Dia da Heroicidade: como foi a resistência (AND, 2012)
Nota do blog: Por ocasião do Dia da Heroicidade, 19 de junho, publica-se uma série de documentos referentes a essa data.
O Dia da Heroicidade demonstrou, ante os povos de todo o mundo e ante a reação, a que são capazes os comunistas, revolucionários e outros filhos do povo pela vitória da Revolução, pelo Partido e pelo triunfo do proletariado e das massas. Homens e mulheres de material especial, decididos a dar a própria vida pela vitória da Revolução, pela República Popular em construção, pelo fim de toda a desgraça que pesa sobre os ombros das massas pisoteadas. Em última instância, por uma causa que não veriam jamais: a gloriosa e superior causa do comunismo, da sociedade sem classes, sem exploração e opressão, o reino da liberdade, que desfrutará toda a humanidade posterior. Ali, como em outras oportunidades, a reação pôde perceber que não estavam guerreando com qualquer um.
Por isso o Presidente Gonzalo, chefatura do PCP e da Revolução Peruana, afirmou que os heróis caídos nas Luminosas Trincheiras de Combate alcançaram, com seu heroísmo, um triunfo sem igual para o proletariado, para o Partido e para a Revolução.
Saudamos singelamente ao exemplo dos prisioneiros de guerra e presos políticos caídos nas prisões de Lurigancho, Callao e El Frontón, assim como às milhares de massas revolucionárias de camponeses, operários e outros que, certos da vitória e firmemente decididos pela causa do proletariado, da revolução e do comunismo, suportaram toda a barbaridade da reação e pagaram sua cota de sangue.
Dia da Heroicidade: como foi a resistência
Rosana Bond
No Fronton, os dirigentes enfrentam o exército
Efetivamente, os valorosos homens e mulheres presos na capital e arredores (Lurigancho, Callao e ilha do Frontón) merecem ser chamados de herois. Morreram cantando. E sem nenhum temor frente às tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, que atacaram os três presídios como feras carniceiras armadas com bombas de demolição, bazucas, granadas, gases e metralhadoras. Sem falar de lanchas e helicópteros artilhados, no caso da ilha do Frontón.
Os militantes comunistas, longe de agir como carneirinhos rumo ao matadouro, resistiram até o fim, apesar da enorme desproporção de força bélica. No Frontón, por exemplo, a batalha durou quase 13 horas.
Detalhes dessa brava resistência, que acreditamos serem inéditos ou pouco conhecidos no Brasil, foram publicados quase um ano depois dos episódios, num livro hoje sumido das prateleiras, pelo jornalista Juan Cristóbal. Seu título é Todos Murieron? (Lima, Ediciones Tierra Nueva, 1987).
Não é uma obra simpática ao PCP. Trata-se somente do trabalho de um profissional que, como cidadão peruano, sentiu-se também ferido “nas noites mais negras que os direitos humanos já tiveram em nosso país”. Uma presumida alusão àqueles 18, 19 e 20 de junho (respectivamente datas da ordem de matar dada por García, dos ataques propriamente ditos e do recolhimento dos corpos, tudo isso cercado de mentiras asquerosas do gerente, dos militares e de sua imprensa cúmplice).
“Vamos resistir”
O livro de Cristóbal, que é uma colagem de notas oficiais variadas (inclusive dos próprios presos), testemunhos e reportagens da imprensa monopolista, inicia mostrando que o PCP sabia que seus companheiros seriam atacados a qualquer instante.
Assim a obra apresenta na íntegra, um documento das mulheres do presídio do Callao, datado de 7 de junho, portanto 12 dias antes da chacina. Nele as militantes denunciavam a existência de planos governamentais de extermínio nos cárceres. Naquela época os comunistas presos estavam numa campanha contra suas transferências ao “moderno” Canto Grande (Penal Miguel Castro Castro), na verdade um autêntico matadouro e centro de tortura.
“As presas políticas e prisioneiras de guerra, reclusas neste negro campo de concentração do Callao, convertido em luminosa trincheira de combate, nos dirigimos a nosso heróico povo combatente e à opinião pública para denunciar: este novo governo reacionário mais esfomeador e mais genocida, mais demagógico e hipócrita, vem aprofundando seu plano genocida contra os presos políticos, utilizando distintos métodos para seus negros objetivos.
(…) Que fique bem claro que estamos dispostos a resistir e o sangue que correr no Frontón, Lurigancho e no Callao cairá sobre (as costas) dessas hienas assassinas” – disseram as mulheres em trechos do documento, hoje convertido numa peça histórica da luta revolucionária peruana.
Comprovando que o “estamos dispostos a resistir” não eram palavras vãs, é possível constatar no livro de Cristóbal, garimpando informações dentro dos numerosos e heterogêneos textos compilados pelo jornalista, que os prisioneiros do PCP efetivamente prepararam uma criativa resistência, usando tudo que seus parcos objetos e que sua situação de confinados permitia.
Lendo aqueles detalhes todos confesso, porém, que não me surpreendi.
Pois cerca de um ano antes do ataque estive clandestinamente na ilha do Frontón, para fazer uma reportagem, e vi a capacidade admirável daquelas pessoas de transformar o horrível presídio perdido no meio do Pacífico (onde cacos de vidro e pedaços de ratos vinham misturados à comida) num lugar “habitável”.
E mais: num lugar onde a revolução tinha seu curso, através da atitude.
Uma atitude comunista exemplar, que exercitando organização, disciplina, solidariedade e paciência (que na reportagem e em dois livros posteriores, Sendero Luminoso: Fogo nos Andes e Peru: do império dos incas ao império da cocaína, defini como “paciência chinesa”), levou o grupo a implantar ali uma realidade oposta aos cárceres peruanos daquele tempo. Escola de alfabetização e de estudos políticos/econômicos, cursos de poesia e teatro, biblioteca, cozinha, farmácia, produção de artesanato e até produção de livros (escritos à mão). Tudo criado e comandado pelos presos. A cozinha própria, para salvarem-se dos vidros e dos ratos, foi uma dura conquista, já que nos atos de reivindicação vários companheiros tinham perdido a vida.
Voltemos à resistência de 1986.
Bunker, queijo russo e bandeja
Prevendo o ataque fascista, os presos começaram a preparar sua defesa.
Durante meses elaboraram facões, lanças com ponta de metal, arcos-e-flechas, bestas para lançar pedras, coquetéis molotov e “queijos russos” (explosivos caseiros de plástico, ativados por detonadores). Em Lurigancho, criaram ainda “coletes à prova de balas” feitos com bandejas do refeitório. Fora isso, um dia antes da invasão militar tomaram um pequeno número de funcionários como reféns e deles tiraram algumas armas de fogo (no caso do Frontón, três fuzis e uma pistola).
Porém, a providência mais surpreendente, que deixou as tropas das Forças Armadas boquiabertas e furiosas, foi uma proteção de cimento armado que os prisioneiros fizeram, recobrindo as paredes internas de alguns salões-dormitórios em Lurigancho e no Frontón, transformando-os em verdadeiros bunkers. Na ilha, algumas janelas também foram parcialmente cimentadas, convertendo-se em troneiras (orifícios através dos quais disparam-se armas).
Ali no Frontón, além disso, os presos do PCP construíram um compartimento subterrâneo suficientemente grande para abrigar 150 pessoas (que era a média de prisioneiros políticos que ficavam naquele cárcere). O subterrâneo era dotado de respiradouros abertos ao mar.
Como o cimento foi obtido?
No livro de Cristóbal se encontra duas versões. A primeira é que o material foi introduzido em Lurigancho e no Frontón escondido em sacos de produtos comestíveis levados aos presos por familiares, aos poucos, num sistema de “formiguinha”. A outra versão é a de que, na ilha, o cimento armado foi fornecido pelas próprias autoridades para a construção de banheiros, num acordo com os prisioneiros, já que (tudo indica) o governo não queria gastar dinheiro com operários.
E como os bunkers não foram descobertos antes?
Os jornais da burguesia, incluídos no livro, bradaram histéricos em suas reportagens e editoriais que os alojamentos do Sendero Luminoso (nome usado por eles para referir-se ao PCP) nos presídios não eram fiscalizados porque os “terroristas” tinham absoluto controle sobre eles.
“Viva a Revolução!”
O esquema de defesa implantado pelos presos funcionou com eficiência. Para conseguir entrar em Lurigancho e no Frontón os militares tiveram que demolir boa parte dos dois prédios.
A resistência dos combatentes comunistas durou longas horas em Lurigancho e na ilha. Até que as tropas reacionárias, coléricas, mandaram buscar bombas mais potentes para uma segunda ofensiva.
Até aquele instante sua irritação tinha subido ao máximo, principalmente pelo uso de uma outra arma pelos prisioneiros, esta de efeito psicológico: os gritos de “Viva a Revolução!”, cada vez que os petardos não afetavam as paredes reforçadas com cimento, e o entoar de músicas e hinos do Partido.
Não pararam de cantar um minuto. As vozes só foram silenciando quando, após o surgimento das novas bombas e suas explosões fortíssimas, cerca de 170 presos foram capturados com vida e assassinados, um a um. Em Lurigancho, conforme o livro, mesmo estando na fila do extermínio, todos continuaram cantando até que o último companheiro recebeu o tiro covarde na cabeça.
No Callao, o canto acabou sendo a arma maior na resistência das mulheres do PCP. Não puderam usar outra defesa porque a invasão foi rápida. A existência de uma clarabóia facilitou o serviço dos atacantes, que do alto jogaram bombas de gas e dominaram as prisioneiras. Mesmo assim, um grupo delas parece ter resistido, pois duas foram mortas e cinco feridas.
Se falei que a defesa dos combatentes do PCP funcionou com eficiência foi porque, considerada a força do ataque e o grande aparato bélico empregado pelas tropas fascistas, cerca de 50% dos presos do Frontón e 76% de Lurigancho foram protegidos por seu esquema defensivo e estavam vivos quando capturados.
O que não os protegeu foi o barbarismo dos assassinos, definidos por Juan Cristóbal como “os atores deste injustificável operativo militar, que até hoje, e até sempre, continuará produzindo feridas no tão nobre quanto sofrido coração do nosso povo”.