Nota do blog “Futuro Luminoso”: Antes de tudo quero agradecer o camarada Soselo, do blog “Victoria dos Oprimidos Explorados”, que tomando as dificuldades de “escavar” entre velhos documentos compilados dos Clássicos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo, da Internacional Comunista e de discursos de Dirigentes marxista-leninistas da segunda etapa, tenha feito chegar até nós o documento contendo o discurso do camarada Tan Malaka, que foi dirigente do Partido Comunista da Indonésia, antes do IV Congresso desse Partido Comunista Mundial que foi a Terceira Internacional, e que apresentamos hoje para consideração dos camaradas e leitores deste blog.
Este discurso do camarada Malaka, ao pleno do II Congresso da I.C., nos brinda com claros e valiosos ensinamentos a respeito de uma série de questões medulares que têm preocupado o MCI (ML) por vários meses. Primeiro, o camarada Malaka volta-se, a partir da experiência política prática adquirida pelo PCI no tratamento para com o movimento islâmico do próprio país, contra as teses de “combater o Pan-islamismo” e, ao contrário, recomenda “apoiar a luta de libertação dos extremamente combativos, muito ativos, 250 milhões de mulçumanos que vivem sob o jugo das potências imperialistas”. Segundo, que nesta luta nacional libertadora o aspecto ideológico (a religião) ocupa lugar secundário, subordinado em relação à luta política antiimperialista. Terceiro, que o trabalho dos comunistas de convencimento, educação, esclarecimento está dirigido para a base das massas dos movimentos islâmicos, formada por trabalhadores e camponeses, e não simplesmente com a direção dos mesmos. Quarto, esta exposição do camarada Malaka está dirigida, claro que sem ênfase, contra os setores ultraesquerdistas predominantes no seio dos Partidos Comunistas europeus (zinovievistas e trotskystas), os quais obrigaram a subscrever essa tese errônea contra o parecer de Lênin e dos bolcheviques russos no II Congresso da IC. (Com respeito a esse tema, em torno do esboço da tese sobre o problema nacional e colonial de Lenin, tratamos no meu segundo artigo de ISIS…es que?)
Ao reproduzir este documento não estamos movidos pela intenção de convencer a ninguém, menos aos que já estão convencidos na posição de anular qualquer aliança com os movimentos árabes e mulçumanos antiimperialistas, porém queremos fornecer elementos teóricos e políticos conceituadores da experiência do movimento marxista-leninista da segunda etapa, os quais ajudarão os militantes a pensar por conta própria e a orientar-se, dentro da atual situação internacional, no cumprimento das tarefas politico-revolucionárias levantadas por seus respectivos partidos comunistas de militância.
Comunismo e Pan-Islamismo
Tan Malaka (1922)
Esse é um discurso realizado pelo marxista indonésio Tan Malaka no Quarto Congresso da Internacional Comunista no dia 12 de Novembro de 1922. Tomando em questão teses desenvolvidas por Lênin e adotadas pelo Segundo Congresso, que enfatizaram a necessidade da “luta contra o Pan-Islamismo”, Tan Malaka defendeu um perspectiva mais positiva dessa questão. Tan Malaka (1897 – 1949) foi eleito presidente do Partido Comunista da Indonésia em 1921, mas no próximo ano ele fora forçado a deixar as Índias Orientais pelas autoridades coloniais. Após a proclamação da independência em Agosto de 1945, ele retornou à Indonésia para participar da luta contra o colonialismo holandês. Ele se tornou o líder do Partai Murba (Partido Proletário), formado em 1948 para organizar a classe trabalhadora em oposição ao governo Soekarno. Em Fevereiro de 1949 Tan Malaka foi capturado pelo exército indonésio e executado.
Camaradas! Após ouvir os discursos feitos pelo General Zinoviev, General Radek e outros camaradas europeus, e levando em consideração a importância, também para nós orientais, da questão da frente unida, penso que devo falar, em nome do Partido Comunista de Java, pelas bilhões de pessoas oprimidas no oriente.
Eu devo colocar algumas questões para ambos os generais. Talvez o General Zinoviev não estivesse pensando a respeito da frente unida em Java; talvez nossa frente unida fosse algo diferente. Mas a decisão do Segundo Congresso da Internacional Comunista significa na prática que devemos formar uma frente unida com o nacionalismo revolucionário. Dado, que precisamos reconhecer, que formar uma frente unida em nosso país é necessário também, nossa frente unida não pode ser com os Socialdemocratas, mas sim com os nacionalistas revolucionários. Mas as táticas usadas pelos nacionalistas contra o imperialismo muito comumente difere-se das nossas; como por exemplo, o boicote e a luta pela liberação mulçumana, o Pan-Islamismo. Essas são duas formas que eu particularmente estou considerando, por isso deverei fazer as seguintes questões. Primeiro, deveremos apoiar o movimento pelo boicote nacional ou não? Segundo, deveremos apoiar o Pan-Islamismo, sim ou não? E se sim, quão longe deveremos ir?
O boicote, eu devo admitir, certamente não é um método Comunista, mas é uma das mais afiadas armas disponíveis na situação política-militar de subjugação no oriente. Nos últimos dois anos nós vimos o sucesso do boicote do povo egípcio em 1919 contra o imperialismo britânico e novamente o grande boicote chinês no final de 1919 e começo de 1920. O mais recente boicote ocorreu na Índia britânica. Nós podemos considerar que nos próximos anos outras formas de boicote serão empregadas no oriente. Nós sabemos que esse não é nosso método; é um mesquinho método burguês, algo que pertence à burguesia nacional. Nós podemos dizer mais; o boicote significa o suporte para o crescimento do capitalismo interno; mas nós também vemos o que aconteceu após o movimento do boicote da Índia britânica, agora que há mais de mil e oitocentos líderes presos, o boicote gerou uma atmosfera revolucionária, assim como o movimento pelo boicote também forçou o governo britânico à pedir ajuda militar ao Japão, o que deverá desenvolver-se em uma insurreição armada. Nós também sabemos que os líderes mulçumanos na Índia – Dr. Kirchief, Hasret Mahoni e os irmãos Ali – são na verdade nacionalistas; não tínhamos nenhuma insurreição para registrar quando Gandhi fora preso. Mas as pessoas na Índia sabem bem o que qualquer revolucionário lá sabe: que uma insurreição local pode apenas terminar em derrota, por que não temos armas ou outros materiais bélicos lá, consequentemente a questão do movimento do boicote vai, agora ou no futuro, ser relevante. Tanto na Índia como em Java nós estamos cientes que há muitos comunistas inclinados à proclamar o movimento de boicote, talvez porque as ideias emanadas da Rússia estejam esquecidas à tempos, ou talvez porque havia um desencadeante sentimento comunista na Índia Britânica que poderia desafiar o movimento inteiro. Em qualquer caso, nós nos deparamos com a questão: Devemos apoiar essa tática, sim ou não? Quão longe poderemos ir?
O Pan-Islamismo é uma longa história. Primeiramente eu falarei sobre nossas experiências nas Índias Orientais onde nós cooperamos com os mulçumanos. Nós temos em Java uma grande organização com muitos camponeses pobres, o Sarekat Islam (Liga Islâmica). Entre 1912 e 1916 essa organização tinha mais de um milhão de membros, podendo chegar até três ou quatro milhões. Era um movimento popular muito grande, que cresceu espontaneamente e era muito revolucionário.
Até 1921 nós colaboramos com ele. Nosso Partido, consistindo em 13.000 membros, foi à esse movimento popular e levou a propaganda até ele. Em 1921 nós tivemos sucesso que o Sarekat Islam adotasse nosso programa. A Liga Islâmica também agitava os moradores para controlar as fábricas e propagandeavam o slogan: “Todo poder aos camponeses pobres, todo poder aos proletários!” Então o Sarekat Islam fazia a mesma propaganda que nosso Partido Comunista, apenas algumas vezes sob um diferente nome.
Porém, em 1921 uma cisão ocorreu como resultado de um desajeitado criticismo da liderança do Sarekat Islam. O governo através de seus agentes infiltrados no Sarekat Islam explorou essa cisão, e também explorou a decisão do Segundo Congresso da Internacional Comunista: “Luta contra o Pan-Islamismo!” O que deveríamos dizer aos simples camponeses? Eles diziam: “Olhem, os comunistas não querem somente que nós separamos, eles querem destruir nossa religião!” Isso era muito para um simples camponês mulçumano. O camponês pensou consigo: “Eu perdi tudo nesse mundo, deverei perder também meu paraíso? Isso não farei!” Isso era como os simples mulçumanos pensavam. Os propagandistas entre os agentes do governo exploraram isso com muito sucesso. Então tivemos essa cisão. [Presidente: Seu tempo esgotou-se].
Eu vim das Índias Orientais, e viajei durante quarenta dias. [Aplausos].
Os membros do Sarekat Islam acreditam em nossa propaganda e permanecem conosco em suas entranhas, para usar a expressão popular, mas em seus corações eles permanecem com o Sarekat Islam, com seu paraíso. Pois o paraíso é algo que não podemos dar à eles. Assim sendo, eles boicotaram nossas reuniões nós não podemos mais continuar nossa propaganda.
Desde o início do último ano nós trabalhamos para reestabelecer o elo com o Sarekat Islam. No nosso congresso em Dezembro do ano passado dissemos que os mulçumanos no Cáucaso e em outros países, que haviam cooperado com os Sovietes e lutado contra o capitalismo internacional, entendiam sua religião melhor, e também dissemos, se eles quisessem fazer propaganda de sua religião, eles poderiam fazer, mas não em nossas reuniões e sim nas mesquitas.
Nós somos perguntados em reuniões públicas: “Vocês são mulçumanos – sim ou não? Vocês acreditam em Deus – sim ou não?” Como responderíamos isso? “Sim, eu disse, quando eu estou perante Deus eu sou um mulçumano, mas quando eu estou perante o homem eu não sou um mulçumano [Altos Aplausos], pois disse Deus que há muitos demônios entre os homens! [Altos Aplausos]. Portanto nós infligimos a derrota em seus líderes com o Alcorão em nossas mãos, e em nosso congresso ano passado nós compelimos os líderes do Sarekat Islam, através de seus próprios membros, à cooperar conosco.
Quando a greve geral estourou em Março ano passado, os trabalhadores mulçumanos precisavam de nós, já que tínhamos os ferroviários sob nossa liderança. Os líderes do Sarekat Islam disseram: “Vocês querem cooperar conosco, então vocês deverão nos ajudar também.” Com certeza iríamos à eles, e dissemos: “Sim, seu Deus é poderoso, mas ele disse que nesse planeta os ferroviários são mais poderosos! [Altos Aplausos] “Os ferroviários são o comitê executivo de Deus nesse mundo.” [Risadas]
Mas isso não resolvia a questão, e se tivéssemos outra cisão, nós poderíamos ter certeza que os agentes do governo estariam lá novamente com seu Pan-Islamismo. Então a questão do Pan-Islamismo é uma questão imediata.
Mas agora precisamos entender o que a palavra Pan-Islamismo realmente significa. Outrora, essa teve uma significância histórica e definia que o Islã deveria conquistar o mundo inteiro, com a espada em mãos, e que isso deveria acontecer sob a liderança do Califa, e o Califa deveria ser de origem Árabe. Quase 400 anos após a morte de Maomé, os mulçumanos se dividiram em três grandes Estados e portanto a Guerra Santa perdeu seu significado para todo o mundo mulçumano. É portanto que o significado, que em nome de Deus o Califa e a religião mulçumana deveria conquistar o mundo inteiro, foi perdido, pois o Califa da Espanha disse: “Eu sou o verdadeiro Califa, eu deverei carregar a bandeira!” e o Califa do Egito disse o mesmo, assim como o Califa de Bagdá, que ainda acrescentou: “Eu sou o verdadeiro Califa, pois sou da tribo árabe de Quraish!”.
Então o Pan-Islamismo não tem mais seu significado original, mas tem hoje um significado completamente diferente na prática. Hoje, o Pan-Islamismo significa a luta pela libertação nacional, pois para os mulçumanos o Islão é tudo: não só a religião, mas também o Estado, a economia, a comida e tudo mais. E então o Pan-Islamismo agora significa a irmandade de todo o povo mulçumano e a luta pela libertação não só dos árabes mas dos indianos, dos javaneses e de todos os povos mulçumanos oprimidos. Essa irmandade significa na prática a luta pela libertação não somente contra o capitalismo holandês mas também contra o capitalismo inglês, francês e italiano, assim sendo contra o capitalismo como um todo. Esse é o significado do Pan-Islamismo na Indonésia entre os povos oprimidos, de acordo com sua propaganda secreta – a luta pela libertação contra os diferentes poderes imperialistas no mundo.
Esse é uma nova tarefa para nós. Assim como queremos apoiar a luta nacional, nós também queremos apoiar a luta por libertação de extremamente combativos e ativos 250 milhões de mulçumanos vivendo sob os poderes imperialistas. Assim sendo eu pergunto novamente: Deveremos apoiar o Pan-Islamismo, nesse sentido?
Então encerro meu discurso. [Vívidos Aplausos].