Sobre a atual situação na Venezuela – Parte III Seção IV

Nota do Blog: Publicamos mais uma parte da análise dos companheiros da Associação de Nova Democracia – Hamburgo (Nuevo Peru) a respeito da Venezuela.

SEÇÃO IV

UMA LEITURA CRÍTICA DO ARTIGO “VENEZUELA: A CRISE ECONÔMICA DE 2016, DE MANUEL SUTHERLAND”

Prosseguimos com a análise.

Vemos que o emprego na indústria reflete esta pobreza de desenvolvimento: “Como se pode observar, segundo os dados publicados pelo INE (Instituto Nacional de Estatística. NT) em 2004, a Indústria de Processamento e Produção de Alimentos e Bebidas está muito acima das demais indústrias no que diz respeito ao pessoal empregado, representando mais de 30% do total, um pouco mais de cem mil empregados 7. Seguida das Indústrias de Substâncias e Produtos Químicos com quase 10%, do setor de Fabricação de Metais Comuns e Produtos de Metal (excetuando as Maquinarias e Equipamentos) que têm uns 15,7% entre ambos. A Fabricação de Produtos de Borracha e a Fabricação de Produtos Minerais Não-Metálicos mantêm 6,48% e 6,02% do pessoal empregado, respectivamente”.

Por outro lado, se lê no relatório que para o setor de Processamento e Produção de Alimentos e Bebidas a maioria do pessoal está empregado nas grandes indústrias (68,93%). Esta estrutura percentual se mantém, com a exceção da atividade Processamento de Produtos de Panificação onde o pessoal, esta em sua maioria empregado em estabelecimentos de 5 a 20 empregados (69,52%). Como se pode observar é na indústria química e farmacêutica que a Grande Indústria concentra a maior parte do pessoal empregado. Dentro da atividade de Fabricação de Metais Comuns, cerca da metade do pessoal está empregado na Atividade de Indústrias Básicas de Ferro e Aço e a outra metade na atividade de Fabricação de Produtos Primários de Metais Preciosos e Metais não-ferrosos. Tendo as atividades de Fundição de Ferro e Aço uma mínima participação. A Grande Indústria mantém mais de 80% do pessoal empregado. Na Fabricação de Produtos Elaborados de Metal a Grande Industrial ocupa quase 60% do pessoal. Na Fabricação de Borracha e Plástico, a Grande Indústria mantém o maior numero da população empregada, com cerca de 56,47%.  Na fabricação de veículos automotores, reboques e semi-reboques a Grande Indústria mantém 70% do pessoal empregado.

E o relatório conclui: “Esta análise da distribuição de pessoal empregado dentro do setor industrial/manufatureiro dá conta dos setores que têm uma maior parte da população empregada, como a Indústria de Processamento e Produção de Alimentos e Bebidas, a Fabricação de Substâncias e produtos químicos, a Fabricação de Metais Comuns, a Fabricação de Produtos Metálicos, exceto maquinaria e equipamentos, a Fabricação de borracha e plástico, Fabricação de outros produtos minerais não-metálicos, que têm um peso entre 5% e 10%. O restante dos setores tem peso menor que 5%. Por outro lado, o estrato da Grande Indústria é a que mantém a maior proporção do pessoal empregado, salvo exceções pontuais”.

Os últimos parágrafos, relativos ao emprego por setores e tamanho das empresas, são muito importantes porque expressam o caráter do capitalismo que se desenvolve na Venezuela e um dos traços pertencentes a acumulação do capital no país. Isto é, que a acumulação do capital se dá como uma crescente centralização à custa do médio capital ou do capital nacional (ver citação de Marx a respeito, e sua diferença histórica, teórica e prática com a acumulação originária do capital, importante para aplastar os revisionistas da LOD – Linda Oportunista de Direita no Peru).

O capitalismo que se desenvolve no país é um capitalismo burocrático, ou seja, submetido ao imperialismo onde os grandes burgueses de ambas as frações (burocrática e compradora) atuam como agentes ou intermediários do capital imperialista, os autores do documento dizem o seguinte a respeito: “Quanto ao valor das importações, desde 2001 até 2007 estas representaram 84,3% do total das realizadas pelo setor manufatureiro.4 E ao verificar que tipos de bens têm uma maior participação nas importações, encontramos que 12,0% do total que pertencem a indústria manufatureira são as relacionadas com a atividade de Fabricação de veículos automotivos, reboques e semi-reboques, enquanto que uns 6,4% e 5,9% representam a participação  das atividades relacionadas com a Fabricação de maquinaria de uso geral e a da Fabricação de equipamentos e  aparelhos de rádio, televisão e comunicações, respectivamente –  estes dados são uma média dos valores registrados durante o período de 2001-2007 (Análise da Estrutura Industrial Venezuelana: Maio de 2013, Elaborado por Julie Vera e Rodolfo Rangel)”.

Continuando, o estudo diz: “(…) Neste sentido, a característica rentista da economia venezuelana impediu um processo de crescimento sustentado na indústria manufatureira, devido à debilidade da moeda nacional e à perda de competitividade em relação ao resto do mundo. Ao revisar a evolução da taxa de cambio real, nos damos conta de como desde 1985 até o presente se deu um processo constante de valorização da moeda em termos reais, devido a que essa renda que entra no país em forma de divisas, proveniente do mercado mundial originou um desajuste no valor real de nossa moeda. Observando que na maior parte do período estudado se aplicou diferentes controles, desde uma taxa por banda cambial até uma taxa por câmbio fixo, somando a isto um processo inflacionário crescente no país”.

Como diria Marx, no cérebro dos burgueses e economistas vulgares, isso não é outra coisa senão a forma fenomenal imediata que as relações refletem, e não as relações internas. Mas qual é a ciência? Para nós, é o desenvolvimento do capitalismo burocrático e seu aprofundamento que determinam este aspecto rentista petroleiro da economia venezuelana e que se encontra mais acentuado nestes anos de governo “bolivariano” ou do “socialismo do século XXI”. Onde as médias empresas manufatureiras pertencentes à média burguesia ou burguesia nacional são aplastadas pela grande indústria intermediaria do capital imperialista.

Na Venezuela, a indústria manufatureira, que é estratégica, está monopolizada por esta grande burguesia oposta ao desenvolvimento do país. Veja o papel decisivo da indústria manufatureira no conjunto da economia. Os autores do relatório deixam claro isto: se levarmos em conta “a taxa de crescimento anual do PIB manufatureiro e do restante das atividades econômicas que conformam o PIB (…), crescendo o PIB manufatureiro em 1%, o restante dos setores que conformam o PIB crescem em uns 0,61%. Ou seja, efetivamente o setor manufatureiro da Venezuela tem um efeito direto e positivo no crescimento das demais atividades, como a petroleira e o restante dos setores que compõem a atividade não-petroleira (excluindo o setor manufatureiro)”, reconhece o relatório.

Aqui se expressa o caráter do capitalismo que se desenvolve no país, um capitalismo burocrático tolhido pelas amarras subsistentes da semifeudalidade que o atam, e por outro lado subjugado ao imperialismo que não permite desenvolver a economia nacional, é, pois, um capitalismo burocrático que oprime e explora o proletariado, o campesinato e a pequena burguesia, e que constringe a média burguesia. Por quê? Porque o capitalismo que se desenvolve é um processo atrasado, e não consciente mas uma economia para os interesses imperialistas. É um capitalismo que representa a grande burguesia, os latifundiários e o campesinato rico de velho tipo, classes que constituem uma minoria e exploram e oprimem a grande maioria, as massas.

Como sabemos, a Venezuela desenvolveu-se desde o século anterior com a participação do Estado na economia, sendo cada vez mais e mais crescente, porque a grande burguesia por falta de capitais não é capaz de aprofundar o capitalismo burocrático. E assim começa a gerar-se uma contenda entre ambas as frações da grande burguesia, a burocrática e a compradora. Em 98 a burguesia burocrática tomou a direção do Estado através do governo de Chávez e, sustentado pelas forças armadas, gerou um grande crescimento da economia do Estado; o Estado passa, pois, a ser motor da economia dirigido pela burguesia burocrática, mas é durante este momento que a economia entra em grave crise justamente por causa deste aprofundamento e corporativização do Estado.

Entra em crise não só o setor petroleiro, mas também o setor não-petroleiro. Na primeira parte desta terceira parte [seção IV] vimos os dados do declínio do PIB na maioria dos setores, exceto no de comunicações, serviços financeiros e seguros – ou seja, o que atualmente interessa ao imperialismo desenvolver – vimos que a indústria manufatureira e até a de construção, com as casas pré-fabricadas do social-imperialismo chinês, têm cada vez mais conteúdo de insumos importados, logo veremos também outro relatório sobre o desenvolvimento do produto potencial – indicador muito importante do processo econômico do país – que nos dá uma ideia mais clara de como o capitalismo burocrático freia o desenvolvimento das forças produtivas do país e isso o leva sempre a crises mais profundas e recorrentes.

O relatório, assim como o artigo de Sutherland, toma uma característica da economia do país que se aprofundou ou agravou com a aplicação dos planos de governo “bolivariano” e, especialmente com seu “Primeiro Plano Socialista” como causa, embora o próprio desenvolvimento do processo produtivo do capitalismo burocrático, tanto petroleiro como não-petroleiro, mostra um desenvolvimento decrescente até a atualidade com períodos de recessão profunda, sendo a atual recessão e inflação a mais grave e profunda de todo o período desde 1993 até a atualidade.

A questão é que o capitalismo burocrático só permite o desenvolvimento daquilo que atende ao imperialismo, e bloqueia e oprime o desenvolvimento da indústria nacional, propiciando o crescimento da atividade dos grandes monopólios tanto do Estado como dos particulares (processo de concentração e centralização do capital no país), tanto da grande burguesia nativa como das filiais das empresas imperialistas ou “transnacionais”, e mantém a situação semifeudal do país.

Este último é importante porque mostra como a concentração de terra nas mãos dos grandes latifundiários individuais ou associados (cooperativas sujeitas à burocracia estatal) leva a um declínio constante da participação da produção agrária no PIB e a escassez de alimentos do país. Exemplo, mais de 35% do que o povo venezuelano necessita para alimentar-se vem dos Estados Unidos: Caráter semifeudal do país e questão da terra é um problema camponês que é necessário transformar.

Esta “característica rentista da economia venezuelana” é um fenômeno importante que expressa o caráter do país e cujo processo cíclico de movimento, com altas e baixas dos preços do petróleo no mercado mundial, não determinam o desenvolvimento cíclico da economia do país mas marcam ou aprofundam os períodos recessivos. Não coincidem em seu começo, duração e profundidade como se observa nos gráficos. Característica que confirma que o governo “bolivariano” aprofunda o velho caminho do capitalismo burocrático.

Outra coisa muito importante que se deve notar a respeito da explicação que os autores do relatório sobre a “Estrutura Industrial Venezuelana” dão, é quando escrevem que: “Observando que na maior parte do período estudado (desde 1985), se aplicou diferentes controles, desde uma taxa por banda cambial até uma taxa por cambio fixo, somando a isto um processo inflacionário crescente no país”, estão admitindo que a “repressão monetária e financeira” não só foi aplicada por este governo como também pelos governos anteriores. O que confirma que o governo “bolivariano” aprofunda o velho caminho do capitalismo burocrático aplicando uma de suas medidas já conhecidas de “controle de câmbios e…”

Portanto, esta medida não é nacionalista nem progressista, mas é apenas uma das duas políticas econômicas de manejo cambial que os governos lacaios do continente têm: ou o “controle de divisas”, chamado também de “controle de divisas e repressão financeira” como se aplica na Venezuela, ou o “manejo macroeconômico” como no Peru, etc. Ambas as políticas conduzem aos mesmos resultados: exportação de capitais gerados ou pela “renda do petróleo”, mineração, soja, etc., ou pelas entradas de investimentos que se convertem em reservas, ambos utilizados, bem como, ambas utilizam os títulos soberanos para esta exportação de capitais e para maior sujeição financeira do país ao imperialismo, principalmente ianque.

O “controle de divisas e a repressão financeira” não são nenhuma medida de política econômica nacionalista nem progressista, como tampouco o é a do chamado “manejo macroeconômico” (que aplicam os representantes da outra fração no continente) ou a da submissão total à política monetária do imperialismo ianque com a dolarização como no Equador de Correa, e agora com Moreno. Todas estas medidas vão contra os interesses nacionais, presentes e futuros, vão contra o povo. A repressão financeira, como os mesmos autores o reconhecem, carrega sobre o povo venezuelano um imposto adicional, o chamado “imposto inflacionário”. Sua pretendida justificativa de servir a competitividade das empresas do país é denunciada por seus próprios partidários.

Não que a “renda do petróleo”, como tal, seja por si só ruim para a indústria, mas esta se constitui em um dos elementos prejudiciais para o desenvolvimento industrial do país porque não se traduz em investimento produtivo para o país, pois investir o que se ganha com as exportações no desenvolvimento do país requer primeiro remover os obstáculos que como grandes montanhas insuperáveis se opõem ao mesmo– a dominação do imperialismo – a semifeudalidade e o capitalismo burocrático. Pois para isso se necessita fazer a revolução democrática, e levá-la até sua culminação com guerra popular dirigida pelo PC – Partido Comunista. Outro caminho não é possível, o velho caminho só leva a mais crise, fome, repressão e miséria para o povo, isto é, a fundir mais as correntes da opressão e da exploração do imperialismo, a semifeudalidade e o capitalismo burocrático.

Tanto neste documento do governo, como em declarações de seus representantes, como os da oposição, se expressa a posição reacionária de que “Venezuela é um país petroleiro e o vamos fazer!”. É a mesma posição reacionária de que “Peru é um país mineiro”. Ambas expressam submissão as necessidades do imperialismo e estão contrárias ao desenvolvimento do país. Na Venezuela, tanto a oposição como o governo planejam saída da crise com preços do petróleo de antes da crise e com o início da produção do “Arco Mineiro do Orinoco”, que assim como Correa no Equador e Morales na Venezuela, não só vai contra os interesses nacionais mas também contra as promessas e declarações constitucionais de respeitar o direito dos povos originários a seu território e a “Boa vida”. Pura demagogia.

Vejamos algumas partes de outro relatório oficial:

“Departamento de Informação: 801.53.70/801.53.75 (…) no terceiro trimestre, o setor público experimentou um incremento de 1,1%, enquanto que o privado declinou em 10,5%. Entre os fatores que determinaram o comportamento da atividade econômica no terceiro trimestre, se encontra a menor disponibilidade de divisas, produto do impacto adverso da queda dos preços do petróleo de 57,8%, em relação ao lapso similar de 2014, situação que afetou as importações requeridas pelo aparato produtivo nacional”.

Isto não é tão certo, pois a Venezuela tinha uma colocação imensamente superior aos demais países latino-americanos em posição financeira, poderia seguir importando os insumos necessários por muitos meses, mas deve-se considerar que o governo privilegiou pagar os vencimentos da dívida, ou seja, a exportação da “renda do petróleo” a favor da especulação imperialista, ademais o PIB não-petroleiro caía continuamente, exceto em serviços e comunicações como vimos. Mas prossigamos com o relatório:

“Valor agregado bruto (VAB). Atividades econômicas. Sob o enfoque da atividade econômica, o comportamento adverso no PIB é explicado pela diminuição do valor agregado da atividade não-petroleira (-7,0%) e a atividade petroleira (-1,9%).

Atividades não-petroleiras

Nas atividades não-petroleiras destaca o crescimento positivo experimentado nas comunicações (+2,2%) e na prestação de serviços do Governo geral (+1,0%). Contudo, estes resultados não permitiram compensar a diminuição observada na construção (-20,2%), instituições financeiras (-14,4%), comércio (-12,8%), manufatura (-11,1%), transporte e armazenamento (-10,7%), serviços comunitários sociais e pessoais (-6,6%), mineração (-4,6%) e eletricidade e água (-3,7%).

Consideramos finalmente, a Venezuela deve encontrar, neste momento histórico, o caminho para garantir um modelo econômico produtivo que gere a riqueza interna e permita incrementar o desempenho dos indicadores sociais logrados em anos anteriores. Para isso, se faz necessário encontrar novas vias que diversifiquem a economia e rompam com os quase cem anos do modelo rentista petroleiro. O objetivo é deixar de ser um país com volumes de importações importantes para convertermos em uma nação com capacidade de produção que sustente a demanda nacional dos venezuelanos e favoreça a exportação de bens e serviços. (Departamento de Informação: Caracas, 15 de janeiro de 2016. Banco Central da Venezuela – Resultados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor, Produto Interno Bruto e Balança de Pagamentos, Terceiro trimestre de 2015)”.

Assim, as mesmas fontes oficiais como o BCV [Banco Central da Venezuela] reconhecem, com dados de 2014 – isto é de antes da queda dos preços, o que temos assinalado como crise do velho caminho do capitalismo burocrático que o governo tem seguido aplicando, e aprofundando ainda mais “com os quase cem anos do modelo rentista petroleiro” e reconhecem que o “socialismo do século XXI” não serve para o desenvolvimento nacional e a industrialização do país: “A Venezuela deve encontrar, neste momento histórico, o caminho para garantir um modelo econômico produtivo que gere a riqueza interna”. Não sabemos, todavia, se o responsável deste relatório e seu chefe se mantêm em seus cargos. Aqui as causas determinantes da atual crise, recessão com inflação, etc., a pior do país.

Passemos para outra Fonte, agora do Observatório da Economia de Venezuela, eumeded.net, de 2006, Faculdade de Direito da Universidade de Málaga, Espanha.

Continuará em breve