Sobre a atual situação na Venezuela – Parte III Seção II

Nota do blog:  Continuamos hoje com a publicação da “Leitura Crítica do Artigo ‘Venezuela: a crise econômica de 2016’, de Manuel Sutherland”, parte da importante análise feita pelos camaradas da Associação de Nova Democracia – Hamburgo.


Seção II

Uma leitura crítica do artigo “Venezuela: a crise econômica de 2016”, de Manuel Sutherland.

Antes de seguir com o artigo e nossa crítica, é necessário anotar que, como foi demonstrado pelo marxismo, a acumulação do capital é uma importante categoria econômica que expressa como se desenvolvem as forças produtivas da sociedade sob as relações econômicas capitalistas de produção, sob o sistema de produção capitalista, e seus limites que levam necessariamente a sua caducidade. É importante reiterar, para deixar bem claro, que a acumulação capitalista não expressa uma relação entre o homem e as coisas, mas um relação entre homens, uma relação social de produção, porque aí está precisamente a armadilha para tirar seu caráter de classe e velar as contradições, para negar a existência da situação revolucionaria em desenvolvimento desigual.

O capitalismo burocrático amadurece as condições para a revolução, e é necessário conhecer as características especificas que tem este capitalismo tardio, que se desenvolve nos países semifeudais e semicoloniais. Se não se compreende isto não se compreende nada. Não se compreende a situação atual da sociedade muito menos o movimento necessário para derrubá-la, nem se pode ver a situação atual na Venezuela, o caráter de classe da luta ali, que como o mesmo expressa, a “luta política das pessoas que tem caído sob o umbral da pobreza”. Por que a luta política na Venezuela, entre governo e a oposição, tem estas características? Que frações das classes dominantes representam? Que grupos dentro destas frações são intermediários segundo os interesses dos diferentes imperialismo? Quais são as diferenças e as semelhanças com respeito aos outros países latino-americanos? Onde está a base sobre a qual sucedem? Está indubitavelmente na base material, apesar da redundância, na estrutura econômica própria do país. Nós partimos do caráter do pais e do capitalismo burocrático que ali se desenvolve submetido aos interesses do imperialismo e atado a semifeudalidade.

Então o que pretende é conciliar as contradições existentes na Venezuela e no mundo. Nega que cada Estado tem uma base econômica e uma superestrutura política, jurídica, etc., correspondente. Nega as particularidade das economias nacionais de acordo com seu desenvolvimento histórico e a lei de desenvolvimento desigual. Vê tudo plano. Diz, tudo é parte do processo de acumulação capitalista mundial, os enfrentamentos entre o “local” e as “extremidades” são “aparências” porque tudo se determina “pelo processo mundial de acumulação”, o governo está determinado concretamente por este processo.

Sutherland, não tem em conta para nada a opressão imperialista e o caráter do pais, da sociedade venezuelana, e tampouco lhe interessa falar que setor e que grupo da grande burguesia nativa encabeça o Estado, nem qual é o caráter do governo; porque de acordo com seu raciocínio isso não teria importância, pois vem determinado por esse processo mundial. Mas tampouco, explica por que há “capitalistas locais” e “capitalistas estrangeiros” e resolve tudo nos tratos diplomáticos sem expressar o caráter das relações econômicas na época do predomínio do capital financeiro e os monopólios que foram gerados por este. Quer dizer, nega que as relações econômicas estão caracterizadas pela submissão e a violência, a subordinação de uns países a outros. Não estabelece quais são as reais relações entre esses “capitalistas locais” e os “capitalistas estrangeiros”, se são de subordinação e violência ou se são entre iguais.

Por isso, ele fala de um governo que representa e defende os interesses de seus “capitalistas locais”. Por isso, no artigo citado acima,publicado em alemão, escreve que é um “governo nacionalista”, “progressista”, ou seja seria um governo de burguesia nacional ou media burguesia e não como o é, na realidade, representante da grande burguesia, classe lacaia do imperialismo semelhante aos latifundiários de novo e velho cunho. Mais concreto, para nós, é o governo de uma fração desta classe lacaia, de uma fração burocrática.

Para Sutherland, não interessa determinar o caráter especifico da sociedade venezuelana. Não parte, como nós, da caracterização do país como país semifeudal e semicolonial, onde se desenvolve um capitalismo burocrático. E portanto, concebe, ao menos na citação, que o trato entre “capitalista estrangeiros” e “locais” se dê em pé de igualdade. Não concebe que o capitalismo burocrático é filho da semifeudalidade e do imperialismo, e que está a serviço deste.

Como ele não parte de aplicar a caracterização marxista de capitalismo burocrático ao desenvolvimento do capitalismo na Venezuela, não pode explicar as contradições a nível da grande burguesia: o porquê das contradições entre oposição e governo, a quem representa cada um. Para nós, a oposição representa a burguesia compradora e o governo a fração burocrática da grande burguesia. Se não parte-se disto, não se pode esclarecer nada sobre o caráter da crise na Venezuela, que é consequência da aplicação das medidas do governo, durante tudo o que acontece no novo século XXI, para o aprofundamento do capitalismo burocrático e a corporativização da sociedade.

Aprofundamento, em consequência, que a acumulação do capital intensifica à custa da exploração e fome das massas populares, e que o mesmo autor é consciente disto, como mostra em seus diferentes artigos. Assim, as “redistribuições de renda” do governo, não são senão parte do mesmo processo que serve, ademais, para ampliar sua base de sustentação, gerando uma forma de “aristocracia operaria” que é viveiro de “burocracias sindicais” em prol da remodelação corporativa da sociedade venezuelana, pela qual o governo pugna desde seus inícios e ainda mais agora com sua convocatória para os comícios da assembleia nacional constituinte (ver Bases Comiciais do governo)

Tudo isto, como se tem visto em processos similares na América Latina, não pode levar o governo mais que a enredar-se – porque assim não se destrói a opressão imperialista nem a exploração feudal- e a gerar crises porque o capitalismo sempre a gera, ainda mais o capitalismo burocrático como o que se impulsiona. Sem compreender isto não se pode estabelecer com clareza qual é o caminho do povo e qual é a causa da crise atual.

Porém assim diz:

“Ao analisar criticamente a economia Venezuelana, devemos entender que esta é apenas uma fração de um processo mundial de acumulação de capital, que a determina de maneira especifica. Assim, seu futuro econômico está mais ligado ao movimento cíclico da acumulação de capital em escala mundial, que à astúcia ou incompetência das políticas econômicas que os governos exercem, como acreditam a generalidade dos políticos e ideólogos. Isto não implica que a superestrutura (o estado, primordialmente) seja um sujeito passivo no processo de acumulação. Como bem disse Engels, o estado pode exercer políticas que estimulem o processo de acumulação de capital ou inventar propostas que deprimam severamente este processo”.

Com isso, alivia o governo “chavista” de toda responsabilidade por haver seguido o velho caminho do capitalismo burocrático, que sempre leva o país a crises maiores e recorrentes. Com isso o autor não pode ver que a grande burguesia intermediaria sempre cresce à sombra do imperialismo, e que com as medidas do regime incrementou o controle do imperialismo sobre a economia de Venezuela e se arruinou ainda mais a agricultura (o campesinato), a indústria e o país tornou-se mais monocultor de petróleo para o mercado mundial.

O autor faz algumas precisões muito importantes quando toca os diversos aspectos da economia, ademais aporta bons dados, avança na análise mas não pode fazer uma síntese correta e tirar as conclusões que correspondem, por isso se contradiz ainda em sua tese central. Porque não pode ser de outra maneira, busca analisar objetivamente mas está limitado por sua concepção da economia do país e da economia mundial. Como quando fala do “ciclo econômico na Venezuela”, quais foram? Como se corresponde isto com o “movimento cíclico em escala mundial”?

Bem, isso vai reduzir ao fato concreto da dependência da economia venezuelana a um só produto e de seus preços no mercado mundial: o petróleo. Mas não se pergunta por que isto é assim. Para nós é porque, o imperialismo não consciente em nossos povos semicoloniais e semifeudais – o desenvolvimento de um programa econômico de nacionalização e industrialismo – os obriga a especialização, a monocultura (o petróleo, na Venezuela) dali para a crise e a escassez de produtos manufaturados; a crise, disse Mariátegui, se deriva desta rígida determinação da produção nacional, por fatores do mercado mundial capitalista, ou seja, imperialista. Quer dizer, não se produz para satisfazer as necessidades do país senão do mercado mundial, as necessidade do imperialismo.

A crise não é pois a causa da “maldição do petróleo, senão que esta riqueza natural do pais se converte em uma “maldição”, a causa da opressão das três montanhas sobre o país: a semifeudalidade, o capitalismo burocrático e o imperialismo, principalmente ianque. Nas análises e dados factuais do artigo que seguem não há mais que uma confirmação do que afirmamos, com o agregado que mostra ainda como se aprofunda a dependência do pais ao imperialismo.

Mais uma coisa antes de continuar com o artigo, o autor não esclarece a causa real da chamada “fuga de capitais” em um país tão escasso dos mesmos, ou seja, por que se gera uma superabundância relativa de capital que no pais não tem aonde investir e se vai fora em busca de valorizar-se. Isto esclareceria muito sobre o processo do capitalismo burocrático na Venezuela e as particularidade do processo da acumulação de capital nesse país. A causa última, econômica, não pode ser só a evidente da política econômica a respeito, que estimula a especulação com divisas e a corrupção dos representantes do governo e dos empresários do governo e oposição. Por isso, também temos que tocar como o aprofundamento do capitalismo burocrático que impulsiona o governo incentiva a especulação através dos títulos soberanos e prejudica o investimento produtivo.

Mas por agora já está algo extenso e continuaremos em breve