Um se divide em dois: a arma revolucionária de Mao Tsetung
Nota do blog: O seguinte artigo é um fragmento da obra “Um se divide em dois: A arma revolucionária de Mao Tse-Tung” (de Antonio de Irala), traduzido pela colaboração do blog. Explana sobre a teoria do Presidente Mao “um se divide em dois”, em oposição à teoria filosófica revisionista encabeçada por Liu Shao-chi de que “dois integram um”. Publicado originalmente pelo blog Cultura Proletária.
Um se divide em dois: a arma revolucionária de Mao Tsetung
O Presidente Mao sistematizou o estudo da dialética centrando-o no conceito de contradição. E logrou converter esta teoria num instrumento do mais alto valor prático mediante ao método de um se divide em dois, que pode ser considerado como um verdadeiro descobrimento de Mao.
1. Sistematização teórica
É corrente entre os escritores marxistas estudar as chamadas “leis da dialética” seguindo a exposição que Engels fez em seu conhecido livro “Anti-Dühring”. Mao declara sobre o particular:
“Foi considerado no passado que a dialética consiste em três grandes leis, e Stalin disse que consiste em quadro grandes leis. Eu creio que só existe uma lei básica, a lei da contradição. Qualidade e quantidade, afirmação e negação, fenômeno e essência, conteúdo e forma, necessidade e liberdade, possibilidade e realidade, etc., todos são unidades de opostos”. (1)
Por conseguinte, nos é de todo ponto necessário seguir Mao, de modo pontual e fiel em seus estudos da contradição, para poder captar a essência da “unidade de opostos”; ir habituando-se a seu método de “um de divide em dois” e abarcar os problemas mencionados junto com suas consequências práticas entre as que destacam as “regras para alcançar a vitória”, finalidade primordial de seu estudo.
A contradição, como o movimento, é, para todo marxista, algo objetivo que existe na realidade das coisas. E o conceito da contradição é justamente o “reflexo” dessa realidade na mente humana. Por conseguinte, o estudo das características da contradição e das leis gerais que a regem, só poderá realizar-se tendo presente a dita realidade.
Essa realidade objetiva da contradição e luta existente em toda entidade ou coisa, vem imposta pela natureza mesma, e não pelo capricho arbitrário ou a fantasia criadora de filósofos e escritores políticos.
Essa concepção dialética de “luta universal” não tem, como bem dizem os chineses, nada de misterioso. Assim, dentro da manifestação “particular” da “luta desportiva”, encontramos excelentes exemplos dialéticos em suas diversas modalidades: futebol, tênis, regatas, natação, etc.
“A dialética não é nenhum mistério e podemos encontrar grandes doses dela no jogo de tênis de mesa”. (2)
Ninguém desconhece, com efeito, que qualquer partida de futebol, além de suas características específicas, possui certas características comuns com os demais jogos, estando todos eles submetidos a idênticas regras gerais. Isso mesmo sucede com a contradição, com toda contradição.
a) O ovo e a sociedade capitalista existem como entidades concretas que encerram sua individualidade própria, sua própria particularidade que as diferencia, tanto entre si, como em relação às demais coisas. Mas ao mesmo tempo, ambos, igualmente, estão sujeitos ao processo de desenvolvimento e mudança com relação ao passado (a galinha e a sociedade feudal, respectivamente), e com projeção ao futuro (o frango e a sociedade socialista).
Desta visão ou enfoque, se desprendem duas características fundamentais em toda contradição: sua universalidade e sua particularidade.
b) O ovo oferece em sua individualidade uma forma externa característica, e ao mesmo tempo diversificada segundo suas variedades; e possui um conteúdo interno no que reside sua força germinativa. O mesmo sucede com a sociedade capitalista, que reveste o caráter geral da dominação do capital através do controle do poder político, mas aparecendo em forma diversificada segundo país e regiões; e possui um conteúdo interno da luta de classes – entre exploradores e explorados – no que reside seu potencial transformador.
A manifestação concreta de toda contradição nas coisas supõe, pois, a existência simultânea de:
Forma externa e conteúdo interno
c) Tanto o ovo como a sociedade capitalista estão sujeitos ao processo de mudança e transformação (mudanças quantitativas e mudanças qualitativas) devido essencialmente ao seu conteúdo interno, isto é, ao seu poder germinativo ou a seu potencial transformador, respectivamente. Porém, se requer a existência de uma condição de temperatura. O exemplo é do Mao: “A uma temperatura adequada, um ovo se transforma em frango…”(3).
Este ponto de vista nos leva pela mão a considerar o problema da causalidade. A causa do desenvolvimento das coisas tem dois aspectos fundamentais:
Causa interna, de caráter essencial, primário ou básico, e causa externa, à que Mao denomina condição de mudança.
d) Todo ovo de qualquer espécie que seja, em seu conteúdo interno, encerra uma contradição básica de caráter comum que impulsiona seu desenvolvimento e transformação em ave. Igualmente, toda sociedade de qualquer classe que seja, possui em seu conteúdo interno uma contradição básica comum que impulsiona seu desenvolvimento e transformação noutra sociedade diferente. Agora bem, assim como há aves de distintas espécie, também existem sociedades de qualidade diferente. A diferenciação nas espécies e classes de sociedade, obedece à existência de fatores diversos dentro da contradição básica comum. Não é possível, portanto, analisar as diferentes classes de sociedade, e seu processo de transformação sem estudar: a contradição básica, comum e universal, e suas manifestações individuais.
Qual é o fator determinante na qualidade das coisas, isto é, o elemento que as diferencia e que, por conseguinte, distinguirá uma “forma social” da outra?
O estudo do fator determinante da “qualidade” das coisas leva implícito ao estudo do “fator decisivo” de seu desenvolvimento e transformação. Mao tratava destes dois problemas derivados da “contradição básica” em seu estudo sobre: A contradição principal e o aspecto principal da contradição.
e) Sendo a contradição algo concreto e existente na natureza íntima das coisas, não pode conceber-se fora duma entidade. Mais ainda, a contradição é, precisamente, a luta de elementos opostos – o movimento –, o fator determinante das “formas externas” da entidade.
Daí que, sem a luta de dois opostos em determinadas condições – o proletariado e a burguesia –, não se pode conceber a sociedade capitalista; da mesma maneira que não pode conceber-se o espetáculo duma “partida de futebol” sem o encontro de duas equipes nas condições que determina o jogo.
Como “entidade” significa um e não há luta de contrários sem a presença de dois opostos numa entidade, a visão dialética de quanto existe levanta o problema capital de definir o alcance e significado de unidade-divisão-combinação.
f) Ao ser universal a contradição, o é também a luta de contrários, que adquirirá formas mais ou menos agudas ou virulentas segundo as circunstâncias concretas de cada caso. Daí que nos seja imprescindível o estudo do: antagonismo e não-antagonismo.
g) Como toda contradição supõe um “problema”, e todo problema é preciso resolvê-lo, especialmente no que diz respeito à vida social, nos será imprescindível o estudo e análise do: método de resolução.
h) O caráter universal da contradição afeta de maneira específica à mente humana e, por conseguinte, o processo do conhecimento do homem. Deveremos, pois, deter-nos no exame da:
Teoria marxista do conhecimento, isto é, da contradição entre “o pensar e o existir”, entre “o pensamento e a ação”, entre “a teoria e a prática”, ou entre “espírito e matéria” como elemento imprescindível para poder perfilar os diferentes aspectos do conceito geral da contradição e a participação da inteligência e vontade humanas no desenvolvimento das coisas.
i) A participação da inteligência e vontade humanas na transformação e desenvolvimento das coisas mediante à “integração”, na vida prática e social, dos caracteres sobressalientes da contradição que temos deixado esboçados, constitui para o marxista a essência da: Revolução permanente.
j) A “revolução permanente” ou “contínua” não é uma mera manifestação subjetiva do homem, posto que as características da contradição em que se baseia são objetivas. Por isso temos falado somente do “rol de participação” da mente e vontade humanas, já que sua conduta revolucionária deverá estar sujeitas às regras precisas deduzidas da análise concreta das contradições concretas. Portanto, somente ao final da primeira parte deste livro, e depois de ter estudado as características sobressalientes da contradição, a teoria do conhecimento, e a revolução permanente, nos será possível analisar as regras que conduzem à ação revolucionária ao triunfo ou, como graficamente disse Mao, “as condições para a vitória”.
2. O valor prático da teoria
O problema central levantado pelo Pensamento Mao Tsetung (teoria prática e prática teórica) é essencialmente prático, ainda que de extraordinária complexidade, já que se trata de alcançar a vitória revolucionária em condições totalmente adversas. Pois bem, o valor de sua teoria dialética há de ser julgado por sua atitude e capacidade para resolver esse problema. O critério de valor será a prática e os efeitos; em definitiva, o êxito.
Se considerarmos a relação de forças opostas existentes no esforço revolucionário inicial, tanto à escala mundial como à escala local – dentro dos limites do país –, nos encontramos com que a proporção é de um a dez, segundo expressão gráfica dos chineses.
Nessa fase inicial as forças revolucionárias são relativamente pouco numerosas, pobres em recursos de todas classes e constituídas em geral por agentes que qualificaríamos de “deserdados”. Seu valor real está representado pelo um, em comparação com o poder; os recursos e a riqueza das forças contrarrevolucionárias do mundo capitalista que é preciso destruir representam o valor dez.
Agora bem, como é possível “um contra dez” e sair vitorioso? Esta é a pergunta que se fazem os chineses e com eles todo revolucionário.
A resposta adequada a essa pergunta-chave consiste em “concentrar uma força superior para aniquilar as unidades inimigas uma por uma” (4), disse Mao, porque:
“Nossa estratégia é ‘um contra dez’, e nossa tática é ‘dez contra um’…” (5)
E, precisamente:
“… Este é um dos princípios fundamentais em que nos baseamos para derrotar o inimigo”. (6)
Este “princípio fundamental” forma parte integrante da teoria sobre a “Guerra Popular”, da que a luta armada é um de seus componentes. Mas se aplica não só a questões militares, senão também às lutas políticas e econômicas:
“Como método de pensamento e ação, ao concentrar uma força superior para aniquilar ao inimigo um por um, é aplicável não só nos combates militares mas também nas lutas políticas e econômicas”… “Por esta razão, esta tática é de significação universal para todo gênero de guerra revolucionária”.
A nota sobressaliente deste “princípio operacional” é sua relação com o método dialético e seu entrosamento com a concepção dialética de Mao. Por isso os chineses declaram:
“’Concentrar forças’ e ‘destruir as forças inimigas uma por uma’ é bem conhecido por todos os estrategistas militares, antigos e modernos, chineses e estrangeiros, e está repetidamente mencionado e insistentemente acentuado em muitos tratados militares clássicos, mas nunca tem sido considerado como um todo orgânico, e posto em prática dialeticamente. Só o camarada Mao Tsetung… o aplicou dialeticamente à prática da guerra revolucionária da China com êxito completo”. (7)
O valor prático deste “princípio operacional”, baseado na “unidade dialética” da estratégica de “um contra dez” e da tática de “dez contra um”, só pode ser apreciado à luz da lei dialética da “unidade dos contrários” e de seu correspondente método prático de “um se divide em dois”.
3. O método “Um se divide em dois”
O princípio “um se divide em dois” é uma expressão equivalente à “unidade dos contrários” que define a contradição existente sempre e em tudo, já que a luta de elementos contraditórios dentro de toda coisa significa divisão além de unidade. E é precisamente a luta-divisão o elemento constituinte da unidade, do mesmo modo que a luta de dois times de futebol constitui a unidade da partida.
O Presidente Mao enuncia esse princípio, dum modo incidental, em seu trabalho “Sobre a contradição” (1937), ao trazer uma citação de Lenin que fala da “divisão do todo único em dois contrários mutualmente excludentes…” (8). Mas somente anos mais tarde, a partir de 1963 e continuando em nossos dias, quando se enuncia e se desenvolve o princípio com extraordinário vigor.
No entanto, todas as exposições doutrinais do Presidente chinês, e de maneira especial seus dois tratados fundamentais “Sobre a contradição” e “Sobre a prática”, assim como também suas realizações práticas, estão já baseadas no dito princípio; e somente através dele é possível estuda-las. Por isso, sem dano de que mais adiante tratemos a questão com a devida extensão, nos bastará indicar aqui, que só através do procedimento de “dividir em dois”, nos será possível estudar seus escritos.
A expressão “um se divide em dois” deve ser considerada sob dois aspectos fundamentais: como princípio e como método.
Como princípio, contêm os dois fatores essenciais da contradição: um (unidade) e dois (divisão). Nesta formulação teórica reside sua simplicidade.
Como método, afeta às duas manifestações essenciais da conduta humana: 1) ao analise das coisas; e 2) à ação prática. E é nestes dois aspectos donde reside sua complicação.
- Ao observar uma coisa é preciso analisa-la desde o ângulo de suas contradições internas e desde o de suas relações externas com as demais coisas. Isso exige naturalmente um estudo multilateral, global, “onicompreensivo”. Este é o método seguido constantemente por Mao Tsetung, e assim nos o confirmam os chineses ao definir o Pensamento Mao Tsetung como “observar os problemas de todos os ângulos” (9).
- Como consequência da análise dialética a que nos referimos, a ação prática acertada consiste na utilização dos dois lados das contradições existentes na sociedade ao efeito de lograr sua transformação. Eis o que os chineses chamam de “andar sobre duas pernas”, e que constitui o método geral seguido pelo Presidente chinês em sua vitoriosa carreira revolucionária.
Os dois aspectos metodológicos assinalados são inseparáveis, constituindo um caso mais da “unidade dos contrários”. A combinação dialética de ambos fará possível, através dum largo processo de luta, o que a estratégia de “um contra dez” seja efetiva mediante à tática de “dez contra um”.
Finalmente assinalamos que na dialética “um não é um, porque é dois” e “dois não são dois, porque são um”. Daqui começa precisamente o aspecto divertido e profundo sentido do “humor dialético” na aplicação do princípio, já que são muitos os convencidos de que “um é sempre um” e de que “dois são sempre dois”, ignorando que “um se divide em dois”.
Notas:
(1) JPRS 49.826, February 12, 1971, pág. 6.
(2) PR, n. 10, March 4, 1966.
(3) Mao Zedong: OEM-I, “SOBRE A CONTRADIÇÃO”, pág. 336.
(4) Mao Zedong: OEM-IV, “CONCENTRAR UMA FORÇA SUPERIOR PARA ANIQUILAR AS UNIDADES INIMIGAS UMA POR UMA”, pág. 101.
(5) Mao Zedong: OEM-I, “PROBLEMAS ESTRATÉGICOS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA DA CHINA”, pág. 255.
(6) Mao Zedong: Ibidem.
(7) Ibid., pág. 39.
(8) Mao Zedong: OEM-I, “SOBRE A CONTRADIÇÃO”, pág. 334.
(9) PR, n. 10, March 4, 1966.
Extrato da obra “Um se divide em dois: A arma revolucionária de Mao Tse-Tung” de Antonio de Irala