Por ocasião dos 200 anos do nosso grande fundador, Karl Marx – Proletários de todos os países, uni-vos!
Trecho extraído da publicação “Karl Marx”, de 1914, do grande Lenin. Repartimos essa importantíssima obra e vamos publicando-as por parte.
O objetivo final desta obra, diz Marx no seu Prefácio de O Capital, é desvendar a lei econômica da evolução da sociedade moderna”(25), isto é, da sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção de uma sociedade determinada, historicamente determinada em seu nascimento, em seu desenvolvimento e em seu declínio, tal é o conteúdo da doutrina econômica de Marx. Reina na sociedade capitalista a produção de mercadorias; por isso, a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.
O Valor
A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma necessidade qualquer do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa constituí o seu valor de uso. O valor de troca (ou valor, simplesmente) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção, na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie qualquer, contra um certo número de valores de uso de uma outra espécie. A experiência diária mostra-nos que milhões e bilhões de tais trocas, sem cessar, estabelecem relações de equivalência, entre valores de uso os mais diversos e dessemelhantes. Que há de comum entre essas coisas diferentes, continuamente comparadas umas com as outras, num sistema determinado de relações sociais? O que elas têm de comum é o fato de serem produtos do trabalho. Trocando seus produtos, os homens criam relações de equivalência entre as espécies mais diversas de trabalho. A produção de mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e os tornam equivalentes uns aos outros no momento da troca. Por conseguinte, o que é comum em todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção determinado, não é o trabalho de uma qualidade particular, mas sim o trabalho humano abstrato, o trabalho humano em geral. Numa sociedade dada, toda a força de trabalho, representada pela soma dos valores de todas as mercadorias, constitui uma só e única força de trabalho humano; milhões de exemplos de trocas o demonstram.
Cada mercadoria, considerada isoladamente, é, pois, representada por uma certa porção apenas de tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário, ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma dada mercadoria ou de um determinado valor de uso.
“Pelo fato mesmo de estabelecer a igualdade de valor dos diversos produtos trocados entre si, eles (os homens) afirmam que os diversos trabalhos são iguais uns aos outros, na qualidade de trabalhos humanos. Afirmam isso sem o saber”(26).
O valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; dever-se-ia ajuntar simplesmente: uma relação dissimulada sob uma aparência material. Somente se pode compreender o que é o valor, partindo-se do sistema de relações sociais de produção de uma formação histórica determinada, isto é, relações que aparecem na troca, fenômeno de massa, que se repete milhões e milhões de vezes.
“Como valores de troca, todas as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho cristalizado”(27).
Depois de uma análise aprofundada do duplo caráter do trabalho incorporado às mercadorias, Marx passa à análise das formas do valor e do dinheiro. Sua principal tarefa, nestas circunstâncias, é a de pesquisar a origem da forma monetária do valor, estudar o processo histórico de desenvolvimento da troca, começando pelos atos de troca particulares e fortuitos (“forma simples, particular, ou acidental, do valor”; uma quantidade determinada de uma mercadoria é trocada por uma quantidade determinada de outra mercadoria), passando para a forma geral do valor, quando várias mercadorias diferentes são trocadas por uma única e mesma mercadoria determinada, chegando, finalmente, à forma monetária do valor, em que o ouro aparece como a tal mercadoria determinada, ou seja, como o equivalente geral. Produto supremo do desenvolvimento da troca, e da produção de mercadorias, o dinheiro encobre e dissimula o caráter social da atividade privada, o elo social entre os diversos produtores, entrelaçados uns com os outros, pelo mercado. Marx submete a uma análise extremamente detalhada as diversas funções do dinheiro e convém notar que, neste nosso assunto (como em todos os primeiros capítulos de O Capital), a forma abstrata da exposição, que parece às vezes puramente dedutiva, reproduz, na realidade, uma documentação imensamente rica a respeito da história do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias.
“O dinheiro… supõe um certo desenvolvimento da troca de mercadorias. As formas particulares do dinheiro, como simples equivalente das mercadorias, como meio de circulação, meio de pagamento, como tesouro ou moeda universal, indicam, segundo a extensão variável e a preponderância relativa de uma ou outra dessas funções, graus muito diversos do processo da produção social”(28).
A Mais-Valia
Em certo grau do desenvolvimento da produção das mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação das mercadorias era: M (mercadoria) — D (dinheiro) — M (mercadoria) ou seja, a venda de uma mercadoria para a compra de outra. A fórmula geral do capital é, pelo contrário, D — M — D, ou seja, a compra de mercadorias para a sua venda posterior (com lucro). É a este crescimento do valor primitivo do dinheiro posto em circulação que Marx chama de mais-valia. Este “acréscimo” de dinheiro na circulação capitalista é um fato conhecido de todo o mundo. É precisamente este “acréscimo” que transforma o dinheiro em capital, como relação social particular de produção, historicamente determinado. A mais-valia não pode provir da circulação das mercadorias, pois esta se refere apenas à troca de equivalentes. Ela não pode ainda provir da majoração dos preços, pois as perdas e lucros recíprocos dos compradores e dos vendedores se equilibrariam; trata-se de um fenômeno social médio, generalizado, e não de um fenômeno individual. Para obter mais-valia, é preciso que “o possuidor de dinheiro descubra… no mercado, uma mercadoria cujo valor de uso seja dotado da propriedade singular de criar valor(29), mercadoria essa na qual o processo de consumo seja ao mesmo tempo um processo de criação de valor. Ora, esta mercadoria existe: é a força humana de trabalho. Seu uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a força de trabalho pelo seu valor, que é determinado, como o valor de qualquer outra mercadoria, pelo tempo da trabalho socialmente necessário para a sua produção (ou seja, pelo custo dos meios de subsistência do operário e de sua família). Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor de dinheiro está no direito de consumi-la, isto é, de determinar que ela se gaste no trabalho de toda a jornada, digamos, de 12 horas. Mas, em seis horas (tempo de trabalho “necessário”) o operário cria um produto que cobre as despesas de seu sustento e durante as outras seis horas (tempo de trabalho “suplementar”), ele cria um produto “suplementar”, pelo qual nada gastou o capitalista, e que constitui a mais-valia.
Por consequência, do ponto de vista do processo de produção, é preciso distinguir as duas partes que integram o capital: o capital constante, desprendido para a compra dos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias primas, etc), cujo valor passa sem se alterar (de uma só vez ou por partes) para o produto acabado, e o capital variável, empregado no pagamento da força de trabalho.
O valor desta parte do capital hão permanece invariável; ele cresce no processo do trabalho, criando a mais-valia. Para se exprimir o grau de exploração do trabalho pelo capital, é preciso, pois, comparar a mais-valia não com o capital total mas com o capital variável. A taxa de mais-valia, nome dado por Marx a esta relação, será, no nosso exemplo das 12 horas de jornada, de 6/6, ou seja de 100%.
A condição histórica necessária para o aparecimento do capital consiste, em primeiro lugar, na acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mãos de particulares, numa etapa da produção das mercadorias, já relativamente elevada; em segundo lugar na existência de operários “livres”, em duas acepções da palavra: livres de toda coerção e de toda restrição na venda de sua força de trabalho e, em segundo lugar, livres por que sem terras e sem meios de produção em geral, operários sem mestres, “proletários” que não podem subsistir a não ser vendendo a sua força de trabalho.
A elevação da mais-valia é possível graças a dois meios essenciais: a prolongação da jornada de trabalho (“mais-valia absoluta”) e a redução do tempo de trabalho necessário (“mais-valia relativa”). Marx, analisando o primeiro desses meios, esboça um quadro grandioso da luta da classe operária pela redução da jornada de trabalho, com a intervenção do Estado, pelo prolongamento (séculos XIV-XVII) ou para diminuí-la (legislação das fábricas, no século XIX). Desde a publicação de O Capital, a história do movimento operário em todos os países civilizados forneceu uma multidão de fatos novos que ilustram aquele quadro.
Na sua análise da produção da mais-valia relativa, estuda Marx os três estágios históricos essenciais da elevação do rendimento do trabalho por obra do capitalismo: 1.º — a cooperação simples; 2.° — a divisão do trabalho e a manufatura e 3.° — as máquinas e a grande indústria. A profundeza com que Marx analisa os três períodos revelando os traços fundamentais e típicos do capitalismo, aparece, entre outros, no fato de que o estudo da chamada indústria artesã da Rússia forneceu uma documentação muito abundante para ilustrar os dois primeiros desses três estágios. Quanto à ação revolucionária da grande indústria de máquinas, examinada por Marx, em 1867, ela se manifestou no curso dos cinquenta anos posteriores, nos vários países “novos” (Rússia, Japão, etc).
Em seguida, o que é importante em Marx e desconhecido completamente antes dele é a análise da acumulação do capital, ou seja, a transformação de uma parte da mais-valia em capital, e o emprego deste, não para satisfazer as necessidades ou caprichos do capitalista, mas novamente para produzir. Marx analisou o erro de toda a economia política clássica anterior (desde Adam Smith) segundo a qual toda a mais-valia transformada em capital se destina a ser capital variável, enquanto que, na realidade, ela se decompõe em meios de produção e mais capital variável. O crescimento mais rápido da parte do capital constante (dentro da soma total do capital) em relação à parte do capital variável tem uma importância primordial no processo do desenvolvimento do capitalismo e de sua transformação em socialismo.
Acelerando a anulação dos operários pela máquina e criando num pólo a riqueza e noutro a miséria, a acumulação do capital dá nascimento também ao que se chama o “exército de reserva do trabalho”, o “excedente relativo” de operários, a chamada “super-população capitalista”, que toma formas extremamente variadas e que permite ao capital desenvolver mais rapidamente a produção. Esta possibilidade, combinada com o crédito e com a acumulação do capital na parte relativa aos meios de produção, dá-nos, entre outras, a explicação das crises de super-produção que sobrevêm periodicamente, nos países capitalistas, aproximadamente, a princípio em cada dez anos, depois em intervalos menos próximos e menos fixos. É preciso distinguir a acumulação do capital baseada no capitalismo, da acumulação dita primitiva, caracterizada pela separação violenta do trabalhador (artesãos) dos meios de produção, pela expropriação dos camponeses expulsos de suas terras, pelo roubo das terras comunais, pelo sistema colonial, pelas dívidas do Estado, tarifas protecionistas, etc. A “acumulação primitiva” cria, num pólo, o proletariado “livre” e, noutro, o detentor do dinheiro, o capitalista.
A tendência histórica da acumulação capitalista é caracterizada por Marx nestes termos famosos:
“A expropriação dos produtores diretos faz-se com o vandalismo mais impiedoso e sob a pressão das paixões as mais infames, mais ignóbeis, mais mesquinhas e mais odientas. A propriedade privada, ganha pelo trabalho pessoal (do camponês e do artesão)(30) e que é baseada na inter-penetração, podemos dizer, do trabalhador individual com as suas condições de trabalho, é suplantada pela propriedade privada capitalista que repousa sobre a exploração do trabalho de outros indivíduos que não são livres senão formalmente.
Trata-se agora de expropriar não o operário que se explora a si mesmo, mas o capitalista que explora numerosos operários.
Esta expropriação opera-se pelo jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a esta centralização, isto é, à expropriação de muitos capitalistas por alguns, desenvolvem-se a forma cooperativa no processo do trabalho, numa escala cada vez maior, a aplicação racional da ciência à técnica, à exploração sistemática do solo, à transformação dos meios particulares de trabalho em meios que não podem ser utilizados a não ser em comum, a economia de todos os meios de produção pela sua utilização com meios de produção de um trabalho social combinado, a entrada de todos os povos no sistema do mercado mundial, e, em consequência, o caráter internacional do regime capitalista. À medida que diminui, cada vez mais, o número dos potentados do capital, que usurpa e monopoliza todas as vantagens desse processo de transformação, crescem, em volume, a miséria, a opressão, a escravidão, a degenerescência, a exploração, bem como, igualmente, a revolta da classe operária, que cresce sem cessar e que é instruída, unida e organizada pelo mecanismo mesmo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se o entrave do modo de produção que prosperou com ele e por sua causa. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a um ponto tal que elas não se acomodam mais em seu envoltório capitalista e fazem-no romper. A última hora da propriedade privada capitalista soou. Os expropriadores são expropriados”(31).
A seguir, o que há de novo e de muito importante é a análise feita por Marx no livro II de O Capital, da reprodução do capital social, tomado em seu conjunto. Ainda aqui, ele considera não um fenômeno individual mas um fenômeno geral, não uma fração da economia social, mas a economia em sua totalidade. Citando o erro dos clássicos, mencionados acima, Marx divide toda a produção social em duas grandes secções: 1.ª — a produção dos meios de produção, e 2.ª — a produção dos objetos de consumo; depois disso, com o apoio de dados numéricos, ele estuda minuciosamente a circulação do conjunto do capital social, tanto na reprodução simples, como na acumulação. No tomo III de O Capital encontra-se resolvido, de acordo com a lei do valor, o problema da taxa média de lucro. Um progresso considerável foi realizado na ciência econômica, pelo fato de que, na sua análise, Marx parte de fenômenos econômicos de massa, do conjunto da economia social, e não de casos isolados, nem pelo simples aspecto exterior, superficial, da concorrência, a que se limita a economia política vulgar ou a teoria moderna da “utilidade final”. Marx analisa antes de mais nada a origem da mais-valia para, somente depois, examinar a sua decomposição em lucro, juro e renda territorial. O lucro é a relação da mais-valia com o conjunto do capital empregado numa empresa. O capital de “elevada composição orgânica” (ou seja, quando o capital constante ultrapassa o capital variável em proporções superiores à média social) fornece uma taxa de lucro inferior à média. Os capitais de “baixa composição” dão uma taxa de lucro superior à média. A concorrência entre os capitais, a sua livre passagem de um ramo para outro, reduzem, nos dois casos, a taxa de lucro à taxa média. A soma dos valores de todas as mercadorias, numa sociedade dada, corresponde à soma dos preços das mercadorias, mas, em cada empresa e em cada ramo de produção tomado à parte, sob a influência da concorrência, as mercadorias são vendidas, não pelo seu valor, mas pelo preço de produção, correspondente ao capital despendido, acrescentando-se o lucro médio.
Assim, a diferença entre o preço e o valor e a diferença na distribuição do lucro entre os diferentes capitais, fato incontestável e conhecido de todos, são perfeitamente explicadas por Marx por meio da lei do valor, pois a soma dos valores de todas as mercadorias corresponde à soma de todos os seus preços. Mas a redução do valor (social) aos preços (individuais) não se opera de modo simples e direto, seguindo, pelo contrário, uma via complicada; é muito natural que, numa sociedade de produtores de mercadorias dispersos e que não são ligados entre si a não ser pelo mercado, possam as leis se exprimir apenas sob uma forma média, social, geral, pela eliminação recíproca das diferenças individuais, tanto de um lado como de outro.
O aumento da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital constante em relação ao variável. Ora, sendo a mais-valia função apenas do capital variável, compreende-se que a taxa de lucro (a relação da mais-valia com o conjunto do capital e não com a parte variável somente) sofra uma tendência para baixar. Marx analisa minuciosamente esta tendência bem como as inúmeras circunstâncias que a encobrem ou a contrariam.
Sem nos prendermos a reproduzir os capítulos extremamente interessantes do livro III, consagrados ao capital usurário, ao capital comercial e ao capital dinheiro, abordaremos aqui o essencial para nossa exposição: a teoria da renda territorial.
A superfície do solo sendo limitada e, nos países capitalistas, inteiramente ocupada por proprietários particulares, o preço de produção dos produtos da terra é determinado de acordo com as despesas de produção de um terreno não da qualidade média mas da pior, e com as condições de transporte dos produtos para o mercado — as mais desfavoráveis e não as médias. A diferença entre este preço de venda e o preço de produção num terreno de qualidade superior (ou em melhores condições) é o que se chama de renda diferencial.
Por uma análise detalhada deste tipo de renda, demonstrando que ela provém da diferença de fertilidade dos terrenos e da diferença entre os capitais empregados na cultura, merecendo atenção particular a crítica feita a Rodbertus, Marx esclarece plenamente o erro de Ricardo, que pretendia que a renda diferencial se obtém apenas pela passagem dos terrenos melhores para os terrenos de qualidade inferior. Ao contrário, produzem-se, igualmente, modificações inversas, os terrenos de uma certa categoria se transformam em terreno de outra categoria (em virtude do progresso da técnica agrícola, do crescimento das cidades, etc.) — e verifica-se que a famosa “lei da fertilidade decrescente do solo” se revela profundamente errada ao pretender levar à conta da natureza os defeitos, as limitações estreitas, e as contradições do capitalismo. Além disso, a igualdade de lucro em todos os ramos da indústria e da economia nacional em geral, supõe uma completa liberdade de concorrência, a liberdade de transferir o capital de um ramo para outro. Mas a propriedade privada do solo cria um monopólio e um obstáculo a esta livre transferência. Em consequência desse monopólio, os produtos da agricultura, a qual se distingue por uma baixa composição orgânica do capital e que, devido a isso, dá uma taxa de lucro individual mais elevada, não influenciam o “livre jogo” do nivelamento da taxa de lucro; o proprietário da terra que temo seu monopólio, pode manter o preço acima da média; esse “preço” de monopólio origina a renda absoluta. A renda diferencial não pode ser abolida no regime capitalista; ao contrário, a renda absoluta pode sê-lo por exemplo com a nacionalização do solo, quando este se torna propriedade do Estado. Passando o solo à propriedade do Estado, dar-se-ia a supressão do monopólio dos proprietários privados e uma liberdade de concorrência mais consequente e mais completa na agricultura. Eis porque, diz Marx, os burgueses radicais, mais de uma vez na história, formularam essa reivindicação burguesa, progressista, da nacionalização do solo que, não obstante, assusta a maioria da burguesia, pois ela “toca” de muito perto, a um outro monopólio que, em nossos dias, é particularmente importante e sensível: o monopólio dos meios de produção em geral. Essa teoria do lucro médio e da renda territorial absoluta, foi exposta por Marx, numa linguagem marcadamente popular, concisa e clara, nas suas cartas a Engels, de 2 a 9 de agosto de 1862(32). Importa-nos igualmente assinalar, com referência a renda territorial, a análise de Marx sobre a transformação da renda-trabalho (que nasce quando o camponês, trabalhando a terra do senhor, cria um produto suplementar), em renda-produto ou renda-natureza (quando o camponês cria, em sua terra, um produto suplementar que cede ao proprietário devido à “coerção não-econômica”) e, mais tarde, em renda-dinheiro (a própria renda-natureza se transformando em dinheiro — chamada “foro”, na antiga Rússia — devido ao desenvolvimento da produção das mercadorias); e, finalmente, a transformação em renda capitalista quando, em lugar do camponês, intervém na agricultura o patrão, que cultiva a terra com o auxílio do trabalho assalariado. Ligada a esta análise da “Gênese da renda territorial capitalista”, assinalamos uma série de profundos pensamentos de Marx, particularmente importantes para os países atrasados, tais como a Rússia, sobre a evolução do capitalismo na agricultura.
“Constitui-se ao mesmo tempo, e às vezes anteriormente, uma classe de trabalhadores sem-terra e que trabalham por salário. Enquanto se vai constituindo esta nova classe (e se manifestando ainda apenas esporadicamente) os camponeses abastados e que dependem da renda, necessariamente adquirem o hábito de explorar, por sua própria conta, os assalariados agrícolas, tal como no regime feudal os servos mais abastados exploravam os outros servos. Daí surge a possibilidade de acumular, pouco a pouco, uma certa fortuna e de se transformar em futuros capitalistas. Entre os antigos exploradores, donos da terra, cria-se, assim, um surto de fazendeiros capitalistas, cujo desenvolvimento é condicionado pelo crescimento geral da produção capitalista, fora da agricultura(33)
“A expropriação e a exploração da lavoura por uma parte da população rural criam, não somente um excedente de operários, de meios de subsistência e de trabalho a serem utilizados pelo capital industrial como também: criam o mercado interno”(34).
A pauperização e a ruína da população dos campos, geram, por sua vez, o exército de reserva do capital. Por isso, em todos os países capitalistas…
…”uma parte da população dos campos se prepara continuamente para passar ao proletariado urbano ou manufatureiro (manufatura no sentido geral de não agrícola)… Essa fonte de super-população relativa nunca se esgota. Por conseguinte, o operário agrícola recebe um salário cada vez menor e tem sempre um pé atolado no pauperismo(35).
A propriedade privada da terra pelo camponês, que a cultiva, constitui a base da pequena produção, a condição de sua prosperidade e de seu desenvolvimento até a forma clássica. Esta pequena produção, contudo, não é compatível senão com os quadros primitivos e estreitos da produção e da sociedade. No regime capitalista, a exploração dos camponeses…
“…distingue-se da do proletariado industrial apenas na sua forma. O explorador é o mesmo — o capital. Os capitalistas isolados exploram os camponeses isolados pela hipoteca e pela usura. A classe capitalista explora a classe camponesa, pelos impostos…(36).
“O pedaço de terra que pertence ao camponês é apenas um pretexto que permite ao capitalista tirar da terra lucro, juro e renda, deixando àquele a obrigação de procurar uma saída para conseguir o seu salário”(37).
O camponês perde, comumente, para a sociedade capitalista, isto é, para a classe dos capitalistas, uma parte de seu salário, caindo assim,
“nas condições do rendeiro irlandês e tudo irá se ele mantiver a aparência de proprietário privado”(38).
Qual é “uma das razões que fazem com que, nos países em que a pequena propriedade predomina, o preço do trigo seja menos elevado que nos países de modo de produção capitalista?”(39).
A resposta é que o camponês fornece gratuitamente à sociedade (isto é, à classe dos capitalistas) uma parte do sobre-produto.
“O preço pouco elevado resulta, pois, da pobreza dos produtores e não da produtividade de seu trabalho”(40).
No regime capitalista, a pequena propriedade agrícola forma normal da pequena produção, vegeta, decompõe-se e morre.
“Por sua própria natureza, a pequena propriedade exclui: o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração social dos capitais, o cultivo em grande escala, a utilização progressiva da ciência.
A usura e o sistema fiscal não podem fazer senão arruiná-la para sempre. O capital investido na compra da terra é retirado à custa da produção. Os meios de produção são divididos ao infinito. Os produtores tornam-se esparsos (as fazendas cooperativas, isto é, as associações de pequenos camponeses que desempenham um papel burguês progressista dos mais consideráveis, fazem enfraquecer esta tendência sem, entretanto, a suprimirem: é preciso, igualmente, não esquecer que essas fazendas cooperativas trazem muitas vantagens aos camponeses abastados, mas muito pouco, ou quase nada, à massa dos camponeses pobres, além de que, estas associações, acabam por explorar, elas próprias, o trabalho assalariado)(41). Há um desperdício enorme de força humana. A operação progressiva das condições de produção e o encarecimento dos meios de produção são leis necessárias à pequena propriedade”(42).
Tanto na agricultura como na indústria, a transformação capitalista do modo de produção aparece somente como o “matirológio dos produtores”…
“As grandes massas de operários agrícolas dispersam-se, perdendo de um golpe a sua força de resistência, enquanto que aumenta, pela concentração, a força dos operários das cidades. Como acontece na indústria urbana, o aumento da força produtiva e o rendimento superior do trabalho na agricultura moderna são conseguidos ao preço da devastação e do esgotamento da própria força de trabalho. E todo o progresso da agricultura capitalista não é somente um progresso na arte de espoliar o operário, mas também na arte de esgotar a terra… A produção capitalista não desenvolve, pois, a técnica e o complexo do modo de produção capitalista, a não ser minando, ao mesmo tempo, as fontes de onde provêm toda a riqueza: a terra e o operário”(43).