Por que não há países socialistas atualmente?

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Por que não há países socialistas atualmente?

Introdução:
A bancarrota do revisionismo

O revisionismo é oportunismo em um grau mais avançado, que configura os interesses da burguesia infiltrados nas fileiras do proletariado, e é por conta de sua atuação que não há países socialistas no mundo hoje.

Afirmamos, sem medo, que hoje não há países socialistas, e vamos esclarecer o porquê iniciando nossa investigação no Grande Debate no Movimento Comunista Internacional, que foi um marco para desmascarar os revisionistas modernos. É importante que compreendamos o significado histórico, inclusive do ponto de vista da luta de classes, desta grande luta entre proletariado X burguesia dentro do movimento comunista, tomando forma como luta entre duas linhas.

Sabemos que a ideologia do proletariado é uma ciência invencível, mas não dá para convencer a todos sobre as verdades da nossa ideologia, a começar pelo fato de o ser humano não ter pensamento individual e não ser onisciente, mas ao contrário, ser movido por interesses – e esses interesses são de classe. Há aqueles que terão certeza, até mesmo de uma forma honesta, sobre a “justeza” do revisionismo acreditando se tratar de marxismo. No Brasil, Prestes foi um exemplo de sujeito honesto, que buscava acertar, mas pela limitação de sua concepção de classe, foi por muito tempo de sua vida o líder da linha de direita revisionista no PCB, e contribuiu para o PCBrasileiro ser o que é hoje. Se Prestes não tivesse feito sua autocrítica – que mostrou sua honestidade –, provavelmente hoje estaria riscado do movimento comunista brasileiro como um revisionista. Com essas poucas palavras de introdução buscamos esclarecer que aqui não se trata de analisar o indivíduo x ou y, se foi um canalha ou um sujeito honesto e limitado etc., mas unicamente dos interesses de quais classes defenderam na medida em que levantaram certas posições.

1. O Grande Debate e o centrismo

Na década de 60, uma grande luta entre marxismo e revisionismo dá um novo salto de qualidade para o Movimento Comunista Internacional, demarcando mais uma vez na história do movimento comunista uma linha entre os verdadeiros revolucionários marxistas e os reacionários revisionistas. Essa luta foi protagonizada pelo Comitê Central do Partido Comunista da China (CC do PCCh) – dirigido pela linha revolucionária do Presidente Mao –, que enviou uma correspondência ao PCUS – então dirigido pela linha revisionista de direita do renegado Khrushchov – nomeada “Proposição acerca da linha geral do Movimento Comunista Internacional” em 14 de junho de 1963, criticando as teses revisionistas do mesmo, a seguir, os “Três Todos” e os “Dois Pacíficos”, além da abordagem incorreta sobre a questão de Stalin por parte do último.

Tais teorias e a posição sobre o camarada Stalin que impunham os revisionistas “soviéticos” ao Movimento Comunista Internacional eram claramente anticomunistas e contrarrevolucionárias, que visavam destruir a ditadura do proletariado na URSS, manchar a imagem do camarada Stalin como maior representante da linha proletária do PCUS e impor aos partidos comunistas no mundo uma linha de direita, degenerada que impedia o avanço da Revolução Proletária Mundial.

A importância histórica dessa luta se assemelha com tantas outras lutas entre marxismo e revisionismo na história do movimento comunista. Foi tão importante quanto à luta travada por Marx e Engels contra os proudhonistas e bakuninistas na I Internacional (luta que impôs o marxismo como ideologia universal do proletariado e desmascarou o anarquismo como desvio da pequena-burguesia); ou quanto à luta travada pelo camarada Lenin no início do século contra os renegados revisionistas da II Internacional comandados por Bernstein e Kautsky; ou mesmo quanto à luta travada pela linha revolucionária do camarada Stalin contra Trotsky e seus seguidores na década de 20-30.

Todas essas lutas citadas tiveram em comum, assim como o Grande Debate, a função de varrer do movimento operário e comunista os corpos estranhos à classe proletária, função de depurar as fileiras do Movimento Comunista Internacional demarcando uma linha clara onde de um lado se põem os comunistas proletários e dum outro lado, os revisionistas e elementos da burguesia, numa situação onde não há meio-termo ou conciliação – e fazê-lo é tomar o lado da burguesia e do revisionismo. Por fim, todas as grandes lutas entre marxistas e revisionistas foram (e sempre será) reflexo da luta de classes no Movimento Comunista Internacional, e seu desfecho foi (e sempre será) desmascarar os revisionistas como o que eles são: representantes da burguesia dentro do movimento comunista e operário.

Assim, quando explode o Grande Debate e se expõe os dirigentes “soviéticos” comandados por Khrushchov e Brezhnev como revisionistas e serviço da burguesia e restauradores do capitalismo na União Soviética, ocorre uma depuração no Movimento Comunista Internacional, ou, de modo geral, um “racha”. Dum lado os revolucionários e dum outro os elementos de direita; houve também os centristas que, no fim das contas, foram puxados pela direita com o desenvolvimento dessa luta, consequência de sua vacilação ideológica.

À esquerda se posicionaram o Partido Comunista da China e o Partido do Trabalho da Albânia, influenciando comunistas de diversos países a tomarem a posição revolucionária, como comunistas da Índia, Brasil, Sri Lanka, Peru, Turquia, USA, etc..

À direita se colocaram todo o enxame de revisionistas dirigidos pelos mestres “soviéticos” do PCUS revisionista, precisamente, todos os governos do “bloco socialista” na Europa – com exceção da Albânia – e os dirigentes de Cuba (que sequer será objeto de nossa análise por nunca ter sido, diferentemente dos países que abordaremos, socialista ou dirigido pelo proletariado, mas ao contrário, ter sua revolução sido dirigida pela burguesia nacional antiimperialista cubana que capitulou frente ao social-imperialismo russo pela sua natureza de classe); países que influenciaram a grande maioria dos partidos comunistas do mundo a tomarem a posição revisionista e contrarrevolucionária; no Brasil, sua maior expressão foi o PCBrasileiro, comandado por Prestes.

E, por fim, havia ainda os centristas que numa clara demonstração de fraqueza ideológica e de – também, em alguns casos – dependência econômica com a URSS, não tomaram posição no Grande Debate, colocaram-se a mediar, a conciliar o marxismo e o revisionismo, ou seja, conciliando os interesses de classes. Neste campo se colocaram o Partido Comunista do Vietnã e o Partido do Trabalho da Coreia.

2. Aprofundar a ditadura do proletariado: o que sucedeu ao Grande Debate

É importante salientar que do Grande Debate se sucedeu o mais transcendental avanço para a ditadura do proletariado e ao socialismo. Tal avanço compreendeu o funcionamento da luta de classes no socialismo. Este diz respeito à Grande Revolução Cultural Proletária.

Isto porque o Presidente Mao sintetizou a experiência da restauração capitalista na Iugoslávia e na URSS, desenvolvendo assim a compreensão científica de alguns fatos. A seguir:

a) que a burguesia subsiste na sociedade socialista por meio da cultura, dos costumes, valores e etc. que correspondem à velha sociedade e às velhas relações de produção, assim, corrompendo os indivíduos (inclusive em posição de autoridade) mais vacilantes e o coração das massas;

b) que a sociedade socialista em construção e consolidação continua a engendrar espontaneamente elementos burgueses na sociedade (desenvolvendo a tese do grande Lenin, que afirmava: “por infelicidade, resta ainda no mundo uma grande quantidade de pequena produção e esta engendra constantemente, dia a dia, hora a hora, o capitalismo e a burguesia, por um processo espontâneo e em massa”), graças à pequena produção e pequeno comércio privado e a existência do “direito burguês”, tal como a diferença entre trabalho manual e intelectual, entre campo e cidade e entre operários e camponeses, além da própria existência de países imperialistas ao redor do mundo; e que esses elementos burgueses gerados espontaneamente constituem a nova base social da burguesia, que buscará resistir e lutar pela reconquista do Poder;

c) que a ideologia é o centro da questão na luta de classes sob as condições do socialismo;

e, por fim…

d) que o fato de uma única fábrica ser administrada por um indivíduo vacilante, que não aplique constante e integralmente a linha proletária do Partido, já é um fator político que cria, gera e movimenta constantemente a nova burguesia e a restauração do capitalismo.

Frente a essas novas compreensões da experiência da ditadura do proletariado, o Presidente Mao compreendeu que esta última não pode estagnar, não pode abrandar, que a política e a ideologia do proletariado deve dirigir tudo – inclusive e principalmente no desenvolvimento das forças produtivas –, que as massas devem fiscalizar a todos e, assim, desenvolve a prática da Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) como meio de conjurar e afastar a restauração capitalista.

De modo sucinto, sintetizaremos as lições que nos trouxe a GRCP:

a) o proletariado deve dirigir tudo – a ideologia do proletariado deve ser aplicada a tudo, sem exceção, ocupando todos os espaços, inclusive no campo cultural-ideológico – e as massas devem fiscalizar tudo e todos – isso inclui fiscalizar os técnicos e contribuir na direção da produção, soldados fiscalizando os oficiais e construir uma ditadura do proletariado onde as massas, enfim, dirigem tudo;

b) considerando que a pequena produção, a existência do imperialismo, a velha cultura e o “direito burguês”, além das Três Grandes Diferenças (entre trabalho manual e intelectual, camponês e operário e campo e cidade) são condições objetivas que geram espontaneamente a restauração do capitalismo e a contrarrevolução, então todos devem ser suprimidos o máximo possível e, para contrabalancear essa contrarrevolução constante, é preciso sucessivos e contínuos movimentos de massas para destituir os revisionistas e oportunistas – que são produto dessa contrarrevolução – e ir depurando a sociedade (estes movimentos de massas são precisamente a Grande Revolução Cultural Proletária); há de deixar claro que enquanto não adentrarmos no comunismo, ainda haverá burguesia e luta de classes encarniçada, tão insana, violenta e tempestuosa quanto a que conhecemos na sociedade capitalista;

c) o Exército é um corpo do Estado e, por exemplo, na China foi utilizado pelos revolucionários para auxiliar as massas a destituir os burocratas e revisionistas e a depurar a sociedade com uma nova cultura e ideologia dominante; entretanto, após 1976, também serviu como uma arma dos revisionistas para prender, assassinar e liquidar os maoistas durante o golpe militar de Estado. Isso deixou evidente de que o Exército deve ser cercado por – como nos disse Marx – um mar de massas armadas que estarão prontas para cercar o inimigo revisionista caso este tome o Estado e inicie, mediante Guerra Popular, a contrarrestauração do socialismo;

A Grande Revolução Cultural Proletária, como produto do Grande Debate da década de 60, passou a ser um divisor d’água, e seus ensinamentos, um verdadeiro espelho refletor de revisionistas. É preciso compreender todas as experiências socialistas levando em conta a experiência mais avançada da ditadura do proletariado que foi a Revolução Cultural. É isso que iremos fazer.

3. A consequência do centrismo no Grande Debate

É evidente para todos que conhecem a história que a URSS-Rússia e todo o “bloco socialista” europeu ruiu e não são, hoje, socialistas; porém, a polêmica sobre a existência ou não de países socialistas tem seu núcleo em torno do Vietnã e – principalmente – da Coreia do Norte, que foram países que tomaram posições centristas no Grande Debate e, aparentemente (só aparentemente), não sucumbiram ao “terremoto” da contrarrevolução de 1960-1991.

Vamos esclarecer a questão sobre os dois países.

3.1 Contrarrevolução no Vietnã

Durante o Grande Debate, o PCV ainda dirigido por Ho Chi Minh se colocou a – pasmem – “lamentar” a discussão entre os Partidos; no tal “testamento político” de Ho Chi Minh, ocasião em que ficou explicito o centrismo e sua fraqueza ideológica, ele diz:

“Me sinto muito triste pela desunião atual entre os partidos irmãos. Espero que nosso Partido siga se esforçando para contribuir eficazmente à restauração da unidade entre os partidos irmãos, baseando-se no marxismo-leninismo e no internacionalismo proletário, de acordo com a lógica e a razão.”

Ele chamou o Partido não para desmascarar os revisionistas e seguir a linha proletária, a linha da classe que levasse ao comunismo, mas convocou o Partido a mediar, conciliar, apaziguar a luta de classes no Movimento Comunista Internacional sob pretexto de “luta contra a desunião”. Ocorre que Ho Chi Minh não soube compreender que não se tratava de uma desunião entre comunistas, entre marxistas-leninistas, mas sim de uma ruptura de classe, onde os representantes do proletariado devem desmascarar e chutar para longe os representantes da burguesia.

O resultado dessa incompreensão de Ho Chi Minh foi a completa degeneração do Partido que já não era mais representante do proletariado. Como na luta de classes não há espaço vazio, então onde não ocupa o proletariado há de ocupar a burguesia e, deste modo, o Estado vietnamita e o Partido Comunista de lá se transformaram em um antro do revisionismo onde a burguesia montou um verdadeiro quartel-general contra o proletariado, colocando o Vietnã completamente alinhado ao social-imperialismo “soviético”. Para completar seu papel de mero peão do social-imperialismo e sua completa degeneração, a camarilha revisionista do Vietnã ainda invadiu, numa guerra de rapina coordenada pelo social-imperialismo “soviético”, o Kampuchea Democrático em 1975.

Atualmente, os revisionistas vietnamitas vêm promovendo uma total submissão ao capital estrangeiro sustentados pelas teorias revisionistas sobre o atraso das “forças produtivas”, alegando que o atraso econômico impede o socialismo; assim, promoveram a restauração do capitalismo e a abertura ao capital estrangeiro “visando a industrialização”, d’onde ascendeu uma burguesia burocrática. Esta última é a classe dominante no Vietnã.

3.2 Contrarrevolução na Coreia do Norte

Durante o Grande Debate, Kim Il-Sung colocou-se a mediar entre o revisionismo “soviético” e a linha proletária do PCCh e do PTA. Numa mesma linha de raciocínio do centrista Ho Chi Minh, Kim Il-Sung e seu Partido consideravam o Grande Debate como um “desentendimento bobo e mesquinho” entre Partidos irmãos. Recusou a tomar uma posição e manteve relações de todos os tipos tanto com a China, tanto com os “soviéticos” (com os soviéticos, as relações se mantiveram até o último dia da URSS e continuaram próximos após a queda da mesma). Com estes últimos, inclusive, somaram-se os “empréstimos” e todo tipo de investimento. O suborno dos social-imperialistas russos e a dependência da Coreia do Norte pelo capital burocrático da URSS social-imperialista, e sua “ajuda militar” fizeram da Coreia completamente refém.

I. Economia norte-coreana

A Coreia do Norte chegou a acumular, no fim da URSS, US$ 10,96 bilhões em dívidas com o social-imperialismo russo. Muito desse dinheiro, evidentemente, adquirido dos subornos financeiros do social-fascista Brezhnev e sua política de subjugação dos países localizados sob sua área de influência. Com sua teoria da “Divisão Internacional do Trabalho”, Brezhnev e a URSS social-imperialista perpetuaram nos países recém-libertos por revoluções as relações de tipo colonial para benefício da burguesia burocrática russa.

No plano econômico mais recente, desde 1990 há uma série de reformas econômicas sendo praticadas na Coreia do Norte, agravadas pelos desastres naturais e pela desintegração da URSS (que culminou na retirada da “ajuda” – leia-se suborno). Desde então, os norte-coreanos vêm buscando normalização das relações com o sul da Coreia e com os Estados Unidos, tentativa que vive desde então altos e baixos dependendo dos gerentes de turno.

Nesse processo, os norte-coreanos chegaram a assinar um Tratado de Não-Proliferação em 1994 que visava destruir duas plantas nucleares da Coreia do Norte e substituí-las por duas novas plantas construídas pela Coreia do Sul e Japão, além de permitir que inspetores ligados ao imperialismo ianque espionassem suas instalações nucleares – evitando assim a produção de plutônio para armas nucleares. Mesmo o recente experimento da Bomba H, não é mais do que a retomada momentânea da “diplomacia nuclear” que a Coreia adota quando engrossam as relações com o Sul, o que não significa uma “ruptura” com a atitude tomada em 1994.

Em 2002, foram mais longe e sob pretexto de aperfeiçoar a economia, lançaram o plano assim chamado “Melhoria da Gestão Econômica”, que foi, na verdade, abertura ao capital estrangeiro em determinadas áreas chamadas “Zonas Econômicas Especiais” – tal como na China atual – e reformas salariais e no custo de vida. Os salários baixaram e acabou-se o subsídio para bens alimentícios, os camponeses foram incentivados a aprofundar a venda dos excedentes da produção nas chamadas Farmer’s Markets (semelhantes às feiras no Brasil).

A partir de 2010, houve um maior relaxamento no controle do Estado norte-coreano sobre a economia e um maior diálogo com os imperialistas. Tal ato deveniu-se numa barganha, onde a Comissão Europeia voltou a fornecer ajuda alimentícia ao país. Neste período, inclusive, deu-se um maior apoio do imperialismo chinês para com a Coreia para garantir sua influência naquela região, tendo este primeiro investido em “cooperação bilateral” (leia-se “benefício unilateral” para a China). Em recompensa, a Coreia promoveu maior abertura para o capital chinês e ampliando consideravelmente o comércio entre ambos.

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Kim Il-Sung e o canalha Teng Siao-ping

Em 2011, o Kim Jong Il, então dirigente da Coreia, foi até a China e visitou as zonas industriais mais desenvolvidas (no leste do país) para “estudar a reforma econômica chinesa e aplicá-la na Coreia”. Depois disso e em decorrência dos acontecimentos do ano anterior, a China passou a investir pesado em infraestrutura na Coreia. Até mesmo Cassinos e jogos de azar, produtos da degeneração do capitalismo, estão sendo praticados na “melhor Coreia”, visando estimular o turismo – já muito frequente.

Assim, fica-nos evidente que desde 1990 há uma descentralização da economia, abrindo-se completamente para o capital estrangeiro – principalmente chinês – e se tornando dependente econômica, política e militarmente deste último, estando sob sua área de influência (do imperialismo sino-russo). No entanto, a presença de capital estrangeiro já era presente antes mesmo do fim da URSS e das reformas econômicas, através do social-imperialismo russo, que quando se tornou Rússia novamente não deixou de aproveitar sua parte do butim.

II. A Ideia Juche e a Doutrina Songun

O centrismo norte-coreano durante o Grande Debate foi acompanhado da elaboração duma tal “Ideia Juche” (que significa autoconfiança) em 1964, da qual já veio acompanhada com o germe da capitulação. Inicialmente apresentada como aplicação criativa do Marxismo-Leninismo à realidade da Coreia, veio a se transformar numa ideologia completamente “nova” e “original”, que renegou o materialismo histórico dialético. É importante salientar que a Ideia Juche também não considerou nenhum dos aprendizados da experiência da GRCP na China que citamos anteriormente, e cometeu os mesmos erros.

Daqui em diante, nós acompanharemos uma evolução da degeneração ideológica do PT da Coreia.

Primeiro, sobre o materialismo dialético e a Ideia Juche, há a negação do primeiro e a afirmação do segundo como sendo original e novo, e não uma “aplicação do materialismo dialético na Coreia” como alguns tratam de difundir. Conforme afirmou Kim Il-Sung, o fundador do Juche:

“Não são as condições objetivas, mas o homem que desempenha um papel decisivo no desenvolvimento da história.” (…) “Os animais são parte da natureza e seu destino é determinado pelas leis naturais da mudança e do desenvolvimento, ao passo que o homem não é um ser que obedece às leis naturais de mudança e desenvolvimento.” (…)
“Ao contrário de toda a matéria viva, que é subordinada ao mundo objetivo, o homem domina e transforma o mundo, de acordo com a sua vontade e desejo.”

Prossegue seu filho e herdeiro, Kim Jong Il:

“A filosofia Juche é uma doutrina original que está desenvolvida e sistematizada nos seus próprios princípios. Seu mérito histórico no progresso das ideias filosóficas não está em ter desenvolvido a dialética materialista marxista, mas sim em ter definido novos princípios filosóficos centrados no homem.”

“Desde já, também a sociedade muda e se desenvolve não pela ação do homem senão segundo determinadas leis. No entanto, a ação das leis na sociedade diferente essencialmente do caso da natureza. Nestas leis acionam de modo espontâneo, independentemente das atividades do homem, mas na sociedade acionam por meio das atividades independentes, criadoras e conscientes do homem. Entre as leis sociais tem tanto as gerais válidas para todas as sociedades, sem que importem regimes, como as que se exercem só em determinados regimes sociais. Como todas as leis sociais acionam por meio das atividades do homem, esta ação pode realizar-se claramente, frenar-se ou restringir-se segundo atua o homem.

“A principal limitação da concepção materialista da história está em não ter clareado certeiramente as leis próprias do movimento social senão desenvolvido seus princípios principalmente segundo a comunidade dele e a evolução da natureza, que são igualmente materiais.”

Isto nada mais é do que o mesmo e velho idealismo burguês que centra a realidade nas ideias e consciência do homem, tratando-o como o todo-poderoso, o velho humanismo burguês e, pior, sustentando a independência do homem com relação à natureza; isto é puramente revisionismo, negação da filosofia marxista.

Kim Jong Il e o revisionista romeno Nicolae Ceaușescu.

Num segundo momento, a seguir, veremos claramente uma inclinação à teoria das “forças produtivas” numa outra roupagem, onde desenvolver as forças produtivas, assim como “revolucionar, proletarizar e intelectualizar todos os membros da sociedade”, são os principais objetivos e meios para se chegar ao comunismo. Afirmou Kim Il-Sung:

“Em essência, a revolução técnica consiste em eliminar as diferenças fundamentais entre as várias categorias de trabalho e resgatar os trabalhadores das tarefas pesadas. A revolução técnica não é uma empresa técnico-profissional só para desenvolver a técnica e as forças produtivas a fim de aumentar a produção de riqueza material; é um importante trabalho político para liberar ainda mais os obstáculos da natureza já libertos da exploração e da opressão e, assim, garantir uma igualdade completa na vida social, bem como uma vida independente e criativa. Só dando forte impulso à revolução técnica que o partido da classe operária pode eliminar as diferenças fundamentais no trabalho, liberar os trabalhadores das tarefas árduas e construir com sucesso a proteção material necessária até o comunismo.”

“Devemos elevar infalivelmente as forças produtivas, pelo menos, até o nível os países capitalistas desenvolvidos, consolidando de maneira contínua e firme os cimentos materiais do socialismo e eliminar por completo a diferença entre a classe operária e os camponeses. Para isto devemos mecanizar as tarefas agrícolas, levar a cabo a adubação e irrigação e implantar a jornada de oito horas, mediante a revolução técnica a tal grau em que os países capitalistas desenvolvidos têm efetuado a transformação capitalista no campo.”

O problema dessa inclinação à maior preocupação com as forças produtivas do que com a luta de classes é que abre alas para preconizar o maior desenvolvimento das forças produtivas como única condição para alcançar a “independência” e o “socialismo”, abrindo-se inclusive para o capital estrangeiro (como forma de “promover o desenvolvimento dos meios de produção”, como ocorreu no Vietnã). Isso secundariza a luta de classes e prioriza as forças produtivas quando, em contrapartida, a ideologia do proletariado ensina que a luta de classes é sempre o centro da questão.

Em terceiro, por fim, da negação do materialismo dialético, houve um salto de qualidade no revisionismo que passou a negar também o marxismo em sua completa totalidade, renegando-o. Afirmou Kim Jong Il:

“O Marxismo representou a época em que a classe operária tinha surgido na arena histórica e travava uma luta contra o capital. Mas os tempos mudaram e a história se desenvolveu, assim o Marxismo adquiriu inevitáveis limitações históricas.”

Sobre a degeneração revisionista do PTC, ainda resta a Doutrina Songun, onde há uma ampla superestimação do Exército e das armas, da tecnologia e subestimação das massas; consequentemente, não há o cerco do Exército pelas massas armadas, nem para prevenir um eventual “golpe anti-Partido” tampouco para permitir que as massas salvaguardem a pátria duma investida militar do imperialismo ianque.

A Doutrina Songun não considera o proletariado como a vanguarda da Revolução, mas o Exército. Isso é desconsiderar o caráter dirigente do proletariado. Explica Kim Jong Il:

“Ao aplicar a Doutrina Songun, nosso Partido definiu como força principal da revolução, não a classe operária, mas o Exército Popular, partindo dum novo critério e dum novo conceito sobre a matéria e sobre o papel que cumpre o Exército revolucionário no processo revolucionário e construtivo” (…) “Esta é a sublime missão do Exército Popular, seu pesado, mas glorioso dever revolucionário, que nem a classe operária ou nenhum coletivo social pode cumprir em substituição sua.”

E, por fim, Kim Jong Il explica também a razão de a Doutrina Songun substituir o método proletário de defesa da Revolução:

“Em meados do século XIX, a análise das relações sócio-classistas dos países capitalistas ocidentais levou a Karl Marx elucidar que a classe operária é a classe mais progressista e revolucionária, que assume a missão de acabar com o domínio do capital e todo tipo de regimes exploradores e estabelecer o socialismo e o comunismo, e a definiu como a classe dirigente e forte da revolução.” (…) “Mas, a teoria ou a fórmula exposta por Marx faz um século e meio e não pode adaptar-se à realidade de hoje. Passou muito tempo e se produziram enormes mudanças tanto nas circunstâncias sociais e nas relações de classes, como na situação da classe operária.”

A Doutrina Songun significou, grosso modo, a retirada do proletariado como classe dirigente da Revolução, como único capaz de ser o defensor da Revolução e da pátria. Foi uma negação completa do método comunista de defesa da Revolução, que consiste, como afirmou Marx e sintetizou o Presidente Mao, num mar de massas armadas defendendo seus interesses numa luta de morte com os inimigos de classe.

E por que razão justo o Exército substitui o proletariado no papel de “principal organismo de defesa da revolução”? Isso foi reflexo da realidade objetiva onde uma nova burguesia burocrática situada no Alto Escalão do Exército passou a dirigir o Estado norte-coreano, e não mais o proletariado.

Para finalizar, vejamos o que o dirigente máximo do PTC, Kim Il-Sung, afirma no que diz respeito à Perestroika e ao revisionismo titísta. Primeiro, sobre a Perestroika:

“Esta nova mudança ocorrendo agora na União Soviética é impensável para além das atividades energéticas do camarada Gorbachev, um ferrenho Marxista-Leninista.”

Por fim, sobre o revisionismo titísta:

“A Iugoslávia e Coréia são os países não-alinhados e socialistas.”

Todo este processo representa a ruptura gradativa e progressiva do PTC com o marxismo-leninismo e com o comunismo, processo iniciado após tomar a posição centrista no Grande Debate.

De modo resumido, foi assim que a Ideia Juche se constituiu já com o germe da capitulação, que viria a se desenvolver; já a Doutrina Songun foi o anúncio de um consolidado rompimento com o proletariado. A Doutrina Songun é fruto duma ideologia (o Juche) estranha ao marxismo-leninismo-maoismo (ou mesmo ao marxismo-leninismo) e os mesmos tratam de afirmar isso, não é novidade para ninguém que tenha investigado minimamente sobre.

E, por fim, se sabemos que a ideologia tem papel central na revolução e a única ideologia do proletariado é o marxismo com seu intocável materialismo dialético histórico; então fora disso não há socialismo tampouco ditadura do proletariado, e o Juche – como “ideologia nova e original” que nega os princípios do marxismo – não é exceção.

III. Luta de classes interna

Considerando a questão ideológica e econômica da Coreia, aplicando os ensinamentos do proletariado mundial com a Grande Revolução Cultural Proletária, podemos fazer uma análise científica como só a ideologia do proletariado pode nos proporcionar.

É fato que, na China revolucionária da década de 60-70, concluiu-se que não basta que o regime de propriedade seja estatal, mas que o proletariado deve dirigir o Estado. Isto porque se a ideologia do proletariado não é corretamente aplicada, corre-se o risco – eminente e certeiro – da nova burguesia surgida de dentro do socialismo restaurar seu modo de produção através do revisionismo, mesmo sob forma de propriedade estatal, ascendendo como uma nova burguesia burocrática de Estado (eis o que ocorreu na URSS na década de 60 e com a China, na década de 70).

Na Coreia do Norte, onde a pequena produção e o pequeno comércio, o “direito burguês” e as Três Grandes Diferenças (principalmente entre trabalho manual e intelectual) não são suprimidos mas, ao contrário, são incentivados, negligenciando assim os ensinamentos da Revolução Cultural sobre a luta de classes no socialismo e o constante engendro da contrarrevolução; então fica-nos claro que o mesmo ocorreu lá também. Já emergiu do alto escalão do Exército uma burguesia burocrática monopolista de Estado, atrelada ao social-imperialismo – primeiro russo, e depois chinês – que dirige o país.

Esta dependência com o imperialismo sino-russo contribui para o assédio militar e agressor do imperialismo ianque, pois se trata duma dupla contradição: a principal, entre a nação coreana e o imperialismo agressor ianque; e também a disputa entre imperialismo chinês – que ali exerce influência – e o imperialismo ianque. Deste modo, havemos de defender a Coreia das agressões e provocações ianques, tanto quanto legitimar seu direito à autodefesa às agressões imperialistas.

Todavia, não é um regime do proletariado pelos pontos citados e, portanto, não é socialista. O nível relativamente alto de “democracia” – quando comparado com um país capitalista ocidental – presente na Coreia não significa socialismo, mas ao contrário, é uma expressão do corporativismo e domesticação das massas. A Coreia do Norte é “dirigida” por um Partido revisionista que é controlado pelo Alto Escalão do Exército, onde está presente a nova burguesia dominante.

4. Conclusão

Alguns companheiros honestos defendem a existência de países socialistas por estarem presos numa lógica de pensamento da burguesia. Segundo essa lógica, se hoje não existe nenhum país socialista é porque o “socialismo fracassou” e seria assim “impossível”. Tais companheiros precisam romper com a lógica burguesa estudando a ideologia do proletariado, a saber, o marxismo-leninismo-maoismo, para compreender os ensinamentos dos grandes líderes do proletariado, romper de vez com o modo burguês de ver o mundo e adotar a concepção proletária, e conceber a realidade como ela se apresenta, e não como nós desejamos.

Para romper com essa lógica burguesia, temos que entender que nenhuma classe conquistou o Poder num curto período de tempo histórico sem passar por uma luta encarniçada com as velhas classes derrubadas durante séculos. A classe feudal demorou 250 anos para derrubar e vencer toda a resistência dos escravistas na China antiga; a burguesia, no ocidente, demorou 300 anos para impor-se por completo contra os senhores feudais e seu impedir o intento de restaurar a velha sociedade; em todos os processos citados houve uma luta entre restauração dos reacionários e contrarrestauração dos revolucionários, e com o proletariado não é nem será diferente. Temos em média 150 anos de luta e isso é relativamente pouco para as experiências que adquirimos, de modo que as nossas derrotas, ao contrário do que instiga a burguesia e sua lógica de raciocínio metafísico, são temporárias e eventuais, pois a vitória é inevitavelmente do proletariado.

Para impedir a restauração do capitalismo é preciso sucessivas revoluções culturais depurando a nova sociedade socialista e avançando e aprofundando a ditadura do proletariado, armar a classe e cercar os aparelhos do Estado com as massas armadas, deixando-as prontas para intervir contra o revisionismo e à nova burguesia.

Se quisermos chegar ao comunismo havemos de compreender a realidade e não cair em ilusões revisionistas. Devemos, para isso, nos desviarmos do anarquismo, trotskysmo, titísmo, kruschovismo e brejnevismo, o dogmato-revisionismo hoxhaísta, do centrismo, do revisionismo Juche e os mais recentes revisionismos da “nova síntese de Avakian” do PCR-USA e do “caminho Prachanda” no Nepal. Todos levam ao caminho final da restauração e capitulação e não ao comunismo.

Servir ao Povo de Todo Coração


Referências:

On Some Problems of Education in the Juche Idea, in: On Carrying Forward the Juche Idea, Pyongyang, 1995

The Historical Lesson in Building Socialism and the General Line of Our Party, in: On Carrying Forward the Juche Idea, Pyogyang, 1995

On Having a Correct Understanding of the Political, Moral and Material Incentives, in: Selected Works, Volume 1, Pyongyang, 1992

The Workers’ Party of Korea Organizes and Guides All the Victories of Our People, 1990, in Kim Jong Il, On Enhancing the Party’s Leading Role, Pyongyang, 1992

https://www.marxists.org/espanol/kim-jong-il/1996/julio/26.pdf

http://juche.v.wol.ne.jp/pdf/fkimilsung200803.pdf

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/12/kim-jong-il-fez-da-china-sua-2a-casa-nos-ultimos-2-anos-de-vida.html

https://portalvermelhoaesquerda.wordpress.com/2015/01/06/problemas-referentes-ao-periodo-de-transicao-e-da-ditadura-do-proletariado-por-kim-il-sung/

http://gazetarussa.com.br/economia/2014/03/03/russia_perdoa_90_de_divida_norte-coreana_da_epoca_da_urss_24443

http://oaji.net/articles/2015/2137-1438027973.pdf