Nota do blog: Publicamos este importante documento da Associação de Nova Democracia (Hamburgo, Alemanha) que aprofunda o problema da reacionarização do Estado ianque e desmascara o revisionismo de Avakian. Este revisionista nega o atual processo de reacionarização do Estado ianque como centralização absoluta de poder no executivo, através do absolutismo presidencialista no arquirreacionário Trump, para se colocar a reboque da máfia do Partido Democrata (PD) de Obama/Clinton.
Este revisionista e seu partideco PCR-USA buscam, em síntese, negar o absolutismo presidencialista para, em seguida, levantar a retórica de um “governo Trump fascista”; logo converter Obama e o PD em “democráticos” e negar seu caráter genocida, chauvinista e reacionário – isto é, nas últimas consequências: defender o governo anterior do genocida Obama e de sua máfia e reclamar sua volta.
Este é um importante documento que combate o novo revisionismo com o marxismo-leninismo-maoísmo e os aportes universalmente válidos do Presidente Gonzalo.
Aqui apresentamos um texto do Presidente Gonzalo sobre algumas questões de Sobre o Estado, do documento do PCP: Que o Equilíbrio Estratégico estremeça mais o país!, Peru, agosto de 1991, e depois o importante texto de Lenin “Sobre o Estado”.
Hoje, é mais do que nunca necessário estudar estes textos e aplica-los para fazer a revolução, combatendo a ofensiva contrarrevolucionária geral e para esmagar o oportunismo e o revisionismo em tão importante problema, que não é outro que o do Poder: que “nos demanda entender o que é o Estado, destruir o velho Estado, levantar o Novo Estado, estabelecer a ditadura do proletariado e, com ela, transformar o mundo (democracia para o povo, ditadura para os derrubados exploradores) e marchar até o comunismo, lá licenciaremos para sempre o Estado”, nos disse o Presidente Gonzalo.
Armados com o pensamento gonzalo, apontamos para ver o processo de reacionarização do Estado burguês; ver Marx em seu “Dezoito Brumário”. Logo, pois, o processo necessário, sujeito a leis que correspondem ao desenvolvimento do Estado burguês, mais ainda na atualidade, no momento mais longo de varrimento do imperialismo pela guerra popular no mundo, na ofensiva estratégica da revolução mundial, dentro do período dos “50 a 100 anos” (Presidente Mao). A Revolução deveio na tendência histórica e política principal no mundo de hoje. Em todo o mundo há uma situação revolucionária de desenvolvimento desigual e se desenvolve a nova grande onda da revolução mundial acicatada pela reação.
O imperialismo está em sua crise geral e esta abarca todos seus planos. Os revisionistas e oportunistas como Avakian negam – e alguns repetem – este processo de reacionarização do Estado burguês, que leva a centralizar cada vez mais o Poder no Executivo “enquanto que o Parlamento, as eleições são marionetes, fantoches” (Lenin). Mariátegui precisou com grande clareza: a crise do parlamento burguês é a crise da democracia burguesa”.
Nos Estados Unidos, a superpotência hegemônica única, como já escrevemos anteriormente, o Poder se centraliza cada vez mais no Presidente, no Executivo, em detrimento do parlamento etc. Os ministros, assessores e os mais altos funcionários são representantes das Forças Armadas e dos serviços secretos e desse punhado de monopólios gerados pelo capital financeiro que dominam não só ali, mas em todo o mundo. Poder que é transpassado aos militares e aos serviços secretos, cujos mais altos mandos e funcionários pertencem a estes monopólios como assessores, diretivos etc. Não se pode ignorar que os imperialistas ianques desenvolvem sua guerra contra o proletariado e o povo nos Estados Unidos (no seu interior) e a guerra de agressão imperialista e outras formas de intervenção em todo o mundo.
Este processo de reacionarização do Estado burguês, segundo as condições específicas de cada país, pode dar-se como centralização absoluta do Poder com absolutismo presidencialista, como é o caso – para nós – nos Estados Unidos, [fenômeno] que continua com a troca de autoridades reacionárias do governo genocida dó reacionário Obama ao governo genocida do arquirreacionário Trump. Tal como já analisamos anteriormente.
Retórica chauvinista, ultrarreacionária, mais que qualquer outro de sua espécie, onde logicamente se encontram ingredientes de todo o tipo, inclusive fascista, mas fundamentados com a verborragia barata e obsoluta das liberdades dos indivíduos e uma falsa propaganda anti-Estado, o que pode se comprovar muito facilmente com o discurso de Trump e seus comparsas, inclusive os ex do Tea Parti, sobre o chamado “Obama Care”; qual é seu “fundamento último”? Que o Estado obriga; que o Estado intervém na liberdade de escolha do seguro pelos cidadãos, que é um pacote que deve tomar-se em conjunto etc. etc. – iniciativa individual, livre escolha individual etc.
Por outro lado, não houve no governo de Bush jr. e nem há neste governo um plano corporativo de impulsionar uma organização gremial ou corporativa da sociedade. Não há um discurso que oponha o velho sistema caduco da representação liberal burguesa reacionária ao da representação por grêmios, Estado-patrões-operários etc. Mais ainda, Trump não organizou um movimento próprio, como se vê, é parte do Partido Republicano. Ver também as propostas econômicas, todas servem a beneficiar “a livre empresa”, a inversão dos monopólios particulares, ainda na inversão e construção da infraestrutura como programa anti-cíclico; já nos ocuparemos documentadamente disto. As últimas eleições, o candidato e hoje presidente Trump é um símbolo e um signo maior da profundidade da crise em que está submetido o país imperialista que é a superpotência hegemônica única. É a cabeça do governo imperialista ianque. Mostra como se afunda irremediavelmente o imperialismo ianque.
Avakian, para negar este processo material, para negar a luta pela ditadura do proletariado e pelo socialismo mediante a guerra popular nos Estados Unidos, disse simplesmente: o governo de Trump é fascista, “em nome da humanidade não aceitamos este governo”, “Trump não é nosso presidente”, “não o aceitamos”. Parte [do pressuposto] que o fascismo seria coisa de um indivíduo ou de vários indivíduos mais reacionários. Isso é parte desse pensamento “pós-modernista” antimarxista, que Avakian tem na cabeça. Assim, segundo ele e outros oportunistas e revisionistas, há que lutar contra o fascismo e não contra a ditadura da burguesia, não contra a república burguesa e, como? Mediante a “resistência pacífica” ou “desobediência civil”, como indicam suas consignas esboçadas aqui. Não corresponde. Isso leva a defender o governo anterior e a defender a troca de governo, ao menos para ele como a solução normalizadora, utilizando suas próprias palavras.
Avakian e seu partideco revisionista (PCR-USA) se põe atrás da democracia burguesa reacionária e do setor que mobiliza a chamada “esquerda” do PD (de Obama e Clinton). Beneficiou a Clinton e ao governo anterior que assim negociaram melhor a transferência de governo. Tudo isso é lixo revisionista. Isso favorece a manipulação reacionária das massas para a política burguesa, para a guerra imperialista dentro do país e no estrangeiro, para o chauvinismo imperialista. Para Avakian, por isso, os únicos chauvinistas são os fascistas, [logo] Obama não foi chauvinista etc. Seja fascismo ou não, o que corresponde ali e em todo o mundo é fazer a revolução e, para isso, há que reconstituir ou constituir o PC e, contando com o heroico combatente, iniciar e desenvolver a guerra popular. A isto se opõe Avakian e comparsas com mais raiva que Trump. E há outros que por não mover sua própria cabeça, repetem o “fascismo de Avakian”. O marxismo lhes disse: movam sua cabeça e eles movem os pés.
Avakian, revisionistas e oportunistas negam que Trump representa a continuidade do governo Obama – logicamente em piores condições para o imperialismo ianque, [por razão] de fracasso do governo do Partido Demcorata em suas tarefas reacionárias que são necessidades do imperialismo. Vamos seguir com a continuidade dessas políticas quanto à contradição principal (guerra de agressão contra os países oprimidos) e à terceira contradição (agudização do conluio e pugna interimperialista – entre superpotências e potências). Logo voltaremos ao tema econômico etc.
“Sobre o Estado”
Presidente Gonzalo
É conveniente que levantemos algumas questões de “Acerca do Estado” de Lenin, se pudéssemos ler o texto (ao menos os dirigentes) seria útil, porque aponta para ver o Estado, a prestar mais a atenção ainda. Este documento serve a ver o processo do Estado e a compreender coisas substantivas, tanto para nós como para combater a ofensiva contrarrevolucionária geral. Nele Lenin nos disse, falando do Estado e a dificuldade de estuda-lo, como se pode avançar: “e será, para nós, muito fácil voltar a este problema, pois se trata de uma questão tão básica, tão fundamental de toda a política, que não só em tempos tão tempestuosos – em tempos de revolução como os que agora atravessamos – mas também nos tempos mais pacíficos, em todo o período que trate de qualquer questão econômica ou política, tropeçarás diariamente nestas perguntas: O que é o Estado? Em que consiste sua essência? Qual é seu significado e qual posição adota ante ele o nosso partido, o partido que luta pelo derrocamento do capitalismo – o Partido Comunista? Esta é uma questão para a que, por um ou outro motivo, terás que voltar todos os dias. E o essencial é que, como resultado de vossas leituras e de vossas assistência a comícios e conferências sobre o Estado, aprenderás a abordar por conta própria este problema, posto que tropeçais nele pelos mais diversos motivos, em cada pequena questão, nas combinações mais inesperadas, nas conversas e disputas com adversários. Só quando aprendáis a orientar-se por conta própria neste problema, poderás considera-se o suficientemente firme em vossas convicções, só então poderás defende-las com êxito ante quem quer que seja e em qualquer momento”. Aqui o saltante é que com este problema tropeçamos cotidianamente pelos mais diversos motivos em cada pequena questão, nas combinações mais inesperadas, nas conversas e nas disputas com os adversários; isto é certíssimo, hoje mais do que nunca. É isso o importante.
Nos disse mais adiante: “Já disse que a obra de Engels A orgem da família, da propriedade privada e do Estado os poderia servir de ajuda. Nela, precisamente, se afirma que todo Estado, no que exista a propriedade privada sobre a terra e sobre os meios de produção e no que domine o capital, é, por mais democrático que seja, um Estado capitalista, uma máquina nas mãos dos capitalistas para manter submetidos a classe operária e os camponeses pobres. E o sufrágio universal, a Assembleia Constituinte, o Parlamento não são mais que a forma, uma espécie de nota promissória, que não altera em nada o fundo da questão”. Isto é o que nos interessa, o Estado, “é uma máquina nas mãos dos capitalistas para manter submetidos a classe operária e os camponeses pobres”; e o sufrágio, a Assembleia Constituinte, o Parlamento? São forma, não são a essência nem o conteúdo. O conteúdo, a razão dessas modalidades não é senão manter a exploração, a opressão. Isto é o que nos interessa. E adiciona na continuação: “A forma de domínio do Estado pode ser distinta: o capital manifesta sua força de uma maneira, de onde existe uma forma, e de outra, donde existe outra forma, mas, essencialmente, o poder continua sempre em mãos do capital, mesmo que exista o sufrágio restringido ou outro sufrágio; mesmo que exista uma república democrática, e inclusive quanto mais democrática seja, tanto mais grosseiro e cínimo é este domínio do capitalismo. Uma das repúblicas mais democráticas do mundo é a dos estados Unidos da América do Norte, e nenhum outro país (quem esteve ali depois de 1905, seguramente, se deu conta disso), em nenhuma parte, o poder do capital, o poder de um punhado de multimilionários sobre toda a sociedade, se manifesta de forma tão grosseira, com tão descarada venalidade como ali. O capital, uma vez que existe, domina toda a sociedade, e nenhuma república democrática, nenhum direito eleitoral muda a essência do assunto”. É muito bom, está bem explicado e se entende perfeitamente. Continua dizendo: “A república democrática e o sufrágio universal, em comparação com o regime feudal, constituíram um enorme progresso, pois permitiram ao proletariado alcançar sua unificação, a coesão com que conta agora e formar as fileiras armônicas e disciplinadas que lutam sistematicamente contra o capital”. O texto que segue deve ser lido, mas não vamos analisa-lo agora; mais adiante destaca: “Não só hipócritas conscientes, sábios e curas apoiam e defendem esta mentira burguesa de que o Estado é livre e chamado a defender os interesses de todos, mas também multidão de pessoas que repetem sinceramente os velhos prejuízos e não podem compreender o passo da velha sociedade capitalista ao socialismo. Não só pessoas que estão diretamente subordinadas à burguesia, não só os que estão sob o jugo do capital ou os que estão subordinados por este (uma massa de toda sorte de sábios, artistas, clérigos, etc. está ao serviço do capital), mas também pessoas que se encontram simplesmente sob a influência dos prejuízos da liberdade burguesa, todos eles se mobilizaram no mundo inteiro contra o bolchevismo, porque, ao fundar-se a República Soviética rechaçou esta mentira burguesa e declarou abertamente: vocês chamais livre a vosso Estado quando, em realidade, enquanto existir a propriedade privada, o vosso Estado, ainda que seja uma república democrática, não é outra coisa que uma máquina nas mãos dos capitalistas destinada a esmagar os operários, e quanto mais livre é o Estado, com maior clareza se manifesta este fato”. Aqui devemos ressaltar a quantos se engana, quão arraigada está essa aburda ideia de que o Estado é livre, que está por cima dos demais, que serve a todos. E nos disse, isto ocorre em todo Estado; põe o exemplo dos Estados Unidos e da Suiça: “Nestes países há menos soldados, o exército regular é menos na Suiça, existe uma milícia, e cada suíço tem um fuzil em casa; nos Estados Unidos até pouco tempo não havia exército regular e, por isso mesmo, quando estala uma greve a burguesia se arma, emprega soldados mercenários e esmaga a greve, e em nenhuma parte este esmagamento do movimento operário é tão implacável e feroz como na Suíça e nos Estados Unidos, em nenhuma parte há o Parlamento sob uma maior influência do capital do que precisamente nestes países”. Nos planteiam: ali são muitos democráticos, têm exército pequeno etc., mas quando há uma greve logo contratam mercenários, se armam eles mesmos; aqui estamos vendo algo similar, mas a raiz é que a guerra popular torna insuficiente a quantidade de suas forças repressivas. Assim, sempre armam seus huestes [N.T.: lacaios, seguidores] compram mercenários, defendem sua riqueza e poder. Antes, há um parágrafo que também merece ressaltar, falando de outros países: “Em nenhuma parte o capital domina tão cínica e implacavelmente e em nenhuma parte se manifesta isso com tanta clareza como precisamente nestes países, apesar de que são repúblicas democráticas, por muito elegantemente enfeitadas que estejam, e apesar de todas as palavras sobre a democracia do trabalho e a igualdade de todos os cidadãos”. Muito bom parágrago. Por muito que declamem sua democracia, em nenhuma parte há um domínio tão cínico nem tão implacável; é um domínio cínico e implacável; não importa quão elegantemente enfeitados estejam nem todo o palavreado sobre democracia do trabalho e igualdade de todos os cidadãos. Lenin nos disse mais adiante que nesses países (Estados Unidos e países europeus), “A força do capital é tudo; a Bolsa é tudo, enquanto o Parlamento, as eleições são marionetes, fantoches…”. Isto nos cai muito bem, hoje em dia mais ainda, porque estamos vendo semelhante coisa no Parlamento Peruano; no entanto, aqui nos empinam sobre democracia, mas isto serve a desmascarar sua democracia eseus paragigmas democráticos (Estados Unidos e países europeus), e nos faz ver que implica, pois, este sistema; em síntese, o Parlamento Peruano é uma grande mostra de sua podridão.
E continua dizendo-nos: “Mas, quanto mais tempo passa, mais claramente os operários veem e maior difusão adquire a ideia do Poder soviético, sobretudo depois da sangrenta matança pela que acabamos de passar”, fala da I Guerra Mundial, “A classe operária vê, cada vez mais claro, a necessidade de uma luta implacável contra os capitalistas”. Depois que houve o derroteiro de todo o Estado, partindo de fazer-nos ver a necessidade de estudar o problema do Estado, chega-se ao Estado burguês, são os parágrafos finais que lemos. Aqui está a democracia burguesa desmascarada, a falácia de liberdade do Estado, o vil engano de que serve a todos e o engendro demagógico da democracia do trabalho e da igualdade dos cidadãos, e exposta a condição de fantoches de todos os Parlamentos. As eleições são marionetes, nos disse, porque onde está o poder, a força da burguesia? Está no capita; este é tudo, nos disse, a Bolsa é tudo e, por coincidência, há pouco abriu-se a Bolsa no Peru. Chegado aqui, Lenin sustenta: os operários questionam a ordem burguesa, compreendem a necessidade de derrubar o velho Estado e, portanto, se desenvolve uma luta implacável contra os capitalistas, e termina dizendo sobre o novo sistema, o Novo Estado: “Quaisquer que sejam as formas com que se encubra a república, ainda que se trate da república mais democrática, se é burguesa, se nela continua existindo a propriedade privada sobre a terra e as fábricas e se o capital privado mantém em escravidão assalariada toda a sociedade, isto é, se nela não se realiza o proclamado pelo Programa de nosso partido e pela Constituição Soviética, tal Estado é uma máquina destinada à opressão de uns por outros. E esta máquina poremos nas mãos daquela que deve derrocar o poder do capital. Rechaçaremos todos os velhos pré-juízos de que o Estado é a igualdade para todos, pois isto é um engano: enquanto existir a exploração, não pode haver igualdade. O latifúndio não pode ser igual ao operário, o esfomeado não pode ser igual ao farto. Essa máquina chamada Estado, ante a qual a gente se detém com respeito supersticioso, dando fé aos velhos contos de que é o poder de todo o povo, o proletariado a rechaçada, dizendo que é uma mentira burguesa. Nós arrebatamos dos capitalistas esta máquina e nos apropriamos dela. Com esta máquina ou garrote destruímos toda exploração e quando no mundo não haver a possibilidade de explorar, não haver mais proprietários de terras e de fábricas, não ocorrer que uns se fartam enquanto outros padecem de fome, somente quando isto já não for possível, lançarmos esta máquina ao monte de sucata. Enquanto não haverá Estado e não haverá exploração. Este é o ponto de vista de nosso Partido Comunista.” Bom texto para estudar e entender o problema do Estado e melhor ainda para fazer chegar às amplas massas um tema necessário de conhecer, mais ainda hoje. Muito bom porque depois do derroteiro, repito, chega à democracia burguesia, à crítica a fundo, estripa sua essência e logo nos planteia o nosso Estado, que vem a se conquistar o Poder, fazer a própria máquina estatal destruindo a velha maquinaria estatal; e com ela, disse, destruímos todo rastro de exploração, opressão, e logo haverá liberdade, e quando tal não haverá classes, então não haverá Estado. A questão é que enquanto o Estado não cumprir o programa do Partido Comunista, não será um Estado que beneficie realmente a classe [operária], o povo; assim, somente o Novo Estado é o único que lhe pode servir. Isto é muito bom, nos indica o rumo e a perspectiva final; e o que é principal: nos demanda entender o que é o Estado, destruir o velho Estado, levantar o Novo Estado, estabelecer a ditadura do proletariado e, com ela, transformar o mundo (democracia para o povo, ditadura para os derrubados exploradores) e marchar até o comunismo, aí licenciaremos para sempre o Estado.
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Sobre o Estado
I. Lenin
Conferencia pronunciada en la Universidad Sverdlov*
11 de julio de 1919
Primera publicación: El 18 de enero de 1929, en Pravda, núm 15.
Fuente: Biblioteca de Textos Marxistas.
Esta edición: Marxists Internet Archive, 1 enero 2001.
Camaradas, o tema da conferência de hoje, consoante com o plano traçado por vocês que me foi comunicado, é o Estado. Desconheço até que ponto vocês estejam por dentro deste tema. Se não me engano, os seus cursos acabam de principiar e, pela primeira vez, abordaram sistematicamente este tema. Se assim for, pode muito bem acontecer que na primeira conferência sobre este tema tão difícil eu não consiga que a minha exposição seja suficientemente clara e compreensível para muitos dos meus ouvintes. Em tal caso, rogo-lhes que não se preocupem, porque o problema do Estado é um dos mais complicados e difíceis, com certeza aquele em que mais confusão semearam os eruditos, escritores e filósofos burgueses. Não cabe esperar, portanto, que se possa chegar a uma profunda compreensão do tema com uma breve aula, numa só sessão. Após a primeira aula sobre este tema, deverão tomar nota dos trechos que não tenham compreendido ou que não lhes resultarem claros, para voltarmos sobre eles duas, três e quatro vezes, a fim de, mais tarde, poder ser completado e aclarado o que não for percebido, quer mediante a leitura, quer mediante diversas aulas e conferências. Espero que possamos voltar a nos reunir para trocar opiniões sobre todos os pontos complementares e ver o que é que ficou mais obscuro. Espero, aliás, que para além das aulas e conferências, dediquem algum tempo a ler, pelo menos, algumas das obras mais importantes de Marx e Engels. Não há qualquer dúvida que estas obras, as mais importantes, se acham na listagem de livros recomendados e nos manuais que estão disponíveis na biblioteca de vocês para os estudantes da escola do Soviete e do Partido; e embora, mais uma vez, alguns de vocês se sintam no começo, desanimados pela dificuldade da exposição, torno a advertir-lhes que não devem preocupar-se com isso; o que não resulta claro à primeira leitura, tornará claro na segunda leitura, ou quando logo a seguir foquem o problema de outro ângulo um bocado diferente. Porque, repito mais uma vez, o problema é tão complexo e tem sido tão ensarilhado polos eruditos e escritores burgueses, que quem desejar estudá-lo a sério e chegar a dominá-lo por conta própria, deve abordá-lo várias vezes, voltar sobre ele uma e outra vez e considerá-lo de vários ângulos, para poder chegar a uma compreensão clara e definida dele. Porque é um problema fundamental, tão basilar em toda política e porque, não apenas em tempos turbulentos e revolucionários como os que vivemos, mas inclusive nos mais pacíficos, toparão com ele todos os dias em qualquer jornal, a respeito de qualquer assunto econômico ou político, será tanto mais fácil voltar sobre ele. Todos os dias, por um motivo ou outro, tornarão vocês à pergunta: o que é o Estado, qual a sua natureza, a sua significação e qual a atitude do nosso partido, o partido que luta pela derrubada do capitalismo, o partido comunista, qual é a sua atitude no que diz respeito ao Estado? E o mais importante é que, como resultado das leituras que realizem, como resultado das aulas e conferências que escutem sobre o Estado, adquirem a capacidade de focar este problema por si próprios, já que o defrontarão com os mais diversos motivos, em relação com as questões triviais, nos contextos mais inesperados, e em discussões e debates com adversários. E só quando aprenderem a se orientar por si próprios neste problema é que poderão considerar-se firmes nas suas convicções e capazes para as defenderem com sucesso contra qualquer um e em qualquer momento.
Depois destas breves considerações, passarei a tratar o problema em si: o que é o Estado, como surgiu e, nomeadamente, qual deve ser a atitude, no que concerne ao Estado, da parte do partido da classe operária, o partido dos comunistas, que luta pela total derrocada do capitalismo.
Já tenho dito que dificilmente se encontrará outro problema em que deliberada e inconscientemente, tenham semeado tanta confusão os representantes da ciência, da filosofia, da jurisprudência, da economia política e do jornalismo burgueses como o problema do Estado. Ainda hoje o tema é confundido muito amiúde com problemas religiosos, não só pelos representantes de doutrinas religiosas (é completamente natural esperar tal atitude dentre eles), mas mesmo pessoas que se consideram livres de preconceitos religiosos confundem muito a questão específica do Estado com problemas religiosos e tentam elaborar uma doutrina – não raro complexa, com uma focagem e uma argumentação ideológicas e filosóficas — defendendo que o Estado é qualquer coisa divina, sobrenatural, certa força, em virtude da qual tem vivido a humanidade, que confere, ou pode conferir aos homens, ou que contém em si qualquer coisa que não é própria do homem, mas vinda de fora: uma força de origem divina. E cumpre dizer que esta doutrina está tão estreitamente ligada aos interesses das classes exploradoras – dos proprietários e dos capitalistas —, serve tão bem aos seus interesses, impregnou tão fundamente todos os costumes, as concepções, a ciência dos senhores representantes da burguesia, que encontrarão vocês vestígios dela a cada passo, mesmo na concepção do Estado que possuem os mencheviques e esseristas, os quais rejeitam a ideia de que se acham sob o influxo de preconceitos religiosos e estão convencidos de poderem considerar o Estado com serenidade. Este problema tem sido tão ensarilhado e complicado porque atinge, mais do que outro qualquer (cedendo lugar nisto só aos fundamentos da ciência econômica), os interesses das classes dominantes. A teoria do Estado serve para justificar os privilégios sociais, a existência da exploração, a existência do capitalismo, razão pela qual seria o maior dos erros esperar imparcialidade neste problema, abordando-o na crença de que quem se julga cientista possa apresentar uma concepção puramente científica do assunto. Quando se tenham familiarizado com o problema do Estado, com a doutrina do Estado e com a teoria do Estado, e o tenham aprofundado suficientemente, descobrirão sempre a luia entre classes diferentes, uma luta que se reflete ou se exprime num conflito entre concepções sobre o Estado, na apreciação do papel e da significação do Estado.
Para abordarmos este problema do jeito mais científico, cumpre dar, pelo menos, uma rápida olhadela na história do Estado, no seu surgimento e evolução. Com certeza, quando se trata de um problema de ciência social, o mais necessário para adquirir realmente o hábito de focar este problema de forma correta, sem perder-nos num cúmulo de detalhes ou na imensa variedade de opiniões contraditórias, o mais importante para abordar o problema cientificamente, é não esquecer o nexo histórico fundamental, analisar cada problema do ponto de vista de como é que surgiu na história o fenômeno dado e quais foram as principais etapas do seu desenvolvimento. E, do ponto de vista do seu desenvolvimento, é preciso examinar no que se tornou hoje.
Ao estudarmos este problema do Estado, temos de nos referir à obra de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trata-se de uma das obras fundamentais do socialismo moderno. Cada uma de cujas frases pode aceitar-se com plena confiança, na segurança de que não foi escrita à toa, senão que se baseia numa abundante documentação histórica e política. Sem dúvida, nem todas as partes desta obra estão expostas em forma igualmente acessível e compreensível, algumas delas supõem um leitor que já possui alguns conhecimentos de história e de economia. (…) Cito este livro de Engels porque nele se faz uma abordagem correta do problema do ponto de vista mencionado. Começa com um esboço histórico das origens do Estado.
Para tratar devidamente este problema, o mesmo que outro qualquer – por exemplo, o das origens do capitalismo, da exploração do homem pelo homem, do socialismo, de como surgiu o socialismo, quais condições o engendraram —, qualquer destes problemas só pode ser focado com segurança e confiança se se der uma olhadela na história do seu desenvolvimento em conjunto. Com relação a este problema cumpre ter presente , antes de mais nada, que nem sempre existiu o Estado. Houve um tempo em que não havia Estado. Este ocorre no lugar e no momento em que surge a divisão da sociedade em classes, opondo os exploradores e os explorados.
Antes de surgir a primeira forma de exploração do homem polo homem, a primeira forma da divisão em classes – proprietários de escravos e escravos —, existia a família patriarcal ou, como por vezes é chamada, a família do clã (ou gens; naquela altura viviam juntas as pessoas de uma mesma linhagem ou origem). Na vida de muitos povos primitivos subsistem pegadas muito definidas daqueles tempos ancestrais e, se consultarmos qualquer obra sobre a cultura primitiva, encontraremos descrições, indicações e reminiscências mais ou menos precisas do fato de que houve uma época mais ou menos similar a um comunismo primitivo, em que ainda não existia a divisão da sociedade em escravistas e escravos. Nessa altura, não havia Estado, não havia aparelho especial nenhum para o emprego sistemático da força e a submissão do povo pela força. Esse aparelho é o que se chama Estado.
Na sociedade primitiva, quando as gentes viviam em pequenos grupos familiares e ainda se achavam nas etapas mais baixas do desenvolvimento, em condições próximas do selvagismo – época separada por vários milhares de anos da moderna sociedade humana civilizada —, não se observam ainda indícios da existência do Estado. Achamos o predomínio do costume, a autoridade, o respeito, o poder de que gozavam os anciãos do clã; achamos que, por vezes, este poder era reconhecido às mulheres – a posição das mulheres nada tinha de parecido com a de opressão e falta de direitos das mulheres de hoje —, mas, em nenhuma parte achamos uma categoria especial de indivíduos diferenciados que governem os outros e que, com o fim de governarem, disponham sistemática e permanentemente de certo aparelho de coerção, de um aparelho de violência, tal como o que representam atualmente, como todos sabem, os grupos especiais de homens armados, os cárceres e demais meios para submeter pela força a vontade dos outros, tudo o que constitui a essência do Estado.
Se deixarmos de lado as chamadas doutrinas religiosas, as sutilezas, os argumentos filosóficos e as diversas opiniões erigidas polos eruditos burgueses e procurarmos atingir a verdadeira essência do assunto, veremos que, na realidade, o Estado é um aparelho de governo, com certa autonomia em relação à sociedade humana. Quando aparece um grupo especial de homens dedicados exclusivamente a governar e que, para governar, precisam de um aparelho especial de coerção para submeter a vontade de outros pela força – cárceres, grupos especiais de homens, exércitos, etc., é este o momento em que surge o Estado.
Mas houve um tempo em que não existia o Estado, em que os vínculos gerais, a sociedade mesma, a disciplina e organização do trabalho se mantinham pela força do costume e da tradição, pela autoridade e respeito de que gozavam os anciãos do clã ou as mulheres – que naquela altura não só gozavam de uma posição social igual à dos homens, senão que mesmo, não raro, gozavam até de uma posição social superior —, e em que não havia uma categoria especial de pessoas que se especializassem em governar. A história demonstra que o Estado, como aparelho especial para a coerção dos homens, surge apenas onde e quando ocorre a divisão da sociedade em classes, quer dizer, a divisão em grupos de pessoas, algumas das quais se apropriam permanentemente do trabalho alheio, por meio do qual uns exploram os outros.
E esta divisão da sociedade em classes, através da história, é o que devemos ter sempre presente, com toda claridade, como um fato fundamental. O desenvolvimento de todas as sociedades humanas ao longo de milhares de anos, em todos o países, sem exceção, revela-nos uma sujeição geral a leis, uma regularidade e consequência; de jeito que temos, primeiro, uma sociedade sem classes, a sociedade originária, patriarcal, primitiva, em que não existiam aristocratas; a seguir, uma sociedade baseada na escravatura, uma sociedade escravista. Toda a Europa moderna e civilizada passou por essa etapa: a escravatura reinou soberana há dois mil anos. Por essa etapa passou também a grande maioria dos povos de outros lugares do mundo. Ainda hoje se conservam rastros da escravatura entre os povos menos desenvolvidos; na África, por exemplo, persiste ainda, na atualidade, a instituição da escravatura. A divisão em proprietários de escravos e escravos foi a primeira divisão importante. O primeiro grupo não só possuía todos os meios de produção – a terra e as ferramentas, por muito primitivas que fossem naquela altura —, senão que também eram senhores dos homens. Este grupo era conhecido como o dos proprietários de escravos, enquanto os que trabalhavam e subministravam o trabalho a outros eram conhecidos como escravos.
Esta forma foi seguida na história por outra: o feudalismo. Na grande maioria dos países, a escravatura, no decurso do seu desenvolvimento, evoluiu para a servidão. A divisão fundamental da sociedade era: os terratenentes proprietários de servos e os camponeses servos. Mudou a forma dos relacionamentos entre os homens. Os possuidores de escravos consideravam os escravos como a sua propriedade; a lei confirmava este conceito e considerava o escravo como um objeto que pertencia integralmente ao proprietário de escravos. No que ao camponês servo diz respeito, subsistia a opressão de classe e a dependência, mas não se julgava que os camponeses fossem um objeto de propriedade do terratenente proprietário de servos; este apenas tinha direito a apossar-se do seu trabalho, a obrigá-los a executarem certos serviços. Na prática, como todos vocês sabem, a servidão, nomeadamente na Rússia, onde subsistiu mais tempo e revestiu as formas mais brutais, não se diferenciava em nada da escravatura. Mais tarde, com o desenvolvimento do comércio, o aparecimento do mercado mundial e o desenvolvimento da circulação monetária, dentro da sociedade feudal surgiu uma nova classe, a classe burguesa. Da mercadoria, a troca de mercadorias e o aparecimento do poder do dinheiro, surgiu o poder do capital. Durante o século XVIII, ou por melhor dizer, desde os fins do século XVIII e durante o século XIX, explodiram revoluções em todo o mundo. O feudalismo foi abolido em todos os países da Europa Ocidental. A Rússia foi o derradeiro país onde isto aconteceu. Em 1861, produziu-se também na Rússia uma mudança radical, como consequência disso, uma forma de sociedade foi substituída por outra: o feudalismo foi substituído polo capitalismo, sob o qual continuou a existir a divisão em classes, bem como diversas heranças e sobrevivências do regime de servidão, mas fundamentalmente a divisão em classes assumiu uma forma diferente.
Os donos do capital, os donos da terra e os donos das fábricas constituíam e continuam a constituir, em todos os países capitalistas, uma insignificante minoria da população, que governa totalmente o trabalho de todo o povo e, portanto, governa, oprime e explora toda a massa de trabalhadores, a maioria dos quais são proletários, trabalhadores assalariados, que ganham a vida no processo de produção, obrigados a vender a sua mão de obra, a sua força de trabalho. Com a passagem ao capitalismo, os camponeses, que foram divididos e oprimidos sob o feudalismo, tornaram-se, em parte (a maioria), proletários e em parte (a minoria) camponeses ricos, os quais, por sua vez, passaram a contratar trabalhadores e constituíram a burguesia rural.
Este fato fundamental – a passagem da sociedade, das formas primitivas de escravatura ao feudalismo e, por último, ao capitalismo — é o que devem vocês ter sempre presente, já que apenas lembrando este fato fundamental, enquadrando todas as doutrinas políticas neste quadro fundamental, estarão em condições de valorizar devidamente essas doutrinas e compreender a que se propõem. Pois cada um destes grandes períodos da história da humanidade – o escravista, o feudal e o capitalista— abrange dezenas e centenares de séculos, apresenta uma tal quantidade de formas políticas, uma tal variedade de doutrinas políticas, opiniões e revoluções, que só poderemos chegar a compreender esta enorme diversidade e esta imensa variedade – nomeadamente em relação às doutrinas políticas, filosóficas e outras dos eruditos e políticos burgueses —, desde que soubermos fixar firmemente, como a um fio orientador fundamental, a divisão da sociedade em classes, as mudanças das formas da dominação de classes e se analisarmos, a partir deste ponto de vista, todos os problemas sociais— econômicos, políticos, espirituais, religiosos, etc.
Se vocês considerarem o Estado do ponto de vista desta divisão fundamental, verão que, antes da divisão da sociedade em classes, como já tenho dito, não existia qualquer Estado. Mas, quando surge e se afiança esta divisão da sociedade em classes, quando surge a sociedade de classes, também surge e se afiança o Estado. A história da humanidade conhece dezenas e centenas de países que tenham passado ou estão a passar na atualidade pela escravatura, o feudalismo e o capitalismo. Em cada um deles, apesar das enormes mudanças históricas que tiveram lugar, apesar de todas as vicissitudes políticas e de todas as revoluções relacionadas com este desenvolvimento da humanidade e com a transição da escravatura ao capitalismo, passando pelo feudalismo e até chegar à atual luta mundial contra o capitalismo, vocês perceberão sempre o surgimento do Estado. Este sempre se caracterizou como um determinado aparelho com relativa autonomia em relação à sociedade, consistindo num grupo de pessoas dedicadas exclusiva ou quase exclusivamente ou principalmente a governar. Os homens dividem-se em governados e em especialistas em governar, que se colocam por cima da sociedade e são chamados governantes, representantes do Estado. Este aparelho, este grupo de pessoas que governa os demais, toma posse sempre de certos meios de coerção e de violência física, que se exprime sobre os homens primitivos, através dos tipos mais aperfeiçoados de armas, na época da escravatura, ou nas armas de fogo inventadas na Idade Média ou, por último, nas armas modernas, que, no século XX, são verdadeiras maravilhas da técnica e se baseiam integralmente nas últimas conquistas da tecnologia moderna. Os métodos de violência mudaram, mas em toda a parte existiu um Estado, existiu em cada sociedade um grupo de pessoas que governavam, mandavam, dominavam e que, para conservarem o seu poder, dispunham de um aparelho de coerção física, de um aparelho de violência, com as armas que correspondiam ao nível técnico da dada época. E apenas examinando estes fenômenos gerais, perguntando-nos por que não existiu Estado algum quando não havia classes, quando não havia exploradores e explorados e por que ocorreu quando surgiram as classes; só assim é que acharemos uma resposta definida à pergunta de qual é a essência e a significação do Estado.
O Estado é uma máquina para manter a dominação de uma classe sobre outra. Quando não existiam classes na sociedade, quando, antes da época da escravatura, os homens trabalhavam em condições primitivas de maior igualdade, em condições em que a produtividade do trabalho era ainda muito baixa e quando o homem primitivo quase nem podia conseguir os meios indispensáveis para a existência mais tosca e primitiva, então não surgiu, nem podia fazê-lo, um grupo especial de homens incumbidos especialmente de governar e dominar o resto da sociedade. Apenas quando apareceu a primeira forma da divisão da sociedade em classes, quando ocorreu a escravatura, quando uma classe determinada de homens, ao se concentrar nas formas mais rudimentares do trabalho agrícola, pôde produzir excedente e quando este excedente tornou-se absolutamente necessário para a mísera existência da classe dos proprietários dos escravos, então, para que esta pudesse afiançar-se, cumpria que aparecesse um Estado.
E apareceu o Estado escravista, um aparelho que deu poder aos proprietários de escravos e lhes permitiu governar os escravos. A sociedade e o Estado eram, naquela altura, muito mais reduzidos do que na atualidade, possuíam meios de comunicação incomparavelmente mais rudimentares; não existiam os modernos meios de comunicação. As montanhas, os rios e os mares eram obstáculos incomparavelmente maiores do que hoje, e o Estado formou-se dentro dos limites geográficos muito mais estreitos. Um aparelho estatal tecnicamente fraco servia a um Estado confinado dentro de limites relativamente estreitos e com uma esfera de ação limitada. Mas, de qualquer maneira, existia um aparelho que obrigava os escravos a permanecerem na escravatura, que mantinha uma parte da sociedade subjugada e oprimida pela outra. É impossível obrigar a maior parte da sociedade a trabalhar em forma sistemática para a outra parte da sociedade sem um aparelho permanente de coerção. Enquanto não existiram classes, não houve um aparelho desse tipo. Quando ocorreram as classes, sempre e em toda a parte, à medida que a divisão crescia e se consolidava, ocorria também uma instituição especial: o Estado. As formas de Estado eram muito variadas. Já durante o período da escravatura, achamos diversas formas de Estado nos países mais avançados, mais cultos e civilizados da época, por exemplo na antiga Grécia e na antiga Roma, que se baseavam integralmente na escravatura. Já tinha surgido naquela altura uma diferença entre monarquia e república, entre aristocracia e democracia. A monarquia é o poder de uma só pessoa, a república é a ausência de autoridades não eleitas; a aristocracia é o poder de uma minoria relativamente pequena, a democracia o poder do povo (democracia em grego significa literalmente poder do povo). Todas estas diferenças surgiram na época da escravatura. Apesar destas diferenças, o Estado da época escravista era um Estado escravista, quer se tratasse de uma monarquia, quer de uma república, aristocrática ou democrática. Em todos os cursos de história da antiguidade, ao escutarem a conferência sobre este tema, lhes falarão da luta travada entre os Estado monárquicos e os republicanos. Mas o fato fundamental é que os escravos não eram considerados seres humanos; não apenas não eram considerados cidadãos, quanto que nem sequer eram considerados seres humanos. O direito romano considerava-os como bens. A lei sobre o homicídio, para não mencionarmos outras leis de proteção da pessoa, não amparava os escravos. Defendia apenas os proprietários de escravos, os únicos que eram reconhecidos como cidadãos com plenos direitos. Tanto fazia que governasse uma monarquia ou uma república; tanto uma como outra eram uma república dos proprietários de escravos ou uma monarquia dos proprietários de escravos. Estes gozavam de todos os direitos, enquanto os escravos, perante a lei, eram bens; e contra o escravo não apenas podia perpetrar-se qualquer tipo de violência, mas inclusive matar um escravo não era considerado delito. As repúblicas escravistas diferiam na sua organização interna; havia repúblicas aristocráticas e repúblicas democráticas. Na república aristocrática participava das eleições um reduzido número de privilegiados; na república democrática participavam todos, mas sempre todos os proprietários de escravos, todos salvo os escravos. Deve levar-se em conta este fato fundamental, já que deita mais luz do que qualquer outro sobre o problema do Estado, e apresenta a nu a natureza do Estado.
O Estado é uma máquina para que uma classe reprima outra, uma máquina para a sustentação de uma classe por outras classes, subordinadas. Esta máquina pode apresentar diversas formas. O Estado escravista podia ser uma monarquia, uma república aristocrática e mesmo uma república democrática. Na realidade, as formas de governo variavam extraordinariamente, mas a sua essência era sempre a mesma: os escravos não gozavam de qualquer direito e continuavam a ser uma classe oprimida; não eram considerados seres humanos. Achamos o mesmo no Estado feudal.
A mudança na forma de exploração transformou o Estado escravista em Estado feudal. Isto teve uma enorme importância. Na sociedade escravista, o escravo não gozava de qualquer direito e não era considerado um ser humano; na sociedade feudal, o camponês achava-se sujeito à terra. O principal traço da servidão era que os camponeses (e naquela altura os camponeses constituíam a maioria, já que a população urbana era ainda muito pouco desenvolvida) eram considerados sujeitos à terra; daí é que deriva este conceito mesmo: a servidão. O camponês podia trabalhar certo número de dias para si próprio na parcela que lhe assinalava o senhor feudal; os restantes dos dias o camponês servo trabalhava para o seu senhor. Subsistia a essência da sociedade de classes: a sociedade baseava-se na exploração de classe. Apenas os proprietários da terra desfrutavam de plenos direitos; os camponeses não tinham qualquer direito. Na prática, a sua situação não diferia muito da situação dos escravos no Estado escravista. No entanto, tinha-se aberto um caminho mais amplo para a sua emancipação, para a emancipação dos camponeses, já que o camponês servo não era considerado propriedade direta do senhor feudal. Podia trabalhar uma parte do seu tempo na sua própria parcela; podia, por assim dizer, ser, até certo ponto, dono de si próprio; e ao alargarem-se as hipóteses de desenvolvimento da troca e dos relacionamentos comerciais, o sistema feudal foi-se desintegrando progressivamente e foram se alargando progressivamente as possibilidades de emancipação da classe camponesa. A sociedade feudal foi sempre mais complexa do que a sociedade escravista. Havia um importante fator de desenvolvimento do comércio e da indústria, coisa que, mesmo nessa época, conduziu ao capitalismo. O feudalismo predominava na Idade Média. E também aqui diferiam as formas do Estado; também aqui achamos a monarquia e a república, embora se manifestasse esta última de maneira muito mais fraca. Mas sempre se considerava o senhor feudal como o único governante. Os camponeses servos careciam de quaisquer direitos políticos.
Nem sob a escravatura nem sob o feudalismo podia uma minoria de pessoas dominar a enorme maioria sem recorrer à coerção. A história está cheia de constantes tentativas das classes oprimidas de se libertarem da opressão. A história da escravatura fala-nos de guerras de emancipação dos escravos que duraram décadas inteiras. O nome de “espartaquistas”, entre parênteses, adotado agora pelos comunistas alemães – o único partido alemão que realmente luta contra o jugo do capitalismo —, estes adotaram-no devido a que Espártaco foi o herói mais destacado de uma das maiores sublevações de escravos que teve lugar há cerca de dois mil anos. Durante vários anos, o Império Romano, que parecia onipotente e se apoiava por inteiro na escravatura, sofreu o choque e as sacudiduras de uma extensiva revolta de escravos, armados e agrupados num vasto exército, sob a direção de Espártaco. Afinal, foram derrotados, apresados e torturados polos proprietários de escravos. Guerras civis como estas surgem ao longo de toda a história da sociedade de classes. O que acabo de assinalar é um exemplo da mais importante destas guerras civis na época da escravatura. Do mesmo modo, toda a época do feudalismo acha-se semeada por constantes sublevações dos camponeses. Na Alemanha, por exemplo, na Idade Média, a luta entre as duas classes – proprietários terratenentes e servos — assumiu amplas proporções e transformou-se numa guerra civil dos camponeses contra os senhores feudais. Todos vocês conhecem exemplos semelhantes de constantes revoltas dos camponeses contra os senhores feudais na Rússia.
Para manterem a sua dominação e assegurar o seu poder, os senhores feudais necessitavam de um aparelho com o que pudessem subjugar uma enorme quantidade de pessoas e submetê-las a certas leis e normas; e todas essas leis, no fundamental, reduziam-se a uma só cousa; a manutenção do poder dos senhores feudais sobre os camponeses servos. Tal era o Estado feudal, que, na Rússia, por exemplo, ou nos países asiáticos muito atrasados (nos quais ainda impera o feudalismo) diferia na sua forma: era uma república ou uma monarquia. Quando o Estado era uma monarquia, reconhecia-se o poder de um indivíduo; quando era uma república, num ou outro grau era reconhecida a participação de representantes eleitos da sociedade terratenente; isto acontecia na sociedade feudal. A sociedade feudal representava uma divisão em classes na qual a imensa maioria – os camponeses servos— estava totalmente submetida a uma insignificante minoria, aos senhores feudais, donos da terra.
O desenvolvimento do comércio, o desenvolvimento do intercâmbio de mercadorias, conduziram à formação de uma nova classe, a dos burgueses. O capital conformou-se como tal em fins da Idade Média, quando, depois da descoberta da América, o comércio mundial adquiriu um desenvolvimento enorme, quando aumentou a quantidade de metais preciosos, quando a prata e o ouro se tornaram meios de troca, quando a circulação monetária permitiu a certos indivíduos acumular enormes riquezas. A prata e o ouro foram reconhecidos como riqueza em todo o mundo. Declinou o poder econômico da classe terratenente e cresceu o poder da nova classe, a dos representantes do capital. A sociedade reorganizou-se de modo tal, que todos os cidadãos pareciam ser iguais, desapareceu a velha divisão em proprietários de escravos e escravos, e todos os indivíduos foram considerados iguais perante a lei, para além do capital que possuíssem – proprietários de terras ou pobres homens sem mais propriedade do que a sua força de trabalho, todos eram iguais perante a lei. A lei protege todos por igual; protege a propriedade dos que a possuem contra os ataques das massas que, ao não possuírem qualquer propriedade, ao não possuírem mais do que a sua força de trabalho, vão se tornando mais pobres e arruinando-se aos poucos, até se converterem em proletários. Tal é a sociedade capitalista.
Não posso demorar na análise pormenorizada da sociedade capitalista. Já voltarão vocês a isso quando estudarem o programa do partido: terão uma descrição da sociedade capitalista. Esta sociedade foi avançando contra a servidão, contra o velho regime feudal, sob a consigna da liberdade. Mas era a liberdade para os proprietários. E quando se desintegrou o feudalismo, coisa que aconteceu em fins do século XVIII e começos do século XIX – na Rússia aconteceu mais tarde do que noutros países, em 1861 —, o Estado feudal foi substituído pelo Estado capitalista, que proclamava como consigna a liberdade para todo o povo, que afirma exprimir a vontade do povo todo e nega ser um Estado de classe. E é neste ponto que se iniciou uma luta entre os socialistas, que brigam pela liberdade de todo o povo, e o Estado capitalista, luta que conduziu hoje à criação da República Socialista Soviética e que está se estendendo no mundo inteiro.
Para compreendermos a luta principiada contra o capital mundial, para percebermos a essência do Estado capitalista, devemos lembrar que, quando ascendeu o Estado capitalista contra o Estado feudal, entrou na luta sob a palavra de ordem da liberdade. A abolição do feudalismo significou a liberdade para os representantes do Estado capitalista e serviu aos seus fins, já que a servidão desabava e os camponeses tinham a possibilidade de possuir, em plena propriedade, a terra adquirida por eles mediante um resgate ou, em parte, pelo pagamento de um tributo; isto não interessava ao Estado, que protegia a propriedade sem importar-se com a sua origem, pois o Estado se baseava na propriedade privada. Em todos os Estados civilizados modernos, os camponeses tornaram-se proprietários privados. Inclusive, quando o senhor feudal cedia parte das suas terras aos camponeses, o Estado protegia a propriedade privada, ressarcindo o proprietário com uma indenização, permitindo-lhe obter dinheiro pela terra. O Estado, por assim dizer, declarava que ampararia totalmente a propriedade privada e lhe outorgava toda a classe de apoio e proteção. O Estado reconhecia os direitos de propriedade de todo comerciante, dono de fábrica e industrial. E esta sociedade, baseada na propriedade privada, no poder do capital, na sujeição total dos operários despossuídos e das massas trabalhadoras dos camponeses, proclamava que o seu regime se baseava na liberdade. Ao lutar contra o feudalismo, proclamou a liberdade de propriedade e sentia-se especialmente orgulhosa de que o Estado tivesse deixado de ser, supostamente, um Estado de classe.
Porém, o Estado continuava a ser uma máquina que ajudava os capitalistas a manterem submetidos os camponeses pobres e a classe operária, embora, na sua aparência exterior, estes fossem livres. Proclamava o sufrágio universal e, por meio dos seu defensores, pregadores, eruditos e filósofos, que não era um Estado de classe. Inclusive, agora, quando as repúblicas socialistas soviéticas começaram a combater o Estado, acusam-nos de sermos violadores da liberdade e de erigirmos um Estado baseado na coerção, na repressão de uns por outros, enquanto eles representam um Estado de todo o povo, um Estado democrático. E este problema, o problema do Estado, é agora, quando principiou a revolução socialista mundial e quando a revolução triunfa em alguns países, quando a luta contra o capital tem se agudizado ao extremo, um problema que tem adquirido a maior importância e pode dizer-se que tem se tornado o problema mais candente, no foco de todos os problemas políticos e de todas as polêmicas políticas do presente.
Qualquer que for o partido que tomarmos na Rússia ou em qualquer dos países mais civilizados, vemos que todas as polêmicas, discrepâncias e opiniões políticas giram agora em torno da concepção do Estado. É o Estado, num país capitalista, numa república democrática – nomeadamente em repúblicas como a Suíça ou os Estados Unidos da América —, nas repúblicas democráticas mais livres, a expressão da vontade popular, resultante da decisão geral do povo, a expressão da vontade nacional, etc., ou o Estado é uma máquina que permite aos capitalistas desses países conservarem o seu poder sobre a classe operária e os camponeses e camponesas? Eis o problema fundamental em torno do qual giram todas as polêmicas políticas no mundo inteiro. O que se diz sobre o bolchevismo? A imprensa burguesa deita injúrias sobre os bolcheviques. Não acharão um só jornal que não repita a acusação na moda de que os bolcheviques violam a soberania do povo. Se os nossos mencheviques e esseristas (“socialistas-revolucionários”), na sua simplicidade de espírito (e porventura não simplicidade, ou talvez aquela simplicidade a que se refere o provérbio de que é pior do que a ruindade) julgam que inventaram e descobriram a acusação de que os bolcheviques violaram a liberdade e a soberania do povo, enganam-se do jeito mais ridículo. Hoje, todos os jornais mais ricos dos países mais ricos, que gastam dezenas de milhões na sua difusão e disseminam mentiras burguesas e a política imperialista em dezenas de milhões de exemplares, todos esses jornais repetem esses argumentos e acusações fundamentais contra o bolchevismo, a saber: que os EUA, a Inglaterra e a Suíça são Estados avançados, baseados na soberania do povo, enquanto a república bolchevique é um Estado de bandidos em que não se conhece a liberdade e que os bolcheviques são violadores da ideia da soberania do povo e mesmo chegaram ao extremo de dissolverem a Assembleia Constituinte. Estas terríveis acusações contra os bolcheviques repetem-se no mundo todo. Estas acusações conduzem-nos diretamente à pergunta: o que é o Estado? Para compreendermos estas acusações, para podermos estudá-las e adotar a respeito delas uma atitude plenamente consciente e não examiná-las baseando-se em boatos, mas numa firme opinião própria, devemos ter uma clara ideia do que é o Estado. Temos ante nós Estados capitalistas de todo o tipo e todas as teorias que, na sua defesa, se elaboraram antes da guerra. Para respondermos corretamente à pergunta, devemos examinar com uma focagem crítica todas estas teorias e concepções.
Já lhes aconselhei que recorressem ao livro de Engels A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Nele diz-se que todo Estado em que existe a propriedade privada da terra e os meios de produção, em que domina o capital, por mais democrático que for, um Estado capitalista será sempre uma máquina em mãos dos capitalistas para a sujeição da classe operária e dos camponeses pobres. E o sufrágio universal, a Assembleia Constituinte ou o Parlamento são meramente formas, espécies de obrigação de pagamento que não mudam a essência do assunto.
As formas de dominação do Estado podem variar: o capital manifesta o seu poder de um modo onde existe uma forma e doutro onde existe outra forma, mas o poder está sempre, essencialmente, em mãos do capital, quer com a existência do voto restrito ou outros direitos, quer se trate de uma república democrática ou não; na realidade, quanto mais democrática for, mais grosseira e cínica é a dominação do capitalismo. Uma das repúblicas mais democráticas do mundo são os Estados Unidos da América do Norte, e no entanto, em nenhum lugar (e quem tiver estado lá após 1905 provavelmente o saiba) é tão cru e abertamente corrompido como nos EUA o poder do capital, o poder de uma empresa de multimilionários sobre toda a sociedade. O capital, desde que existe, domina a sociedade inteira, e nenhuma república democrática, nenhum direito eleitoral pode mudar a essência do assunto.
A república democrática e o sufrágio universal representaram um enorme progresso comparado com o feudalismo: permitiram ao proletariado atingir a sua atual unidade e solidariedade e formar fileiras compactas e disciplinadas que promovem uma luta sistemática contra o capital. Não existiu nada sequer semelhante a isto entre os camponeses servos, e nem há o que falar entre os escravos. Os escravos, como sabemos, sublevaram-se, amotinaram-se e principiaram guerras civis, mas não podiam chegar a criar uma maioria consciente e partidos que dirigissem a luta; não podiam compreender com clareza quais eram os seus objetivos, e mesmo nos momentos mais revolucionários da história foram sempre peões em mãos das classes dominantes. A república burguesa, o Parlamento, o sufrágio universal, isso tudo constitui um imenso progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade. A humanidade avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, à mercê da cultura urbana, permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir consciência de si própria e criar o movimento operário mundial; os milhões de operários organizados em partidos no mundo inteiro em partidos socialistas que dirigem conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem um sistema eleitoral, teria sido impossível este desenvolvimento da classe operária. É por isso que todas estas coisas adquiriram uma importância tão grande aos olhos das grandes massas do povo. É por isso que parecer ser tão difícil uma mudança radical. Não são apenas os hipócritas conscientes, os sábios e os curas quem sustentam e defendem a mentira burguesa de que o Estado é livre e que tem por missão defender os interesses de todos; o mesmo falam muitíssimas pessoas atadas sinceramente aos velhos preconceitos e que não aceitam a transição da sociedade antiga, capitalista, ao socialismo. E não apenas as pessoas que dependem diretamente da burguesia, não apenas os que vivem sob o jugo do capital ou subordinados ao capital (há grande quantidade de cientistas, artistas, clérigos, etc., de todo o tipo a serviço do capital), mas inclusive pessoas simplesmente influídas polo preconceito da liberdade burguesa, mobilizaram-se contra o bolchevismo no mundo inteiro. Porque, quando foi fundada a República Soviética, esta rejeitou as mentiras burguesas e declarou abertamente: vocês dizem que o seu Estado é livre, quando na realidade, enquanto existir a propriedade privada, o Estado de vocês, embora seja uma república democrática, não é mais do que uma máquina em mãos dos capitalistas para reprimir os operários e, quanto mais livre o Estado for, com maior clareza isto se há de patentear. Exemplos disto são a Suíça, na Europa, e os Estados Unidos, na América. Em parte alguma domina o capital de forma tão cínica e implacável e em parte alguma a sua dominação é tão ostensiva como nestes países, apesar de se tratar de repúblicas democráticas, por muito belamente que as pintem e por muito que nelas se fale de democracia, do trabalho e de igualdade de todos os cidadãos. O fato é que na Suíça e nos EUA domina o capital, e qualquer tentativa dos operários por atingir a menor melhoria efetiva da sua situação provoca imediatamente a guerra civil. Nestes países há poucos soldados, um exército regular pequeno – a Suíça conta com uma milícia e todos os cidadãos suíços têm um fuzil na sua morada, enquanto, nos Estados Unidos, até há bem pouco, não existia um exército regular —, de modo que, quando estala uma greve, a burguesia arma-se, contrata soldados e reprime a greve; em nenhuma parte a repressão ao movimento operário é tão cruel e feroz como na Suíça e nos Estados Unidos e em nenhuma parte se manifesta com tanta força como nestes países a influência do capital sobre o Parlamento. A força do capital é tudo, a Bolsa é tudo, enquanto o Parlamento e as eleições não são mais do que bonecos, títeres… Mas os operários vão abrindo cada vez mais o olhos e a ideia do poder soviético vai estendendo-se mais e mais. Especialmente depois da sangrenta matança pela qual acabamos de passar. A classe operária adverte cada vez mais a necessidade de lutar implacavelmente contra os capitalistas.
Qualquer que for a forma com que se encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, quer dizer, se a república não levar à prática o que se proclama no programa do nosso partido e na Constituição Soviética, o Estado será sempre uma máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude: enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa. Nós temos arrancado aos capitalistas esta máquina e temos tomado posse dela. Utilizaremos essa máquina, o garrote, para liquidar toda exploração; e quando toda hipótese de exploração tiver desaparecido do mundo, quando já não houver proprietários de terras nem proprietários de fábricas, e quando não mais existir a situação em que uns estão saciados enquanto outros padecem de fome, só quando tiver desaparecido de vez tais hipóteses, relegaremos esta máquina para o lixo. Então não existirá Estado nem exploração. Tal é o ponto de vista do nosso partido comunista. Espero que voltemos a este tema em futuras conferências, uma e outras vezes.
Notas
A Universidade Comunista I.M. Sverdlov fundou-se sobre a base de uns cursos de agitadores e instrutores, organizados em 1918, adjuntos ao Comité Executivo Central de toda a Rússia. Mais tarde, os cursos foram reorganizados na Escola de Trabalhos dos Sovietes. Depois da resolução, adotada pelo VIII Congresso do PC(b) da Rússia, de organizar uma escola superior adjunta ao CC para preparar quadros do Partido, a Escola transformou-se em Escola Central de Trabalhos dos Sovietes e do Partido; no segundo semestre de 1919, por decisão do Birô de Organização do CC do PC(b) da Rússia, a Escola recebeu o nome de Universidade Comunista I.M. Sverdlov. Lênin proferiu nela duas conferências acerca do Estado. O texto da Segunda, pronunciada em 29 de Agosto de 1919, não foi conservado.