“Carta dos 100” – Em defesa do Partido (1961)

Pedro Pomar e Maurício Grabois

Nota do blog: Pedro Pomar teve destacado papel no combate à linha direitista de Prestes quando, em 1960, após o V Congresso realizado no mesmo ano, esta manobrou negando os princípios do marxismo, suprimindo qualquer referência ao marxismo-leninismo, à ditadura do proletariado e ao internacionalismo proletário do novo programa e estatuto.

Quando a esquerda do Partido lança o pronunciamento “Em Defesa do Partido”, conhecida como a “Carta dos 100”, Pomar esteve entre seus quadros e teve grande importância. Esta foi a reação da linha proletária do PCB à ofensiva revisionista da camarilha de Prestes, e resultou na expulsão da esquerda e na consequente reconstrução do Partido com a sigla PCdoB, logrando sua constituição como Partido Comunista marxista-leninista.

Conforme estabeleceu o Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoismo:

“A carta denuncia os ataques ao Partido pelos revisionistas e identifica estas posições como tendo suas raízes no XX Congresso e na corrente liquidacionista de Barata. O Comitê Central prestista reage punindo aqueles militantes e, no final de 1961, a direção do Partido Comunista Brasileiro expulsa Grabois, Pomar, Amazonas, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli, Calil Chade, entre outros”. “Diante da destruição orgânica do Partido pela camarilha revisionista de Prestes, coube à fração proletária assumir a sua reconstrução”.

Reproduzimos a “Carta dos 100” dada sua importância, como parte da forja do grande dirigente comunista Pedro Pomar.

Por ocasião do 104º aniversário do natalício do grande dirigente comunista camarada Pedro Pomar – 23 de setembro de 1913.


Em defesa do Partido

Carta dos Cem – 1961

Com o fim de esclarecer os nossos leitores sobre o processo de luta interna que vem se processando nas fileiras comunistas, a redação de A Classe Operária decidiu publicar a carta que cerca de 100 conhecidos militantes e dirigentes comunistas enviaram, em agosto do ano passado, ao antigo Comitê Central. Esse documento, redigido em termos fraternais, como exigem as justas relações entre comunistas, solicitava que a direção partidária tornasse sem efeito decisões por ela adotadas a respeito da criação de um novo partido e que feriam resoluções do 5º Congresso. A antiga direção do PCB respondeu a essa solicitação com arbitrárias medidas administrativas. Tomando conhecimento dessa carta, os comunistas e os trabalhadores poderão julgar da conduta dos seus signatários e dos dirigentes do atual Partido Comunista Brasileiro. (A Classe Operária, abril de 1962)

Ao Comitê Central do Partido Comunista do Brasil

O suplemento de Novos Rumos, de 11/8/61, publica o Programa e os Estatutos de um chamado Partido Comunista Brasileiro. O camarada Prestes, em manifesto dirigido ao povo, estampado no mesmo jornal, diz que aqueles documentos serão encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral, visando ao registro de tal partido.

Esses documentos constituem, a nosso ver, violação frontal dos princípios partidários, aberta infração das decisões do 5º Congresso, ferem a disciplina e atingem a própria unidade do Partido. O artigo 32 dos Estatutos diz: “(…) As decisões do Congresso são obrigatórias para todo o Partido e não podem ser revogadas, no todo ou em parte, senão por outro Congresso (…)”. No entanto, o Comitê Central alterou o nome do Partido, modificou profundamente os Estatutos e apresentou um novo programa, atribuições exclusivas do Congresso, exorbitando, assim, as suas funções. O 5º Congresso autorizou tão-somente o Comitê Central a introduzir, para fins de registro no TSE, as modificações exigidas pela Lei, tais como a destinação do patrimônio do Partido em caso de sua dissolução, a designação dos delegados junto aos tribunais e juízes eleitorais, a afirmação de que os membros do Partido não respondem pelas obrigações financeiras deste etc.; o que não constava dos Estatutos aprovados naquele Congresso.

Tanto o Programa quanto os Estatutos, a serem apresentados à Justiça Eleitoral, referem-se ao Partido Comunista Brasileiro. Trata-se, portanto, de alteração do nome do nosso Partido, assunto não submetido ao Congresso e que nem consta de suas resoluções. O Comitê Central não apresentou qualquer justificativa. É certo que em determinadas circunstâncias se torna necessário mudar o nome do Partido. Tudo depende, porém, das condições concretas e das peculiaridades da revolução. Mas sempre como decorrência de decisão do Congresso. Quais os fatos que impõem no Brasil a modificação do nome da organização partidária dos comunistas? A mudança realizada, do ponto de vista da língua, não tem qualquer significação. Mas no que se relaciona ao aspecto político, essa alteração aparentemente pequena é uma séria concessão às forças reacionárias. Os elementos mais retrógrados do país, em sua luta sistemática contra a vanguarda revolucionária da classe operária, desde 1945, vinham afirmando que o fato de o nosso Partido ter como designação Partido Comunista do Brasil e não Partido Comunista Brasileiro significava que o Partido não era brasileiro, mas sim um instrumento da política externa da União Soviética. Tergiversação tão cretina que jamais encontrou eco no seio do povo. Os acontecimentos se encarregaram de refutar aquela calúnia estúpida, mostrando que o Partido Comunista do Brasil é um partido patriótico por excelência, o melhor, o mais abnegado e o mais conseqüente defensor dos interesses dos trabalhadores. Justamente por essa razão, sempre manteve sólidos laços de amizade e solidariedade com o Partido Comunista da União Soviética; destacamento mais experiente e provado do movimento comunista internacional. Ao introduzir a modificação no nome do Partido, o Comitê Central dá margem a explorações e fornece elementos para justificar uma das mais infames calúnias dirigidas contra os comunistas brasileiros.

É sumamente ridículo pensar que a legalização do Partido está na dependência de chamar-se Partido Comunista Brasileiro e não Partido Comunista do Brasil. O argumento de que seria necessário outro nome para solicitar novo registro do Partido, porque o Tribunal havia cassado o seu registro com o antigo nome, não procede. Não foi por esse motivo que o TSE pôs na ilegalidade o Partido. Serviu de pretexto a acusação infundada de que o Partido não satisfazia às exigências do artigo 141, § 13 da Constituição da República. Neste caso, então, se existem as condições políticas para o registro do Partido, seria suficiente reafirmar expressamente que o Partido defende a pluralidade dos partidos e respeita os direitos fundamentais do homem.

Na realidade, essa alteração tem sentido mais grave – procura-se registrar um novo partido, com programa e estatutos que nada têm a ver com o verdadeiro Partido Comunista. O que os comunistas desejam e a classe operária e o povo aspiram é a legalização do seu velho e tradicional Partido que durante mais de 39 anos luta pela democracia, pela libertação nacional, pelo bem-estar dos trabalhadores e por transformações revolucionárias na sociedade brasileira, tendo em vista alcançar o socialismo e o comunismo. A luta pela legalidade do Partido é uma luta política e não pode ser feita escondendo-se seus objetivos, sua doutrina e suas tradições.

Assim pensando, não podemos concordar com a alteração do nome do nosso glorioso Partido.

Outra questão de princípio diz respeito ao Programa, cuja aprovação é também de competência exclusiva do Congresso. O documento dado à publicidade em Novos Rumos como sendo o programa dos comunistas é a negação do Partido revolucionário do proletariado em troca de uma hipotética legalidade. O programa em apreço é uma renúncia completa aos princípios. Inadmissível sob qualquer alegação. É um programa inaceitável para um partido operário, próprio de um partido burguês, menos avançado que os programas do PTB e do PSB. O referido programa não foi aprovado no 5º Congresso do Partido. Este, limitou-se a elaborar uma Resolução Política.

Agora, o Comitê Central apresenta um programa do qual eliminou as formulações mais radicais que se pode ainda encontrar na Resolução Política do 5º Congresso. Veja-se, por exemplo, o problema da reforma agrária. Enquanto a Resolução diz que os comunistas têm o dever de lutar à frente das massas camponesas por uma reforma agrária que liquidasse o monopólio da propriedade da terra pelos latifundiários, o programa do Partido Comunista Brasileiro refere-se de maneira genérica à “efetivação da reforma agrária em todo país” e apresenta medidas parciais menos avançadas do que as propostas no projeto do deputado Joffily, o qual conta com o inteiro apoio do governo federal. Por um imperativo da disciplina partidária somos obrigados a acatar a resolução Política do 5º Congresso, a lutar por sua aplicação. Mas nada nos obriga a aceitar um condensado reformista das medidas nela expostas como Programa do Partido, uma vez que o 5º Congresso não tomou qualquer deliberação a esse respeito.

Além disso, modificações foram introduzidas nos objetivos programáticos finais do Partido. O 5º Congresso abordou essa questão nos Estatutos, no qual está claramente expresso que o “objetivo programático final do Partido Comunista do Brasil é o estabelecimento do socialismo e do comunismo”. Agora, tanto o Programa quanto os Estatutos do Partido Comunista Brasileiro dizem que esse partido tem “como objetivo final o estabelecimento do socialismo”. Por que o comunismo foi excluído como objetivo? Procurando ganhar as boas graças da Justiça Eleitoral, o Comitê Central fala vagamente em socialismo, palavra que, desprovida de seu conteúdo, hoje qualquer burguês mais ou menos perspicaz acena demagogicamente para iludir as massas que despertam para o verdadeiro socialismo vitorioso em países com uma população de mais de um bilhão de pessoas. Se na época em que Marx viveu o comunismo ainda era meta a alcançar, objetivo remoto que o Partido operário incluía em seu programa, na atualidade, quando a sociedade comunista está sendo construída na União Soviética, é um absurdo esconder esse objetivo. O programa é para nós comunistas uma questão vital. A opinião pública brasileira encontra-se completamente confundida sobre os verdadeiros fins e o modo de atuar do Partido. Nestas condições, é necessário ter um programa claro e preciso. Não cabem as omissões nem a dubiedade. Mais do que nunca precisamos ter em conta os ensinamentos de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: “Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins”.

Assim pensando, não podemos concordar com o Programa do chamado Partido Comunista Brasileiro.

O mesmo espírito de capitulação se observa nos Estatutos. Questões de princípio, essenciais, foram postas de lado, silenciadas de modo oportunista.

Agosto de 1961


[*] (Documento publicado no jornal A Classe Operária, em abril de 1962.)