A encruzilhada coreana segundo um reacionário representante do imperialismo espanhol (Associação de Nova Democracia, Alemanha)

Tradução não-oficial.

Nota da Associação de Nova Democracia Nuevo Peru (Hamburgo, Alemanha): Continuando publicamos um artigo de Eugenio Bregolato, ex-embaixador da Espanha na China, como “Carta Chinesa” publicada na revista Política Exterior, Vol. XXXI, julho/agosto de 2017, Nº. 178, revista que representa de forma não-oficial as posições do imperialismo espanhol em política exterior e que publica frequentemente artigos favoráveis aos interesses dos social-imperialistas chineses, pelo que parece-nos que recebe algum tipo de reconhecimento por parte dos lobistas chineses.

Também é necessário anotar que o Presidente Gonzalo em diversas oportunidades referiu-se à forma de governo estabelecida desde os tempos de Kim Il-Sung, como “essa realeza ridícula estabelecida por Kim”.



De outra forma, a causa do povo patriótico da Coreia contra o imperialismo ianque e em defesa da pátria, pela saída de todas as tropas estrangeiras de seu território e a reunificação pacífica da península da Coreia, é justa, mas isso não pode levar-nos a evitar o caráter aventureiro de algumas demonstrações do máximo representante da RPDC. Bom, disso há experiências históricas e se verá mais tarde.

Aqui apresentamos, um tanto resumida, a referida Carta cujo interesse reside nos fatos que aportam e que confirmam nossa posição maoísta a respeito deste ponto candente da situação internacional.


Carta Chinesa

A encruzilhada coreana

Confirmadas as conclusões alcançadas por seus antecessores, é improvável que Donald Trump decida utilizar a opção militar com Pyongyang. A via diplomática é o único caminho sensato.

Eugenio Bregolato (diplomata que foi embaixador da Espanha na China durante três distintos períodos, 1978-91, 1999-2003 e 2011-2013). Carta entregue em 30 de maio.

(…) a ideologia oficial de Juche predica uma autarquia extrema. Durante 1.000 anos a Coreia tentou livrar-se da influencia da China, a qual foi tributária, e do Japão, que invadiu várias vezes e a converteu em uma colônia entre 1910 e 1945. A Coreia resistiu ferozmente ao contato com o Ocidente desde a chegada dos primeiros comerciantes e missionários. Tudo isso, mais a guerra de 1950-53 – um dos capítulos mais quentes da Guerra Fria – desembocou no nacionalismo radical (…), que converteu a RPDC no país mais isolado do mundo justamente conhecido como o “reino eremita”.

Kim Jong-un introduziu certas reformas de mercado, parecidas às da China ou Vietnã. O setor privado hoje emprega em torno de 40% da população. Os funcionários toleram as mudanças de comissões. Os salários subiram nos últimos 10 anos em 250% no setor estatal e 1200% no setor privado. Foram criadas 24 zonas econômicas especiais. Em Pyongyang há carros e edifícios modernos. Em abril, Kim Jong-un inaugurou uma zona de arranha-céus, alguns de 70 metros de altura, na avenida Ryomyong, no centro da capital. Segundo Financial Times: “A RPDC iniciou o caminho da feudalidade para o capitalismo de ‘amiguetes’”. Essas medidas econômicas reforçam o regime e fazem mais difícil a pressão do exterior.

Nos anos 80, a RPDC iniciou seu programa de armas nucleares. Em 1985, firmou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Depois de diversos desacordos com o Organismo Internacional de Energia Atômica (OIEA) e o anseio de Pyongyang para retirar-se do TNP, em 1992 assinou o acordo marco, pelo que os Estados Unidos comprometiam-se a fornecer dois reatores de água leve para a RPDC para mudança de seu desarme nuclear. Em 1994, o ex-presidente Jimmy Carter visitou a Kim Il-Sung, sem que ficasse claro se se tratou de uma iniciativa pessoal ou se era parte do esforço da administração estadunidense para dissuadir o líder norte-coreano de seus projetos nucleares. O acordo marco acabou naufragando entre recriminações mútuas das partes.

Em 2000, com Bill Clinton na Casa Branca, a secretaria de Estado Magdeleine Albright viajou para Pyongyang, no marco das reiniciadas negociações entre USA e a RPDC para conseguir o desarme nuclear e o cessar do programa de misseis desta última. Finalmente, não houve acordo nem visita. George W. Bush incluiu a RPDC no “eixo do mal” em 2002, exacerbando a paranoia de Kim Jong-Il, que respondeu intensificando seu programa de enriquecimento de plutônio, contando com tecnologia paquistanesa. Em 2006, efetuou sua primeira prova nuclear. Barack Obama praticou uma política de “paciência estratégica” a respeito da RPDC. Em 2009, o ex-presidente Clinton viajou em missão humanitária para Pyongyang e conseguiu a libertação de dois estudantes estadunidenses detidos. Se encontrou com Kim Jong-il e é previsível que a questão nuclear foi tratada, quer tenha levado ou não mensagem de Obama.

Tanto Clinton como Bush plantearam a possibilidade de um golpe cirúrgico para eliminar as instalações nucleares e impedir que Pyongyang chegasse a produzir armas atômicas. Depois de pesar custos e riscos, rejeitaram essa opção. A aglomeração de Seul, que conta com 25 milhões de habitantes, a metade da população da Coreia do sul, se encontra a 50 quilômetros da fronteira de Panmunjon. O horror de um ataque norte-coreano com armas convencionais resultava inaceitável para Seul. Também para Washington, que além de não poder impor este custo a seu aliado, sofreria também baixas entre os 28 mil militares estadunidenses implantados no país. O Japão, outro aliado do USA, fica igualmente ao alcance dos mísseis norte-coreanos. Por outro lado, a China não toleraria que uma Coreia reunificada regida por um Seul aliado do USA se estenda até o rio Yalú, a fronteira chino-coreana. Para evitá-lo, travou uma guerra contra o USA no inicio da década de 50.

Se o custo de um ataque para evitar que a RPDC se converta em potencia nuclear era então proibido, o é mais ainda agora, quando se supõe pôr em torno de uma dezena de inteligências nucleares, dispersos e bem ocultos. O desenvolvimento de foguetes de alcance cada vez maiores, que podem chegar a ameaçar o território do USA dentro de poucos anos, complica ainda mais a situação. Donald Trump começou a dizer que havia acabado a “paciência estratégica” de Obama e que não toleraria o desenvolvimento de misseis de capazes de golpear o USA. Mais adiante, declarou-se disposto a reunir-se com Kim Jong-un “caso se deem as condições adequadas”. Parece que lhe explicaram os custos de uma ação militar, agravados agora que Pyongyang conta com armas nucleares em seu arsenal, e que Trump entendeu, como seus antecessores na Casa Branca, que é a opção diplomática a melhor. Como em quase todas as questões de politica exterior, na medida que Trump descobre complexas realidades, vai aceitando o convencional wisdom que negou durante a campanha presidencial.

O interesse vital da RPDC reside na conservação do regime, e o de Kim Jong-un em manter seu poder estatal – a singular monarquia hereditária (…)Vendo as experiências de Saddam Hussein e de MuamarelGadafi, o ditador norte-coreano entende que a posse de armas nucleares é a melhor forma de garantir que não seguirá a sorte daqueles.

A China entende que seus interesses vitais exigem a conservação de um Estado tampão norte-coreano, pelo menos enquanto a Coreia do Sul siga aliada com o USA e albergue tropas estadunidenses. A fronteira com a Coreia, de 1.400 quilômetros, é a rota da invasão da China utilizada pelo Japão para conquistar a Manchúria nos anos 30 do século XX. A China quer evitar também o incontível aumento de refugiados que podem entrar através dessa fronteira, em caso de afundamento do regime norte-coreano, assim como as eventuais loucuras que pode cometer uma RPDC encurralada. Não se pode esperar, portanto, que Pequim tente provocar, supondo possível, a desestabilização do regime.

Que a China tem uma capacidade de influência sobre a RPDC maior que a de qualquer outro país é evidente. Mais isso não significa que pode obrigá-la a seguir uma política determinada, em especial a desnuclearizar-se, quando o regime coreano e seu máximo dirigente consideram que a arma nuclear é seu seguro de vida. Se a China pudesse impor sua vontade para a RPDC, nunca haveria permitido o desenvolvimento de arma nuclear, já que isso pode ser conduzido pelo Japão, Coreia do Sul, e inclusive Taiwan, para também dotarem-se de armas atômicas. De momento, o USA já instalou um sistema antimísseis na Coreia do Sul (Thaad), provocando o alarde de Pequim (e Moscou) e uma importante deterioração das relações com Seul. Trump reconheceu e agradeceu o esforço da China de ajudar com a RPDC, ainda que não tenha dado resultado.

Ninguém sabe qual será a resposta final de Trump para o desenvolvimento de misseis por Pyongyang que em poucos anos podem alcançar o território americano. (…)

Diante do prejuízo que ocasiona a política nuclear e o desenvolvimento dos misseis norte-coreanos, a China votou nas Nações Unida a favor das sanções a Pyongyang. A imprensa chinesa acusa o programa nuclear norte-americano de ameaça aos interesses nacionais. O Diário do Povo, órgão do PCCH, chama a RPDC de “obstinada: como uma pessoa viciada em drogas, em que não pode-se falar de forma razoável. Agora traçou uma linha com seu programa nuclear e quem se opõe a ela é seu inimigo. Assim, a RPDC não tem amigos, faz do mundo seu inimigo em troca de ter armas nucleares”. A imprensa norte-coreana criticou a China pelo seu nome, em vez de referir-se como “um país vizinho” ou “uma grande potencia”, algo insólito. A Agência de Noticias Central da Coreia escreveu: “A China dança a musica que o USA toca. A RPDC nunca mendigará a amizade com a China a preço de se pôr em risco seu programa nuclear, tão precioso como sua própria vida”. Ainda que o desencontro seja evidente, a China atua com cautela, tentando conciliar a pressão e a persuasão, ao passo que evita prejudicar a estabilidade do regime coreano.

A China disse que “pode facilitar um arranjo negociado, mas não pode impô-lo. Para que as negociações deem resultado, a RPDC e, sobretudo o USA devem mover fichas”. A volta da via diplomática, quer seja retomando as velhas negociações “a seis” ou sob outro formato, parece razoável. Pra que a RPDC renuncie a seu programa nuclear e de misses, ou para conseguir que destrua as inteligências nucleares já produzidas, haveria que dar para Pyongyang garantias de que não tentaria derrubar o regime, assim como ajuda econômica, e tanto Washington como Pequim são indispensáveis, tanto para reconduzir a conduta de Pyongyang como para evitar um cenário de conflito entre eles.

Entre os conselheiros de Trump, encontram-se alguns radicais anti-chineses, começando por Steven Bannon, para quem um conflito entre USA e China é inevitável nos próximos 10 anos e “é melhor travá-lo enquanto o USA dispõe ainda de superioridade militar”. Também disse que “sanções econômicas mais duras contra a China são necessárias, não apenas para reequilibrar a balança comercial, mas também para debilitar o poder militar na China”. Os que compartilham esta logica podem ver na RPDC uma recusa para precipitar o conflito com a China. Como podem ver também nos contenciosos dos mais adjacentes a China ou em Taiwan. É de esperar que elementos mais sensatos do entorno de Trump sigam prevalecendo.

(Política Exterior, VOL. XXI, julho/agosto 2017, NUM.178, Carta da China: a encruzilhada coreana, páginas 24 a 29, por Eugenio Bregolat, diplomata, embaixador da Espanha na China de 1987-91, 1999-2003 e 2011-13. Carta entregue em 30 de maio)

(…)