prestarão um enorme serviço durante o movimento na provisão das armas.
As uniões de combate voluntárias, ‘piquetes de milícia’, se tomamos o nome que foi dado às gloriosas jornadas de outubro em Moscou, serão de grandíssimo proveito no momento da explosão. Um ‘piquete’ que saiba atirar poderá desarmar a guarda municipal, atacar de improviso uma patrulha, conseguir armas que necessite. Um piquete formado por pessoas que não saibam atirar ou que não conseguiram armas, ajudará na construção de barricadas, nas explorações, organizar contatos, montar uma emboscada ao inimigo, incendiar o edifício em que o inimigo tem sua guarita, apoderar-se de locais que possam servir de base para os insurretos; em uma palavra, milhares de funções das mais diversas podem ser realizadas por essas uniões voluntárias, formadas por pessoas dispostas a lutar até a morte, com excelentes conhecimentos da localidade, ligados estreitamente com a população.
Que em cada fábrica, em cada sindicato, em cada aldeia, encontre eco o chamamento da organização desses piquetes de combate voluntários…As pessoas relacionadas entre si, os formarão de antemão. E os desconhecidos não se organizarão aos ‘quintetos’ e às ‘dezenas’ na véspera do dia de combate se a idéia da formação dessas uniões não se estende amplamente entre as massas e não é aceita por estas.
Assim, pois, é necessária a organização dos Soviets de Deputados Operários, dos comitês de camponeses e outras instituições análogas, em todas partes, paralelamente com a propaganda e agitação mais vasta pela necessidade de uma insurreição simultânea com a preparação imediata da força para a insurreição e a organização de destacamentos voluntários de massas.”
1917
Mais tarde, em 1917, ao dirigir a preparação da insurreição de Outubro, Lenin aproveitou plenamente toda a experiência da revolução de 1905. Tanto os Soviets como os órgãos da insurreição, como os comitês militar-revolucionários que preparavam diretamente a parte técnica da luta do proletariado pelo poder.
Todos os artigos e discursos de Lenin, referentes ao período de preparação da insurreição de Outubro, se referem invariavelmente, de uma ou outra forma, as questões da insurreição armada, destroçando de forma desapiedada as argumentações teóricas dos adversários, ou dando indicações práticas ao Partido ou aos operários revolucionários, sobre a forma em que devem armar-se, organizar as forças combatentes e desatar o ataque ao inimigo de classe.
Dos documentos de Lenin referentes a esse período, há que se deter sobretudo em sua carta ao Comitê do POSDR (bolchevique) de setembro de 1917, publicada com o título “O Marxismo e a Insurreição”.
Deste documento, Lenin faz uma análise, magnífica por sua precisão e clareza, da insurreição armada tal como é compreendida por um marxista revolucionário, diferentemente dos blanquistas e demais “puchistas”, demonstrando sob a base dos fatos, de que porque foi um erro naquele período, e sua causa, a insurreição armada nas jornadas de julho de 1917 e de que em setembro do mesmo ano o quadro era completamente distinto.
“Para ter êxito, a insurreição não deve apoiar-se num complô nem num partido, mas na classe avançada. Isto em primeiro lugar. A insurreição deve apoiar-se no ascenso revolucionário do povo. Isto em segundo lugar. A insurreição deve estourar no apogeu da revolução em crescimento, ou seja, no momento em que a atividade das fileiras avançadas do povo seja maior, em que sejam mais fortes as vacilações nas fileiras dos inimigos e nas fileiras dos amigos fracos, hesitantes e indecisos da revolução. Isto em terceiro lugar. Estas são as três condições da colocação da questão da insurreição que distinguem o marxismo do blanquismo.[14]”
Em “Conselhos de um ausente”, em 08 de Outubro de 1917, Lenin defende de novo, e com uma argumentação excepcional por sua força, a questão da insurreição armada. Lenin escreve:
“Mas a insurreição armada é uma forma especial da luta política, submetida a leis especiais, nas quais é preciso refletir atentamente. Karl Marx exprimiu esta verdade com um notável relevo ao escrever que ‘a insurreição armada é, como a guerra, uma arte’.”
O camarada Lenin recorda as cinco regras fundamentais de Marx sobre a arte da insurreição armada:
“1)Nunca jogar com a insurreição e, uma vez começada, saber firmemente que é preciso ir até ao fim.
2)É necessário concentrar no lugar decisivo, e no momento decisivo, uma grande superioridade de forças, pois de outro modo o inimigo, possuindo melhor preparação e organização, aniquilará os insurretos.
3)Uma vez começada a insurreição, é preciso agir com a maior decisão e passar obrigatória e incondicionalmente à ofensiva. defensiva é a morte da insurreição armada.
4)É preciso esforçar-se para apanhar o inimigo de surpresa, captar o momento em que as suas tropas estão ainda dispersas.
5)É preciso obter diariamente êxitos ainda que pequenos (poderia dizer-se: em cada hora, quando se tratar de uma só cidade), mantendo, a todo o custo a ‘superioridade moral’.
Marx resumiu os ensinamentos referentes a insurreição armada de todas as revoluções, nas seguintes palavras de Danton, o maior mestre da tática revolucionária que a história já conheceu: ‘Audácia, audácia e mais uma vez audácia’.”
Lenin concretiza mais adiante esta regra com relação à Rússia:
“Ofensiva, simultânea e o mais súbita e rápida possível, sobre Petersburgo, obrigatoriamente de fora, de dentro, dos bairros operários, da Finlândia, de Reval, de Cronstadt, ofensiva de toda a esquadra, acumulação de uma superioridade gigantesca de forças sobre os 15-20 mil (e talvez mais) da nossa ‘guarda burguesa’ (os cadetes) das nossas ‘tropas da Vendeia’ (uma parte dos cossacos), etc. Combinar as nossas três forças principais: a esquadra, os operários e as unidades militares, de modo a que sejam obrigatoriamente ocupados e mantidos seja com que perdas for: a) os telefones, b) os telégrafos, c) as estações ferroviárias e d) as pontes em primeiro lugar. Constituir com os elementos mais decididos (as nossas ‘tropas de choque’ e a juventude operária, bem como os melhores marinheiros) em pequenos destacamentos para a ocupação por eles de todos os pontos mais importantes e para a sua participação em toda a parte em todas as operações importantes (..) Formar destacamentos dos melhores operários com fuzis e granadas de mão para atacar e cercar os ‘centros’ do inimigo (escolas militares, telégrafos e telefones, etc.) com a palavra de ordem: antes morrermos todos que deixar passar o inimigo.”
É preciso analisar especialmente a importância que Lenin atribuía à preparação direta do próprio Partido para a insurreição. Ao defender no Partido a questão da insurreição armada, tanto na base como nos quadros dirigentes, provados no passado, começam a manifestar-se vacilações, aparecem tendências oportunistas, que à medida que os combates decisivos se aproximam, intensificam a resistência na linha geral com respeito a insurreição.
Nas vésperas dos combates em Outubro, nas fileiras do P.C.R (bolchevique) alguns dos mais responsáveis camaradas, como Zinoviev, Kamenev e outros ficaram contagiados dessas tendências. Estas tendências e vacilações são particularmente perigosas nos umbrais da insurreição, e justamente esta é a razão de que Lenin os condenasse com tanta dureza, chegando a colocar a questão da expulsão de Zinoviev e Kamenev do Partido, acusando-os de “fura-greves”.
Lenin entendia assim a “organização da revolução” e assim organizou Outubro.
Notas:
[1] Kalmuks são os descendentes dos Oirats, identidade histórica e coletiva dos povos mongóis ocidentais. NT
[2] Casa de campo.
[3] Ebanista: Pessoa que tem por ofício trabalhar em Ébano e outras madeiras finas. NT.
[4] Militante de grande valor porque Lenin sentia um profundo respeito.
[5] Versta: medida russa, equivalente a 1.067 metros.
[6] Obras completas. Ed. Russa.
[7] Obras completas. Ed Russa.
[8] Livre, ampla. NT.
[9] Obras completas. Ed. Russa.
[10] Corrente oportunista de fins do séc XIX e princípios do XX, que negava toda luta política.
[11] Obras completas. Ed. Russa.
[12] Obras completas. Ed. Russa.
[13] Cem Negros – organização paramilitar ultra-reacionária, chauvinista e racista, da Rússia czarista.
[14] Blanquismo – De Auguste Blanqui, um dos líderes da Comuna de Paris, notabilizou-se pela defesa da ideia de que um pequeno grupo bem organizado e decidido é quem deve e pode tomar o poder e realizar uma revolução. [Nota da tradução]