Nota do blog: Elegemos dois importantes capítulos desta imperecível obra do dirigente comunista Lenin, Que Fazer? (1902) sobre a necessidade e relação entre o elemento consciente(a vanguarda comunista) com o elemento espontâneo(movimento operário), e a necessidade da organização revolucionária – o Partido de Novo Tipo – como organização de chefes, revolucionários experimentados, selecionados e da organização clandestina.
Em celebração do centenário da Grande Revolução Socialista de Outubro, dirigida pelo Partido Comunista (bolchevique) da Rússia sob chefatura do Grande Lenin.
A Espontaneidade das Massas e a Consciência da Socialdemocracia
Dissemos que era necessário animar nosso movimento, infinitamente maior e mais profundo que aquele de 1870-1880, com o mesmo espírito de decisão e a mesma energia sem limites. De fato, até o presente parece que ninguém ainda duvidara de que a força do movimento contemporâneo estivesse no despertar das massas (e principalmente do proletariado industrial), e sua fraqueza residisse na falta de consciência e de espírito de iniciativa dos dirigentes revolucionários.
Nesses últimos tempos, contudo, foi feita uma descoberta espantosa, que ameaça subverter todas as idéias adquiridas sobre este ponto. Esta descoberta é obra do Rabótcheie Dielo que, em sua polêmica com o Iskra e a Zaria, não se ateve a objecções particulares e tentou reconduzir o “desacordo geral” à sua raiz mais profunda: a uma “apreciação diferente da importância relativa do elemento espontâneo e do elemento conscientemente metódico”‘. A tese de acusação do Rabótcheie Dielo expressa o seguinte: “subestimação da importância do elemento objetivo ou espontâneo do desenvolvimento”. (1) Ao que respondemos: se a polémica do Iskra e da Zaria não tivesse outro resultado senão o de levar o Rabótcheie Dielo a descobrir esse “desacordo geral”, este resultado, por si só, dar-nos-ia grande satisfação, a tal ponto esta tese é significativa, e esclarece nitidamente o fundo das divergências teóricas e políticas que separam, hoje, os sociais democratas russos.
Além disso, a questão das relações entre a consciência e a espontaneidade oferece um imenso interesse geral, e exige um estudo detalhado.
a) Ascensão do Espontaneismo
No capítulo anterior assinalamos o entusiasmo generalizado da juventude russa instruída pela teoria marxista, por volta de 1895. Foi também nessa mesma época, que as greves operárias, após a famosa guerra industrial de 1896 em Petersburgo, revestiram-se de um carácter geral. Sua extensão por toda a Rússia atestava claramente a profundidade do movimento popular que de novo surgia, e se falamos do “elemento espontâneo”, é certamente nesse movimento de greves que devemos considerá-lo, antes de tudo. Mas, há espontaneidade e espontaneidade. Houve, na Rússia, greves nas décadas de 1870 e 1880 (e mesmo na primeira metade do século XIX), que foram acompanhadas da destruição “espontânea” de máquinas etc. Comparadas a esses “tumultos”, as greves após 1890 poderiam mesmo ser qualificadas de “conscientes”, tal foi o progresso do movimento operário nesse intervalo. Isto nos mostra que o “elemento espontâneo”, no fundo, não é senão a forma embrionária do consciente. Os tumultos primitivos já traduziam certo despertar da consciência: os operários, perdiam sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprimia; começavam… não direi a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência colectiva, e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades. Era, portanto. mais uma manifestação de desespero e de vingança que de luta. As greves após 1890 mostram-nos melhor os lampejos de consciência: formulam-se reivindicações precisas, procura-se prever o momento favorável, discutem-se certos casos e exemplos de outras localidades etc. Se os tumultos constituíam simplesmente a revolta dos oprimidos, as greves sistemáticas já eram o embrião mas, nada além do embrião – da luta de classe. Tomadas em si mesmas, essas greves constituíam uma luta sindical, mas não ainda social-democrata; marcavam o despertar do antagonismo entre operários e patrões; porém, os operários não tinham, e não podiam ter, consciência da oposição irredutível e de seus interesses com toda a ordem política e social existente, isto é, a consciência social-democrata. Nesse sentido, as greves após 1890, apesar do imenso progresso que representaram em relação aos “tumultos”, continuavam a ser um movimento essencialmente espontâneo.
Os operários, já dissemos, não podiam ter ainda a consciência social-democrata. Esta só podia chegar até eles a partir de fora. A história de todos os países atesta que, pela próprias forças, a classe operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc.(2) Quanto à doutrina socialista, nasceu das teorias filosóficas, históricas, econômicas elaboradas pelos representantes instruídos das classes proprietárias, pelos intelectuais. Os fundadores do socialismo científico contemporâneo, Marx e Engels, pertenciam eles próprios, pela sua situação social, aos intelectuais burgueses. Da mesma forma, na Rússia, a doutrina teórica da social-democracia surgiu de maneira completamente independente do crescimento espontâneo do movimento operário; foi o resultado natural, inevitável do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionários socialistas. A época de que falamos, isto é, por volta de 1895, essa doutrina constituía não apenas o programa perfeitamente estabelecido do grupo “Liberação do Trabalho”, mas também conquistara para si a maioria da juventude revolucionária da Rússia.
Assim, pois, houve ao mesmo tempo um despertar espontâneo das massas operárias, despertar para a vida consciente e para a luta consciente, e uma juventude revolucionária que, armada da teoria social-democrata, buscava aproximar-se dos operários. Quanto a isso, é particularmente importante estabelecer este fato esquecido com freqüência (e relativamente pouco conhecido), de que os primeiros sociais-democratas desse período, que se dedicavam com ardor à agitação econômica (contando, para isso, com as indicações verdadeiramente úteis do folheto Sobre a Agitação, à época ainda manuscrito) longe de considerar essa agitação como sua tarefa única, atribuíam desde o começo à social-democracia russa as grandes tarefas históricas, em geral, e a tarefa da derrubada da autocracia, em particular. Assim, o grupo dos sociais-democratas de Petersburgo, que fundou a “União de Luta para Liberação de Classe Operária “redigiu, já em fins de 1895, o primeiro número de um jornal intitulado Rabótcheie Dielo. Pronto para ser impresso, esse número foi apreendido pelos policiais numa busca efetuada na noite de 8 para 9 de dezembro de 1895, em casa de um dos membros, do grupo, Anat. Alex. Vaneiev,(3) de forma que o Rabótcheie Dielo do primeiro período não pôde ver a luz do dia. O editorial desse jornal (que, talvez, em trinta anos uma revista como a Russkaia Starina exumará dos arquivos do departamento de polícia) expunha as tarefas históricas da classe operária na Rússia, entre as quais colocava-se em primeiro plano a conquista da liberdade política. Seguiam-se um artigo, “Em que Pensam Nossos Ministros?” sobre o saque dos Comitês de instrução elementar pela polícia, bem como uma série de artigos de correspondentes, não só de Petersburgo, como de outras localidades da Rússia (por exemplo, sobre um massacre de operários na província de Iaroslavl. Assim, se não me engano, esse “primeiro ensaio” dos sociais-democratas russos de 1890-1900 não era um jornal estritamente local, e ainda menos de caráter “econômico”, visava a unir a luta grevista ao movimento revolucionário dirigido contra a autocracia e levar todos os oprimidos, vítimas da política do obscurantismo reacionário, a apoiar a social-democracia. E para quem quer que conheça um pouco o estado do movimento nessa época, está fora de dúvida que um jornal como esse encontrou toda a simpatia dos operários da capital e dos intelectuais revolucionários, e teve a maior difusão. O fracasso do empreendimento provou simplesmente que os sociais-democratas de então eram incapazes de corresponder às exigências do momento, por falta de experiência revolucionária e de preparação prática. O mesmo se deve dizer do Rabótchaia Listok de São Petersburgo, e sobretudo da Rabótchaia Gazeta e do Manifesto do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, fundado na primavera de 1898. Subentenda-se que não nos passa pela cabeça a idéia de censurar os militantes da época pela sua falta de preparação. Mas, para aproveitar a experiência do movimento e daí extrair lições práticas, é preciso considerar extensivamente as causas e a importância desse ou daquele defeito. Por isso, é extremamente importante estabelecer que uma parte (talvez mesmo a maioria) dos sociais-democratas militantes de 1895-1898 considerava com justa razão possível, aquela época, no começo mesmo do movimento “espontâneo”, preconizar um programa e uma tática de combate mais extensos.(4) Ora, a falta de preparação entre a maior parte dos revolucionários, sendo um fenômeno perfeitamente natural, não podia dar lugar a qualquer apreensão particular. A partir do momento em que as tarefas eram bem definidas; a partir do momento em que se possuía bastante energia para tentar de novo realizá-las, os fracassos momentâneos constituíam apenas meio mal. A experiência revolucionária e a habilidade de organização são coisas que se adquirem. É preciso apenas desenvolver em nós mesmos as qualidades necessárias! É preciso que tenhamos consciência de nossos defeitos, o que, no trabalho revolucionário, já é mais de meio caminho para os corrigir.
Mas, o que era meio mal tornou-se um mal verdadeiro, quando esta consciência começou a se obscurecer (porém, ela era bastante viva entre os militantes dos. grupos acima mencionados), quando surgiram pessoas – e mesmo órgãos sociais-democratas – prontas a erigir os defeitos em virtudes, e tentando mesmo justificar teoricamente sua idolatria, seu culto do espontâneo. É tempo de fazer o balanço dessa tendência, caracterizada de maneira muito inexata pelo termo “economismo“, demasiado estreito para exprimir o conteúdo.
b) O Culto da Espontaneidade. “Rabotchaia Mysl”
Antes de passar às manifestações literárias desse culto, assinalaremos o seguinte fato característico (cuja fonte foi acima mencionada), que lança certa luz sobre o nascimento e o crescimento entre os camaradas militantes de Petersburgo, de um desacordo entre as duas futuras tendências da social-democracia russa. No início de 1897, A. Vaneiev e alguns de seus camaradas tiveram ocasião de participar, antes de sua partida para o exílio, de uma reunião privada, onde se encontraram os “velhos” e os “jovens ” membros da “União de Luta para a Liberação da Classe Operária”. A conversa girou principalmente sobre a organização e, em particular, sobre os “estatutos das caixas operárias”, publicados sob sua forma definitiva no número 9-10 do Listok “Rabótnika” (p. 46). Entre os “velhos” (os “dezembristas“, como eram chamados em tom de gracejo pelos sociais-democratas de Petersburgo) e alguns dos “jovens” (que mais tarde colaboraram ativamente na Rabótchaia Mysl) manifestou-se logo uma divergência muito nítida, e se estabeleceu ardente polêmica. Os “jovens” defendiam os princípios essenciais dos estatutos, tais como tinham sido publicados. Os “velhos” diziam que não era isto o que se colocava em primeiro lugar; que era preciso, inicialmente, consolidar a “União de Luta” para dela fazer uma organização de revolucionários, à qual estariam subordinadas as diversas caixas operárias, os círculos de propaganda entre a juventude das escolas etc. Bem entendido, as duas partes estavam longe de ver nessa divergência o germe de um desacordo; ao contrário, consideravam-na isolada e acidental. Esse fato, porém, mostra que o nascimento e a difusão do “economismo” na Rússia não se fizeram igualmente sem luta contra os “velhos” sociais-democratas (o que os “economistas” de hoje freqüentemente esquecem). E se essa luta não deixou, na maior parte dos casos, traços “documentais”, é unicamente porque a composição dos círculos em atividade mudava com incrível rapidez, porque não se estabelecera qualquer tradição e porque, em conseqüência, as divergências de pontos de vista não foram registradas em qualquer documento.
O aparecimento da Rabótchaia Mysl trouxe o “economismo” para a luz do dia, porém tal não se deu imediatamente. É preciso ter, uma idéia concreta das condições de trabalho e da breve existência de numerosos círculos russos (ora, só quem passou por isso, pode ter idéia exata das coisas), para compreender quanto teve de fortuito o sucesso ou o fracasso da nova tendência nas diferentes cidades, e a impossibilidade, a impossibilidade absoluta em que durante muito tempo se encontraram os partidários e os adversários dessa “nova” tendência, de determinar se era ela realmente uma tendência distinta ou simplesmente a expressão da falta de preparação de alguns. Assim, os primeiros números policopiados da Rabótchaia Mysl permaneceram completamente desconhecidos da imensa maioria dos sociais-democratas, e se agora temos a possibilidade de nos referir ao editorial de seu primeiro número, é unicamente porque tal editorial foi reproduzido no artigo de V.I. (Listok “Rabétnika”, n.º. 9-10, p. 47 e seg.), que evidentemente não deixou de louvar com empenho – com empenho inconsiderado – esse novo jornal tão nitidamente diferente dos jornais e projectos de jornais acima citados(5). Ora, esse editorial exprime com tanto relevo lodo o espírito da Rabótchaia Mysl e do “economismo” em geral, que vale a pena aí nos determos.
Após ter indicado que o braço fardado de azul não deteria jamais o progresso do movimento operário, o editorial prossegue: ” … 0 movimento operário deve sua vitalidade ao fato de o próprio operário enfim se encarregar de sua sorte, arrancando-a das mãos de seus dirigentes.” Esta tese fundamental é, em seguida, desenvolvida em seus detalhes. Na realidade, os dirigentes (isto é, os sociais-democratas organizadores da “União de Luta”) foram arrancados pela policia, por assim dizer, das mãos dos operários(6), e querem nos fazer acreditar que os operários conduziam a luta contra os dirigentes e se libertavam de seu jugo! Em lugar de estimular a marcha para a frente, de consolidar a organização revolucionária e de ampliar a atividade política, incitou-se a volta para trás, em direcção à luta exclusivamente sindical. Proclamou-se que “a base econômica do movimento está obscurecida pela tendência a jamais esquecer o ideal político”, que o lema do movimento operário é a luta pela situação económica” (!) ou, melhor ainda, “os operários pelos operários”; declarou-se que as caixas de greve “valem mais para o movimento do que uma centena de outras organizações” (que se compare esta afirmação, feita em outubro de 1897, com a disputa dos “dezembristas” com os jovens, no inicio de 1897) etc. Frases como: é preciso colocar em primeiro plano, não a “nata” dos operários, mas o operário “médio”, o operário das fileiras; ou como: “O político segue sempre docilmente o econômico”(7) etc. etc., entraram na moda e exerceram influência sobre a massa dos jovens seduzidos pelo movimento e que, na maioria, não conheciam senão fragmentos do marxismo, tal como era exposto legalmente.
Isto constituiu o completo aniquilamento da consciência pela espontaneidade – pela espontaneidade dos “sociais-democratas” que repetiam as “idéias” do Senhor V.V., a espontaneidade dos operários seduzidos pelo argumento de que mesmo um aumento de um copeque por rublo valia mais que todo socialismo e toda política, de que deviam “lutar sabendo que o faziam não por remotas gerações futuras mas por eles próprios e por seus filhos” (editorial do n.º. 1 da Rabótchaia Mysl). As frases desse gênero foram sempre a arma preferida dos burgueses do Ocidente que, odiando o socialismo, trabalhavam (como Hirsch, o “social-político” alemão) para transplantar para seus países o sindicalismo inglês, e diziam aos operários que a luta exclusivamente sindical(8) é uma luta por eles próprios e por seus filhos, e não por remotas gerações futuras com vistas a um incerto socialismo futuro. E agora os “V.V. da social-democracia russa” se põem a repetir essas frases burguesas. Aqui, é importante assinalar três pontos que nos serão de grande utilidade para a continuação de nossa análise sobre as divergências atuais(9).
Em primeiro lugar, o aniquilamento da consciência pela espontaneidade, de que falamos, também se deu de maneira espontânea. Isto parece um jogo de palavras, mas infelizmente é uma verdade amarga. O que provocou esse aniquilamento não foi uma luta declarada entre duas concepções absolutamente opostas, nem a vitória de uma sobre a outra, mas o desaparecimento de um número cada vez maior de “velhos” revolucionários “colhidos” pelos policiais, e a entrada em cena, cada vez mais freqüente, dos “jovens” “V.V. da social-democracia russa”. Quem quer que tenha, não direi participado do movimento russo contemporâneo, mas simplesmente respirado o seu ar, sabe perfeitamente que esta é precisamente a situação. E se, apesar disso, insistimos particularmente para que o leitor considere com cuidado esse fato conhecido de todos, se para maior evidência referimo-nos, de algum modo, aos dados sobre o Rabótcheie Dielo do primeiro período, e sobre a discussão entre “jovens” e “velhos” no início de 1897, é porque as pessoas que se gabam de espírito democrático” especulam sobre a ignorância desse fato pelo grande público (ou entre os adolescentes). Mais adiante, ainda voltaremos a esse ponto.
Em segundo lugar, desde a primeira manifestação literária do “economismo” podemos observar um fenômeno eminentemente original e extremamente característico para a compreensão de todas as divergências entre sociais-democratas da atualidade: os partidários do “movimento puramente operário”, os adeptos da ligação mais estreita e mais “orgânica” (expressão do Rab. Dielo) com a luta proletária, os adversários de todos os intelectuais não operários (ainda que fossem intelectuais socialistas) foram obrigados, para defender sua posição, a recorrer aos argumentos burgueses “exclusivamente sindicais”. Isto nos mostra que, desde o princípio, a Rabótchaia Mysl começara – insistentemente – a realizar o programa do Credo. Isto mostra (o que não pode chegar a compreender o Rabótcheie Dielo), que todo culto da espontaneidade do movimento operário, toda diminuição do papel do “elemento consciente”, do papel da social-democracia significa – quer se queira ou não – um reforço da influência da ideologia burguesa sobre os operários. Todos aqueles que falam de “sobrestimação da ideologia”(10), de exagero do papel do elemento consciente (11) etc., imaginam que o movimento puramente operário é, por si próprio, capaz de elaborar, e irá elaborar para si, uma ideologia independente, com a única condição de que os operários “arranquem sua sorte das mãos de seus dirigentes”. Mas, isto constitui um erro profundo. Para completar o que dissemos acima, citaremos ainda as palavras profundamente justas e significativas de K. Kautsky, a propósito do projeto do novo programa do partido social-democrata austríaco (12).
“Muitos de nossos críticos revisionistas atribuem a Marx a afirmação de que o desenvolvimento econômico e a luta de classes não somente criam as condições da produção socialista, mas engendram diretamente a consciência (o grifo é de K.K.) de sua necessidade. E eis que esses críticos objetam que a Inglaterra, país do mais avançado desenvolvimento capitalista, está mais alheia do que qualquer outro país a essa consciência. O projeto do programa leva a crer que a comissão que elaborou o programa austríaco partilha, também, desse ponto de vista dito marxista ortodoxo, que refuta o exemplo da Inglaterra. O projeto afirma: “Quanto mais o proletariado aumenta em conseqüência do desenvolvimento capitalista, mais é obrigado e tem a possibilidade de lutar contra o capitalismo. O proletariado adquire a “consciência” da possibilidade e da necessidade do socialismo. Por conseguinte, a consciência socialista constituirá o resultado necessário, direto da luta proletária de classe. Ora, isto é inteiramente falso. Como doutrina, o socialismo evidentemente tem suas raízes nas relações econômicas atuais, da mesma forma que a luta de classe do proletariado; do mesmo modo que esta última, resulta da luta contra a pobreza e a miséria das massas, provocadas pelo capitalismo. Mas o socialismo e a luta de classe surgem paralelamente e um não engendra o outro; surgem de premissas diferentes. A consciência socialista de hoje não pode surgir senão à base de um profundo conhecimento científico. De fato, a ciência económica contemporânea constitui tanto uma condição da produção socialista como, por exemplo, a técnica moderna, e, apesar de todo o seu desejo, o proletariado não pode criá-las; ambas surgem do processo social contemporâneo. Ora, o portador da ciência não é o proletariado, mas os intelectuais burgueses (o grifo é de KA.): foi do cérebro de certos indivíduos dessa categoria que nasceu o socialismo contemporâneo, e foram eles que o transmitiram aos proletários intelectualmente mais evoluídos, que o introduziram, em seguida, na luta de classe do proletariado onde as condições o permitiram. Assim, pois, a consciência socialista é um elemento importado de fora (von Aussenhineigetranes) na luta de classe do Proletariado, e não algo que surgiu espontaneamente (ur wüchsig). Também o antigo programa de Heinfeld dizia, muito justamente, que a tarefa da social-democracia é introduzir no proletariado (literalmente: preencher o proletariado com) a consciência de sua situação e a consciência de sua missão. Não seria necessário fazê-lo se essa consciência emanasse naturalmente da luta de classe. Ora, o novo projeto emprestou essa tese do antigo programa e juntou-se à tese acima citada. O que interrompeu completamente o curso do pensamento…
No momento, não seria possível falar de uma ideologia independente, elaborada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento(13), o problema coloca-se exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio-termo (pois a humanidade não elaborou uma “terceira” ideologia; e, além disso, em uma sociedade dilacerada pelos antagonismos de classe não seria possível existir uma ideologia à margem ou acima dessas classes). Por isso, toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa. Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do movimento operário resulta justamente na subordinação à ideologia burguesa, efetua-se justamente segundo o programa do “Credo”, pois o movimento operário espontâneo é o sindicalismo, a Nur-Gewerkschafilerei: ora, o sindicalismo é justamente a escravidão ideológica dos operários pela burguesia. Por isso, nossa tarefa, a da social-dernocracia, é combater a espontaneidade, desviar o movimento operário dessa tendência espontânea que apresenta o sindicalismo, de se refugiar sob as asas da burguesia, e atraí-lo para a social-democracia revolucionária. Por conseguinte, a frase dos autores da carta “econômica” do n.º. 12 do Iskra, afirmando que todos os esforços dos mais inspirados ideólogos não poderão desviar o movimento operário do caminho determinado pela ação recíproca dos elementos materiais e do meio material, eqüivale exatamente a abandonar o socialismo, e se esses autores fossem capazes de meditar no que dizem, até às ultimas conseqüências, com lógica e destemor, como deve fazer quem se dedica ao campo da ação literária e social, não lhes restaria senão cruzar sobre o peito vazio seus braços inúteis”” e… deixar o campo livre aos senhores Struve e Prokopovitch, que arrastam o movimento operário “no sentido do mínimo esforço”, isto é, no sentido do sindicalismo burguês, ou aos senhores Zubatov, que o arrastam no sentido da “ideologia” cléricopolicial.
Recorde-se o caso da Alemanha. Qual foi o mérito histórico de Lassalle diante do movimento operário alemão? Foi ter desviado este movimento do caminho do sindicalismo progressista e do cooperativismo, para onde se dirigia espontaneamente (com a ajuda benévola dos Schulze-Delitzsch e consortes). Para realizar essa tarefa, foi preciso mais do que frases a respeito da subestimação do elemento espontâneo, sobre a tática-processo, sobre a acção recíproca dos elementos e do meio etc. Para isso foi preciso uma luta encarniçada contra a espontaneidade, e só após essa luta de longos e longos anos que se chegou, por exemplo, a fazer da população operária de Berlim o baluarte do partido progressista, uma das melhores cidadelas da social-democracia. E esta luta está ainda longe de terminar (como poderiam supor os estudiosos da história do movimento alemão através de Prokopovitch, e da filosofia desse movimento através de Strouve). Ainda agora, a classe operária alemã está dividida, se assim se pode dizer, entre diversas ideologias: uma parte dos operários está agrupada nos sindicatos operários católicos e monarquistas; outra, nos sindicatos Hirsch-Duncker, fundados pelos admiradores burgueses do sindicalismo inglês; uma terceira, nos sindicatos sociais-democratas. Esta última parte é infinitamente mais numerosa que todas as outras, mas a ideologia social-democrática não pode obter, e não poderá conservar essa supremacia, senão através de uma luta incansável contra todas as outras ideologias.
Mas, por que – perguntará o leitor – o movimento espontâneo, que se dirige para o sentido do mínimo esforço, conduz exatamente à dominação da ideologia burguesa? Pela simples razão de que, cronologicamente, a ideologia burguesa é muito mais antiga que a ideologia socialista, está completamente elaborada e possui meios de difusão infinitamente maiores(14)10. Quanto mais jovem for o movimento socialista em um país, mais energicamente terá que lutar contra todas as tentativas feitas para consolidar a ideologia não socialista; tanto mais resolutamente será preciso colocar os operários em guarda contra os maus conselheiros que gritam contra a “sobrestimação do elemento consciente” etc. Com o Rabótcheie Dielo, os autores da carta econômica gritam em uníssono contra a intolerância própria à infância do movimento. A isto responderemos: de fato, nosso movimento ainda está em sua infância, e para atingir sua virilidade deve justamente imbuir-se de intolerância em relação àqueles que, através de seu culto da espontaneidade, retardam seu desenvolvimento. Nada há de mais ridículo e de mais prejudicial para se colocar ao velho militante que, há muito, já passou por todas as fases decisivas da luta!
Em terceiro lugar, o primeiro número da Rabótchaia Mysl mostra-nos que a denominação de “economismo” (à qual, evidentemente, não temos intenção de renunciar, pois de qualquer modo este vocábulo já adquiriu direito de ser citado) não traduz com exatidão suficiente o fundo da nova tendência. A Rabótchaia Mys1 não nega completamente a luta política: os estatutos da caixa que pública em seu primeiro número falam da luta contra o governo. A Rabótchaia Mysl considera somente que “o político segue sempre docilmente o econômico”. (E o Rabótcheie Dielo dá uma variação dessa tese, afirmando em seu programa que “na Rússia, mais que em qualquer outro país, a luta econômica é inseparável da luta política”). Essas teses da Rabótchaia Mysl e do Rabótcheie Dielo são absolutamente falsas, se por política se entende a política social-democrata. Com muita freqüência, a luta econômica dos operários, como já vimos, está ligada, (não de forma indissolúvel, é verdade) à política burguesa, clerical, ou outra. As teses do Rabótcheie Dielo são justas, se por política se entende a política sindical, isto é, a aspiração geral dos operários a obter do Estado as medidas suscetíveis de remediar os males inerentes à sua situação, mas, que não suprimem tal situação, isto é, não suprimem a submissão do trabalho ao capital. Essa aspiração é, de fato, comum aos sindicalistas ingleses hostis ao socialismo, aos operários católicos e aos operários “de Zubatov”, etc. Há política e política. Assim, pois, vemos que a Rabótchaia MysI, mesmo no que concerne à luta política, mais do que repudiá-la, inclina-se diante de sua espontaneidade, sua inconsciência. Reconhecendo inteiramente a luta política que surge espontaneamente do próprio movimento operário (ou, mais ainda: os anseios e reivindicações políticas dos operários) recusa-se por completo a elaborar ela própria uma política social-democrata específica, que responda às tarefas gerais do socialismo e as condições russas atuais. Mais adiante mostraremos que esta também é a falta cometida pelo Rabótcheie Dielo.
c) O grupo da Autoemacipação e o “Rabotcheie Delo”
Se analisamos com tantos detalhes o editorial pouco conhecido e hoje quase esquecido do primeiro número da Rabótchaia Mysl é porque ele foi o primeiro a expressar de forma relevante a corrente geral, que mais tarde surgiria à luz sob a forma de uma infinidade de riachos. V. I. tinha absoluta razão quando, louvando esse primeiro número e esse editorial da Rabótchaia MysI, constatou “a(sua) veemência e o seu ardor” (Listok “Rabótchaia” n.º. 9-10, p. 49). Todo homem de convicções firmes, que acredita trazer algo de novo quando escreve com “ardor”, coloca em relevo o seu ponto de vista. Somente aqueles habituados a permanecer sentados entre duas cadeiras carecem de “ardor”; somente estes, após terem elogiado, ontem, o ardor da Rabótchaia Mysl, são capazes, hoje, de censurar o “ardor polêmico” de seus adversários.
Sem nos determos no “suplemento especial da Rabótchaia Mys1 (a seguir, teremos de nos referir, por diferentes motivos, a essa obra que expõe com a maior lógica as idéias dos “economistas”), limitarnos-mos a assinalar sumariamente o “Apelo do Grupo da Autoliberação dos Operários” (março de 1899, reproduzido no Nakanune de Londres, n.º. 7, julho de 1899). Os autores deste apelo dizem, com toda a razão, que “a Rússia operária, que apenas começa a se sacudir de seu torpor e a olhar à sua volta, apega-se instintivamente aos primeiros meios de luta que se lhe oferecem”, mas daí tiram a mesma conclusão errônea que a Rabótchaia Mysl esquecendo-se que o instintivo é exatamente o inconsciente (o espontâneo), em ajuda do qual devem correr os socialistas; que os “primeiros” meios de luta “que se lhe oferecem” serão sempre, na sociedade contemporânea, os meios sindicalistas de luta e a “primeira” ideologia, a ideologia burguesa (sindicalista). Esses autores não “negam” mais a política, dizem somente (somente!) de acordo com o Senhor V. V., que a política é uma superestrutura e que, por conseguinte, “a agitação política deve ser a superestrutura da agitação em favor da luta econômica, que deve surgir no campo dessa luta e marchar atrás dela”.
Quanto ao Rabótcheie Dielo, começou sua atividade diretamente pela “defesa” dos “economistas”. Após ter enunciado uma contra verdade manifesta declarando desde seu primeiro número (n.º. 1, p. 141-142) “ignorar a que jovens camaradas referia-se Axelrod“, que em seu conhecido folheto(15) fazia uma advertência aos “economistas”, o Rabótcheie Dielo teve, no curso de sua polêmica com Axelrod e Plekhanov a propósito dessa contraverdade, de reconhecer que “simulando não saber de quem se tratava, desejava defender todos os
jovens sociais-democratas do estrangeiro contra essa acusação injusta” (a acusação de estreiteza de Axelrod aos “economistas”). Na realidade, esta acusação era perfeitamente justa, e o Rabótcheie Dielo sabia muito bem que ela visava, entre outros, V. I., membro de sua redação. Notarei de passagem, a esse respeito, que na polêmica em questão Axelrod tinha inteira razão, e o Rabótcheie Dielo estava completamente errado na interpretação de meu trabalho, As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos. Este trabalho foi escrito em 1897, ainda antes do aparecimento da Rabótchiai Mysl quando eu considerava, com toda a razão, que a tendência inicial da “União de Luta” de São Petersburgo, tal como a caracterizei acima, era a predominante. Efetivamente, esta tendência foi preponderante pelo menos até meados de 1898. Ademais, o Rabótcheie Dielo não fora inutilmente fundado para desmentir a existência e o perigo do “economismo“, para se referir a um trabalho que expunha os pontos de vista que foram suplantados em São Petersburgo, em 1897-1898, pelos “economistas”? (16)
Mas, o Rabótcheie Dielo não apenas “defendia” os “economistas”; também incorria, ele próprio, constantemente em seus principais erros. O que se encontrava na origem desse desvio, era a interpretação ambígua da seguinte tese de seu programa: “O fenômeno essencial da vida russa, designado principalmente para definir as tarefas (o grifo é nosso) e o caráter da atividade literária da “União”, é, em nossa opinião, o movimento operário de massas (grifado pelo Rabótcheie Dielo), que surgiu esses últimos anos”. Está fora de discussão, que o movimento de massas seja um fenômeno muito importante. Mas, a questão é saber como compreender a “definição das tarefas” para esse movimento de massas. Pode ser compreendida de duas maneiras: ou nos inclinamos diante da espontaneidade desse movimento, isto é, reconduzimos o papel da social-democracia ao de um simples criado do movimento operário como tal (assim o entendem o Rabótchaia Mysl o “Grupo da Autoliberação” e os outros “economistas”); ou admitimos que o movimento de massas nos impõe novas tarefas teóricas, políticas e de organização, muito mais complexas do que as com que podíamos contentar-nos antes do aparecimento do movimento de massas. O Rabótcheie Dielo sempre tendeu, e tende, precisamente pela primeira interpretação; jamais falou com precisão de novas tarefas, e sempre raciocinou como se esse “movimento de massas” nos eximisse da necessidade de conceber com nitidez e de realizar as tarefas que ele impõe. Será suficiente indicar que, o Rabótcheie Dielo julgou impossível atribuir como primeira tarefa do movimento operário de massas a derrubada da autocracia, tarefa que rebaixou (em nome do movimento de massas) ao nível da luta pelas reivindicações políticas imediatas (“Resposta”, p. 25).
Deixando de lado o artigo de B. Krítchévski, redator-chefe do Rabótcheie Dielo – “A Luta Econômica e Política no Movimento Russo” – aparecido no número 7, artigo onde se encontram os mesmos erros(17), passaremos diretamente ao número l0 do Rabótcheie Dielo. É claro que não examinaremos uma a uma as objeções de B. Kritchévski e de Martynov contra a Zaria e o Iskra. O que nos interessa aqui, é unicamente a posição de princípio adotada pelo Rabótcheie Dielo em seu número 10. Assim, não examinaremos este fato curioso, de o Rabótcheie Dielo ver uma “contradição fundamental” entre a tese seguinte:
“A social-democracia não une as mãos, não limita sua atividade a um plano preconcebido ou a um procedimento de luta política preestabelecido; admite todos os meios de luta, contanto que correspondam às forças disponíveis do Partido”., etc. (Iskra n.º. 1)
e esta tese:
” …sem uma organização sólida, habilitada à luta política em todas as circunstâncias e em todos os períodos, não seria possível sequer falar desse plano de ação sistemática estabelecido à luz de princípios severos, e seguido sem fraquejamentos, o único a merecer o nome de tática” (Iskra, n.º. 4).
Confundir em princípio o reconhecimento de todos os meios, de todos os planos e procedimentos da luta, desde que sejam racionais, com a necessidade de se guiar em um determinado momento político a partir de um plano rigorosamente aplicado, se se quer falar de tática, eqüivaleria a confundir o reconhecimento pela medicina de todos os sistemas de tratamento, com a necessidade de se ter de seguir um determinado sistema no tratamento de uma dada doença. Mas, é o próprio Rabótcheie Dielo que sofre da doença que denominamos o culto do espontâneo, sem querer admitir qualquer “sistema de tratamento” dessa doença. Ademais, fez esta descoberta notável, que “a tática-plano contradiz o espírito fundamental do marxismo” (n.º. 10, p. 18); que a tática é “o processo de crescimento das tarefas do partido, que crescem ao mesmo tempo que ele” (p. 11, grifado pelo Robótcheie Dielo). Esta última frase tem todas as possibilidades de se tornar famosa, um monumento indestrutível da “tendência” do Rabótcheie Dielo. À pergunta: “para onde ir?” este órgão dirigente responde: o movimento é o processo de variação de distância entre o ponto de partida e o ponto seguinte do movimento. Esta reflexão de incomparável profundidade não é apenas curiosa (não valeria a pena nela nos determos), constitui, ainda, o programa de toda uma tendência, programa que R. M.(no “Suplemento especial à Rabótchaia Mysl”) expressou: nesses termos: a luta é desejável se ela é possível; aquela que se trava, nesse momento, é possível. É exatamente esta a tendência do oportunismo ilimitado, que se adapta passivamente à espontaneidade.
“A tática-plano contradiz o espírito fundamental do marxismo!” Mas, isto é caluniar o marxismo, é convertê-lo em uma caricatura análoga àquela que nos opunham os populistas em sua guerra contra nós. É, precisamente, rebaixar a iniciativa e a energia dos militantes conscientes, enquanto o marxismo, ao contrário, estimula enormemente e a energia do social-democrata, abrindo-lhe as maiores perspectivo, pondo (se assim podemos dizer) à sua disposição as forças prodigiosas de milhões e milhões de operários que se preparam espontaneamente para a luta! Toda a história da social-democracia internacional fervilha de planos formulados por este ou aquele chefe político, planos que atestam a clarividência de alguns e a exatidão dos seu pontos de vista políticos e de organização, ou que revelam a miopia e os erros políticos de outros. Quando a Alemanha conheceu uma das maiores reviravoltas de sua história – formação do Império, abertura do Reichstag, concessão do sufrágio universal – Liebknecht tinha um plano da política e da ação social-democrata em geral, e Schweitzer tinha outro. Quando a lei da exceção se abateu sobre os socialistas alemães, Most e Hasselmann tinham um plano: o apelo puro e simples à violência e ao terror: Höchberg, Schramm e (em parte) Bernstein tinham outro: os sociais-democratas tendo provado, pela sua violência insensata e seu revolucionarismo, a lei que os atingia, deviam agora, através de um comportamento exemplar, obter seu perdão; enfim, existia um terceiro plano: o dos homens que prepararam e realizaram – a publicação de um órgão ilegal. Retrospectivamente, recuando muitos anos, após terminada a luta pela escolha do caminho a seguir, e agora que a história pronunciou-se definitivamente sobre o valor da direção escolhida. é claro que não é difícil manifestar profundidade declarando, sentenciosamente, que as tarefas do Partido crescem ao mesmo tempo que ele. Mas, nas horas de confusão(18), quando os “críticos” e “economistas” russos rebaixam a social-democracia ao nível do sindicalismo, e os terroristas pregam com ardor a adoção de uma “tática-plano”, que apenas retoma os erros antigos – ater-se em semelhante momento a tais frases é passar a si próprio um “certificado de indigência”. No momento em que inúmeros sociais-democratas russos carecem exatamente de iniciativa e energia, de “extensão, da propaganda, da agitação e da organização política”, de “planos” para pôr em execução. de forma mais ampla, o trabalho revolucionário – dizer em semelhante que “a tática-plano contradiz o espírito fundamental do marxismo” não é apenas aviltar teoricamente o marxismo. mas praticamente puxar o Partido para trás.
“0 social-democrata revolucionário, ensina-nos adiante o Rabótcheie Dielo, tem como tarefa unicamente acelerar, pelo seu trabalho consciente, o desenvolvimento objetivo, e não suprimi-lo ou substituílo por planos subjetivos. O Iskra, em teoria, conhece tudo isso. Mas a importância considerável que o marxismo atribui, com razão, ao trabalho revolucionário consciente, leva de fato o Iskra, em conseqüência de seu doutrinarismo em matéria de tática, a subestimar o valor do elemento objetivo ou espontâneo do desenvolvimento” (p. 18).
Eis-nos, de novo, diante de uma confusão teórica extraordinária, digna dos senhores V. V. e consortes. Mas, perguntaremos a nosso filósofo, em que pode consistir a “subestimação” do desenvolvimento objetivo para o autor de planos subjetivos? Evidentemente, em perder de vista o fato de que este desenvolvimento objetivo cria ou consolida, arruina ou enfraquece estas ou aquelas classes, categorias, grupos, essas ou aquelas nações, grupos de nações etc., determinando assim o aparecimento desse ou daquele agrupamento político internacional de forças, essa ou aquela posição dos partidos revolucionários etc. Mas, o erro desse autor será, então, de ter subestimado não o elemento espontâneo, mas, ao contrário, o elemento consciente, pois a ele terá faltado a “consciência” para uma justa: compreensão do desenvolvimento objetivo. É por isso que somente o fato de se falar “da apreciação da importância relativa” (grifado pelo Rabótcheie Dielo) assinala uma ausência completa de “consciência”. Se certos “elementos espontâneos do desenvolvimento” são acessíveis em geral à consciência humana, a apreciação errônea desses elementos eqüivalerá a uma “subestimação do elemento consciente”. E se são inacessíveis a consciência, não os conhecemos, e não podemos falar deles. Que deseja, pois, B Kritchévski? Se considera errados os “planos subjetivos” do Iskra (e de fato os declara errados), deveria mostrar, precisamente, quais os fatos objetivos que não são levados em conta por esses planos, e acusar o “Iskra” de falta de consciência, de “subestimação do elemento consciente”, para utilizar sua linguagem. Mas, se descontente com os planos subjetivos, não tem outros argumentos senão os da “subestimação do elemento espontâneo” (!!), somente poderá provar através disso que: 1º.) teoricamente, compreende o marxismo à maneira dos Karéiev e dos Mikhailóvski, suficientemente escarnecidos por Beltov; 2º.) praticamente, está inteiramente satisfeito com os “elementos espontâneos do desenvolvimento”, que arrastaram nossos marxistas legais ao bernsteinismo e nossos sociais-democratas ao “economismo“, e que está “muito indignado” contra os que decidiram desviar, a qualquer custo, a social-democracia russa dos caminhos do desenvolvimento “espontâneo”.
A seguir, aparecem coisas verdadeiramente divertidas. “Do mesmo modo que os homens, apesar de todo o progresso das ciências naturais, continuarão a se multiplicar através de procedimentos ancestrais, do mesmo modo que o nascimento de uma nova ordem social, apesar de todo o progresso das ciências sociais e do aumento do número de combatentes, será sempre e sobretudo o resultado de explosões espontâneas (19). Da mesma forma que a sabedoria ancestral diz: A quem faltará inteligência para ter filhos? – também a sabedoria dos “socialistas modernos” (à maneira de NarcisseTuporilov) diz: para participar do nascimento espontâneo de uma nova ordem social, não faltará inteligência a ninguém. Também pensamos assim. Para participar dessa maneira, basta se laisser aller pelo “economismo“, quando reina o “economismo“, pelo terrorismo, quando surge o terrorismo. Assim, o Rabótcheie Dielo, na última primavera, quando era tão importante pôr-se em guarda contra o entusiasmo pelo terror, encontrou-se perplexo, diante de uma questão “nova” para ele. E agora, seis meses mais tarde, quando a questão deixou de ter atualidade tão palpitante, apresenta-nos ao mesmo tempo esta declaração: “pensamos que a tarefa da social-democracia não pode, nem deve opor-se à ascensão de tendências terroristas” (Rabótcheie Dielo, n.º. 10, p. 23), bem como a resolução do congresso: “O congresso reconhece como inoportuno o terror ofensivo sistemático” (Dois Congressos, p. 18). Que clareza e coerência admiráveis! Não nos opomos, mas declaramos inoportuno, e declaramos isso de forma que a “resolução” não inclua o terror não sistemático e defensivo. Concordamos que tal resolução não oferece qualquer perigo, e que constitui garantia contra todo erro, como o de falar sem nada dizer! E para redigir tal resolução, não é preciso senão uma coisa: saber segurar-se à cauda do movimento. Quanto o Iskra zombou do Rabótcheie Dielo, que declarou que a questão do terror era uma questão nova, o Rabótcheie Dielo acusou severamente o Iskra “de ter a pretensão verdadeiramente incrível de impor à organização do Partido a solução de problemas táticos, apresentada há mais de quinze anos por um grupo de escritores emigrados” (p. 24). De fato, que atitude pretensiosa e que exagero do elemento consciente: resolver teoricamente e de antemão as questões, a fim de convencer em seguida a organização, o partido e as massas de que essa solução é bem fundamentada(19)! Outra coisa é simplesmente repetir coisas já ditas, e sem nada “impor” a ninguém, e obedecer a qualquer “virada” tanto para o “economismo” como para o terrorismo. O Rabótcheie Dielo chega a sintetizar esse grande preceito da sabedoria humana e acusa o Iskra e a Zaria “de opor ao movimento o seu programa, como um espírito pairando acima do caos informe” (p. 29). Mas, qual é o papel da social-democracia, senão o de ser o “espírito” que não somente paira acima do movimento espontâneo, mas, eleva este ao nível de “seu programa”? Não é, portanto, de se arrastar na cauda do movimento; coisa inútil, no melhor dos casos, e, no pior, extremamente prejudicial para o movimento. O Rabótcheie Dielo não se limita a seguir essa “tática-processo”; eleva-a mesmo em princípio, de forma que sua tendência deveria ser qualificada não de oportunismo, mas, antes, de caudismo (da palavra cauda). É forçoso reconhecer que aqueles firmemente decididos a sempre marchar à cauda do movimento, estão absolutamente e para sempre, contra o defeito de “subestimar o elemento espontâneo do desenvolvimento”.
Constatamos, assim, que o erro fundamental da “nova tendência” da social-democracia russa é inclinar-se diante da espontaneidade; é não compreender que a espontaneidade da massa exige de nós, sociais-democratas, uma consciência elevada. Quanto maior for o impulso espontâneo das massas, mais amplo será o movimento, e de forma ainda mais rápida afirmar-se-á a necessidade de uma consciência elevada no trabalho teórico, político e de organização da social-democracia.
O impulso espontâneo das massas na Rússia foi (e continua a ser) tão rápido que a juventude social-democrata encontrou-se pouco preparada para realizar essas imensas tarefas. A falta de preparação, nossa infelicidade comum, constituí a infelicidade de todos os sociais-democratas russos. O impulso das massas não cessou de crescer e de se estender sem solução de continuidade; e longe de interromper-se onde foi iniciado, estendeu-se a novas localidades, a novas camadas da população (o movimento operário provocou um redobramento da efervescência entre a juventude das escolas, dos intelectuais em geral, e mesmo entre os camponeses). Os revolucionários atrasaram-se quanto à progressão do movimento, e em suas “teorias” e atividade, não souberam criar uma organização que funcionasse sem solução de continuidade, capaz de dirigir todo o movimento.
No primeiro capítulo, constatamos que o Rabótcheie Dielo rebaixa nossas tarefas teóricas e repete “espontaneamente” o grito em moda: “liberdade de crítica”; mas aqueles que o repetem não tiveram “consciência” suficiente para compreender a oposição diametral existente entre as posições dos “críticos” – oportunistas e os revolucionários na Alemanha e na Rússia.
Nos capítulos seguintes, veremos como esse culto da espontaneidade manifestou-se no domínio das tarefas políticas e no trabalho de organização da social-democracia.
(…)
Os Métodos Artesanais dos Economistas e a Organização dos Revolucionários
As afirmações do Rabótcheie Dielo, já examinadas anteriormente, declarando que a luta econômica é o meio mais amplamente aplicável de agitação política, que nossa tarefa consiste, hoje, em conferir à própria luta econômica um caráter político etc., refletem uma concepção estreita de nossas tarefas, não somente em matéria política, mas ainda em matéria de organização. Para conduzir “a luta econômica contra os patrões e o governo”, não é necessária uma organização centralizada para toda a Rússia (e ela não poderia se constituir no curso de tal luta), organização que agruparia em um único ataque comum todas as manifestações, quaisquer que fossem, de oposição política, de protesto e de indignação, organização de revolucionários profissionais, dirigida pelos verdadeiros chefes políticos de todo o povo. Aliás, isto pode ser compreendido. Toda instituição tem sua estrutura natural e inevitavelmente determinada pelo conteúdo de sua ação. Por isso, pelas afirmações acima analisadas, o Rabótcheie Dielo consagra e legitima a estreiteza não somente da ação política, mas também do trabalho de organização. Nesse caso, como sempre, a consciência desse órgão inclina-se diante da espontaneidade. Ora, o culto das formas de organização que se elaboram espontaneamente, o fato de ignorar o quanto é estreito e primitivo nosso trabalho de organização e até que ponto somos ainda “rudimentares” em relação a esse aspecto importante, o fato de ignorar tudo isso, digo, constitui uma verdadeira doença do nosso movimento. Não uma doença de decadência, mas, evidentemente, de crescimento. Porém, precisamente hoje que a onda de revolta espontânea se espraia – poder-se-ia dizer – até a nós, dirigentes e organizadores do movimento, o que é preciso é sobretudo a luta mais intransigente contra a menor tentativa de defender nosso atraso, de legitimar a estreiteza nessa matéria; é preciso sobretudo despertar entre todos aqueles que participam, ou apenas se dispõem a participar do trabalho prático, o descontentamento em relação ao trabalho artesanal, que reina entre nós, e a firme vontade de nos desembaraçarmos dele.
a) O que é o Trabalho Artesanal?
Tentaremos responder a essa questão, esboçando o quadro da atividade de um círculo social-democrata típico entre 1894 e 1901. Já assinalamos o entusiasmo geral pelo marxismo da juventude estudantil da época. Certamente, esse entusiasmo visava não apenas ao marxismo como teoria, mas como resposta à questão “que fazer?”, como apelo para se colocar em campo contra o inimigo. E os novos combatentes punham-se em campo com uma preparação e um equipamento surpreendentemente primitivos. Em inúmeros casos, quase não havia equipamento e nem tampouco preparação. Iam à guerra como camponeses que tivessem acabado de deixar o arado, simplesmente armados de um bordão. Sem ligação de qualquer espécie com os velhos militantes, sem qualquer ligação com os círculos de outras localidades, nem mesmo de outros bairros (ou estabelecimentos de ensino) de sua própria cidade, sem qualquer coordenação das diferentes partes do trabalho revolucionário, sem qualquer plano sistemático de ação para um período mais ou menos prolongado, um círculo de estudantes entra em contato com os operários e põe mãos à obra. O círculo desenvolve progressivamente uma propaganda e agitação cada vez mais intensas; atrai, assim, unicamente através de sua ação, a simpatia de amplos setores do meio operário, a simpatia de uma certa parte da sociedade instruída, que lhe fornece dinheiro e coloca à disposição do “comitê” novos grupos de jovens. O prestígio do comitê (ou da união de luta) aumenta, seu campo de ação alarga-se, e estende sua atividade de uma maneira completamente espontânea: as pessoas que, há um ano ou alguns meses, tomavam a palavra nos círculos estudantis para responder à questão: “para onde ir?”; que estabeleciam e mantinham relações com os operários, compunham e lançavam as “folhas volantes”, estabeleciam relações com outros grupos de revolucionários, arranjam publicações, empreendem a edição de um jornal local, começam a falar de uma manifestação a ser organizada, passam, enfim, às operações militares declaradas (e esta ação militar declarada poderá ser, segundo as circunstâncias, o primeiro panfleto de agitação, o primeiro número de um jornal, a primeira manifestação). Em geral, essas operações conduzem ao fracasso imediato e completo, desde o seu início. Imediato e completo, porque essas operações militares não eram o resultado de um plano sistemático, preparado de antemão e estabelecido a longo termo, mas, simplesmente o desenvolvimento espontâneo de um trabalho de círculo conforme sua tradição; porque a policia, como é natural, conhecia quase sempre todos os principais militantes do movimento local, que já “tinham dado o que falar” nos bancos da Universidade, e, aguardando o momento mais propício para uma invasão, deixa, propositadamente, o círculo alargar-se e estender-se para ter um corpus delicti tangível, e a cada vez deixa, de caso pensado, alguns indivíduos “para semente” (é a expressão técnica empregada, pelo que sei, tanto pelos nossos como pelos da polícia). Não se pode deixar de comparar essa guerra a uma marcha de bandos de camponeses armados de bordões, contra um exército moderno. E não se pode deixar de admirar a vitalidade de um movimento que aumentava, estendia-se, e obtinha vitórias, apesar de uma ausência completa de preparação entre os combatentes. É verdade que o caráter primitivo do armamento era, historicamente, não apenas inevitável a princípio, mas até legítimo, visto que permitia atrair grande número de combatentes. Mas, desde que começaram as operações militares sérias (começaram, propriamente, com as greves do verão de 1896), as lacunas de nossa organização militar fizeram-se sentir cada vez mais. Após um momento de surpresa e uma série de falhas (como atrair a opinião pública para os crimes dos socialistas, ou a deportação dos operários das capitais para os centros industriais de província), o governo não demorou a adaptar-se às novas condições de luta e soube dispor, em pontos convenientes, seus destacamentos de provocadores, espiões e policiais, munidos de todos os aperfeiçoamentos. As armadilhas tornaram-se tão freqüentes, atingiram tantas pessoas, esvaziaram a tal ponto os círculos locais, que a massa operária perdeu literalmente todos os seus dirigentes, o movimento tornou-se incrivelmente desordenado, sendo impossível estabelecer-se qualquer continuidade e coordenação no trabalho. A extraordinária dispersão dos militantes locais, a composição fortuita dos círculos, as falhas de preparação e a estreiteza de perspectivas nas questões teóricas, políticas e de organização constituíram o resultado nevitável das condições descritas. Em certos lugares, mesmo, vendo nossa falta de firmeza e de organização em conspirar, os operários passaram a se afastar dos intelectuais por desconfiança, dizendo que provocavam as prisões pela sua imprudência! Todo militante, mesmo pouco iniciado no movimento, sabe que, finalmente, esses métodos artesanais foram considerados pelos sociais-democratas sensatos como uma verdadeira doença. Mas, para o leitor não iniciado não pensar que “construímos” artificialmente uma determinada etapa ou uma determinada doença do movimento, recorreremos ao testemunho já uma vez invocado. Que nos perdoem a longa citação. “Se a passagem gradual a uma ação prática mais ampla”, escreve B-v no nº 6 do Rabótcheie Dielo, “passagem que está em função direta do período geral de transição que atravessa o movimento operário russo, é um traço característico… existe ainda, no conjunto do mecanismo da revolução operária russa um outro traço não menos interessante. Queremos nos referir à insuficiência de forças revolucionárias próprias para a ação(1), que se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia À medida em que o movimento operário se acentua, que a massa operária se desenvolve; que as greves se tornam mais freqüentes; que a luta de massa dos operários se faz de forma mais aberta, luta que reforça as perseguições governamentais, prisões, expulsões e deportações, essa falta de forças revolucionárias altamente qualificada torna-se mais sensível e, sem dúvida, não deixa de influir na profundidade e no caráter geral do movimento. Muitas greves desenrolam-se sem que as organizações revolucionárias exerçam sobre elas uma ação direta e enérgica… Há falta de “folhas” de agitação e de publicações ilegais… os círculos operários ficam sem agitadores… Além disso, a falta de dinheiro se faz sentir continuamente. Em uma palavra, o crescimento do movimento operário ultrapassa o crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias. O efetivo dos revolucionários em ação é demasiado insignificante para poder influenciar toda a massa operária em efervescência, para oferecer a todos os distúrbios ao menos uma sombra de coerência e de organização… Tais círculos, tais revolucionários não estão unidos, nem agrupados; não formam uma organização coerente, forte e disciplinada, com partes metodicamente desenvolvidas”… E após ter feita a reserva de que o aparecimento imediato de novos círculos em lugar daqueles que foram destruídos, “prova apenas a vitalidade do movimento… mas, não demonstra ainda a existência de uma quantidade suficiente de militantes revolucionários perfeitamente paios”, o autor conclui: “A falta de preparação prática dos revolucionários de Petersburgo repercute também sobre os resultados de seu trabalho. Os últimos processos, especialmente os dos grupos da ‘Autoliberação’ e da ‘Luta do Trabalho Contra o Capital’ mostraram nitidamente que um jovem agitador não familiarizado perfeitamente com as condições do trabalho e, por conseguinte, da agitação em uma determinada fábrica, ignorando os princípios da ação clandestina e tendo apreendido” (apreendido?) “apenas os princípios gerais da social-democracia. pode trabalhar uns quatro, cinco, seis meses. Depois vem a prisão que freqüentemente ocasiona a derrocada de toda a organização, ou ao menos de uma parte. Pode um grupo trabalhar com proveito e êxito, quando sua existência está limitada a alguns meses? É evidente que não seria possível atribuir inteiramente as falhas das organizações existentes ao período de transição… é evidente que a quantidade e sobretudo a qualidade do efetivo das organizações em atividade desempenham aqui um papel importante. e a primeira tarefa de nossos sociais-democratas… deve ser unir realmente as organizações entre si, com uma rigorosa seleção de seus membros.”
b) Trabalho Artesanal e “Economismo”
Vamos agora deter-nos em uma questão que, certamente, já se colocou ao leitor. O trabalho artesanal, doença de crescimento que afeta o movimento todo, pode estar em conexão com o “economismo“, considerado como uma das tendências da social-democracia russa? Cremos que sim. A falta de preparação prática, de habilidade no trabalho de organização é realmente comum a todos nós, mesmo àqueles que, desde o início, mantiveram-se sempre ligados ao ponto de vista do marxismo revolucionário. E, certamente, ninguém poderia incriminar os práticos por essa falta de preparação. Mas, esses “métodos artesanais” não se encontram apenas na falta de preparação: estão também na estreiteza do conjunto do trabalho revolucionário em geral, na incompreensão do fato de que essa estreiteza impede a constituição de uma boa organização de revolucionários; enfim – e é o principal – encontram-se nas tentativas de justificar essa estreiteza e de erigi-la em “teoria” particular, isto é, no culto da espontaneidade, também nesse campo. Desde as primeiras tentativas desse gênero, tornou-se evidente que os métodos artesanais estavam ligados ao “economismo” e que não nos livraríamos de nossa estreiteza no trabalho de organização, antes de nos livrarmos do “economismo” em geral (isto é, da concepção estreita da teoria do marxismo, do papel da social-democracia e de suas tarefas políticas). Ora, essas tentativas foram feitas em duas direções. Uns começaram a dizer: a massa operária não formulou ainda, ela própria, tarefas políticas tão extensas e tão manifestas como as que lhe “impõem” os revolucionários; deve ainda lutar pelas reivindicações políticas imediatas, conduzir” a luta econômica contra os patrões e o governo(2) (e a esta luta “acessível” ao movimento de massa corresponde naturalmente uma organização “acessível” mesmo à juventude menos preparada). Outros, afastados de todo “gradualismo” declararam: pode-se e deve-se “realizar a revolução política”, mas, para isso, não há necessidade de se criar uma forte organização de revolucionários educando o proletariado para uma luta firme e obstinada, basta que todos nós tomemos do bordão “acessível” e já conhecido. Para falar sem alegorias, é preciso organizar a greve geral*2 ou estimular através de “um terrorismo excitativo*3” o movimento operário “adormecido”. Essas duas tendências, a oportunista e a “revolucionaste”, capitulam diante dos métodos artesanais dominantes, não crêem na possibilidade de se libertar deles, não vêem nossa primeira e mais urgente tarefa prática: criar uma organização de revolucionários capaz de assegurar à luta política energia, firmeza e continuidade. Acabamos de citar as palavras de B-v: “0 crescimento do movimento operário ultrapassa o crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias”. Essa “comunicação preciosa de um observador bem colocado” (opinião emitida pela redação do Rabótcheie Dielo sobre o artigo de B-v) é para nós duplamente preciosa. Mostra que tínhamos razão de ver a causa fundamental da crise atual da social-democracia russa no atraso dos dirigentes (“ideólogos”, revolucionários, sociais-democratas) em relação ao impulso espontâneo das massas. Mostra que existe apenas a defesa e a exaltação dos métodos artesanais em todos esses raciocínios dos autores da carta economista (Iskra, nº 12) B. Kritchévski e Martynov sobre o perigo que existe em minimizar o papel do elemento espontâneo, da obscura luta quotidiana, da tática-processo etc. Essas pessoas que não podem pronunciar sem desdém a palavra “teórico”; que denominam “senso das realidades” sua idolatria diante da falta de preparação para as coisas da vida e da falta de desenvolvimento, mostram de fato sua ignorância de nossas tarefas práticas mais prementes. Às pessoas que se atrasam, gritam: Marquem passo! Não se adiantem! Aqueles que, no trabalho de organização, carecem de energia e de iniciativa, àqueles que carecem de “planos” de perspectivas amplas e corajosas, falam da “tática-processo”! Nosso erro capital é rebaixar nossas tarefas políticas e de organização ao nível dos interesses imediatos, “tangíveis”, “concretos” da luta econômica cotidiana, e não param de nos dizer: é preciso conferir à própria luta econômica um caráter político! Mais uma vez repetimos: isto constitui exatamente um “senso das realidades” comparável ao do herói da epopéia popular, que exclamava à vista de um cortejo fúnebre; “tornara que sempre tenham algo a transportar”. Lembrem-se da incomparável presunção, verdadeiramente digna de Narciso, com a qual esses sábios repreendiam Plekhanov: “As tarefas políticas, no sentido real e prático da palavra, isto é, no sentido de uma luta prática, racional e vitoriosa para as reivindicações políticas, são em princípio (sic) inacessíveis aos círculos operários” (“Resposta da redação do Rab. Dielo”, p. 24). Existem círculos e círculos, Senhores!, Evidentemente, as tarefas políticas são inacessíveis a um círculo de “artesãos”, enquanto estes não tomarem consciência de seus métodos artesanais e não se livrarem deles. Mas se, além disso, esses artesãos estão enamorados de seus métodos artesanais, se escrevem a palavra “prático” em itálico e imaginam que ser prático é rebaixar nossas tarefas ao nível de compreensão das massas mais atrasadas, então, evidentemente, esses artesãos são incuráveis e as tarefas políticas em princípio lhes são realmente inacessíveis. Mas, para um círculo de corifeus, como Alexeiev e Mychkine, Khalturine e Jeliabov, as tarefas políticas são inacessíveis no sentido mais verdadeiro, mais prático da palavra, e isto exatamente porque sua ardente propaganda encontra eco na massa que desperta espontaneamente; porque sua energia fervilhante é restabelecida e sustentada pela energia da classe revolucionária. Plekhanov tinha mil vezes razão não apenas quando assinalou a existência dessa classe revolucionária e provou que seu despertar espontâneo para a ação era inelutável, infalível, mas, também quando designou para os “círculos operários”, uma grandiosa e importante tarefa política. Quanto a vocês, invocam o movimento de massa que surgiu desde então, para rebaixar essa tarefa, para restringir o campo de ação e de energia dos “círculos operários”. O que é isso senão o apego do artesão a seus métodos artesanais? Vocês se vangloriam de seu espírito prático, e não vêem o fato conhecido de cada prático russo: que maravilhas pode realizar, em matéria revolucionária, a energia não apenas de um círculo, mas mesmo de um indivíduo isolado. Acreditam vocês, por acaso, que não podem existir em nosso. movimento dirigentes como os da década de 1870? Por que? Por que estamos pouco preparados? Mas nós nos preparamos, continuaremos a nos preparar e estaremos preparados! É verdade que à superfície dessa água estagnada, que é a “luta econômica contra os patrões e o governo”, infelizmente formou-se o limo; apareceram pessoas que se ajoelharam para. adorar a espontaneidade, contemplando religiosamente (segundo a expressão de Plekhanov) o “traseiro” do proletariado russo. Mas, saberemos nos livrar desse limo. Precisamente hoje, o revolucionário russo, orientado por uma teoria verdadeiramente revolucionária, apoiando-se em uma classe verdadeiramente revolucionária que desperta espontaneamente para a ação, pode enfim – enfim! – reerguer-se em toda a sua estatura e empregar toda a sua força de gigante. Para isso é preciso apenas que, entre a massa dos práticos e a massa ainda mais numerosa de pessoas que sonham com a ação prática desde os bancos da escola, toda tentativa de rebaixar nossas tarefas políticas e de restringir a envergadura de nosso trabalho de organização seja considerada com desprezo e recebida jocosamente. E fiquem tranqüilos, Senhores, chegaremos lá! No artigo “Por Onde Começar?” escrevi contra o Rabótcheie Dielo: “Em 24 horas, pode-se modificar a tática da agitação sobre algum ponto especial, modificar um detalhe qualquer na atividade do Partido. Mas, para modificar, não direi em 24 horas, mas até em 24 meses, suas concepções sobre a utilidade geral, permanente e absoluta de uma organização de combate e de uma agitação política nas massas, é preciso estar desprovido de todo princípio orientador. O Rabótcheie Dielo responde: “Essa acusação do Iskra, a única que pretende ter um caráter prático, está destituída de todo fundamento. Os leitores do Rabótcheie Dielo sabem muito bem que desde o princípio não apenas exortamos à agitação política, sem esperar que aparecesse o Iskra “… (dizendo, então, que “não se pode colocar” aos círculos operários, “nem ao movimento operário de massa, como primeira tarefa, a derrubada do absolutismo”, mas apenas a luta pelas reivindicações políticas imediatas, e que “as reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis à massa após uma, ou ao menos, numerosas greves”)… “mas, através de nossas publicações, também, fizemos chegar do estrangeiro aos camaradas militando na Rússia um material social-democrata de agitação política único”… (acrescentamos que com esse material único não só fizeram agitação política maior do que a feita no campo da luta econômica, mas também concluíram, enfim, que essa agitação limitada “é suscetível de ser a mais amplamente aplicada”. E os Senhores não repararam que sua argumentação prova justamente a necessidade do aparecimento do Iskra – dado esse material único – e a necessidade de o Iskra lutar contra o Rabótcheie Dielo ?)… “Por outro lado, nossa atividade como editores preparou de fato a unidade tática do partido”… (a unidade de convicção de que a tática é um processo de crescimento das tarefas do partido, que crescem ao mesmo tempo que o Partido? Unidade preciosa!)… “e, por isso mesmo, a possibilidade de “uma organização de combate”, para a criação daquela União, tornou em geral tudo isso acessível a uma organização residente no estrangeiro” (R. D., nº 10, p. 15). Vã tentativa para se sair do embaraço! Jamais pensei em contestar que tenham feito tudo que lhes era acessível. Afirmei e ainda afirmo que os limites do que lhes é “acessível” encontram-se cerceados pela estreiteza de sua compreensão. É ridículo falar de “organização de combate” para lutar em favor das “reivindicações políticas imediatas”, ou para “a luta econômica contra os patrões e o governo”. Mas, se o leitor quiser ver as pérolas do apego “economista” aos métodos artesanais, seria preciso naturalmente dirigir-se não ao Rabótcheie Dielo, eclético e instável, mas à Rabótchaia MysI, lógica e resoluta. “Duas palavras, agora, sobre o que se denomina, propriamente, a intelectualidade revolucionária”, escrevia R. M. em um “Suplemento especial”, p. 13; “provaram, é verdade, e mais de uma vez, que estão prontos a “integrar a luta decisiva contra o tzarismo”. Somente, o mal é que, perseguida sem tréguas pela polícia política, nossa intelectualidade revolucionária tomou a luta contra essa polícia política por uma luta política contra a autocracia. Por isso, a questão, “Onde buscar forças para a luta contra a autocracia?”, ainda não encontrou resposta. Não é realmente admirável esse desprezo pela luta contra a polícia, da parte de um adorador (no sentido pejorativo da palavra) do movimento espontâneo? Está pronto a justificar nossa imperícia na ação clandestina pelo argumento de que, em um movimento espontâneo de massa, a luta contra a polícia, em suma, não tem importância para nós!! Muito poucos subscreverão essa conclusão monstruosa, tal é o grau e a forma dolorosa em que são sentidas, por todos, as folhas de nossas organizações revolucionárias. Mas se Martynov, por exemplo, não a subscreve, é unicamente porque não sabe ir até o fim de seu pensamento, ou não tem coragem para tanto. De fato, se a massa apresenta reivindicações concretas prometendo resultados tangíveis, constitui isso uma “tarefa” que exige a preocupação particular com a criação de uma organização sólida, centralizada, combativa? A massa que não “luta de modo algum contra a polícia política” não se incumbe, ela própria, dessa “tarefa”? Mais ainda, essa tarefa seria executável se, com exceção de raros dirigentes, os operários (em sua grande maioria), que não são de forma alguma capazes de “lutar contra a polícia política”, também não se encarregassem dela? Esses operários, os elementos médios da massa, são capazes de demonstrar uma energia e uma abnegação prodigiosas em uma greve, em um combate de rua com a polícia e as tropas policiais; são capazes (e são os únicos capazes) de decidir o resultado de todo o nosso movimento; porém, justamente a luta contra a polícia política exige qualidades especiais, exige revolucionários profissionais. E devemos estar vigilantes para que a massa operária não apenas “apresente” reivindicações concretas, mas ainda “apresente” um número cada vez maior desses revolucionários profissionais. Chegamos, assim, à questão da relação entre a organização dos revolucionários profissionais e o movimento puramente operário. Essa questão, pouco desenvolvida na literatura, já ocupou bastante a nós, “políticos”, em nossas conversas e discussões com os camaradas que, de uma maneira ou de outra, tendem para o “economismo“. Vale a pena que nos detenhamos nessa questão. Mas, antes, terminemos com outra citação, a ilustração de nossa tese sobre a ligação dos métodos artesanais com o “economismo“. “O grupo ‘Liberação do Trabalho'”, escrevia N.N. em sua ‘Resposta’, “reclama a luta direta contra o governo sem buscar saber onde está a força material para essa luta, sem indicar o caminho que ela deve seguir”. E sublinhando essas últimas palavras, o autor faz a seguinte observação a respeito da palavra “caminho”: “Este fato não poderia ser explicado pelas necessidades da ação clandestina; de fato, no programa não se trata de uma conspiração, mas de um movimento de massa. Ora, a massa não pode seguir caminhos secretos. É possível uma greve secreta? São possíveis uma manifestação ou uma petição secretas?” (Vademecum, p. 59). O autor aborda de perto essa “força material” (organizadores de greves e de manifestações) e os “caminhos” luta, mas encontra-se confuso e perplexo, pois “inclina-se diante do movimento de massa, isto é, considera-o um fator que nos libera da atividade revolucionária que nos pertence, e não um fator destinado a encorajar e a estimular nossa atividade revolucionária. Uma greve secreta é impossível, tanto para seus participantes como para aqueles a quem afeta diretamente. Mas, para a massa dos operários russos, essa greve pode permanecer (e na maior parte dos casos permanece) “secreta”, pois o governo tomará o cuidado de cortar todas, as comunicações com os grevistas, tomará o cuidado de tornar impossível todas as informações sobre a greve. É então que se torna necessária uma “luta contra a polícia política”, luta especial que jamais poderá ser conduzida ativamente por uma massa tão grande como a que participa da greve. Essa luta deve ser organizada “segundo todas as regras da arte” por profissionais da ação revolucionária. E o fato de a massa estar espontaneamente integrada ao movimento não torna menos necessária a organização dessa luta. Ao contrário, torna ainda mais necessária; pois nós, socialistas, faltaríamos a nosso primeiro dever para com a massa, se não soubéssemos impedir a polícia de tornar secreta (e se, por vezes, não nos preparássemos secretamente, nós mesmos) uma greve ou uma manifestação qualquer. Estamos em condição de fazê-lo, precisamente porque a massa, que desperta espontaneamente para a ação, fará surgir igualmente de seu seio um número cada vez maior de “revolucionários de profissão” (isso se não induzirmos todos os operários, de todas as maneiras, a permanecer no mesmo lugar).
c) A Organização dos Operários e a Organização dos Revolucionários
Se para o social-democrata a idéia de “luta econômica contra os patrões e o governo” identifica-se à de luta política, é natural que a idéia de “organização de operários” identifique-se, entre eles, mais ou menos à idéia de “organização de revolucionários”. E, na realidade, é o que acontece, de modo que falando de organização, falamos línguas absolutamente diferentes. Lembro-me, por exemplo, de uma conversa que tive um dia com um “economista” bastante conseqüente, e que ainda não conhecia. A conversa girou em torno do folheto “Quem Fará a Revolução Política?” Concluímos, rapidamente, que seu principal defeito era não considerar os problemas de organização. Pensávamos já estar de acordo, mas… prosseguindo a conversa, percebemos que falávamos de coisas diferentes. Meu interlocutor, acusava o autor de não levar em consideração as caixas de auxílio às greves, as sociedades de socorro mútuo etc.; quanto a mim, falava da organização de revolucionários indispensável para “fazer” a revolução, política. E desde que ocorreu essa divergência, não me lembro mais de, ter estado de acordo sobre qualquer questão de princípio com, esse “economista”! Mas, qual era, pois, a causa de nossas divergências? Justamente o fato de os “economistas” desviarem-se constantemente do “social-democratisrno” para o sindicalismo, tanto nas tarefas de organização como nas tarefas políticas. A luta política da social-democracia é muito maior e muito mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Do mesmo modo (e como conseqüência) a organização de um partido social-democrata revolucionário deve necessariamente constituir um gênero diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em primeiro lugar, profissional; em segundo lugar, a maior possível; em terceiro lugar, a menos clandestina possível (aqui e mais adiante refiro-me, bem entendido, apenas à Rússia autocrática). Ao contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e principalmente, homens cuja profissão é a ação revolucionária (por isso, quando falo de uma organização de revolucionários, refiro-me aos revolucionários sociais-democratas). Diante dessa característica comum aos membros de tal organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais e ainda com maiores razões, entre as diversas profissões de uns e de outros. Necessariamente essa organização não deve ser muito extensa, e é, preciso que seja o mais clandestina possível. Vamos deter-nos sobre esses três pontos determinados. Nos países onde há liberdade política, a diferença entre a organização sindical e a organização política é perfeitamente clara, como também a diferença entre os sindicatos e a social-democracia. Certamente, as relações da social-democracia com os sindicatos variam, inevitavelmente, de país a país segundo as condições históricas, jurídicas e outras; posem ser mais ou menos estreitas, complexas etc. (devem ser, em nossa opinião, as mais estreitas e as menos complexas possíveis); mas, nos países livres, não seria o caso de se identificar a organização sindical com a do partido social-democrata. Na Rússia, o jugo da autocracia apaga, à primeira vista, toda distinção entre a organização social-democrata e a associação operária, pois todas as associações operárias e todos os círculos estão proibidos, e a greve, manifestação e arma principais da luta econômica dos operários, é considerada um crime de direito comum (às vezes até um delito político). Assim, pois, a situação entre nós, de um lado, “incita” forçosamente os operários que conduzem a luta econômica a se ocuparem de questões políticas e, de outro, “incita os sociais-democratas a confundirem o sindicalismo e o “social-democratismo” (e nossos Kritchévski, Martynov e Cia., que não param de falar sobre a “incitação” do primeiro gênero, não observam a “incitação” do segundo gênero). De fato, consideremos as pessoas absorvidas: noventa e nove por cento pela luta econômica contra os patrões e o governo. Uns, durante todo o período de sua atividade (de 4 a 6 meses), jamais serão levados a pensar na necessidade de uma organização mais complexa de revolucionários; outros, ao que parece, serão “levados” a ler a obra bernisteiniana, relativamente difundida, e daí extrairão a convicção de que é a “marcha progressiva da obscura luta quotidiana” que apresenta uma importância fundamental. Outros, enfim, talvez serão seduzidos pela idéia de dar ao mundo um novo exemplo de “estreita ligação orgânica com a luta proletária”, de ligação entre o movimento sindical e o movimento social-democrata. Essas pessoas raciocinarão assim: quanto mais tarde um país entrar na arena do capitalismo, e portanto na- do movimento operário, mais os socialistas poderão participar do movimento sindical e apoiá-lo, e haverá menos condições para a existência de sindicatos não sociais democratas. Até aqui, esse raciocínio é perfeitamente justo, mas o mal é que vão mais longe e sonham com a fusão completa do “social-democratismo” e do sindicalismo. Vamos ver, em seguida, através do exemplo dos “Estatutos da União de Luta de São Petersburgo”, a influência nociva que esses sonhos exercem sobre nossos p1anos de organização. As organizações operárias para a luta econômica devem ser organizações profissionais. Todo operário social-democrata deve, sempre que possível, apoiar essas organizações e aí trabalhar ativamente. Bem, mas não constitui nosso interesse exigir que só os sociais-democratas possam ser membros das uniões “corporativistas”: isso restringiria nossa influência sobre a massa. Deixemos participar na união corporativa todo operário que compreenda a necessidade de se unir para lutar contra os patrões e o governo. O próprio objetivo das uniões corporativas não seria atingido, se não agrupassem todos aqueles capazes de compreender mesmo essa noção elementar, e se essas uniões corporativas não fossem organizações muito amplas. E quanto maiores essas organizações, também maior será nossa influência sobre elas, influência exercida não apenas através do desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, mas, também, pela ação consciente e direta dos membros socialistas da união sobre seus camaradas. Mas, em uma organização ampla, uma ação estritamente de conspiração é impossível (pois exige mais preparação do que a necessária para participar da luta econômica. Como conciliar essa contradição, entre a necessidade de uma organização ampla e de uma ação estritamente de conspiração? Como fazer para que as organizações corporativas sejam o menos possível de conspiração? De modo geral, há apenas dois meios: ou a legalização das associações corporativas (que em certos países precedeu a legalização das associações socialistas e políticas), ou a manutenção da organização secreta, mais “livre”, pouco regulamentada, lose, como dizem os alemães, a tal ponto que, para a massa dos associados, o regime conspirativo fica reduzido quase a zero. A legalização das associações operárias não socialistas e não políticas já começou na Rússia, e não há dúvida de que cada passo de nosso movimento operário social-democrata, em rápida progressão, multiplicará e encorajará as tentativas dessa legalização, tentativas que vêm sobretudo dos partidários do regime estabelecido, mas, também, dos operários e dos intelectuais liberais. A bandeira da legalização já foi hasteada pelos Vassiliev e os Zubatov; os Ozerov e os Worms já prometeram e deram sua cooperação, e entre os operários já se encontram adeptos da nova tendência. E nós não podemos deixar de considerar essa tendência. E como considerá-la? Quanto a isso, não poderia existir mais do que uma opinião entre os sociais-democratas. Devemos denunciar constantemente toda participação dos Zubatov, dos Vassilicv, dos policiais, e dos popes nessa tendência, e esclarecer os operários sobre as verdadeiras intenções desses participantes. Devemos denunciar também todas as notas conciliadoras e “harmônicas” que se manifestam nos discursos dos liberais nas assembléias públicas dos operários, quer sejam moduladas por pessoas sinceramente convencidas de que a colaboração pacífica das classes é desejável, quer tenham o desejo de serem bem vistas pelas autoridades ou, enfim, quer sejam essas pessoas simplesmente inábeis. Devemos, enfim, colocar os operários em guarda contra as armadilhas freqüentemente preparadas pela polícia que, nessas assembléias públicas e nas sociedades autorizadas, busca marcar os “homens imbuídos do fogo sagrado” e aproveitar-se das organizações legais para introduzir provocadores também nas organizações ilegais. Mas, fazer isto não significa esquecer que a legislação do movimento operário, afinal de contas, não beneficiará os Zubatov, mas a nós mesmos. Ao contrário, justamente pela nossa campanha de denúncias separamos o joio do trigo. Já mostramos qual é o joio. 0 trigo é atrair a atenção das camadas operárias maiores e mais atrasadas para as questões políticas e sociais: é libertar a nós, revolucionários, de funções que, no fundo, são legais (difusão de obras legais, socorro mútuo etc.) e que, desenvolvendo-se, dar-nos-ão infalivelmente material cada vez mais abundante para a agitação. Nesse sentido podemos e devemos dizer aos Zubatov e aos Ozerov: Trabalhem, Senhores, trabalhem! Enquanto os senhores preparam armadilhas para os operários, pela provocação direta ou pelo “struvismo” (meio “honesto” de corromper os operários), nós nos encarregamos de desmascará-los. Enquanto os senhores dão realmente um passo à frente – mesmo que seja sob a forma de um “tímido ziguezague” – mas um passo à frente, apesar de tudo, nós lhe diremos: Isso mesmo! E todo o alargamento do campo de ação dos operários, mesmo minúsculo, constitui um verdadeiro passo à frente. E todo alargamento desse gênero só pode beneficiar-nos: apressará o aparecimento de associações legais, onde não serão os provocadores que pescarão os socialistas, mas os socialistas que pescarão adeptos. Em uma palavra, o que é preciso, agora, é combater o joio. Não nos cumpre cultivar o trigo em vasos. Arrancando o joio, limpamos o terreno a fim de permitir que o trigo germine. E enquanto os Afanassi Ivanovitch e as Pulquéria Ivanovna ocupar-se da cultura doméstica do trigo, devemos preparar segadores que saibam, hoje, arrancar o joio, e amanhã ceifar o trigo(3). Assim, nós não podemos, por intermédio da legalização, resolver o problema da criação de uma organização profissional menos clandestina e a maior possível (mas ficaríamos muito felizes se os Zubatov e os Ozerov nos oferecessem a possibilidade, mesmo parcial, de assim resolver o problema, pois devemos lutar contra eles com o máximo de energia!). Resta o caminho das organizações profissionais secretas, e devemos, por todos os meios, ajudar os operários que já seguem por esse caminho (sabemos isso de fonte segura). As organizações profissionais podem não somente ser de imensa utilidade para o desenvolvimento e o fortalecimento da luta econômica, mas, ainda, tornar-se um precioso auxiliar da agitação política e da organização revolucionária. Para chegar a esse resultado, para orientar o movimento profissional nascente no caminho desejado pela social-democracia, é preciso antes de tudo compreender bem o absurdo do plano de organização do qual se prevalecem, já há cinco anos, os “economistas- de Petersburgo. Esse plano também está exposto nos Estatutos da Caixa Operária, de julho de 1897 (Listok “Rab. “, n.º 9-10, p. 46, no n.º 1 da Rabótchaia Mys1) e nos Estatutos da Organização Operária Profissional, de outubro de 1900 (folha especial, impressa em São Petersburgo e mencionada no n.º 1 do Iskra). Esses estatutos têm um defeito essencial: expõem todos os detalhes de uma grande organização operária, que confundem com a organização de revolucionários. Tomemos os segundos estatutos, melhor elaborados. Apresentam cinqüenta e dois parágrafos: 23 parágrafos expõem a estrutura, o modo de gestão e as funções dos “círculos operários” que serão organizados em cada fábrica (“não mais de 10 pessoas”) e elegerão os “grupos centrais (de fábrica)”. O parágrafo 2 especifica: “O grupo central observa tudo o que se passa na fábrica ou na usina, e se encarrega da crônica dos acontecimentos”. “O grupo central presta contas do estado da caixa, mensalmente, a todos os contribuintes(parágrafo 17) etc.; dez parágrafos são dedicados à “organização de bairro?’, e dezenove à intrincadíssima relação do “Comitê da Organização Operária” e do “Comitê da União de Luta de São Petersburgo (delegados de cada bairro e dos “grupos executivos” – “grupos de propagandistas para as relações com a província, para as relações com o exterior, para a administração dos depósitos, das edições, da caixa”). A social-democracia incorporada aos “grupos executivos”, no que diz respeito à luta econômica dos operários! Seria difícil demonstrar de forma mais relevante como o pensamento do “economista” desvia-se do “social-democratismo” em direção ao sindicalismo, e como se preocupa pouco como fato de o social-democrata dever, antes de tudo, pensar em organizar revolucionários capazes de dirigir toda a luta emancipadora do proletariado. Falar da “emancipação política da classe operária”, da luta contra a “arbitrariedade tzarista” e redigir semelhantes estatutos, significa nada compreender, mas absolutamente nada, das verdadeiras tarefas políticas da social-democracia. Nenhum dos cinqüenta parágrafos revela o menor traço de compreensão da necessidade de se fazer entre as massas uma grande agitação política, esclarecendo todos os aspectos do absolutismo russo, toda a fisionomia das diferentes classes sociais na Rússia. Além disso, com tais estatutos, não só os fins políticos mas mesmo os fins sindicais do movimento não poderiam ser atingidos, visto exigirem urna organização por profissões, da qual os estatutos nada dizem. Mas o mais característico é talvez o surpreendente peso de todo esse “sistema”, que procura ligar cada fábrica ao “comitê” por intermédio de regulamentos uniformes e minuciosos até ao ridículo, com um sistema eleitoral em três níveis. Comprimidos no estreito horizonte do “economicismo”, o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de papelada e burocracia. Na realidade, três quartos d esses parágrafos nunca serão aplicados; por outro lado, semelhante organização “clandestina”, com um grupo central em cada fábrica, facilita aos policiais as prisões em massa. Os camaradas poloneses já passaram por essa fase do movimento; houve um período em que todos desejavam fundar caixas operárias por toda a parte: mas logo renunciaram a essa idéia, quando se convenceram que simplesmente favoreciam os policiais. Se queremos amplas organizações operárias e não amplas ações policiais, se não queremos fazer o jogo dos policiais, devemos agir de forma que essas não sejam de modo algum regulamentadas. Mas ‘poderão elas, então, funcionar? Consideremos um pouco essas funções: “Observar tudo o que se passa na fábrica e fazer a crônica dos acontecimentos” (§ 2 dos estatutos). Será preciso, na verdade, regulamentar essa função? Seu objetivo não será melhor atingido através das crônicas na imprensa ilegal, sem que grupos de qualquer espécie sejam especialmente constituídos para esse fim? “… Dirigira lutados operários para melhorar sua condição na fábrica” (§ 3). Mais urna vez, é inútil regulamentar. Urna simples conversa basta para um agitador (mesmo pouco inteligente) saber exatamente quais são as reivindicações que os operários desejam formular; depois, conhecendo-as, saberá transmiti-las a uma organização restrita – e não ampla – de revolucionários, que editará um panfleto apropriado. “… Organizar uma caixa … com a contribuição de 2 copegues por rublo” (§ 9) e prestar contas do estado da caixa, mensalmente, a todos os contribuintes (§ 17); excluir os membros que não paguem sua contribuição (§ 10) etc. Para a polícia, isto é um verdadeiro paraíso, pois nada é mais fácil do que denunciar esse trabalho de conspiração da “caixa central da fábrica”, de confiscar o dinheiro e encarcerar toda a “elite”. Não seria mais simples emitir selos de um ou dois copegues de uma certa organização (muito restrita e muito secreta), ou ainda, sem qualquer símbolo, fazer coletas, cujos resultados seriam dados por um jornal ilegal, em uma linguagem combinada? Dessa forma, os mesmos objetivos seriam atingidos, e a polícia teria de trabalhar cem vezes mais para descobrir a trama da organização. Poderia continuar esta análise-tipo dos estatutos, mas creio já ter dito o bastante. Um pequeno núcleo compacto, composto de operários mais seguros, mais experimentados e mais fortalecidos, um núcleo tendo homens de confiança nos principais bairros, e ligado de acordo com as regras da mais estrita ação clandestina à organização dos revolucionários, poderá perfeitamente, com maior colaboração da massa e sem qualquer regulamentação, encarregar-se de todas as funções que competem a uma organização profissional e, além disso, realizá-las exatamente segundo as aspirações da social-democracia Somente assim poderemos consolidar e desenvolver, apesar de toda a polícia, o movimento profissional social-democrata. Poderiam objetar que uma organização lose ao ponto de não ter qualquer regulamento, nem membros declarados e registrados, não poderia ser qualificada de organização. Talvez: não me importo com o nome. Mas, essa “organização sem membros” fará tudo o que é necessário, assegurará desde o princípio uma ligação sólida entre nossos futuros sindicatos e o socialismo. E aqueles que, sob o absolutismo, desejam uma grande organização de operários com eleições, contas prestadas, sufrágio universal etc., são todos utopistas incuráveis e de boa fé. A moral a extrair disso é simples: se começamos por estabelecer urna organização de revolucionários, forte e sólida, poderemos assegurar a estabilidade do movimento em seu conjunto, atingir simultaneamente os objetivos sociais-democratas e os objetivos propriamente sindicais. Mas, se começamos por constituir uma organização operária ampla, pretensamente a mais “acessível” à massa (na realidade, a mais acessível aos policiais e que tornará os revolucionários mais acessíveis à polícia), não atingiremos nenhum desses objetivos. Não nos livraremos de nossos métodos artesanais e, pela nossa fragmentação, pelos nossos fracassos contínuos, apenas tornaremos mais acessíveis à massa os sindicatos do tipo Zubatov ou Ozerov. Quais devem ser, propriamente, as funções dessa organização de revolucionários? Falaremos disso em detalhe. Mas examinaremos primeiro um outro raciocínio bem típico de nosso terrorista que, mais uma vez (triste destino o seu!), encontra-se próximo ao “economismo“. A Svoboda (nº1), revista para os operários, contém um artigo intitulado “A Organização”, cujo autor busca defender seus amigos, os “economistas” operários de Ivanovo-Voznessensk. “É deplorável, diz ele, “quando uma multidão é silenciosa, inconsciente, quando um movimento não vem de baixo. Observem o que acontece em uma cidade universitária, quando os estudantes, na época de festas ou durante o verão, voltam para suas casas; o movimento operário paralisa-se. Um movimento operário estimulado a partir do exterior pode constituir uma força verdadeira? Não, certamente… Ainda não aprendeu a marchar por si, deve ser amparado. Isso ocorre em todo lugar: os estudantes partem, e o movimento cessa; os elementos mais capazes, a nata, são aprisionados, e o leite azeda; prende-se o ‘Comitê’, e enquanto um novo ‘Comitê’ não for formado, sobrevem a calmaria; e não se sabe ainda o que será o novo ‘Comitê’; talvez não se assemelhe ao antigo: este dizia uma coisa, aquele dirá o contrário. Rompeu-se o laço entre ontem e hoje, a experiência do passado não beneficia o futuro. E tudo isso porque o movimento não tem raízes profundas na multidão; porque o trabalho é feito não por uma centena de imbecis, mas por unia dezena de cabeças dotadas de inteligência. Uma dezena de homens cai facilmente na boca do lobo; mas, quando a organização engloba a multidão, quando tudo vem da multidão, é impossível destruir o movimento?” (p. 63). Os fatos estão fielmente relatados. Eis aí um bom quadro de nosso trabalho artesanal. Mas, as conclusões, p51a sua falta de lógica e tato político, são dignas da Rabótchaia Mys1 E o cúmulo da falta de lógica, pois o autor confunde a questão filosófica, histórica e social das “raízes profundas” do movimento com o problema de organização técnica de uma luta mais eficaz contra os policiais. É o cúmulo da falta de tato político, pois, em lugar de submeter os maus dirigentes aos bons dirigentes, o autor submete os dirigentes em geral à “multidão”. É ainda uma forma de nos fazer retroceder no que diz respeito à organização, do mesmo modo que a idéia de substituir a agitação política pelo “terror excitativo” nos faz retroceder politicamente. Na verdade, encontro-mo diante de um embarras de richesses; não sei por onde começar a análise do imbróglio oferecido pela Svoboda. Para maior clareza, tentarei começar por um exemplo: tomemos os alemães. Espero que não neguem que, entre eles, a organização abrange a multidão, que tudo vem da multidão, que o movimento operário, na Alemanha, aprendeu a marchar sozinho. E contudo, como essa multidão de milhões de homens sabe apreciar a “dezena” de seus experimentados chefes políticos, e como os apoiam! Mais de uma vez, no Parlamento, os deputados dos partidos adversários atormentaram os socialistas dizendo: “Que belos democratas são vocês! O movimento da classe operária; para vocês, existe apenas em palavras: na realidade, é sempre o mesmo grupo de chefes que faz tudo. Durante anos, durante dezenas de anos, é sempre o mesmo Bebel, o mesmo Liebknecht! Mas seus delegados, pretensamente eleitos pelos operários, são mais permanentes que os funcionários nomeados pelo imperador!” Mas os alemães acolhem com um sorriso de desprezo essas tentativas demagógicas de opor a “multidão” aos “dirigentes”, de acender nela os maus instintos, instintos de vaidade, e de privar o movimento de sua solidez e estabilidade, arruinando a confiança da massa nessa “dezena de cabeças dotadas de inteligência”. Os alemães são bastante desenvolvidos politicamente, têm suficiente experiência política para compreender que, sem uma “dezena” de chefes capazes (os espíritos capazes não surgem às centenas), experimentados, profissionalmente preparados e instruídos por um longo aprendizado, perfeitamente de acordo entre si, nenhuma classe da sociedade moderna pode conduzir resolutamente a luta. Os alemães também tiveram seus demagogos, que adulavam as “centenas de imbecis- colocando-os acima das “dezenas de cabeças dotadas de inteligência”; que adulavam o “punho musculoso” da massa, empurravam (como Most ou Hasselmann) essa massa a atos “revolucionários” irrefletidos, e semeavam a desconfiança em relação aos chefes firmes e resolutos. E foi apenas graças a uma luta obstinada, implacável, contra os elementos demagógicos de toda espécie e de toda ordem no seio do socialismo, que o socialismo alemão cresceu tanto e fortaleceu-se. Ora, nesse período onde toda a crise da social-democracia russa explica-se pelo fato de as massas espontaneamente despertadas não terem dirigentes suficientemente preparados, desenvolvidos e experimentados, nossos sabichões vêm nos dizer sentenciosamente, com a profundidade de pensamento de um Gribouille(4) “É deplorável quando um movimento não vem de baixo!” “Um comitê de estudantes não nos convém, porque é instável.” Perfeitamente correto. Mas a conclusão a extrair é que é necessário um comitê de revolucionários profissionais, operários ou estudantes, pouco importa, que saibam proceder à sua educação de revolucionários profissionais. Enquanto que a conclusão que os senhores tiram, é que não é necessário estimular o movimento operário a partir do exterior! Em sua ingenuidade política, nem mesmo notam que assim fazem o jogo de nossos “economistas” e utilizam nossos métodos artesanais. Permitam-me colocar uma questão: como nossos estudantes “estimularam” nossos operários? Unicamente levando-lhes o pouco conhecimento político que eles próprios tinham, os fragmentos de idéias socialistas que puderam recolher (pois o principal alimento espiritual do estudante contemporâneo, o marxismo legal, não lhe pode oferecer senão o á-bê-cê e os fragmentos). Esse estímulo de fora não foi oferecido em abundância, ao contrário, em nosso movimento esse estímulo foi escandalosa e vergonhosamente insignificante; pois, até aqui, não fizemos mais do que “cozinharmo-nos mais do que o necessário em nosso próprio molho”, inclinando-se servilmente diante da “elementar luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”. Nós, revolucionários de profissão, devemos ocupar-nos cem vezes mais desse “estímulo”, e o faremos. Mas, justamente porque os senhores, empregam essa odiosa expressão, “estímulo a partir do exterior”, que inevitavelmente inspira o operário (pelo menos o operário tão pouco desenvolvido como os senhores) a desconfiar de todos aqueles que lhe trazem de fora os conhecimentos políticos e a experiência revolucionária, e suscita nele o desejo instintivo de mandar passear todas as pessoas desse tipo – os senhores mostram-se como demagogos; ora, os demagogos são os piores inimigos da classe operaria. Perfeitamente! E não se apressem a gritar contra os procedimentos “inadmissíveis entre camaradas” de minha discussão! Nem penso em suspeitar da pureza de suas intenções; já disse que é possível tornar-se demagogo unicamente através da ingenuidade política. Mas mostrei que os senhores se deixaram levar até à demagogia. E jamais deixarei de repetir que os demagogos são os piores inimigos da classe operária. Os piores, precisamente, porque acendem os maus instintos da multidão, e é impossível para os operários pouco desenvolvidos reconhecer esse inimigos que se apresentam, e às vezes sinceramente, como seus amigos. Os piores porque, nesse período de dispersão e de hesitação, quando nosso movimento ainda se busca, nada mais fácil do que arrastar demagogicamente a multidão, que só as provações mais amargas poderão, depois, convencer de seu erro. Eis por que a palavra de ordem do momento para os sociais-democratas russos deve ser a luta resoluta contra a Svoboda, que se deixa levar à demagogia, e contra o Rabótcheie Dielo, que também assim procede (ainda voltaremos a isso(5)). “É mais fácil caçar uma dezena de cabeças dotadas de inteligência do que uma centena de imbecis.” Essa grande verdade (que sempre receberá o aplauso da centena de imbecis) parece evidente apenas porque, no curso de seu raciocínio, os senhores pularam de uma questão a outra. Começaram e continuam a falar da captura do “Comitê”, da “organização”, e agora passam a uma outra questão, à capturadas “raízes”‘ do movimento “em profundidade”. Certamente, nosso movimento é apreensível, porque tem centenas de milhares de profundas raízes, mas não é essa a questão, de modo algum. Mesmo agora, apesar de todos os nosso métodos artesanais, e impossível “apreendermos”, ou a nossas “profundas raízes; e todavia, todos deploramos, e não podemos deixar de deplorar, a captura das “organizações”, o que impede toda continuidade no movimento. Ora, se os senhores colocam a questão da captura das organizações, e se prendem a essa questão, dir-lhes-ei que é muito mais difícil apreender uma dezena de cabeças dotadas de inteligência do que uma centena de imbecis. E sustentarei esta tese, não importa o que façam para excitar a multidão contra meu “anti-democratismo” etc. É preciso entender por “cabeças inteligentes”, em matéria de organização, como já mencionei em várias ocasiões, unicamente os revolucionários profissionais, estudantes ou operários de origem, pouco importa. Ora, eu afirmo: 1º) que não seria possível haver movimento revolucionário sólido sem uma organização estável de dirigentes, que assegure a continuidade do trabalho; 2º) que quanto maior a massa espontaneamente integrada à luta, formando a base do movimento e dele participando, mais imperiosa é a necessidade de se ter tal organização, e mais sólida deve ser essa organização (senão será mais fácil para os demagogos arrastar as camadas incultas da massa); 3º) que tal organização deve ser composta principalmente de homens tendo por profissão a atividade revolucionária; 4º) que, em um país autocrático, quanto mais restringirmos o contingente dessa organização, ao ponto de aí não serem aceitos senão os revolucionários de profissão que fizeram o aprendizado na arte de enfrentar a polícia política, mais difícil será “capturar” tal organização e 5º) mais numerosos serão os operários e os elementos das outras classes sociais, que poderão participar do movimento e nele militar de forma ativa. Convido nossos “economistas”, nossos terroristas, e nossos “economistas terroristas(6)” a refutar essas teses, das quais, neste momento, desenvolverei apenas as duas últimas. A questão de saber se é mais fácil capturar uma “dezena de cabeças dotadas de inteligência” ou uma “centena de imbecis” reconduz à questão que analisei mais acima: é possível uma organização de massa no quadro de um regime estritamente clandestino? Jamais poderemos dar a uma grande organização caráter clandestino, sem o qual não seria possível falar de uma luta firme contra o governo, cuja continuidade fosse assegurada. A concentração de todas as funções clandestinas entre as mãos do menor número possível de revolucionários profissionais não significa absolutamente que esses “pensarão por todos”, que a multidão não tomará parte ativa no movimento. Ao contrário, a multidão fará surgir esses revolucionários profissionais em número sempre maior, pois saberá, então, que não basta alguns estudantes e alguns operários, que conduzem a luta econômica, reunirem-se para constituir um “comitê”, mas é necessário, durante anos, que procedam à sua educação de revolucionário profissional; e a multidão não “pensará” unicamente no trabalho artesanal, mas exatamente nessa educação. A centralização. das funções clandestinas da organização não significa absolutamente a centralização de todas as funções do movimento. Longe de diminuir, a colaboração ativa de maior quantidade de literatura ilegal multiplicar-se-á dez vezes, quando uma “dezena” de revolucionários profissionais centralizarem em suas mãos a edição clandestina dessa literatura. Então, e somente então, conseguiremos que a leitura das publicações ilegais, a colaboração nessas publicações e mesmo, até certo ponto, a sua difusão deixem (quase) de ser clandestinas: a polícia logo terá compreendido o absurdo e a impossibilidade de perseguição judicial e administrativa a propósito de cada exemplar de publicações distribuídas aos milhares. E isto é verdade, não somente para a imprensa, mas também para todas as funções do movimento, inclusive as manifestações. A participação mais ativa e maior da massa em uma manifestação, longe de sofrer com isso, ganhará mais se uma “dezena” de revolucionários experimentados, e pelo menos tão bem preparados profissionalmente como nossa polícia, centralizar todos os aspectos clandestinos: elaboração de panfletos, de um plano aproximado, nomeação de um grupo de dirigentes para cada bairro da cidade, cada grupo de fábricas, cada estabelecimento de ensino etc. (Sei que poderão objetar que meus pontos de vista “nada têm de democrático”, mas responderei a tal objeção, mais adiante, e em detalhe, que nada é menos inteligente). A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários, longe de enfraquecer, enriquecerá e estenderá a ação de uma multidão de outras organizações que se dirigem ao grande público e que, por seu razão, também são tão pouco regulamentadas e clandestinas quanto possível: associações profissionais de operários, círculos operários de instrução e de leitura de publicações ilegais, círculos socialistas e também círculos democráticos para todas as outras camadas da população etc. etc. Esses círculos, associações profissionais de operários e organizações são necessários em toda a parte; é preciso que sejam mais numerosos e que suas funções sejam as mais variadas; mas é absurdo e prejudicial confundi-las com a organização de revolucionários, apagar a linha de demarcação que existe entre elas, extinguir na massa o sentimento já incrivelmente adormecido de que, para “servir” um movimento de massa, é preciso ter homens que se dediquem especial e integralmente à atividade social-democrata, e que, paciente e obstinadamente, procedam à sua educação de revolucionários profissionais. Sim, esse sentimento está incrivelmente adormecido. Através de nossos métodos artesanais, comprometemos o prestígio dos revolucionários na Rússia; é o nosso pecado capital em matéria de organização. Um revolucionário sem energia, hesitante nos problemas teóricos, com horizontes limitados, justificando sua inércia pela espontaneidade do movimento de massa; mais semelhante a um secretário de sindicato que a um tribuno popular, incapaz de apresentar um plano amplo e corajoso, que imponha o respeito de seus próprios adversários, um revolucionário sem experiência e pouco hábil em sua arte profissional – a luta contra a polícia política – será um revolucionário? Não, não passa de um artesão digno de piedade. Que nenhum prático se ofenda com esse epíteto severo, pois, no que diz respeito à falta de preparação, aplico esse epíteto a mim mesmo, antes de todos. Trabalhei em um círculo que se atribuía tarefas muito amplas e múltiplas; todos nós, membros desse círculo, sofremos muito ao percebermos que éramos apenas os artesãos naquele momento histórico em que se poderia dizer, parafraseando a célebre máxima: Dêem-nos uma organização de revolucionários e revolucionaremos a Rússia! E quanto mais me recordo desse agudo sentimento de vergonha que então experimentei, mais sinto aumentar em mim a amargura contra esses pseudo-sociais-democratas, cuja propaganda “desonra o título de revolucionário”, e que não compreendem que nossa tarefa não é defender o rebaixamento do revolucionário ao nível de artesãos, mas de elevar os artesãos ao nível dos revolucionários.
d) Envergadura do Trabalho de Organização
Como já vimos, B-v fala da “escassez de forças revolucionárias aptas para a ação, que se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia”. Não creio que se encontre alguém para contestar esse fato. Trata-se, porém, de saber como explicá-lo. B-v escreve: “Não vamos aprofundar-nos nas razões históricas desse fenômeno; diremos somente que, desmoralizada por uma prolongada reação política e dividida pelas mudanças econômicas que se processaram e ainda se processam, a sociedade fornece apenas uni número infinitamente restrito de pessoas aptas ao trabalho revolucionário; a classe operária, fornecendo os revolucionários-operários, completa em parte as fileiras das organizações ilegais, porém, o número desses revolucionários não corresponde às necessidades da época. Tanto mais que o operário, pela sua própria situação, pois está ocupado onze horas e meia por dia na fábrica, pode apenas preencher funda mentalmente as funções de agitador, enquanto a propaganda e a organização, e reprodução e a distribuição da literatura ilegal, a publicação de proclamações etc., constituem forçosamente, em sua grande maioria, as funções de um número ínfimo de intelectuais” (Rabótcheie Dielo, nº6, p. 38-39). Não estamos de acordo com essa opinião de B-v em relação a vários pontos, e grifamos especialmente os que mostram de forma relevante que, tendo sofrido muito por causa de nosso trabalho artesanal (como todo militante que pensa um pouco), B-v, subjugado pelo “economismo“, não consegue encontrar um meio de sair dessa situação intolerável. Não, a sociedade fornece um número muito grande de homens aptos ao “trabalho”, mas não sabemos utilizá-los a todos. O estado crítico, o estado transitório de nosso movimento nesse aspecto pode ser assim formulado: Há falta de homens embora os homens existam em grande quantidade. Os homens existem em grande quantidade porque a classe operária e camadas cada vez mais variadas da sociedade fornecem, a cada ano, um número sempre maior de descontentes, desejosos de protestar, prontos a cooperar de acordo com suas forças na luta contra o absolutismo, cujo caráter intolerável ainda não foi reconhecido por todo o mundo, mas é cada vez mais vivamente sentido por uma massa cada vez maior. E, ao mesmo tempo, há falta de homens, porque não há dirigentes, chefes políticos, organizadores capacitados para realizar um trabalho simultaneamente amplo, coordenado e harmonioso, que permita utilizar todas as forças, mesmo as mais insignificantes. “O crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias” retardam não apenas o crescimento do movimento operário – como o reconhece o próprio B-v -, mas também o crescimento do conjunto do movimento democrático em todas as camadas do povo. (Aliás, é provável que hoje B-v subscrevesse tal complemento de sua conclusão). O quadro do trabalho revolucionário é demasiado restrito em relação à grande base espontânea do movimento, e está demasiado comprimido pela precária teoria da “luta econômica contra os patrões e o governo”. Ora, hoje, não são apenas os agitadores políticos, mas também os sociais-democratas organizadores que devem “ir a todas as classes da população”(7). Os sociais-democratas poderão perfeitamente repartir as inúmeras funções fragmentárias de seu trabalho de organização entre os representantes das mais diversas classes: nenhum militante, creio eu, duvidará disso. A falta de especialização, que B-v lamenta amargamente e com tanta razão, constitui um dos maiores defeitos de nossos procedimentos técnicos. Quanto menores forem as diferentes “operações” da ação comum, tanto maior será o número de pessoas capazes de executá-las que poderão ser encontradas (e, na maior parte dos casos,- completamente incapazes de se tornarem revolucionários profissionais); quanto mais difícil for para a polícia “marcar” todos esses “militantes especializa dos”, mais difícil será montar, com o delito insignificante de um indivíduo, um “caso” de importância que justifique as verbas despendidas pelo Estado com a “segurança”. Quanto ao número de pessoas, prontas a nos fornecer sua cooperação, já observamos, no capítulo precedente, a grande mudança que se processou a esse respeito, somente nos últimos cinco anos. Mas, por outro lado, para agrupar todas essas mínimas frações em um todo e para não fragmentar o próprio movimento juntamente com as funções, para inspirar o executante das pequenas funções a fé na necessidade e na importância de seu trabalho, sem a qual jamais realizará nada(8), para tudo isto é preciso ter um forte organização de revolucionários experimentados. Com tal organização, a fé na força do partido será fortalecida e expandir-se-á de forma cada vez mais intensa quanto mais essa organização for clandestina; ora, na guerra, todos nós sabemos que o que importa acima de tudo não é apenas inspirar ao exército a confiança em suas próprias forças, mas também impô-la ao inimigo e a todos os elementos neutros; por vezes uma neutralidade benevolente pode decidir a vitória. Com tal organização fundamentada em base teórica bastante firme e dispondo de um órgão social-democrata, nada haverá a recear quanto ao fato de o movimento poder ser desviado pelos numerosos elementos de “fora”, que a ele tenham aderido (ao contrário, é exatamente agora com o trabalho artesanal que predomina entre nós, que vemos inúmeros sociais-democratas empurrarem o movimento em direção ao Credo, pretendendo serem os únicos sociais-democratas). Em uma palavra, a especialização implica necessariamente a centralização, exigindo-a de forma absoluta. Mas o próprio B-v, que tão bem demonstrou toda a necessidade da especialização, não avalia suficientemente o seu valor, conforme nos parece, na segunda parte do raciocínio citado. Diz ele que o número de revolucionários saídos dos meios operários é insuficiente. Essa observação é perfeitamente correta, e mais uma vez sublinhamos que a “preciosa informação de um observador direto” confirma inteiramente nosso ponto de vista sobre as causas da crise atual da social-democracia e, portanto, sobre os meios de remediá-la. Não são apenas os revolucionários que, em geral, estão atrasados em relação ao impulso espontâneo das massas operárias. E esse fato confirma com toda a evidência, mesmo do ponto de vista “prático”, não apenas o absurdo, mas também o caráter político reacionário da “pedagogia” com que somos obsequiados freqüentemente a propósito de nossos deveres em relação aos operários. Atesta que nossa primeira e imperiosa, obrigação é contribuir para formar revolucionários operários, que estejam no mesmo nível dos revolucionários intelectuais em relação à sua atividade no Partido. (Grifamos “em relação à atividade no Partido, pois, em relação aos outros aspectos, atingir esse mesmo nível constitui, para os operários, algo muito menos fácil e muito menos urgente, embora necessário). Por isso, é preciso que nos dediquemos principalmente a elevar os operários ao nível dos revolucionários, e nunca devemos descer, nós próprios, ao nível da “massa operária” como desejam os “economistas”, ao nível do “operário médio” como quer a Svoboda (que, sob esse aspecto, eleva ao quadrado a “pedagogia” economista). Longe de mim negar a necessidade de uma literatura popular para os operários, e de uma outra especificamente popular (mas não uma literatura de carregação) para os operários mais atrasados. Mas o que me revolta é essa tendência de se unir a pedagogia às questões de política, às questões de organização. Porque, afinal, os Senhores que se arvoram em defensores do “operário médio”, insultam antes de tudo esse operário, sempre que manifestam o desejo de se inclinarem em sua direção, ao invés de lhe falarem de política operária ou de organização operária. Corrijam-se, portanto, e falem de coisas sérias, deixando a pedagogia aos pedagogos, e não aos políticos e aos organizadores! Não existem também entre os intelectuais elementos avançados, elementos “médios” e uma “massa”? Não reconhecem todos a necessidade de uma literatura popular para os intelectuais, e não se publica essa literatura? Mas imaginem que, em um artigo sobre a organização de estudantes universitários ou colegiais, o autor, em tom de quem faz uma descoberta, fica repisando inutilmente que antes de mais nada é preciso uma organização de “estudantes médios”. Com toda a certeza, e justamente, tal autor seria ridicularizado. Mas, poderão dizer-lhe: Dê-nos algumas idéias sobre a organização, se é que as tem, e deixe-nos a tarefa de ver quais são entre nós os elementos “médios”, superiores ou inferiores; se não tiver, porém, idéias próprias sobre a organização, todos os seus discursos sobre “a massa” e sobre os elementos “médios” serão simplesmente fastidiosos. Portanto, as questões de “política” e de “organização” são em si mesmas tão sérias, que somente podem ser tratadas seriamente: pode-se e deve-se preparar os operários (e também os estudantes universitários e colegiais) de modo a se poder abordar diante deles essas questões, mas, uma vez abordadas, dêem-lhes uma resposta verdadeira, não façam marcha à ré em direção aos “médios” ou à “massa”, não se considerem dispensados com frases ou anedotas(9). A fim de se preparar integralmente para essa tarefa,- o operário revolucionário deve tornar-se também um revolucionário profissional. Por isso, B-v não tem razão ao dizer que, estando o operário ocupado durante onze horas e meia na fábrica, as outras funções revolucionárias (salvo a agitação) “devem estar a cargo forçosamente de um número ínfimo de intelectuais”. De forma alguma isto acontece “forçosamente”, mas, sim em conseqüência de nosso atraso; porque não compreendemos nosso dever, que é ajudar todo operário que se faz notar por suas capacidades a se tornar agitador, organizador, propagandista, divulgador profissional etc. etc. Em relação a esse aspecto, desperdiçamos vergonhosamente nossas forças, pois não sabemos cuidar do que precisa ser cultivado e desenvolvido com o maior desvelo. Vejam os alemães: têm cem vezes mais forças que nós, mas compreendem perfeitamente que os operários “médios” não fornecem com muita freqüência agitadores verdadeiramente capazes etc. Por isso, tomam a peito a questão de colocar imediatamente todo operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver a fundo e aplicar suas aptidões; fazem dele um agitador profissional, encorajam-no a alargar seu campo de ação, a estendê-lo de uma única fábrica a toda a profissão, de uma única localidade a todo o país. Assim, adquire a experiência e a habilidade em sua profissão; alarga o seu horizonte e seus conhecimentos, observa de perto os chefes políticos eminentes de outras localidades e de outros partidos; esforça-se por elevar a si próprio ao nível de tais chefes e aliar o conhecimento do meio operário e o ardor da fé socialista à competência profissional, sem a qual o proletariado não pode empreender uma luta tenaz contra um inimigo perfeitamente preparado. E assim, e apenas assim, que surgem os Bebel e os Auer da massa operária. Mas aquilo que em um país politicamente livre é feito por si só, entre nós deve ser realizado sistematicamente por nossas organizações. Todo agitador operário, um pouco dotado e em quem se “deposite esperanças”, não deve trabalhar onze horas na fábrica. Devemos cuidar para que viva por conta do partido e possa, no momento desejado, passar à ação clandestina, mudar de localidade, pois, de outro modo, não adquirirá grande experiência, não alargará seu horizonte, não se poderá manter sequer por alguns anos na luta contra os policiais. Quanto mais amplo e profundo tornar-se o impulso espontâneo das massas operárias, mais serão colocados em destaque aqueles agitadores de talento, e também os organizadores e propagandistas talentosos e “práticos” no melhor sentido da palavra (que são tão poucos entre nossos intelectuais, em sua maioria tão apáticos e indolentes à maneira russa). Quando tivermos destacamentos de operários revolucionários especialmente preparados (e, bem entendido, de “todas as armas” da ação revolucionária) por um longo aprendizado, nenhuma polícia política do mundo poderá derrubá-los, porque esses destacamentos de homens devotados de corpo e alma à revolução gozarão da confiança ilimitada das massas operárias. E cometemos um erro não “empurrando” bastante os operários para esse caminho, comum tanto a eles como aos intelectuais, o caminho da aprendizagem revolucionária profissional, e arrastando-os com muita freqüência para trás. através de nossos discursos estúpidos sobre o que é “acessível” à massa operária, aos “operários médios” etc. Também sob esse aspecto, a estreiteza do trabalho de organização apresenta uma conexão inegável, íntima (embora a imensa maioria dos “economistas” e dos práticos novatos não tenham consciência disso) com a restrição de nossa teoria e de nossas tarefas políticas. O culto da espontaneidade faz com que de certa forma tenhamos medo de nos afastarmos nem que seja um só passo daquilo que é “acessível” à massa; de nos elevarmos muito acima da simples satisfação de suas necessidades diretas e imediatas. Nada temam, Senhores! Lembrem-se que em matéria de organização estamos em tão baixo nível que é até absurdo pensar que poderíamos subir tão alto!
e) A Organização de “Conspiradores” e o Democratismo
E é justamente isso que temem acima de tudo aquelas pessoas muito numerosas entre nós cujo “senso das realidades” é extremamente desenvolvido, e que acusam os que apoiam o ponto de vista aqui exposto Zie aferrar-se à opinião da “Narodnaia Volia”, de não compreender o “democratismo” etc. Devemos deter-nos nessas acusações, que o Rabótcheie Dielo naturalmente também apoiou. O autor destas linhas sabe muito bem que os “economistas” de Petersburgo já acusavam a Rabótchaia Gazeta de entregar-se ao “narodovolisrno” (o que é compreensível, se comparada à Rabótchaia Mysl). Por isso, absolutamente não nos surpreendemos ao saber através de um camarada, pouco depois do nascimento do Iska, que os sociais-democratas da cidade X … chamavam-no de órgão do “narodovofismo-. Tal acusação, evidentemente, constituiu para nós um elogio, pois qual é o social-democrata digno desse nome, que os “economistas” não tenham acusado de “narodovolismo”? Essas acusações originam-se em um duplo mal-entendido. Em primeiro lugar, a história do movimento revolucionário é tão precariamente conhecida entre nós, que é taxada de “narodovolismo toda idéia referente a uma organização de combate centralizada e que declare resolutamente a guerra contra o tzarismo. Mas a excelente organização revolucionária de 1870-1880 que deveria servir de modelo a todos nós. não foi criada pelos partidários da “Narodnaia Volia”, mas pelos adeptos de “Zemlia i Volia“, que em seguida cindiram-se em partidários do “Tcherny Perediel” e em narodovoltsy. Portanto, ver em uma organização revolucionária de combate uma herança específica dos “narodovoltsy” constitui um absurdo histórico e lógico, pois toda tendência revolucionária, ainda que vise pouco seriamente a luta, não poderia prescindir de uma organização desse gênero. Isto não constituiu o erro, mas, sim, o grande mérito histórico dos “narodovoltsy”, o fato de serem tentados a atrair todos os descontentes para sua organização e de orientá-la para a luta decisiva contra a autocracia. O erro dos “narodovoltsy” consistiu em se terem apoiado sobre uma teoria que, no fundo, não era de forma alguma revolucionária, e em não terem sabido, ou podido, ligar indissoluvelmente seu movimento à luta de classes no seio da sociedade capitalista em desenvolvimento. E só a mais grosseira incompreensão do marxismo (ou, sua “compreensão- no espírito do “struvismo“) podia conduzir à crença de que o nascimento de um movimento operário de massa espontâneo nos libera da obrigação de criar uma organização revolucionária tão boa, ou incomparavelmente melhor, do que a de “Zemlia i Volia“. Ao contrário, esse movimento nos impõe precisamente essa obrigação, pois, a luta espontânea do proletariado não se transformará em uma verdadeira 1uta de classe” do proletariado enquanto não for dirigida por uma forte organização de revolucionários. Em segundo lugar, há muitos – e ao que parece aí está incluído B. Kritchévski (Rab. Dielo, n.º 10, p. 18) – que interpretam falsamente a polêmica de que os sociais-democratas sempre foram contra a concepção da luta política como “conspiração”. Combatemos e sempre combateremos a limitação de luta política às dimensões de uma conspiração, mas isto não significa absolutamente, como se pensa, que neguemos a necessidade de uma organização revolucionária forte. Assim, na brochura mencionada na nota, encontra-se ao lado da polêmica contra aqueles que desejariam restaurar a luta política como uma conspiração, o esboço de uma organização (apresentada como o ideal dos sociais-democratas) bastante forte para poder “recorrer à insurreição” e a qualquer “outra forma de ataque”, “a fim de dar um golpe decisivo no absolutismo(10)“. Considerando-se apenas sua forma, essa organização revolucionária em um país autocrático pode ser qualificada como organização “de conspiração”, pois o segredo lhe é absolutamente necessário e indispensável, a ponto de todas as outras funções (número de membros, escolha dos membros, suas funções etc.) deverem ajustar-se a isso. Estaríamos, portanto sendo muito ingênuos se nós, sociais-democratas receássemos ser acusados de criar uma organização de conspiração. Semelhante acusação também é lisonjeira para todo inimigo do “economismo“, tal como a acusação de “narodovolismo”. Ouviremos, porém, a objeção de que uma organização tão poderosa e tão estritamente secreta, que concentre em suas mãos’ todos os fios de ação clandestina, organização necessariamente centralizada, pode lançar-se ao ataque prematuro de maneira demasiado fácil e estimular de forma imprudente o movimento, antes que este se torne possível e necessário pelos progressos do descontentamento político, pela força da efervescência. e da exasperação da classe operária etc. A isso responderemos: Falando de maneira abstrata, evidentemente não seria possível negar que uma organização de combate pudesse empenhar-se irrefletidamente em uma batalha, que pode terminar em derrota e que, em outras condições, não aconteceria. Mas, no caso, é impossível restringir-se a considerações abstratas, pois todo combate implica possibilidades abstratas de derrota, e não há outro meio de diminuí-las senão preparando-se sistematicamente para o combate. E se a questão é colocada sobre o terreno concreto da situação russa de hoje, chega-se à conclusão positiva de que uma organização revolucionária forte é absolutamente necessária justamente para dar estabilidade ao movimento, e preservá-lo da possibilidade de ataques irrefletidos. Agora, quando nos falta essa organização e o movimento revolucionário espontâneo faz rápidos progressos, já se observa o aparecimento de dois extremos opostos (que, como é lógico, “tocam-se”): um “economismo” completamente inconsistente e a prédica da moderação, ou então um “terrorismo excitativo” não menos inconsistente, buscando “provocar artificialmente os sintomas para colocar um termo ao movimento, em um movimente que progride e se fortalece. mas que ainda está mais perto, de seu ponto de partida do que de seu fim”. (V. Zassoulitch, Zaria n.º 2-3, p. 353) 0 exemplo do Rabótcheie Dielo mostra que Já existem sociais-democratas que cedem diante desses dois extremos. Isto nada apresenta de surpreendente, pois, abstraindo-se as outras circunstâncias, “a luta econômica contra os patrões e o governo” jamais satisfará a um revolucionário, e os extremos opostos sempre aparecerão, aqui ou ali. Apenas uma organização de combate centralizada que pratique com firmeza a política social-democrata e, por assim dizer, que satisfaça a todos os instintos e aspirações revolucionárias, está em condições de preservar o movimento contra um ataque irrefletido e preparar outro que prometa o êxito. Em seguida, ser-nos-á colocada a objeção de que nosso ponto de vista sobre a organização está em contradição com o “princípio democrático”. Da mesma forma que a acusação precedente apresenta uma origem especificamente russa, esta apresenta um caráter especificamente estrangeiro. Apenas uma organização sediada no estrangeiro (a “União dos Sociais-Democratas Russos”) podia dar à sua redação, entre outras, a seguinte instrução: “Princípio de organização. No interesse do bom desenvolvimento da união da social-democracia, é conveniente sublinhar. desenvolver, reivindicar o princípio de unia ampla democracia na organização do Partido, o que se tornou particularmente necessário. pelas tendências antidemocráticas que se revelaram nas fileiras de nosso Partido” (Dois Congressos. p. 18). Veremos no capítulo seguinte como o Rabótcheie Dielo luta contra as “tendências antidemocráticas” do Iskra. No momento, examinaremos mais de perto esse “princípio” colocado pelos “economistas”. O “princípio de urna ampla democracia” como todos provavelmente concordarão, implica duas condições expressas: em primeiro lugar, a publicidade completa e, em segundo, a eleição para todas as funções. Seria ridículo falar de “democratismo” sem uma publicidade que não se limitasse aos membros da organização. “Chamaremos ao partido socialista alemão uma organização democrática, pois tudo aí se faz abertamente, até as sessões do congresso do partido; mas ninguém qualificará de democrática uma organização encoberta pelo véu do segredo para todos aqueles que são membros. Por que então colocar o “princípio de uma ampla democracia”, quando a condição essencial desse princípio, é inexeqüível para uma organização clandestina? Esse “amplo princípio”. no caso, é apenas uma frase sonora, porém oca. E ainda mais. Essa frase atesta uma incompreensão total das tarefas imediatas em matéria de organização. Todos sabem que, entre nós, a “grande” massa dos revolucionários guarda mal o segredo. Vimos com que amargura B.v queixa-se, reclamando com justa razão uma “seleção rigorosa dos membros” (Rab. Dielo, nº6, p.42). E eis que as pessoas que se vangloriam de seu “senso das realidades” vêm sublinhar em uma situação semelhante, não a necessidade de um segredo rigoroso e de uma seleção severa (portanto, mais restrita) dos membros, mas o “princípio de uma ampla democracia”! É o que se chama “meter os pés pelas mãos”. Em relação ao segundo critério do “democratismo”, o princípio eletivo, as coisas não são melhores. Nos países onde reina a liberdade política, esse fator existe por si mesmo. “São membros do partido todos aqueles que reconhecem os princípios de seu programa e apoiam o partido na medida de suas forças”, diz o primeiro parágrafo dos estatutos do partido social-democrata alemão. E como a arena política é visível a todos, como o palco de um teatro para os espectadores, todos sabem pelos jornais e assembléias públicas se essa ou aquela pessoa reconhece ou não esses princípios, apoia o partido ou a ele se opõe. Sabe-se que tal militante político teve esse ou aquele início, teve essa ou aquela evolução, que em um determinado momento difícil de sua vida comportou-se de uma determinada maneira, que se distingue por essas ou aquelas qualidades; além disso, todos os membros do partido podem, com conhecimento de causa, eleger ou não esse militante para um determinado posto do partido. O controle geral (no sentido restrito da palavra) de cada passo dado por um membro do partido em sua carreira política cria um mecanismo que funciona automaticamente, e que assegura o que em biologia se denomina a “sobrevivência do mais apto”. Graças a essa “seleção natural”, resultado de uma publicidade completa, da elegibilidade e do controle geral, cada militante encontra-se afinal “classificado em seu lugar”, assume a tarefa mais apropriada a suas forças e capacidades, arca ele próprio com todas as conseqüências de suas faltas, e demonstra diante de todos sua capacidade de tomar consciência de suas faltas e evitá-las. Tentem encaixar esse quadro na moldura de nossa autocracia! Seria possível entre nós, que todos aqueles “que reconhecem os princípios do programa do partido e o sustentam na medida de suas forças”, pudessem controlar cada passo dado pelos revolucionários clandestinos? Que todos fizessem uma escolha entre esses últimos,, quando o revolucionário é obrigado, no interesse do trabalho, a esconder aquilo que realmente é de nove entre dez pessoas? Se refletíssemos um pouco no verdadeiro sentido das frases grandiloqüentes lançadas; pelo Rabótcheie Dielo, compreenderíamos que o “amplo democratismo” da organização do partido, nas trevas da autocracia e sob o regime da seleção praticada pelos policiais, “não é senão uma futilidade prejudicial, pois, de fato, nenhuma organização revolucionária jamais aplicou, nem poderá aplicar, apesar de toda sua boa vontade, um amplo “democratisrno”. E uma futilidade prejudicial, pois as tentativas para se aplicar de fato o “princípio de uma ampla democracia” apenas facilitam o grande número de detenções que a polícia realiza, perpetuam o reinado do trabalho artesana1 desviam o pensamento dos práticos de sua séria e imperiosa tarefa, que é, “proceder à educação de revolucionários profissionais, para a redação de detalhados estatutos “burocráticos sobre os sistemas de eleições. Apenas no estrangeiro, onde freqüentemente se reúnem homens que não têm possibilidade de realizar um trabalho útil e prático, é que pôde desenvolver-se essa mania de “brincar de democratismo”, sobretudo em grupos pequenos e diferentes. Para mostrar ao leitor como é indigna a maneira de proceder do Rabótcheie Dielo, que prega esse “princípio”‘ aparentemente verdadeiro que é o “democratismo” no trabalho revolucionário, mais uma vez recorreremos a uma testemunha. Essa testemunha, E. Serbriakov. Diretor da revista Nakanune, em Londres, mostra nitidamente uma fraqueza pelo Rabótcheie Dielo e urna aversão acentuada por Plekhanov e seus “plekhanovianos”; em seus artigos sobre a cisão Nakanune tomou resolutamente o partido do Robótcheie Dielo e derramou uma onda de palavras desprezíveis contra Plekhanov. Por isso o testemunho sobre essa questão nos é tão precioso. No artigo intitulado “A Propósito do Apelo do Grupo de Autoliberação dos Operários” (Nakanune, n.º 7 julho de 1899), E. Serebriakov, observando a “inconveniência que havia em levantar as questões “de prestígio, de primazia, do chamado areópago num movimento revolucionário sério”, escrevia, entre outras coisas: “Mychkine, Rogatchev, Jehabov, Míkhailov, Perovskaía, Figner e outros nunca se consideraram dirigentes. Ninguém os elegeu ou nomeou e, no entanto, eram, chefes, pois, tanto período de propaganda como em período de luta contra o governo, assumiam o trabalho mais difícil, iam aos lugares mais expostos, e sua atividade era a mais proveitosa. E essa primazia não era o resultado de seus desejos, mas da confiança dos camaradas que os rodeavam em sua inteligência, sua energia e seu devotamento. E seria muita ingenuidade temer um areópago, sei lá qual, (e se ele não for temido, por que fala nisso?) que dirigisse autoritariamente o movimento. Então, quem o obedeceria?” Perguntamos ao leitor: Qual a diferença entre um “areópago” e as “tendências antidemocráticas”? Não é evidente que o princípio de organização aparentemente verdadeiro do Rabótcheie Dielo é tão ingênuo quanto inconveniente? Ingênuo, porque o “areópago” ou as pessoas com “tendências antidemocráticas” não serão obedecidas sinceramente por ninguém, desde o momento que “os camaradas que os cercam não tiverem confiança em sua inteligência, energia e devotamento”.. Inconveniente, como procedimento demagógico que se aproveite da vaidade de alguns e da ignorância de outros, do verdadeiro estado de nosso movimento, da falta de preparação e ainda da ignorância da história do movimento revolucionário. Para os militantes de nosso movimento, o único princípio sério em matéria de organização deve ser: segredo rigoroso, escolha rigorosa dos membros, formação de revolucionários profissionais. Reunidas essas qualidades, teremos algo mais do que o “democratismo”: uma confiança plena e fraternal entre revolucionários. Ora, esse algo a mais nos é absolutamente necessário, pois, entre nós, na Rússia, não seria possível substituir isso pelo controle democrático geral. E seria um grande erro acreditar que a impossibilidade de um controle verdadeiramente “democrático” torna os membros da organização revolucionária incontroláveis: de fato, estes não têm tempo de pensar nas formas pueris do “democratismo” (“democratismo” no seio de um núcleo restrito de camaradas entre os quais, haja plena confiança), mas percebem com muita clareza sua responsabilidade, e além disso sabem pela própria experiência que, para se livrar de um membro indigno, uma organização de verdadeiros revolucionários não recuará diante de qualquer meio. Ademais, existe entre nós, no meio revolucionário russo (e internacional), uma opinião pública bastante desenvolvida, que tem uma longa história e castiga com rigor implacável qualquer falta aos deveres de camaradagem (ora, o “democratismo”, o democratismo verdadeiro e não pueril, é um elemento constitutivo dessa noção de camaradagem!). Levando tudo isso em conta, compreenderemos como esses discursos e resoluções sobre as “tendências antidemocráticas” exalam o cheiro de porão característico da emigração, Corri suas pretensões ao generalato! É conveniente notar, além da ingenuidade, uma outra fonte desses discursos, que também se origina da idéia confusa que se faz da democracia. A obra do casal Webb sobre os sindicatos ingleses apresenta um capítulo curioso sobre a “democracia primitiva”. Os autores aí narram que os operários ingleses, no primeiro período de existência de seus sindicatos, consideravam como condição necessária da democracia a participação de todos os membros em todos os detalhes da gestão dos sindicatos: não somente todas as ‘questões eram resolvidas pelo voto de todos os membros, mas também as próprias funções eram exercidas por todos os membros, sucessivamente. Foi preciso uma longa experiência histórica para que os operários compreendessem o absurdo de tal concepção da democracia e a necessidade de instituições representativas, de um lado, e de funcionários profissionais, de outro. Foi preciso que ocorressem inúmeras falências de caixas sindicais para fazer com que os operários compreendessem que a questão da relação proporcional entre as cotizações depositadas e os subsídios recebidos não podia ser decidida apenas pelo voto democrático, e que tal questão também exigia o parecer de um especialista em seguros. Em seguida, tomem o livro de Kaustsky sobre o parlamentarismo e a legislação popular, e verão que as conclusões desse teórico marxista concordam com os ensinamentos advindos da longa prática dos operários “espontaneamente” unidos. Kautsky ergue-se resolutamente contra a concepção primitiva da democracia de Rittinghausen, zomba das pessoas prontas a reclamar, em nome dessa democracia, de “os jornais populares serem redigidos pelo próprio povo”, prova a necessidade de jornalistas, de parlamentares profissionais etc., para a direção social democrata da luta de classe do proletariado , “ataca o socialismo dos anarquistas e dos literatos” que, “visando o efeito”, pregam a legislação popular direta e não compreendem que sua aplicação é muito relativa na sociedade atual. Aqueles que trabalham praticamente em nosso movimento, sabem como a concepção “primitiva” da democracia difundiu-se amplamente entre a juventude estudantil e os operários. Não é de surpreender que essa concepção também invada os estatutos e a literatura. Os “economistas” do tipo bernisteiniano escreviam em seus estatutos: “§ 10. Todos os casos que interessem à organização como um todo serão decididos por maioria dos votos de todos os seus membros”. Os “economistas” do tipo terroristas repetem atrás deles: “É preciso que as decisões dos comitês tenham passado por todos os círculos antes de se tornarem decisões válidas” (Svoboda, n.º 1, P. 67). Observem que essa reivindicação relativa à aplicação ampla do referendo é acrescentada à que deseja que toda a organização seja construída sobre o princípio eletivo! Longe de nós, bem entendido, a idéia de condenar por isso os práticos que tiveram tão pouca possibilidade de se iniciarem na teoria e na prática de organizações. verdadeiramente democráticas. Mas quando o Rabótcheie Dielo, que aspira a um papel de dirigente, limita-se em condições semelhantes a uma resolução sobre o princípio de uma ampla democracia, por que não dizer de forma simples que “visa o efeito”?
f) O Trabalho à Escala Local e Nacional
Se as objeções de “não-democratismo” e de caráter de conspiração, dirigidas à organização cujo plano foi exposto aqui, estão destituídas de qualquer fundamento, resta ainda uma questão que freqüentemente é levantada e merece exame detalhado. É o problema da relação entre o trabalho local e o trabalho em escala nacional.. A formação de uma organização centralizada, pergunta-se com inquietude, não levará ao deslocamento do centro de gravidade do primeiro em direção ao segundo? Isto não prejudicará o movimento, visto que nossa ligação com a massa operária será enfraquecida e, de maneira geral, também será abalada a estabilidade da agitação local? A isso responderemos que, nesses últimos anos, nosso movimento ressente-se precisamente do fato de os militantes locais estarem excessivamente absorvidos pelo trabalho local; que é absolutamente necessário, por conseguinte, deslocar um pouco o centro de gravidade em direção ao trabalho em escala nacional; que esse deslocamento longe de enfraquecer, apenas reforçará nossa ligação com a massa e a estabilidade de nossa agitação local. Tomemos a questão do órgão central e dos órgãos locais; pedimos ao leitor não se esquecer que a imprensa, para nós, é apenas um exemplo que ilustra a ação revolucionária infinitamente maior e diversa, em geral. No primeiro período do movimento de massa (1896-1898); os militantes locais fizeram uma tentativa de criar um órgão para toda a Rússia: a Rabótchaia Gazeta; no período seguinte (1898-1900), o movimento deu um grande passo à frente, mas a atenção dos dirigentes estava inteiramente absorvida pelos órgãos locais. Se todos esses órgãos locais fossem levados em conta, verificar-se-ia(11) que, em números redondos, publicava-se um número por mês. Tal ilustração não é representativa de nosso trabalho artesanal? Isso não mostra de forma evidente que nossa organização revolucionária retarda-se em relação ao impulso espontâneo do movimento? Se a própria quantidade de números de jornais tivesse sido publicada não por grupos locais dispersos, mas por uma única organização, não somente teríamos economizado quantidade de forças, mas também nosso trabalho teria sido infinitamente mais estável e contínuo. Eis uma constatação bastante simples freqüentemente esquecida pelos práticos. que trabalham ativamente de uma forma quase que exclusiva nos órgãos locais (infelizmente, isto ocorre ainda hoje na grande maioria das vezes) e pelos publicistas que aqui dão provas de um espantoso quixotismo. O prático contenta-se comumente em objetar que é “difícil”(12) para os militantes locais ocuparem-se em montar um jornal para todo o país, e que é melhor Ter jornais locais do que não ter nenhum. Naturalmente, isto é perfeitamente correto, e para reconhecer a enorme importância e utilidade dos órgãos locais em geral, não necessitamos da advertência de nenhum prático. Mas não é essa a questão; trata-se de saber se não é possível remediar essa dispersão, esse trabalho rudimentar, que o aparecimento de trinta números de jornais locais em toda a Rússia, nesses dois anos e meio, atesta de maneira tão clara. Portanto, não se contentem com uma tese incontestável, porém demasiado geral, sobre a utilidade dos jornais locais em geral; tenham também coragem de reconhecer abertamente seus lados negativos revelados pela experiência de dois anos e meio. Essa experiência atesta que, dadas as nossas condições, os jornais locais, na maior parte dos casos, são instáveis do ponto de vista dos princípios, não têm penetração política, são excessivamente onerosos no que diz respeito ao dispêndio de forças revolucionárias, e absolutamente insatisfatórios do ponto de vista técnico (não me refiro, bem entendido, à técnica de impressão, mas à freqüência e regularidade da publicação). E todos esses defeitos indicados não constituem obra do acaso, mas o resultado inevitável, desse esfacelamento que, de um lado, explica a predominância dos jornais locais no período examinado e, de outro lado, é sustentado por essa predominância. Uma organização local, por si mesma, não pode assegurar a estabilidade de seu jornal do ponto de vista dos princípios e elevá-lo ao nível de um órgão político; não pode, por si própria, reunir e utilizar documentação suficiente para esclarecer toda a nossa vida política. Quanto ao argumento ao qual geralmente se recorre nos países livres para justificar a necessidade de numerosos jornais locais – o fato de terem preços módicos, por serem impressos pelos operários do lugar, e de apresentarem maior amplitude e rapidez de informações à população – esse argumento, conforme o demonstra a experiência, volta-se entre nós contra os jornais locais. Esses últimos custam demasiado caro, em relação ao dispêndio de forças revolucionárias, e aparecem em intervalos extremamente espaçados pela simples razão de que um jornal ilegal, por menor que seja, exige um enorme aparelho clandestino, que é possível montar em um grande centro fabril, porém, impossível na oficina do artesão. O caráter rudimentar do aparelho clandestino permite ordinariamente (todo militante conhece inúmeros exemplos desse gênero) à polícia realizar prisões em massa, após o aparecimento e a divulgação de um ou dois números, e destruir às coisas a ponto de ser preciso recomeçar tudo de novo. Um bom aparelho clandestino exige, uma boa preparação profissional dos revolucionários e uma divisão rigorosamente lógica do trabalho. Duas condições absolutamente impossíveis para uma organização local, por mais forte que seja em um determinado momento. Sem falar dos interesses de nosso movimento como um todo (educação socialista e uma política operária conseqüente), não é através dos órgãos locais que os interesses especificamente locais são melhor defendidos; apenas à primeira vista isto poderia parecer um paradoxo; mas, na realidade, é um fato irrefutavelmente provado pela experiência de dois anos e meio de, que já falamos. Todo mundo concordará que, se todas as forças locais que publicaram trinta números de jornais tivessem trabalhado para um único jornal, esse teria facilmente chegado a sessenta, senão a cem números e, por conseguinte, teria refletido de forma mais completa todas as particularidades puramente locais do movimento. Na verdade, não é fácil atingir esse grau de organização, mas também é preciso que tomemos consciência de sua necessidade, que cada círculo local pense e trabalhe ativamente nesse sentido, sem esperar um impulso de fora, sem se deixar seduzir pela acessibilidade, pela proximidade de um órgão local, proximidade que é em grande parte ilusória, como o demonstra nossa experiência revolucionária. E os publicistas, que não percebem tal caráter ilusório, acreditam estarem especialmente próximos dos práticos, e se esquivam com o raciocínio espantosamente fácil e vazio da necessidade de jornais locais, jornais regionais, jornais para toda a Rússia, prestam assim precários serviços ao trabalho prático. Em princípio, tudo isso é necessário, evidentemente, mas é preciso pensar também nas condições do meio e do momento, quando se aborda um problema concreto de organização. De fato, não é quixotismo dizer, como a Svoboda (nº 1, p. 68), ao “tratar especificamente a questão do jornal” que: “Em nossa opinião, toda aglomeração operária algo significativa deve ter seu próprio jornal. Seu próprio jornal feito por ela, e não trazido de fora”. Se esse publicista não quer refletir no sentido de suas palavras, que o leitor ao menos reflita por ele: quantas dezenas, ou centenas, “de aglomerações operárias algo significativas” não existem na Rússia, e como nossos métodos artesanais seriam perpetuados se toda organização local começasse realmente a editar seu próprio jornal! Como esse fracionamento facilitaria o trabalho da policia: prender sem nenhum esforço “considerável” “os militantes locais no início de sua atividade, antes que tivessem tempo de se transformar em verdadeiros revolucionários! Em um jornal para toda a Rússia, continua o autor, não seriam de todo interessantes as tramas dos fabricantes e “os pequenos fatos da vida de fábrica em outras cidades que não a do leitor”, mas “o habitante de Orel não se aborrecerá ao ler o que se passa em Orel. Em cada ocasião pode reconhecer aqueles que ‘foram pilhados’, os que foram ‘perseguidos’ e sua mente trabalha” (p. 69). Sim, naturalmente a mente do habitante de Orel trabalha, mas a imaginação do nosso publicista também “trabalha” demasiadamente. É oportuno defender assim semelhante mesquinharia? É nisso que deveria refletir. Naturalmente as revelações sobre a vida das fábricas são necessárias e importantes, isso reconhecemos melhor que ninguém, mas é preciso lembrar que chegamos a uma situação em que os habitantes de Petersburgo já se cansaram de ler a correspondência petersburguesa do jornal petersburguês Rabótchaia Mysl. Para as revelações do que ocorre nas fábricas sempre tivemos e sempre deveremos ter as folhas volantes, mas quanto ao tipo do nosso jornal, devemos elevá-lo e não rebaixa-lo ao nível de uma folha volante de fábrica. Quando se trata de um “jornal”, é preciso revelar não tanto os “pequenos fatos” como os defeitos essenciais, particulares à vida da fábrica, revelações à base de exemplos relevantes e, por conseguinte, suscetíveis de interessar a todos os operários e dirigentes do movimento, enriquecendo verdadeiramente seus conhecimentos, alargando seu horizonte, despertando uma nova região, uma nova categoria profissional de operários. “Em seguida, no jornal local pode-se apreender in loco, ainda quentes, todas as tramas da hierarquia da fábrica ou das autoridades. Ao contrário, com um jornal central, distante, a notícia demoraria a chegar, e quando o jornal saísse o acontecimento estaria esquecido: “Quando foi isto, que vá pró diabo quem se lembra!” (Mid). Precisamente: para o diabo quem se lembra! Segundo a mesma fonte, os trinta números publicados em dois anos e meio vêm de seis cidades. Isto significa que, em média, há um número a cada seis meses por cidade! Supondo mesmo que nosso publicista, irrefletidamente, triplica o rendimento do trabalho local (o que seria, absolutamente falso para uma cidade média, pois nossos métodos artesanais impedem um aumento sensível do rendimento), teremos apenas um número a cada dois meses; portanto, não seria possível “aprender ainda quentes” as notícias: Porém, bastaria que dez organizações locais se unissem e confiassem a seus delegados a função ativa de organizar um jornal comum, para que fosse possível “apreender” não somente os pequenos fatos, mas os abusos gritantes e típicos de toda a Rússia e isto a cada quinze dias. Aqueles que conhecem a situação em nossas organizações não podem duvidar disso. Quanto a surpreender o inimigo em flagrante delito, se isto for levado a sério e não somente pela beleza do estilo, um jornal ilegal não poderia sequer pensar nisso: isto pode ser feito apenas através de folhas volantes, pois a maior parte das vezes, dispõe-se apenas de um ou dois dias (por exemplo, quando se trata de uma greve comum e curta, de um tumulto na fábrica, de uma manifestação qualquer etc.). “O operário não vive apenas na fábrica, vive também na cidade” prossegue nosso autor, passando do particular para o geral com um rigoroso espírito de seqüência que honraria ao próprio Bóris Kritchévski. E indica as questões a tratar: as dumas municipais, hospitais, escolas, e declara que um jornal operário não poderia silenciar sobre os assuntos municipais. Tal condição é, em si, excelente, mas mostra bem as abstrações vazias de sentido com as quais nos contentemos com tanta freqüência quando se trata de jornais locais. Primeiro, se em “toda organização operária algo significativa” fossem fundados de fato jornais com uma seção municipal tão pormenorizada como quer a Svoboda, isso infalivelmente degeneraria em verdadeiras mesquinharias, em nossas condições russas, enfraqueceria o sentimento que temos sobre a importância de uma investida revolucionária de toda a Rússia contra a autocracia; reforçaria os germes bastante resistentes – antes dissimulados ou reprimidos do que extirpados – da tendência tornada célebre pela famosa frase sobre os revolucionários que falam muito de parlamento inexistente, e pouco das dumas municipais existentes. Infalivelmente, dizemos acentuando assim que não é isso que a Svoboda deseja, mas o contrário. Não bastam as boas intenções. Para que os assuntos municipais sejam tratados sob uma perspectiva apropriada ao conjunto de nosso trabalho, é preciso, primeiro, que essa perspectiva seja perfeitamente definida, firmemente estabelecida não pelos simples raciocínios, mas também por inúmeros exemplos; é preciso que adquira a solidez de uma tradição. Ainda estamos longe disso, e portanto é preciso começar daí, antes que se possa pensar em uma grande imprensa local, ou dela falar. Em segundo lugar, para escrever verdadeiramente bem e de forma interessante sobre os assuntos municipais, é preciso conhecê-los bem, e não apenas através dos livros. Ora, em toda a Rússia, quase não há sociais-democratas que possuam esse conhecimento. Para escrever em um jornal (e não em uma brochura popular) sobre os assuntos da cidade e do Estado, é preciso ter uma documentação nova, múltipla, recolhida e elaborada por homens competentes. Ora, para recolher e elaborar semelhante documentação, não basta a “democracia primitiva” de um círculo primitivo, no qual todo mundo se ocupa de tudo e se diverte com referendos. Para isso, é preciso um estado-maior de escritores especializados, de correspondentes especializados, um exército de repórteres sociais-democratas que estabeleçam relações de todos os lados, saibam penetrar até nos menores “segredos de Estado”(dos quais o funcionário russo tanto se gaba e com tanta facilidade divulga). introduzir-se em todos os “bastidores”, um exército de pessoas obrigadas “pelas suas funções” a serem onipresentes e oniscientes. E nós, Partido de luta contra toda opressão econômica, política, social, nacional, podemos e devemos encontrar, reunir, instruir, mobilizar e pôr em marcha esse exército de homens oniscientes. Porém, isto ainda precisa ser feito! Ora, nada temos realizado nesse sentido, na maior parte das localidades, e, freqüentemente, tampouco temos consciência dessa necessidade. Procurem em nossa imprensa social-democrata artigos vivos e interessantes, notícias que revelem nossos assuntos diplomáticos, militares, religiosos, municipais, financeiros etc., grandes ou pequenos; quase nada ou muito pouco será encontrado(13). Por isso, “fico terrivelmente irritado quando alguém vem me dizer uma série de coisas muito lindas e notáveis” sobre a necessidade de haver, “em toda aglomeração operária algo significativo”, jornais que denunciem os abusos que ocorrem nas fábricas, na administração municipal, e no Estado! A predominância da imprensa local sobre a imprensa central é um indício de miséria ou opulência. De miséria. quando o movimento ainda não forneceu forças suficientes para a produção em grande escala, quando ainda vegeta nos métodos artesanais e está quase imerso nos “pequenos fatos da vida de fábrica”. De opulência, quando o movimento já teve êxito completo em cumprir suas múltiplas tarefas de divulgação e de agitação, e surge a necessidade de se ter, paralelamente a um órgão central, numerosos órgãos locais. Quanto ao significado da preponderância dos órgãos locais, entre nós, no momento atual, deixo a cada um a preocupação de decidir. Quanto a mim, para evitar qualquer mal-entendido, formularei de forma precisa minha conclusão. Até agora, a maioria de nossas organizações locais pensa quase que exclusivamente nos órgãos locais: ocupam-se ativamente apenas desses últimos. Isto não é normal. Ao contrário, é preciso que a maioria das organizações locais pense principalmente na criação de um órgão para toda a Rússia. que disso se ocupe. Enquanto não for assim, não poderemos publicar nem mesmo um único jornal que seja capaz de servir verdadeiramente o movimento, através de uma grande agitação pela imprensa. E quando isso ocorrer, as relações normais entre o órgão central indispensável e os indispensáveis órgãos locais serão estabelecidas por si próprias. À primeira vista pode parecer que a necessidade de deslocar o centro de gravidade, do trabalho local para o trabalho em escala nacional, não é indicada no terreno da luta econômica pura. Aqui, o inimigo direto dos operários é representado pelos empregadores isolados ou grupos de empregadores não ligados entre si por uma organização que lembre, mesmo longinquamente, uma organização puramente militar, estritamente centralizada, dirigida nos menores detalhes por uma vontade única, como é a organização do governo russo, nosso inimigo direto na luta política. Mas, não é assim, A luta econômica – já dissemos milhares de vezes – é uma luta profissional, e por isso exige o agrupamento dos operários por profissão, e não unicamente por lugar de trabalho, E esse agrupamento profissional é tanto mais urgente quanto maior for a precipitação dos empregadores em se agruparem em sociedades e sindicatos de toda a espécie. Nosso fracionamento e nossos métodos artesanais entravam nitidamente essa reunião, que necessita de uma organização de revolucionários única para toda a Rússia e capaz de assumir a direção de associações profissionais operárias em escala nacional. Expusemos acima o tipo de organização apropriada; acrescentaremos a seguir algumas palavras apenas em relação à nossa imprensa. Ninguém contesta que todo jornal social-democrata deva trazer uma seção dedicada à luta profissional (econômica). Mas o crescimento do movimento profissional nos obriga a pensar também na criação de uma imprensa profissional. Contudo, parece-nos que, com raras exceções, ainda não é possível colocar, na Rússia, tal questão: isto é um luxo, e freqüentemente nos falta o pão de cada dia. Em matéria de imprensa profissional, a melhor forma adaptada às condições atuais do trabalho ilegal, a forma desde hoje necessária, seria a brochura, profissional. Aí deveria ser coletada e agrupada sistematicamente a documentação legal(14) e ilegal sobre as condições de trabalho nessa ou naquela profissão, o que distingue a esse respeito as diferentes regiões da Rússia, as principais reivindicações dos operários de uma dada profissão, as insuficiências da legislação a que ela se refere; sobre os exemplos mais relevantes da luta econômica dos operários dessa ou daquela corporação; sobre o início, o estado atual e as necessidades de sua organização sindical etc. Inicialmente, essas brochuras dispensariam, que nossa imprensa social-democrata fornecesse uma série de detalhes profissionais que interessassem especialmente os operários de uma determinada profissão; em seguida, reproduziriam os resultados de nossa experiência na luta sindical, conservariam a documentação coletada, que hoje literalmente se perde na massa de folhas volantes e publicações fragmentárias; generalizariam essa documentação. Em terceiro lugar, poderiam servir, de, alguma forma, como guia para os agitadores, uma vez que as condições de trabalho modificam-se de forma relativamente lenta, e as reivindicações essenciais dos operários de uma determinada profissão são muito estáveis (comparem as reivindicações dos tecelões da região de Moscou, em 1885, e as da região de Petersburgo, em 1896). O resumo dessas reivindicações e necessidades poderia constituir, durante anos, um excelente manual para a agitação econômica nas localidades atrasadas ou entre as categorias de operários mais atrasadas. Os exemplos de greves vitoriosas, em determinada região, os dados ilustrando um nível superior de vida, de melhores condições de trabalho numa determinada localidade, encorajariam os operários de outras localidades a novas lutas. Enfim, tomando a iniciativa de generalizar a luta profissional e reforçando, assim, a ligação do movimento profissional russo com o socialismo, a social-democracia trabalharia simultaneamente para que nossa ação sindical ocupasse um lugar nem muito grande nem muito pequeno no conjunto de nosso trabalho social-democrata. É muito difícil, quase impossível, para uma organização local, isolada das organizações; de outras cidades, observar em justa proporção esse aspecto (e o exemplo da Rabótchaia Mysl indica o monstruoso exagero a que se pode chegar, em termos de sindicalismo). Mas uma organização de revolucionários para toda a Rússia, que se mantenha deliberadamente ligada ao ponto de vista do marxismo, dirija toda a luta ponto de vista do marxismo, dirija toda a luta política e disponha de um estado-maior de agitadores profissionais, jamais terá dificuldades para estabelecer essa justa proporção.