Um movimento camponês de novo tipo
Nota do blog: Texto da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia sobre a necessidade, a criação e os feitos do movimento camponês de novo tipo, revolucionário e proletário, encarnado na própria LCP. Publicado no Jornal A Nova Democracia, nº 20, setembro de 2004.
Um movimento camponês de novo tipo
A região sul do estado de Rondônia recebeu, no final dos anos 70 e início dos 80, sucessivas ondas de migrantes vindos principalmente do Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo e Minas Gerais em busca de terra. Vão se estabelecer em Vilhena, Colorado, Cerejeiras, Cabixi, Chupinguaia e Corumbiara, áreas de enorme concentração fundiária.
No inicio dos anos 90, camponeses pobres organizados conquistam terras no município de Corumbiara, dando origem às comunidades do Verde Seringal, Vitória da União e Adriana. Todas foram marcadas pelos enfrentamentos com jagunços, perseguições, despejos, nova retomada das terras até a vitória das famílias.
Devido a estas conquistas, algumas lideranças iniciam um processo de mobilização de famílias para tomar uma dos maiores latifúndios da região. O MST já havia capitulado nessa área, temendo as ameaças dos latifundiários Antenor Duarte e Garão Maia, entre outros.
Assim, famílias vindas de várias partes do estado, e mesmo de outras regiões do país, começam a entrar na fazenda Santa Elina, com 18 mil hectares. A notícia se espalhou rapidamente. Todos os dias chegavam dezenas de famílias, atingindo o número de 600. Conquistaram rapidamente o apoio de sitiantes vizinhos, médios camponeses, pequenos comerciantes, que viam a importância de mais terras nas mãos de camponeses para o desenvolvimento da região.
O MST de Rondônia não só se recusou a dar apoio, como delatou ao governo estadual nomes dos que estariam encabeçando a mobilização.
Após várias investidas dos bandos de pistoleiros a mando dos latifundiários serem rechaçadas pela resistência dos camponeses, a situação passou a preocupar o governo. Os feitos daquela gente aguerrida corriam de boca em boca e o exemplo poderia se alastrar pelo estado. A imprensa reacionária cuidava de denunciar estes feitos e exigia punição aos líderes.
O então governador, Valdir Raupp-PMDB (latifundiário com quem o PT se aliou desde as eleições estaduais de 1994) tornou-se responsável por uma das páginas mais sinistras da luta pela terra no país, autorizando e planejando a ação genocida da Polícia Militar do estado de Rondônia para exterminar a organização dos camponeses.
A operação de guerra teve participação de cerca de 200 jagunços recolhidos nas fazendas da região e em Mato Grosso. Também foram utilizados vários presidiários.
Feita a apresentação do mandado de reintegração de posse, as famílias se negaram a sair sem garantias de que teriam um pedaço de terra. No dia 8 de agosto, após várias negociações, em que estiveram presentes padres, jornalistas (os filmes feitos por estes serviram para a PM planejar o ataque), e representantes do Estado, as famílias são convencidas a sair com a garantia de que o Incra daria início ao processo de desapropriação da área. O comandante da PM, cinicamente, garante que não haverá represálias por parte dos policiais e que os camponeses podem sair no outro dia de manhã, uma vez que já estava anoitecendo.
Mas, curiosamente, chegam caminhões carregados de policiais e pistoleiros que montam acampamento próximo da fazenda. No mesmo dia, por volta das 21hs, pistoleiros usando fardamento da PM e rostos cobertos iniciaram os ataques.
Os camponeses decidem resistir, ninguém queria sair, as vitórias anteriores serviam de estímulo e davam confiança.
Após horas de tiroteio, os camponeses já estavam quase sem forças, mas continuavam resistindo. A PM aproveita para entrar em cena de madrugada com o COE (Comando de Operações Especiais, verdadeiro grupo de assassinos). Os camponeses resistiram até o último cartucho. Rendidos, policiais e jagunços iniciaram as humilhações, torturas e assassinatos brutais durante o fim da noite e inicio do dia.
O resultado oficial foi de dezesseis mortes, sete desaparecidos e mais de 200 com graves sequelas da violência, muitos deles com balas encravadas no corpo.
A resistência em Santa Elina teve grande repercussão no país e no exterior, o que obrigou o governo FHC a assentar as 600 famílias.
A proposta do governo de dividir as famílias em quatro áreas foi aceita em Porto Velho, por uma Comissão de negociação composta por membros da CUT e pela direção estadual do PT/RO, liderada pelo deputado estadual Daniel Pereira (hoje no PL), que traficaram com os interesses dos camponeses de Santa Elina. Na mesma data reuniam-se em Cuiabá-MT as lideranças perseguidas que exigiam o corte da fazenda Santa Elina. Receberiam, pelo telefone, a notícia do acordo imundo firmado entre a direção do PT com o governador Valdir Raupp para proteger os interesses dos latifundiários e vender o sangue derramado pelos mártires da resistência de Corumbiara. Desta forma, dividiram as 600 famílias e sequer cogitaram a possibilidade de cortar a fazenda Santa Elina, o que representaria uma poderosa vitória daqueles camponeses. Além disso, dado os critérios oportunistas de sempre fazer as massas passarem por pobres vítimas, passaram a enfocar o episódio somente pelo aspecto do massacre, desprezando por completo a importância e principalidade da resistência camponesa. Para salvar as aparências, o PT se retirou do governo. Ainda em 1995, o vereador do PT em Corumbiara, Manoel Ribeiro, o “Nelinho”, que havia apoiado de forma decidida a entrada das famílias na área e que defendeu a resistência em Santa Elina, foi assassinado na porta de sua casa. Ele estava na mira de latifundiários como o coronel da reserva Antenor Duarte do Valle, tanto por defender a tomada da terra como por exigir explicações quanto ao desvio de verbas na prefeitura do município em favorecimento de grandes fazendeiros. Outro vereador, Pedro Gava, já havia sido envenenado por ter descoberto esquemas de corrupção.
DEPURAÇÃO NO MOVIMENTO CAMPONÊS
Após a resistência, lideranças foram para outros estados, devido a grande perseguição. A Polícia Militar de Rondônia e pistoleiros a soldo dos latifundiários vasculhavam as cidades próximas, distritos, vilas, sítios, hospitais, hotéis, etc, à sua procura. A ordem era aniquilar as lideranças que sobreviveram. Muitos tiveram de se manter clandestinos e decidiram realizar um encontro para discutir a reorganização e continuidade da luta.
Assim, nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro de 1996, estas lideranças se reúnem no 1º Encontro Estadual dos Assentados de Corumbiara e Companheiros comprometidos na luta pela terra, que foi realizado na cidade de Jaru. Seu objetivo era organizar a luta camponesa num nível superior, unindo-se com todas organizações populares combativas, visando construir a aliança operário- camponesa. O Encontro culminou com a formação do Movimento Camponês Corumbiara — MCC.
Foi discutido e aprovado um plano de formação política para as lideranças, que firmavam o compromisso de avançar no caminho da luta combativa contra o poder burguês e latifundiário, contra o caminho da conciliação (do qual fazem parte o Movimento dos Sem Terra–MST, Fetagro, Movimento Pequenos Agricultores-MPA etc.). O MCC surgia para dar continuidade à heróica resistência de Santa Elina.
“Juramos pelo sangue derramado dos nossos companheiros na Fazenda Santa Elina, levar a qualquer custo a luta pela terra, pela democracia, justiça e trabalho até a vitória final.” Este foi o juramento feito no ato de fundação do MCC em 25 de fevereiro de 1996.
E, de fato, tais decisões começaram a ser aplicadas. No dia 21 de julho de 1996, menos de um ano após os acontecimentos de Corumbiara, foi tomada a fazenda Primavera, em Theobroma. Esta ação se deu em meio à histeria dos oportunistas e dos vacilantes dentro do movimento, que defendiam não ser possível realizar tomadas de terra naquele momento, que era melhor deixar “esfriar” a situação. Alguns se escondiam atrás dos feitos da resistência, mas na verdade eram contra novas tomadas de terra porque temiam a repressão do Estado.
Essa tomada deu origem ao acampamento Manoel Ribeiro (homenagem a Nelinho) e levantou alto a bandeira de “Viva a heróica resistência dos Camponeses de Corumbiara”.
Em setembro de 1996 realizou-se o Grito dos Excluídos, em Jaru, evento organizado pela Comissão Pastoral da Terra, que contava com a participação de entidades como Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Fetagro, MST, MPA etc. A participação do MCC serviu para confrontar com as posições oportunistas de conciliação e ilusão com os projetos do Estado. Semanas após, ocorre uma grande manifestação em Porto Velho, durante o 4º Grito da Terra Brasil. Em novembro de 1996 o MCC decide apoiar a tomada da fazenda Lorenzetti, em Vilhena, sul do estado. Em 1997 é organizado o acampamento Resistência, na fazenda Santa Bárbara, em Machadinho D´oeste.
Em fevereiro de 1997 é realizado o 2º Encontro do MCC em Theobroma, que representou o acirramento da luta por seguir o caminho combativo. Algumas lideranças foram afastadas neste encontro por capitular na luta e buscar o caminho da conciliação. Era o início de um processo de depuração do movimento camponês.
O desenvolvimento destas lutas vai resultar na conformação de dois campos no seio do MCC: o primeiro formado pelos que afirmavam o caminho de Santa Elina; o segundo, que representava a traição, a negação da luta, que degenerava em banditismo para passar depois à conciliação com o Estado.
Representados por Claudemir e Adelino Ramos, este grupo passou a utilizar práticas de caudilho, recorriam a intimidação e ameaças de morte contra os camponeses para manter seus interesses individualistas e enriquecer às custas das massas. O “bando do Gordinho” como ficariam conhecidos estes elementos, entrou pelo caminho sem volta da degeneração, o que se confirmou mais tarde com o papel que cumpriram Claudemir, o Pantera e Adelino Ramos, o Dinho, como vis informantes da Policia Federal e do latifúndio na ânsia de atacar o movimento camponês combativo. Também se notará que a vinculação destes elementos com o PT e com setores da igreja católica (alguns padres de Osasco fundaram um Comitê de Solidariedade ao MCC) vai se tornar cada vez maior. O caminho que eles seguiram levou para os braços do oportunismo eleitoreiro do PT e PC do B.
No inicio de 1999, as lideranças que sustentaram a posição combativa se reuniram no 3º Encontro do MCC, onde ficou patente a divisão da direção do movimento. Em seguida, num Seminário de estudos na Escola da Barragem, os camponeses fizeram um balanço de toda luta contra os elementos oportunistas, condenando a prática de banditismo de Claudemir e Adelino. Diversas lideranças camponesas defenderam com firmeza inabalável os princípios do movimento de ‘servir ao povo’, ‘sustentar em nossas próprias pernas’ e ‘lutar por um mundo justo’. Decide-se expulsar o oportunismo do MCC. Desta reunião histórica para o movimento camponês de Rondônia, participaram camponeses pobres de várias áreas, além de estudantes e professores convidados, que ao final de uma semana de estudos e debates, decidem sobre o desenvolvimento da Escola Popular e pela criação da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia — LCP. Num ato em Jaru, com a participação de centenas de camponeses pobres de Corumbiara, Espigão, Theobroma, Jaru, Machadinho e outras cidades, foi fundada a LCP-RO.
Realizando um trabalho em diferentes áreas, conformando grupos de base, denunciando todas as ações do bando que se tornou o MCC, foram levantadas as principais reivindicações e anseios das massas camponesas. Nestas reuniões discutia-se de forma democrática e popular os alicerces de um Programa Agrário que pudesse servir de guia para uma justa transformação agrária e promover a união com a luta dos operários e todo o povo por melhores condições de trabalho e vida. O uso da Cartilha de ocupação dará origem à primeira tomada de terra com corte dos lotes pelos próprios camponeses. No acampamento Nosso Caminho, município de Espigão do Oeste, foi decidido não esperar mais pelo Incra, nem pelo governo, sendo conquistados 40 lotes.
Neste mesmo ano acontecem ocupação em prédios do Incra e prefeituras e a tomada de uma patrol (trator) da prefeitura de Anari para realizar abertura de estradas em uma área. A partir da ocupação do Incra em Machadinho, a repressão passou a atacar de forma mais dura. Para intimidar perseguiam, prendiam camponeses e abriram processos com intuito de destruir a organização. No final de 1999, após concluir o levantamento sobre os principais problemas enfrentados pelos camponeses pobres nas áreas, realiza-se em Machadinho, na escola da Barragem o 1º Congresso da LCP, cujo objetivo era eleger uma nova direção para o Movimento Camponês combativo e definir um Programa Agrário. Este Congresso foi expressão e conformação do caminho revolucionário no movimento camponês, a partir de uma definição mais clara de seus objetivos e afirmação dos princípios.
Para marcar a data de cinco anos da resistência em Santa Elina, em 2000, a LCP organizou uma grande manifestação na cidade de Corumbiara. Mais de 500 pessoas assitiram à atividade teatral que exaltava a resistência; muitos dos camponeses participantes da resistência de Santa Elina estavam presentes.
O 2º Congresso da LCP, em 2000, em Corumbiara, e o Conselho de Delegados em Machadinho, no início de 2001, representaram um avanço na organização do movimento, materializado na consolidação de um plano geral de lutas que traduzia os principais anseios dos camponeses pobres: conquistar a terra, desenvolver a produção com a formação de Grupos de Ajuda Mútua – GAM, e luta contra a intromissão do Ibama nos lotes apareceram como problemas principais a serem enfrentados.
A Cartilha de ocupação ou 5 passos para tomar a terra do latifúndio, que orientava a nova forma de organizar a luta camponesa, voltou a ser aplicada com sucesso na organização da tomada de terra em Corumbiara, na fazenda Guarajús. Durante mais de três meses foram organizadas cerca de 200 famílias, que discutiram o conteúdo e a forma de organizar as tomadas de terra, comissões, autodefesa, tudo baseado em grupos de dez famílias onde todos tinham tarefas. Apesar deste trabalho e após um longo período de resistência, as famílias foram despejadas pela PM, favorecida por erros da direção, que subestimou a força dos latifundiários nesta área. Neste mesmo ano, dezenas de tomadas de terra influenciadas pela linha combativa ocorreram em todo estado, a maioria espontânea. Muitas delas pedem o apoio da LCP, num claro sinal de referência na sua direção. Apesar da desorganização, estas tomadas são importantes porque golpeiam o inimigo pedaço por pedaço. O movimento percebeu tal importância, e lançou a consigna: Camponeses de Rondônia, tomem todas as terras!, refletindo a preocupação em acelerar a destruição do latifúndio.
PERSEGUIÇÕES E PROVOCAÇÕES DO LATIFÚNDIO NÃO CESSAM
O aumento das tomadas de terra e a ameaça que representa o avanço da organização camponesa, obrigou o inimigo a fazer novas prisões, intimidações e tentativas de assassinato para desmontar a organização. Várias lideranças foram presas ou processadas, numa demonstração de que representavam ameaça aos interesses do latifúndio.
Entre o período que antecede o 2ºCongresso até o Conselho, são organizados os acampamentos Bandeira Vermelha, em Machadinho; Eldorado dos Carajás, em Theobroma; e iniciam a tomada da fazenda Limajuti (acampamento Gonçalo), em Anari. Todas estas ações vão resultar em confrontos com pistoleiros, processos, despejos ou prisões de coordenadores e ativistas. Desenvolvem-se as comissões de denúncia das perseguições; o trabalho de panfletagem ganha importância na defesa política das posições da LCP. Tais necessidades obrigam a maior e melhor funcionamento das atividades dos coordenadores, as reuniões tornam-se mais freqüentes, os estudos tornam-se comuns em todas as reuniões, para orientar a prática e resolver novos problemas que se apresentam.
O campesinato pobre se mobiliza na luta pela libertação de seus companheiros presos e consegue arrancá-los das garras do Estado com manifestações combativas.
Em 2003 o governo seguiu reprimindo, novas prisões ocorreram em função do acirramento da luta. Durante o primeiro semestre os latifundiários promoveram ataques com bandos de pistoleiros armados em várias áreas, algumas de atuação ou de influência da LCP. Os camponeses Ozéias, em Jacinópolis; Ivo, em Cacaulândia; o casal Antônia e Serafim, em Montenegro; e o presidente da Associação de pequenos produtores de Cujubim, Edgar, são assassinados por pistoleiros. Os responsáveis são os latifundiários Carlos Schumann, Catâneo e Antônio Martins, “o Galo Velho” (nesta ordem), que continuam impunes. No segundo semestre foram presos mais de 40 camponeses em luta pela terra em todo o Estado de Rondônia.
A acusação da imprensa a serviço do latifúndio é de que todos na luta pela terra são bandidos, forma encontrada para descaracterizar e caluniar a justa luta dos camponeses pobres. Os companheiros Caco, Joel e Russo, mesmo com testemunhas afirmando que eles estavam em outro local, são presos sem provas, acusados injustamente pela morte de um pistoleiro nas proximidades do acampamento São Bento.
A PM invadiu e saqueou a sede do movimento em Jaru, além de ampla campanha na imprensa reacionária.
A resposta foi dada com a organização de um movimento de defesa dos presos políticos, com a denúncia dos abusos cometidos pela PM e outros órgãos do estado. A campanha de denúncias atingiu caráter nacional e contou com o apoio de entidades classistas, intelectuais, estudantes, funcionários públicos, juízes e advogados que se levantaram em defesa da luta pela terra como direito dos camponeses pobres.
Em meio aos ataques, inicia-se em setembro de 2003 a preparação do 3º Congresso da LCP, que lança as consignas: O povo quer terra , não repressão!; Pela libertação dos presos políticos!; eToda terra aos camponeses pobres!; consignas que expressam os interesses dos camponeses que se lançaram com todas as forças para garantir a realização do Congresso. Após dois meses, lutando contra todas dificuldades e contando com as próprias forças, os camponeses pobres realizam um congresso triunfante, que marca a derrota dos planos do inimigo de destruir a sua organização. Os processos contra diversos camponeses continuam abertos, sendo que Russo (24 anos) foi condenado a mais de 2 anos. A juíza encarregada de julgá-lo, utilizou fatos ocorridos há mais de quatro anos (uma briga numa festa) para esconder o verdadeiro motivo da sentença: Russo foi preso por estar lutando por um pedaço de terra.
Caco e Joel estão aguardando em liberdade, mas sabem do interesse do latifúndio em condená-los e não têm ilusões com a justiça do latifúndio.{mospagebreak}
NASCE A LCP
A luta por conformar uma organização camponesa de novo tipo tem sido titânica e custado muitos sacrifícios do campesinato pobre de Rondônia como do resto do país. A reação e seu lugar-tenente, o oportunismo, vociferam chamando a LCP de radical, violenta e inconsequente. Mas, por que a LCP é chamada de movimento camponês de novo tipo? O que de fato trouxe de novo ou resgatou nas práticas corretas que estavam soterradas pelos montes de lixo do oportunismo? Nas áreas onde atua, a LCP é chamada para ajudar não apenas no complexo problema da luta contra o latifúndio, mas para resolver problemas simples como brigas entre vizinhos, casamentos, separações etc. O campesinato organizado na LCP constrói escolas, estradas, cuida da saúde. Muitas vezes exigem providências do Estado, mas sabem que não podem contar com o que está podre. Seguem construindo o novo.
AS MASSAS DECIDEM TUDO
As Assembléias são a forma suprema de decisão e de governo, nela participam todos os membros das famílias camponesas. Nas áreas onde já estão instaladas, as famílias são convocadas com antecedência e nos acampamentos comumente se realizam semanalmente. Ao chamamento de “Assembléia, Assembléia!”, os camponeses vão se aproximando do barracão de reuniões ou da escola. Os coordenadores puxam palavras de ordem e as músicas Conquistar a Terra, O risco, Bela Ciao. Apresenta-se a pauta da Assembléia e se alguém desejar discutir um assunto não previsto, pede sua inclusão.
Nestas reuniões se delibera sobre toda a vida coletiva da área ou acampamento. Tratam dos problemas relativos à produção, o funcionamento das escolas, problemas de saúde, o andamento de negociações com órgãos do Estado, processos, organização de manifestações, da autodefesa etc. Os assuntos são apresentados pelo responsável de cada tarefa e depois todos podem opinar, dar sugestões, apresentar propostas. Depois da discussão, tudo é submetido a votações e a decisão da maioria é que passa a valer.
A Assembléia também delibera sobre problemas de conduta dentro e fora do acampamento: alcoolismo, prostituição, desentendimentos entre companheiros etc. É nas assembléias que os camponeses reconhecem a validade dos casamentos. Portanto, é o órgão máximo de poder em que as decisões são tomadas coletivamente.
Em julho deste ano realizou-se no acampamento em Colina Verde uma assembléia com cerca de 100 camponeses pobres para decidir sobre duas questões importantes: o corte da terra (e sua distribuição) e sobre a relação com os apoiadores (pequenos e médios comerciantes, taxistas, funcionários públicos, profissionais liberais que contribuem mensalmente para a sustentação dos acampamentos). Nestas ocasiões os camponeses exigem que os membros da coordenação estadual estejam presentes, isto é de grande importância, porque é o reconhecimento das decisões por parte da organização dos camponeses. Nenhum camponês chamou o Incra ou prefeitura, mas a LCP, para decidir sobre problemas importantes.
A COOPERAÇÃO NA PRODUÇÃO
A preocupação imediata em todas as tomadas de terra é produzir o mais rápido possível, para garantir o sustento dos camponeses e suas famílias. A necessidade de se apoiar um no outro faz com que o trabalho coletivo ou ajuda mútua sejam utilizados em quase todas as atividades. Roçar, derrubar, queimar, plantar, colher, preparar o solo tudo tem sido realizado coletivamente.
Nestas áreas existem diferentes níveis de organização da produção. É comum o trabalho de ajuda mútua em grupos pequenos, de 3 ou mais pessoas, realizado com troca de trabalho entre vizinhos, conhecidos, amigos etc. As formas mais complexas de produção em grupos realizada no acampamento Lamarca mostram possibilidades de maior desenvolvimento dos Grupos de Ajuda Mútua. Nesta área formaram-se dois grupos grandes, com 25 e 40 famílias.
Estes grupos prepararam grandes áreas. Todo o trabalho é coordenado por um responsável, que estabelece os horários, cuida da disciplina, controla o ritmo. Ao final do trabalho, é realizada a avaliação onde são feitas as críticas e levantados os pontos positivos e negativos das atividades. No final da colheita o total produzido é dividido entre os camponeses segundo a quantidade de horas trabalhadas. (Exemplo: num total de 1.000 kg produzidos em 100 horas, 1 hora equivale a 10 kilos).
Cada membro recebe de acordo com o que trabalhou (quem controla é o responsável pelo grupo), assim quem trabalha mais recebe mais. Quem trabalhou 50 horas (não importa o trabalho realizado, se foi plantio, roçada, colheita, tudo tem o mesmo valor) receberá em produção 500 kg (segundo o exemplo dado). Na última colheita a produção superou as expectativas.
Outro dado importante é que dos 30 dias do mês, 10 são dedicados ao trabalho do grupo de produção, 10 para a sustentação do acampamento, e 10 dias são livres para ser usados por cada membro, como participação em reuniões, manifestações, comissões e mesmo em trabalhos fora do acampamento. Quase todos os trabalhos são realizados manualmente, com enxada, foice, cutelo, ou seja, os instrumentos de produção mais avançados ainda estão nas mãos do latifúndio.
Um dos grandes desafios é o de evitar que a produção seja sugada pelos atravessadores por preços baixos. Muitas vezes eles ganham de 50% a 100% entre a compra da produção camponesa e a venda para o mercado consumidor. Outro problema é de como transportar a produção para as cidades, pois em muitas áreas não existem estradas, ou, se existem, são precárias. Os camponeses se organizam em ajuda mútua até para construir vias para escoar seus produtos como pequenas estradas ou carreadores (estrada estreita aberta por madeireiros que servem na retirada de toras). É a única forma encontrada para não perder a produção.
AS ESCOLAS FAMÍLIA CAMPONESA
O trabalho de criação de escolas no campo, que sirvam aos camponeses pobres, tem sido um rico aprendizado em Rondônia. A discussão sobre a necessidade de construir a Escola Popular ganhou apoio de professores e estudantes voluntários que se deslocaram para esta área com o objetivo de impulsionar o trabalho de educação. Desde o começo a escola transformou-se em centro propagador de novos valores culturais, morais, ideológicos e políticos.
Através da experiência concreta e do estudo, as atividades da escola têm se baseado na linha de integrar o estudo com a prática social, ou seja, com a investigação científica, com a produção e a luta dos camponeses por sua libertação. Apesar de todas as dificuldades que enfrenta para seguir adiante, a escola popular tem sido um instrumento fundamental para toda a luta dos camponeses por seu progresso geral, uma verdadeira aprendizagem de como se autogovernar. A construção e desenvolvimento das escolas no campo é, depois da conquista da terra, a mais importante aspiração das famílias camponesas. As dificuldades que as massas e os partidários da Escola Popular enfrentam, e ao mesmo tempo, o ânimo e apoio das famílias para com ela, faz do desafio de construir e sustentar estas escolas a necessidade de um grande movimento pela Escola Popular.
A escola da Barragem, em Machadinho do Oeste, que iniciou suas atividades em 1997, desenvolveu um importante trabalho e foi uma grande experiência. Organizou um grande sistema de produção que, sozinha, abasteceu de ovos a cidade de Machadinho.
Desenvolveu atividades integradas de educação e aprendizado técnico e funcionava num sistema de alternância, no qual os alunos passavam quinze dias na escola e quinze dias em casa, trabalhando com a família. O sustento da escola era garantido pelas famílias dos alunos, pelos demais camponeses da área e pela produção desenvolvida pelos alunos e professores.
A Escola contribuiu para a for mação de várias lideranças dos movimentos camponês e feminino; de professores e técnicos; além de contribuir para a politização de homens, mulheres e crianças de toda a área. A Escola da Família Camponesa, em Machadinho do Oeste, tem enfrentado enormes dificuldades, principalmente com perseguições e provocações feitas pelos latifundiários e seus agentes. Por causa de sua atuação, tornou-se alvo do ódio de políticos e do aparelho repressivo do Estado, que por diversas vezes tentaram acabar com a escola e a propaganda difamatória contra ela é permanente.
Durante todo o tempo em que unidades do 5º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) do Exército esteve na região, fez constantes incursões armadas na área da escola para intimidar professores e alunos. A escola tem sido ainda alvo de constantes investidas da Polícia Federal. Esta experiência necessita de modificações para retomar suas atividades e seguir em frente, servindo a causa do povo da região.
A escola em Corumbiara sofre igualmente ataques sistemáticos dos oportunistas do PT, do aparato repressivo estatal e seu sistema jurídico. Apenas para exemplificar, a escola enfrentou ataque da polícia militar, acompanhada pelo conselho tutelar, “preocupado” com o futuro das crianças, que em “visita inesperada” quebrou banheiros em busca de armas, agrediu um professor da escola, tentou intimidar pais e crianças e completou sua tarefa com matéria na imprensa local sobre a escola que fazia guerrilha”, “subversão” e etc.
A simples existência da escola do movimento camponês é motivo para a ação integral do latifúndio em todas as relações onde o aparato estatal é apêndice de grandes proprietários fundiários. Para estes senhores “feudais”, a organização camponesa nas franjas de seus reinos é uma afronta.
Reivindicação permanente dos camponeses, a escola mobiliza a todos desde a sua construção material até sua perspectiva de ensino e luta, onde seu vínculo explícito com o movimento camponês significa a busca de combinar o estudo com a dura realidade dos que lutam pela terra tendo à frente um caminho novo, onde a Batalha de Santa Elina se inclui na história a ser estudada nas salas de aulas cheias de esperança, a despeito da existência ou não de paredes e portas.
O NOVO PASSO A PASSO
Com uma boa dose de conciliação, sempre existe um deputado bonzinho ou uma ONG dispostos a colocar um cabresto dourado em qualquer organização popular, e a LCP sabe disso. Esta compreenção motiva seus membros a buscarem soluções próprias. Por exemplo, as Escolas poderiam ser bem equipadas, com professores bem pagos, desde que ensinassem as maravilhas do agro-negócio, da agricultura familiar e do paradoxal “latifúndio produtivo”, no lugar da ajuda mútua, do andar com as próprias pernas e da necesidade da destruição do latifúndio. O jeito é contar com voluntários, que acreditam na luta, sustentar a escola com produção, criar soluções, mas manter a coluna erguida.
Ninguém ouvirá um membro da LCP falando de reforma agrária. Todos sabem que ela é papel do Estado e que o Estado do latifúndio não a fará, que só com o fim do latifúndio os camponeses terão terra. As Assembléias não foram invenção da LCP, mas cada vez mais se caracterizam como governo de um embrionário Estado que cresce passo a passo. A falácia esquerdóide de que depois da tomada do poder tudo se resolve caiu por terra, os camponeses sabem que o novo poder deve ser construído, defendido e ampliado palmo a palmo, etapa por etapa, e este é o único caminho para seu crescimento.