A luta pelo maoísmo, pela guerra popular e novas cisões
Nota do blog: O seguinte documento, assinado pelo Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo (Brasil) e publicado originalmente no Jornal A Nova Democracia (nº 86, fevereiro de 2012), faz uma análise do movimento comunista brasileiro e suas diversas lutas de duas linhas pela assimilação e afirmação do maoismo, as resultantes cisões entre marxistas e revisionistas no curso destas lutas e, por fim, a perspectiva histórica tirada destas lutas e da vasta experiência do proletariado na sua luta pela constituição do seu partido comunista autêntico e revolucionário.
A luta pelo maoísmo, pela guerra popular e novas cisões
Os tormentosos anos de 1960 sacudiram o mundo todo. No centro das grandes lutas de massas se encontrava a Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) na China, que desde o quartel general da revolução proletária mundial inspirou e encorajou uma avalanche de lutas de massas mundo afora contra o imperialismo. No Brasil, estas tempestades também se expressaram com o despertar das massas após o golpe de Estado militar-civil de 1964. O Partido Comunista do Brasil, já reorganizado, luta por forjar-se enquanto um autêntico partido revolucionário do proletariado, aproxima-se do Pensamento Mao Tsetung e da estratégia da Guerra Popular. A luta pela correta assimilação desta ideologia era o principal problema que o desafiava a dar um grande salto.
A GRANDE BATALHA CONTRA O REVISIONISMO MODERNO
Com a Carta Chinesa e os Nove Comentários1 que a seguiram, o Movimento Comunista Internacional foi tomado por uma agitação nunca vista, inclusive porque agora objetivamente a luta opunha URSS e China Popular. As hostes revisionistas se viram imersas numa terrível tempestade ideológica, que demolia implacavelmente suas falsificações teóricas e desmascarava seus corifeus, o renegado Kruschov, sua camarilha revisionista na URSS e outros cortesãos seus mundo afora. A reação mundial se assanhou mais ainda, alegrando-se freneticamente na expectativa de um colapso iminente do comunismo.
A solidez cimentada da defesa do marxismo-leninismo por Mao Tsetung revelara todo o embuste do revisionismo moderno e estabelecera uma nova linha geral para o Movimento Comunista Internacional e para a Revolução Proletária Mundial. Essa colossal batalha marca um novo salto qualitativo da luta do proletariado internacional, passando-se a uma nova etapa do desenvolvimento de sua ideologia, o pensamento Mao Tsetung e seu produto mais inovador, a Grande Revolução Cultural Proletária na China (1966), devenindo-se em maoísmo2. As revoluções passaram a demandar desde então não somente partidos comunistas marxistas-leninistas, mas partidos comunistas marxistas-leninistas-maoístas.
Apesar do grande baque sofrido com a traição kruschovista e a restauração capitalista na URSS, com a GRCP se reconstroem partidos comunistas por todo mundo, com ânimos redobrados para preparar a ofensiva estratégica da Revolução Proletária Mundial. Guiados pelo Pensamento Mao Tsetung, rompem com o revisionismo e o reformismo e iniciam lutas armadas revolucionárias como guerra popular em diversas partes do mundo. Isto terá grande importância para o desenvolvimento do Movimento Comunista Internacional. Em cada país, correspondendo à profundidade da ruptura que se alcançava com o revisionismo moderno, diferentes compreensões sobre os aspectos fundamentais do maoísmo (sua síntese) influiriam grandemente nos processos revolucionários que se iniciariam nos finais de 1960.
Para citar os mais importantes: o levantamento armado dos camponeses da aldeia de Naxalbari, na Índia, e a cisão maoísta dando origem ao PCI (ML) e a guerrilha de Charu Mazumdar (1967); o PCF e o Novo Exército do Povo nas Filipinas de José Maria Sison (1968); o TKP/ML e o Exército de Libertação de Operários e Camponeses da Turquia de Ibrahin Kaypakkaya (1972); e o PCP e o Exército Guerrilheiro Popular no Peru de Abimael Guzmán, o Presidente Gonzalo. Processos estes que, apesar de todas as reviravoltas e percalços, seguem com a invencível guerra popular, combatendo e mantendo alto a bandeira vermelha do marxismo-leninismo-maoísmo.
Lamentavelmente, o Grande Debate, a grande luta entre o marxismo e o revisionismo moderno, e os magistrais ensinamentos da GRCP em curso não tiveram a devida difusão, importância, estudo e assimilação dentro do movimento comunista e revolucionário brasileiro. Não somente o grande número de adeptos que as teorias revolucionárias pequeno-burguesas de influência da revolução cubana ganharam, como as próprias insuficiências manifestas na direção do partido, revelavam a pobreza da luta ideológico-política no movimento revolucionário brasileiro.
OS VELHOS PROBLEMAS NA LUTA INTERNA E A IMPORTÂNCIA DA CRÍTICA À VI CONFERÊNCIA
A luta por assumir o maoísmo encontrará grandes obstáculos na direção do PCdoB, com a resistência dissimulada de quadros do Comitê Central, o que só se revelaria mais tarde, e pelas próprias limitações dos quadros revolucionários na condução da luta interna, resultando em uma adesão apenas superficial e limitada ao pensamento Mao Tsetung. Sendo assim, diferentemente do que propagam alguns, a adesão ao maoísmo pelo PCdoB no seu conjunto fora não mais do que uma formalidade e entusiasmo da moda.
O principal problema que entravava a construção partidária era o dogmatismo na forma de subjetivismo. É o problema de não se partir de um método de linha de massas para resolver os problemas da revolução. Esta fora a principal vertente que solapou o aprofundamento da luta ideológico-política, impedindo por todos os meios a luta interna vital para desenvolver uma linha correspondente à realidade concreta, extirpar mais profundamente o oportunismo do interior do partido, e que pudesse avançar decididamente em direção ao maoísmo.
Na preparação da VI Conferência Nacional (1966), quando as divergências se manifestaram, os que as suscitavam se viram obstruídos no debate. As críticas de que o tratamento sobre a questão da luta armada se achava absurdamente restrita aos órgãos de direção repercutem no interior do partido, com a insatisfação de muitos quadros e militantes frente à condução burocrática da luta interna pelo Comitê Central. Ao ponto dos próprios documentos-base da Conferência não circularem entre as conferências estaduais e regionais, ficando circunscritos ao debate de um número reduzido de delegados.
As limitações da direção do Partido Comunista do Brasil se encontravam na própria compreensão da dialética, que a tomava apenas como relativa e condicional e não aplicável ao partido e à sua luta interna. Para o maoísmo, sua correta compreensão e aplicação, traduzida na luta de duas linhas e seu correto manejo, como método, é problema chave para constituir, desenvolver e forjar verdadeiro partido comunista. Ou seja, o partido comunista, como tudo, é uma contradição, é uma unidade de contrários, na qual, se a unidade é vital para o partido, a luta é o meio para alcançá-la em um patamar cada vez mais elevado e condição mesma para que um autêntico partido comunista possa se desenvolver através de saltos qualitativos.
Vejamos como na história do Partido Comunista da China (fundado em 1921), uma correta compreensão do marxismo-leninismo e manejo da luta de linhas permitiu, já em 1935, derrotar as linhas oportunistas aventureiristas que nele se manifestavam. E, ao longo de todo o processo revolucionário pôde, por um largo período, derrotar os desvios de direita e de “esquerda” que se apresentaram no caminho. Assim pôde o PCCh formular e depurar a linha ideológico-política de concepções não proletárias, integrando o marxismo-leninismo à realidade chinesa, o pensamento Mao Tsetung. Assim também puderam as massas, gradativamente e por saltos, ir assimilando ideologicamente o marxismo-leninismo-pensamento Mao Tsetung e exercer o poder em todo país.
O ecletismo das resoluções da VI Conferência Nacional (1966) expressava a sobrevivência do oportunismo no interior do partido. E, como não poderia deixar de ser, este desvio se manifestará, de modo particular e muito grave, no tratamento das contradições internas do partido pela direção. Sua conduta quando do aparecimento das primeiras manifestações de divergências, após a reconstrução de 1962 (as que levariam à formação do PCR e do PCdoB-Ala Vermelha), é demonstrativa de como o sectarismo e os métodos administrativos fizeram escola no movimento comunista brasileiro, constituindo-se na fonte dos mais graves prejuízos para a revolução. Mostra também como o oportunismo ainda se encontrava profundamente arraigado, ao ponto de se desprezar cegamente a questão do tratamento correto das contradições no partido, problema tão crucial para o maoísmo e enfatizado à exaustão por ele.
Militantes e quadros, muitos dos quais retornando de cursos de formação na República Popular da China, confrontaram-se com as formulações então desenvolvidas no partido. Irão criticar duramente o impedimento do fluxo de ideias e da luta de linhas e a resistência à autocrítica para se extirpar mais profundamente o revisionismo do interior do partido, no ideológico-político e organizativo, para avançar decididamente em direção ao maoísmo. Porém, dada a intolerância à divergência por parte da maioria da direção, alguns desses quadros e militantes romperão com o partido para a conformação do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Esse grupo formulava de forma mais precisa a caracterização da sociedade brasileira afirmando que “sobre o partido do proletariado recai a responsabilidade de uma correta análise das classes sociais em nosso país, de definir qual a contradição principal e de precisar onde ela se manifesta de forma mais aguda. A partir daí, deve elaborar a estratégia revolucionária, definir claramente quais os amigos e quais os inimigos e também quais os métodos de luta adequados à estratégia“, que “a contradição principal que se manifesta em nossa pátria é aquela entre o imperialismo norte-americano e nosso povo“, e “onde se manifesta de modo mais agudo a contradição com o imperialismo norte-americano e nosso povo? Nossa resposta é Nordeste“3.
Já os quadros divergentes que acusavam as resoluções da VI Conferência de trair as formulações do Manifesto Programa e reivindicavam um balanço mais profundo e autocrítico da história do movimento comunista brasileiro, como condição indispensável para que as debilidades ideológico-políticas pudessem ser extirpadas a fundo, persistirão mais pela luta interna. Afirmavam que “não se pode falar em estudar e discutir os problemas da revolução com a frente única, a construção do partido, a luta armada, a questão agrária, a teoria revolucionária, a prática, etc., sem suscitar sobre a necessidade da retificação dos métodos de trabalho e direção“4.
Mostravam que apesar da definição da luta armada como guerra popular, o debate e as tarefas sobre a questão militar se achavam restritas a Comissão Executiva do CC e sua Comissão Militar, tornando a questão, equivocadamente, tema de especialistas e não de todo partido. Sustentavam corretamente a necessidade de ampliar os debates sobre a estratégia e tática para todos os militantes, a fim de elevar a educação e preparação de novos quadros para a tarefa principal da luta armada. E de que em tal luta”não há que se esquivar-se (…) dos problemas espinhosos (…) nem dissimulá-los e encobri-los, nem tampouco (…) se negar a falar deles“, uma vez que a autocrítica serviria para o “conhecimento da causa dos erros do passado (inclusive do presente)” com o objetivo de “facilitar o esforço conjunto pela reconstrução do Partido, pela formação da Frente Única e pela preparação da luta armada” (5).
Após embates em vários comitês de base e intermediários do partido, lançando a luta de duas linhas e ganhando adesões de importantes células, ainda que restritas a poucos estados, as críticas – essencialmente corretas – dos quadros e militantes que, já então se denominavam por Ala Vermelha do partido, são rechaçadas completamente pela maioria da direção, que estigmatiza seus formuladores como “grupo antipartido”, “sabotadores”, sendo logo expulsos. Estes irão posteriormente conformar o Partido Comunista do Brasil – Ala Vermelha (PCdoB-AV).
O SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DA ALA VERMELHA
As críticas empreendidas por estes quadros já haviam sido sistematizadas no documento Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo da União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista. Numa crítica aguda ao subjetivismo no qual o CC incorria na análise da realidade, denunciam o oportunismo das derivações desta análise. Contrapondo a análise de classes do CC, que insistia em tratar a “ditadura militar” como um grupo isolado na sociedade brasileira, sendo apenas títeres do imperialismo ianque, vai demonstrar que o regime militar instaurado com o golpe tinha uma base social e política relativamente grande no país. Que o golpe era, por um lado, resultante da necessidade do imperialismo ianque, frente às novas condições do pós-guerra, de articular todo o mundo capitalista num sistema neocolonialista econômico, político, cultural e militar integrado, sob seu absoluto controle e mando.
Por outro lado, eram as contradições objetivas entre as classes internas no país que determinavam a necessidade de libertar as forças produtivas nacionais, através da ruptura da estrutura latifundiária e do domínio dos monopólios nacionais e estrangeiros. Apontava que a “ditadura militar neocolonialista” era a contrarrevolução armada no poder de Estado e que as forças armadas jogavam o papel de “tropa de ocupação” do “neocolonialismo” ianque. Quanto às classes reacionárias que se constituíam no “suporte social interno” do “neocolonialismo ianque” estariam compostas pelas classes: “latifundiárias“, a “burguesia importadora-exportadora“, a “burguesia financeira” e “burguesia integrada“. Esta última seria uma fração da burguesia brasileira que, ao capitular frente às pressões dos monopólios estrangeiros, se associara subalternamente a eles. Haveria ainda a “burguesia não integrada“, sendo esta a burguesia nacional, ademais de existirem ainda uma média e pequena burguesias.
Aqui pode-se verificar uma análise de classes mais correta. Nela, correspondente ao marco teórico do maoísmo, denominaríamos por “burguesia importadora-exportadora” e “burguesia financeira” a fração compradora da grande burguesia brasileira, por “burguesia integrada” a fração burocrática da mesma grande burguesia brasileira e por “burguesia não integrada” a genuína burguesia nacional.
Já quanto ao campo revolucionário, a Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo... faz uma detida análise das classes oprimidas pelo “neocolonialismo“, verificando, segundo sua função no processo produtivo, as suas principais características e tendências de comportamento na luta de classes. Este campo estaria integrado pelo proletariado e pelo campesinato, como classes fundamentais da etapa em curso da revolução, a pequena burguesia, o semiproletariado e pela “burguesia não integrada” ou nacional. Destaca o papel dirigente do proletariado através do partido comunista e o campesinato como aliado seguro e “contingente principal” da revolução. Concluía, portanto, que a contradição principal era aquela entre o “neocolonialismo e seu suporte social interno de um lado e a grande maioria da nação do outro“. O documento de crítica aponta como base dos erros da direção o manejo incorreto do materialismo dialético, da aplicação da lei da contradição à realidade brasileira. E que deste erro decorreria a apreensão incorreta das contradições fundamentais da sociedade brasileira, da sua contradição principal, da composição dos campos revolucionário e contrarrevolucionário, bem como das imprecisões estratégicas e o direitismo da tática de “frente patriótica“. Esclarecia ainda que uma política de frente patriótica somente se justificaria e seria a tática correta numa realidade em que o país fosse agredido e invadido pelas forças militares do imperialismo.
O documento Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo… representava assim uma contribuição inestimável ao debate da revolução brasileira ao realizar de forma detida uma análise de classes a partir de um correto manejo da lei da contradição. É uma crítica profunda e contundente ao oportunismo e ao subjetivismo que permeavam as concepções do “velho CC” e esclarecimento fundamentado dos principais problemas da revolução brasileira. Nele se ressaltava também, para a formação da frente única revolucionária, a necessidade de se estabelecer a aliança operário-camponesa através da guerra popular na luta pela terra e como condição e premissa para se ampliar a frente às outras classes do campo revolucionário, assegurando-se a hegemonia do proletariado na mesma, bem como seu caminho do campo à cidade.
Contudo, os defeitos principais do Critica ao oportunismo e ao subjetivismo… estão na sua definição tática em que se considera como questão principal a deflagração da luta armada, sem considerar que, segundo a concepção da guerra popular, é imprescindível o trabalho político revolucionário de massas do partido comunista como sua ligação com elas. Este erro conduziu a outro, ao definir a aplicação da “guerra popular” na realidade brasileira, apontando como uma das formas de seu desencadeamento a criação do “foco“. Forma esta, dada às condições da contrarrevolução da época, eleita como a única possível de ser aplicada no país, considerando, pois, não ser possível realizar o trabalho político de massas de forma não armada. Posteriormente (novembro de 1969), já como Partido Comunista do Brasil – Ala Vermelha, no documento Os 16 Pontos, fará autocrítica desta posição advogando a necessidade de se desenvolver o trabalho político de massas nas formas não armadas como preparação para a deflagração da guerra popular. Porém, partindo de que a tarefa principal dos comunistas era a da deflagração da guerra popular e considerando que no país nunca havia existido um verdadeiro partido comunista, concluí-se que o mesmo só poderia ser constituído no curso já da guerra popular. Aqui também se verifica um erro bastante sério, pois violava o marxismo-leninismo e principalmente o maoísmo sobre a necessidade e principalidade do partido comunista como condição absoluta para a direção da guerra revolucionária e condução da revolução. Cai na verdade em critérios guevaristas de que o mais importante é iniciar a luta armada e que o partido viria no seu curso.
Verifica-se que estes critérios influenciavam muito suas formulações que consideravam o campo como cenário principal da guerra popular, simplesmente porque o mesmo representa taticamente o terreno mais débil para o inimigo e mais favorável para a revolução. Isso quando a principalidade do campo e sua condição de cenário principal da guerra popular decorrem das leis objetivas do desenvolvimento econômico-social, que determinaram um maior desenvolvimento nos grandes centros urbanos do sudeste do país e o atraso do campo. Daí a necessidade de libertar as forças produtivas do campo do atraso semifeudal, via revolução agrária, implicando na aliança operário-camponesa pela destruição do latifúndio e entrega da terra aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra, e da guerra camponesa como meio, sob a direção do proletariado através do partido comunista. Ademais da necessidade de se destruir as bases mais arcaicas da sociedade, nas quais o campo se constitui reserva da burguesia, sendo assim um problema estratégico da revolução, além de ser do ponto de vista tático mais favorável a ela. Pois só por este caminho é possível construir a estratégica aliança operário-camponesa, desenvolvendo o exército guerrilheiro popular como força armada do proletariado e a edificação do Novo Poder no campo com as bases de apoio, decisivas para a sustentação, expansão e triunfo da guerra popular e da revolução.
Enfim, nisto residia o problema de compreender que na revolução de nova democracia a contradição principal, de toda sua primeira fase, é a que opõe camponeses pobres e latifundiários e se expressa como contradição entre massas pobres do campo contra o velho e podre Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo.
Definidos os preparativos políticos e militares para um correto desencadeamento da guerra popular, o PCdoB-AV ainda sofrerá a influência do militarismo em suas fileiras, tendo que depurar-se. Apesar de sua compreensão da importância e significado da GRCP, não consolidou sua ideologia com base no maoísmo, não logrou levar adiante o desencadeamento da guerra popular. Posteriormente, já nos anos de 1970, num processo de “retificação”, revisou sua análise da sociedade brasileira se afastando da base teórica do maoísmo, o que derivará, entre outras concepções errôneas, a de “partido tático”, frentismo com correntes do oportunismo, como o trotskismo. Contudo, como retomaremos mais adiante, em sua luta interna prevaleceu os princípios fundamentais do marxismo-leninismo, mantendo-se como partido comunista na clandestinidade, já com a denominação de Partido Comunista Ala Vermelha – PCAV.
O SURGIMENTO E DESTINO DO PCR
A fração que deu origem ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), encabeçado por Amaro Luis Carvalho (Capivara) e Manoel Lisboa, tinha formulações diferentes e contraditórias com as do documento do CC do PCdoB, sobre a análise de classes da sociedade brasileira, sobre as contradições fundamentais e a principal, bem como sobre estratégia e tática. Como ficou expresso no documento Carta de 12 pontos aos comunistas revolucionários, de 1966, Amaro Luis Carvalho e Manoel Lisboa faziam distinção entre grande burguesia e burguesia nacional (média burguesia), considerando esta última a única fração da burguesia que fazia parte do povo brasileiro e do campo revolucionário na etapa da revolução democrática anti-imperialista. Caracterizava o Estado como instrumento de grandes burgueses e latifundiários a serviço do imperialismo ianque e a necessidade da política do proletariado, para realizar a revolução democrática anti-imperialista, de destruí-lo e substituí-lo pelo Estado das classes revolucionárias, sob a hegemonia do proletariado. O documento afirmava ainda que, quanto à construção da frente única revolucionária, era necessário que o partido comunista desenvolvesse a aliança operário-camponesa através da luta armada pela posse da terra para os camponeses pobres e como condição para ampliar a frente a outras classes, particularmente com relação à burguesia nacional, assegurando assim a hegemonia do proletariado nela.
Como antes mencionado, destacava que a contradição principal da sociedade brasileira era a que opunha a imensa maioria da nação ao imperialismo, principalmente ianque, e que a região do Nordeste era onde esta contradição se manifestava de forma mais aguda, daí seu atraso. Aí fazia uma síntese importante da realidade brasileira, na qual afirmava que, considerando o país todo, as grandes metrópoles e áreas mais desenvolvidas do Sudeste eram cidades e o resto do país era campo; e considerando só o Nordeste, as suas metrópoles no litoral eram cidades e o resto campo. E que devido ao processo histórico, o Nordeste, de população majoritariamente camponesa, reunia as massas camponesas com maior experiência de luta e organização. Portanto, era donde o partido do proletariado deveria concentrar sua força principal e torná-la o centro de gravidade do desencadeamento do processo revolucionário, da guerra popular e desenvolvê-la segundo o caminho de cercar as cidades a partir do campo.
A Carta de 12 Pontos… trazia enormes contribuições, apesar de carecer da compreensão mais sólida do caráter de novo tipo da revolução democrática, como revolução de nova democracia ininterrupta ao socialismo, sobre o caráter da restauração burguesa na URSS e suas implicações para a revolução mundial, deixando de assinalar o novo regime como social-imperialismo e a importância singular da GRCP. Apesar de desenvolver importante trabalho de massas no Nordeste, particularmente na zona canavieira, de formular análises e sínteses sobre a revolução democrática anti-imperialista ininterrupta ao socialismo no Brasil e de linhas para o trabalho de massas, de construção do exército popular, de organização de um serviço de informações popular, de finanças e apoio logístico, o PCR não logrará aprofundar sua formulação enquanto unidade, tampouco avançar na aplicação das concepções definidas, se isolando das massas e tendo sua direção caído no cerco da repressão policial do regime militar. Após a morte de seus principais quadros dirigentes, Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Amaro Luiz de Carvalho, a direção seguinte abandonou as concepções proletárias revolucionárias que haviam sido formuladas, capitulando da guerra popular, e se liquidando ao aderir à concepções revisionistas e nacional-reformistas.
Ao formularem o conjunto de problemas em contradição com as concepções do documento da direção à VI Conferência, essas frações forneceram importantes elementos teóricos e políticos para a luta de duas linhas no partido, que se fosse implementada, aplicada segundo os ensinamentos do maoísmo, possibilitando o enriquecimento da luta ideológica no partido teria, sem sombra de dúvidas, levado já àquela época à mais acertada linha para a revolução brasileira. A inexistência de espaço no partido para que esta luta fosse desenvolvida, a forma dogmática e sectária da direção em lidar com as contradições, conduziram à ruptura dessas frações. Esse método de direção administrativo próprio do revisionismo, que revelava ignorância exatamente em um dos aportes decisivos do maoísmo ao marxismo-leninismo, que é o método da luta de duas linhas, impôs a dispersão e fragmentação entre um conjunto de importantes quadros formados pelo processo revolucionário, que haviam rompido com o revisionismo e se acercavam todos do maoísmo, à época denominado de pensamento Mao Tsetung.
É palpável o quanto seria enriquecedor se a luta de linhas tivesse sido travada ao invés da prevalência do estilo e método pequeno-burguês administrativo e formal de conduzir as lutas e divergências no seio do partido. Este foi seguramente um prejuízo gigantesco para o processo de construção do Partido Comunista do Brasil, para sua forja na luta contra o revisionismo e para a revolução brasileira. O fato de a luta de duas linhas não ser travada plena e corretamente significou um grande atraso e representou um trunfo importante para a reação, o imperialismo e o revisionismo, num momento singular em nosso país e no Movimento Comunista Internacional, como foram as décadas de 1960 e 1970.
1 – O que ficou conhecido como a Carta Chinesa era o documento “Proposições acerca da Linha Geral do Movimento Comunista Internacional”, do Comitê Central do PCCh, tornada pública em junho de 1963 e que logo da resposta do PCUS, em julho de 1964, seguiu-se da publicação dos “Nove Comentários” com que o PCCh detinha-se sobre nove temas e problemas do MCI e da revolução proletária. Documentos riquíssimos que juntos à Carta Chinesa se constituíram nas mais importantes, sistematização e desenvolvimento, da teoria revolucionária do marxismo-leninismo da época. Os problemas aí tratados serão ainda mais desenvolvidos e confirmados pela GRCP (1966). Os Nove Comentários são:
1) A origem e o desenvolvimento das divergências entre a direção do PCUS e nós; 2) Sobre a questão Stalin; 3) A Iugoslávia é um país socialista?; 4) Apologistas do neocolonialismo; 5) Duas linhas diferentes no problema da guerra e da paz; 6) Duas políticas de Coexistência Pacífica diametralmente opostas; 7) Os dirigentes do PCUS são os maiores divisionistas de nossa época; 8) A Revolução Proletária e o revisionismo de Kruschov; e 9) Acerca do falso Comunismo de Kruschov e suas lições históricas que dá para o Mundo.
2 – No Partido Comunista da China e em outros partidos denominados de ML no final dos anos de 1960 já se falava em maoísmo. No entanto, este será concebido, fundamentado e sintetizado como terceira, nova e superior etapa de desenvolvimento do marxismo, somente nos anos finais de 1970, pelopensamento Gonzalo, na revolução peruana em curso com o desencadeamento da guerra popular.
3 – PCR – Carta de 12 pontos aos Comunistas Revolucionários (1966).
4 – Ala Vermelha – Por um grande debate revolucionário em nosso Partido. 1966.
5 – Ibidem