A tentativa de reconstrução de 1962 – O desvio de direita no Partido Comunista do Brasil – parte II

Nota do blog: Este artigo é a continuação (parte II) do já publicado “O desvio de direita no Partido Comunista do Brasil”. Desta vez, o artigo analisará o processo de reconstrução de 1962 – que culminou na constituição do PCdoB, à época, revolucionário –, além das várias cisões e a criação dos vários partidos comunistas e organizações armadas (PCR, PCdoB-AV, ALN, MR-8, VPR, etc.), e o processo de degeneração e capitulação dos mesmos até os dias atuais. O texto é fundamental para compreender o atual cenário do movimento comunista brasileiro e a sua solução: a reconstituição do histórico e verdadeiro partido do proletariado, o Partido Comunista do Brasil. Publicado originalmente pelo jornal A Nova Democracia, em maio de 2004. Por Luiz Carlos Carcerelli.


A tentativa de reconstrução de 1962 – O desvio de direita no Partido Comunista do Brasil – parte II

Com a consolidação das posições oportunistas, o reformismo histórico reforçado pelas concepções revisionistas de Kruschev, originadas no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956) e sistematizadas no XXII Congresso (1961), a maioria dos quadros revolucionários da direção do Partido Comunista decide que não há mais nada para fazer na convivência com os reformistas e conclamam a Reconstrução do PCB. Vanguardeados por quadros como Maurício Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas, Calil Chade e outros, em 1962 é realizada a conferência de reconstrução, que resgata o nome histórico do partido e assume a sigla PCdoB para se diferenciar.

Com o golpe militar de 1964 e a consequente capitulação do Comitê Central do PCBrasileiro, outros quadros como Marighella e Mário Alves reconheceram o que há muitos anos já era mais que evidente e denunciado, e também rompem com a agremiação liderada por Prestes, organizando, respectivamente, a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Ainda surgirá outra agrupação com o nome de Dissidência da Guanabara e que a partir de 68 se denominará MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Estas três organizações, juntamente com outras como VPR (Manifesto da Vanguarda Popular Revolucionário), sob a forte influência das concepções castristas, guevaristas e de Régis Debray, realizarão ações armadas principalmente urbanas, contra o regime militar fascista.

Ainda que o PC (agora sob a sigla PCdoB) tenha se aproximado de concepções justas, como o Pensamento Mao Tsetung (como se denominava o maoísmo à época) e a linha de guerra popular prolongada, não levou a fundo o combate ao revisionismo e ao oportunismo e não pôde compreender de forma ampla as origens dos mesmos nas fileiras do movimento comunista brasileiro. Seguiu reivindicando o IV Congresso do PCB como um congresso revolucionário, mantendo a mesma concepção oportunista sobre o caráter e papel da burguesia nacional. Além do que, tomado pelo sectarismo e dogmatismo que herdara da velha direção — sua característica particular — não esgotou a luta ideológica sobre um conjunto de questões.

Embora já sob a influência das concepções ideológicas defendidas pelo Partido Comunista da China, a direção dogmática do PCdoB não soube assimilar um dos elementos mais destacados do pensamento maoísta, a luta de duas linhas, método para se travar a luta interna, tratando as contradições no interior do partido, a partir do enfrentamento da linha vermelha com a linha não proletária, a fim de estabelecer uma férrea unidade num patamar mais elevado. O sectarismo e impedimento da luta de duas linhas no interior do partido levaram, por um lado, a que quadros rompessem com a direção, conformando o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e o Partido Comunista do Brasil — Ala Vermelha (PCdoB-AV), ambos surgidos em 1966. Por outro, conduziu à convergência de posições ambíguas e ao ecletismo ideológico no interior da organização. A este fato devem-se as sucessivas mudanças nas definições ideológicas que ocorreram nos anos seguintes: Pensamento Mao Tsetung e sua negação, alinhamento total com a Albânia e sua negação, stalinismo e sua negação e, no político, luta armada e sua negação, da crítica ao eleitoralismo ao legalismo e cretinismo parlamentar.

AÇÃO POPULAR MARXISTA-LENINISTA

Naquele período outras organizações também buscaram basear suas concepções ideológicas no maoísmo, que com os duros combates ao revisionismo moderno de Tito (Iugoslávia) e Kruschev (URSS) e o desencadeamento da Grande Revolução Cultural Proletária na China, havia se elevado em uma nova, terceira e superior etapa do desenvolvimento do marxismo. Por sua particularidade de origem merece destaque a APML (Ação Popular Marxista-Leninista). Esta organização se origina não no seio do Partido Comunista, mas do rompimento com o cristianismo revolucionário e foi a que mais transferiu militantes para o campo. Com presença marcante no movimento estudantil, elaborou importantes documentos doutrinários em que defenderam o maoísmo como uma terceira etapa do desenvolvimento do marxismo. Vendo no PCdoB a possibilidade de se avançar na construção do Partido Comunista, parte da APML incorpora-se a ele.

Longe de fortalecer as concepções que vinha desenvolvendo, a incorporação irá afastá-las, pesando também a influência de sua origem. A inevitável derrota da guerrilha do Araguaia e a queda da reunião do Comitê Central na Lapa (São Paulo, 1976) abrem caminho à capitulação, que se gestava. Já na época era marcante a presença de quadros vindos da APML no Comitê Central, logo se tornando maioria na direção do amontoado revisionista-oportunista em que se converteu o PCdoB.

A parte que não aceita a incorporação ao PCdoB e segue em frente como maoísta — a qual pertenciam Paulo Wright e José Carlos Mata Machado — foi praticamente dizimada pela repressão e os sobreviventes não sustentaram as definições da organização e diluíram-se mais tarde no PT.

O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL ALA VERMELHA

O PCdoB-AV surge a partir do retorno de um grupo de quadros do PCdoB que estavam na República Popular da China. Esse grupo entra em choque com concepções e posições expressas em documentos preparatórios para a sua VI Conferência, como União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista, o qual já trazia o gérmen da capitulação. Em seu documento Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo da União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista tece justas críticas ao documento laborado pela direção do PCdoB, mas, acaba por defender a “teoria do foco”, com imediata passagem à luta armada. Esta posição é autocriticada em 1969, com a publicação do documento intitulado Os 16 pontos, onde se avalia que a luta armada seja encarada a partir de uma linha de massas. Propõe-se então um profundo trabalho com as massas fundamentais da revolução: o proletariado e o campesinato. O cerco do inimigo já era grande e sucessivas quedas, particularmente na direção, impedem a continuidade do processo e que por fim, nos anos vindouros, dilui-se entre o PT e o grupo denominado PCAV.

PCR E A CARTA DE 12 PONTOS

Também oriundo do processo de reconstrução de 62 (PCdoB), o PCR (Partido Comunista Revolucionário) é quem mais profundamente levou a luta contra o reformismo no partido. Chefiado por Manoel Lisboa, que ao participar do processo de 62 manteve-se numa posição de combate irreconciliável com o revisionismo e o oportunismo, identificava a resistência de concepções cujo fundo era o velho oportunismo, que se manifestava no reconhecimento do IV Congresso como revolucionário e na manutenção da sua concepção errônea sobre a burguesia nacional. Sustentando divergências com as formulações da direção do PCdoB, Manoel Lisboa lidera a conformação do PCR e se organiza principalmente no Nordeste.
Porém, o PCR não conseguiu impedir que a repressão liquidasse seus principais quadros antes da criação de condições para seu pleno desenvolvimento. O centro de toda a elaboração do PCR é a Carta de 12 pontos aos comunistas revolucionários, que embora seja imbuída do espírito da luta contra o revisionismo, deixa uma lacuna importante. Naquele período, ainda efervescia a maior batalha ideológica da história, liderada pelo Partido Comunista da China e sua chefatura Mao Tsetung contra o revisionismo moderno, kruschevista e contra o social-imperialismo soviético. Vivia-se então o início da Grande Revolução Cultural Proletária, mas os documentos do PCR não colhem e nem expressam a agudeza desses embates. Não se vê expressamente nos documentos o combate ao social-imperialismo ou mesmo referência a esse conceito. Além disso, não se atentou para necessidade de se abordar em profundidade a experiência mais avançada da luta de classe do proletariado, a Grande Revolução Cultural Proletária.
Essa incompreensão, que não deixou de representar séria limitação, foi um fator importante, que impossibilitou este processo de seguir adiante. Contudo, o curto tempo de atividade teórica e prática do PCR sob a direção de Manoel Lisboa foi extremamente profícuo e legou importantes aportes à causa revolucionária em nosso país, particularmente do ponto de vista teórico. Em documentos como Esboço Número 1 e Número 2, expôs em forma de síntese uma profunda crítica ao reformismo do PCB sob a direção de Prestes e que “as decisões do XX Congresso do PCUS apenas deram cobertura jurídica ao reformismo no Partido.” Elaborou ainda projetos de construção do “Exército Popular” e de um “Serviço de Informação Popular”.
A Carta de 12 pontos é uma síntese em que é sistematizada a análise de classes de nossa sociedade e a correlação entre elas.
Formula que as forças revolucionárias fundamentais são o proletariado, como força dirigente; o campesinato, como seu aliado principal; os estudantes e intelectuais, podendo contar ainda com setores da burguesia nacional (média burguesia), apontando seu duplo caráter de oprimida pelo imperialismo e temente à revolução popular.
Define a revolução como democrática antiimperialista, sendo a primeira etapa da luta pelo socialismo no Brasil.
Demonstra, ainda, que a aliança operário-camponesa, tão formalmente concebida pelos oportunistas, só pode se materializar quando elementos portadores da ideologia do proletariado (o Partido Comunista) se dirigem ao campo, se fundindo com o campesinato em sua luta pela terra e elevando a compreensão deste para formas superiores de luta, através da guerra popular prolongada, que se desenvolve segundo a estratégia de cercar a cidade a partir do campo. Como síntese de seu pensamento, Manoel Lisboa afirmava que “o cerne da estratégia do proletariado e de seu partido é a guerra popular através da guerra de guerrilhas.” Mortos os seus principais dirigentes, assassinados pela ditadura militar, a exemplo de outras organizações, o PCR converteu-se ideologicamente, capitulou de suas posições revolucionárias e incorporou-se ao MR8 em 1981.

UM ERRO FUNDAMENTAL

O PCdoB, o PCR e o PCdoB-AV, além de outras organizações, avaliaram ser a contradição principal a que opõe a nação brasileira e o imperialismo (sustentado internamente pelo gerenciamento militar) e não a contradição entre latifúndio e camponeses pobres. Tal erro levou a outros, que isolaram as forças revolucionárias e dificultaram o avanço da luta. Da mesma forma que o modelo da insurreição russa havia impregnado as concepções da velha direção do PCB, o modelo de guerra popular estabelecido pelo Partido Comunista da China (PCCh), sob a chefatura de Mao Tsetung, passa a ser copiado e adaptado de forma mecânica à realidade brasileira. É definida a estratégia em que o campo é principal, porque ali as forças inimigas eram mais débeis e o terreno mais propício para a defesa, e não por se manifestar no campo a contradição principal. Isto levou a erros como a escolha da região do sul do Pará (Rio Araguaia) como área principal para o início e desenvolvimento da luta armada pelo PCdoB, desprezando o Nordeste, onde se concentrava o campesinato, inclusive com maior experiência e tradição de luta, e a definição posterior pela estratégia foquista por parte do PCdoB-AV.
Outra derivação do erro ao definir a contradição principal foi uma superestimação do que representava, de fato, o gerenciamento militar. O governo fascista implantado com o golpe de 1º de abril de 1964 era tratado como força de ocupação interna do imperialismo e como a própria ditadura de classe da grande burguesia e do latifúndio, não como a forma de gerenciamento que melhor se adaptava a estes interesses em dado momento. A confusão entre Estado e forma de governo levou à crença de que, derrotados os generais de plantão, estaria derrotado o imperialismo e, resolvida como contradição principal, o país entraria numa era de progresso e desenvolvimento.
A saída dos militares do executivo não determinou o fim da dominação imperialista nem o fim do latifúndio ou do capitalismo burocrático. Ao contrário, o domínio se aprofundou. No entanto, a inevitável capitulação dos formuladores e defensores desta linha os levou, nos dias de hoje, ao centro do aparelho do Estado reacionário, convertendo-os em agentes diretos desta mesma dominação.

CAPITULAÇÃO E VOLTA AO OPORTUNISMO

O fato concreto é que nos anos 70 as forças revolucionárias foram aniquiladas e o que sobreviveu converteu-se ideologicamente, retornando ao campo do revisionismo e do oportunismo eleitoreiro.

Com a derrota da guerrilha do Araguaia, onde foi aniquilada a maioria dos quadros revolucionários do Partido Comunista, e com a queda da reunião do Comitê Central, em que foram assassinados pelo Exército, Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drumond, ocorre, talvez, a maior guinada à direita da história do PC e a partir daí, queda livre para o pântano do oportunismo e do revisionismo, onde chafurda o Pecedobê de hoje.

Os dirigentes que sobreviveram, encabeçados por João Amazonas e por remanescentes da APML, como o atual presidente da agremiação, Renato Rabelo, arbitrariamente, puseram uma pedra sobre a apenas iniciada discussão de balanço da experiência do Araguaia, marcando com isto o início de uma virada à direita, num transformismo ideológico que começa pelo abandono do pensamento de Mao Tsetung, seguido pelo repúdio ao “hoxismo” (do albanês Enver Hoxha), pelo esquecimento envergonhado da defesa do “stalinismo” e termina na crítica mais ou menos velada a Stálin e Lênin, renegando, em seu VIII Congresso, as últimas formalidades do comunismo que lhes restavam.

O IX Congresso, 1997, segue o mesmo caminho, que não mais será alterado. No capítulo IV da resolução política deste congresso, intitulado A força decisiva da revolução e da construção do socialismo, faz uma tentativa de formulação teórica que só vem confirmar e aprofundar a posição revisionista da agremiação. Vejamos alguns trechos:

Indubitavelmente o PCUS degenerou. A derrota do socialismo começou precisamente com a degeneração dessa organização de vanguarda. Ainda nos tempos de Stálin apareciam sérios indícios. O PCUS burocratizava-se, desligava-se da classe operária e das amplas massas populares, caía na rotina e no formalismo, estimulava a fé supersticiosa nos dirigentes, em especial na pessoa de Stálin, e membros do Birô Político.

Santo poder de síntese, em apenas um parágrafo “descobrem” uma novidade nunca antes percebida: o PCUS degenerou. E outra ainda mais surpreendente: a derrota do socialismo começou por conta disso. Depois de tamanha perspicácia, só faltava assumir a autocrítica envergonhada de stalinismo, de fé supersticiosa nos dirigentes. Para demonstrar o fim da superstição, o hoje ministro Aldo Rebelo raspou o bigode, cultivado desde os tempos de estudante.

Onde encontramos uma análise marxista? A quem servia a degeneração do PCUS e a “… derrota do socialismo…?” A que interesses de classe correspondiam? A única explicação que temos é uma versão light do culto à personalidade: o despreparo de Kruschev para “o cargo”, “tipo aventureiro e oportunista, não tinha condições político-ideológicas para assumir o posto.” Portanto, a explicação científica para a restauração do capitalismo na URSS é resolvida em duas linhas: o culto à personalidade, a degeneração do partido e a insuficiência político-ideológica de Kruschev. Ora! A mais perfeita explicação burguesa da história! Kruschev até gostaria de manter e aprofundar o socialismo, porém sua precária formação político-ideológica não permitiu. E os bolcheviques? O proletariado? Os camponeses? O povo? Assistiram?

Mais à frente o documento afirmava que se entrava em “Nova fase na vida do Partido”. Afirma o Pecedobê:

 … o Partido vive um período de intensa atividade no plano teórico-ideológico. Reformula conceitos e políticas ultrapassadas e desenvolve pensamento criador relacionado com problemas brasileiros da revolução social. 

Desnecessário afirmar que o que se considerava ultrapassado eram os últimos vestígios de marxismo, como a defesa de Stálin, e que o “pensamento” só tentava criar condições para “aumentar os espaços democráticos”, ou seja, arrumar mais cargos aqui e ali. Vejamos:

Grande importância tem o trabalho extraparlamentar. Nesse trabalho, os deputados e vereadores precisam manter estreito contato com as massas, marcar presença nos movimentos populares e informar o Partido de suas atividades… Autorizados pelo Partido, comunistas exercem funções nesses órgãos (executivos estaduais e municipais) de tendência democrática ou de esquerda. 

Depois, qualificando-se para a tomada do poder, já que vêm “… dando mostras de capacidade administrativa democrática em muitos locais…”, nos cargos que barganham ou para onde são eleitos.

 Apesar disso, as correntes de esquerda crescem, aumentam sua influência na sociedade, vão dando mostras de capacidade administrativa democrática em muitos locais… 

Deve-se admitir que esta política foi amplamente vitoriosa, pois, de barganha em barganha e de muita “mostra de competência”, chegou ao centro do aparelho de Estado — de carona com o PT, é bem verdade que a princípio apenas com o poderoso ministério dos esportes, mas agora, Aldo Rebelo, já de bigode novo, tornou-se “Ministro da Articulação”. Afinal um bom barganhador não pode apenas comprar o desgaste dos parceiros sem ganhar nada em troca. O Pecedobê hoje — entre as lembranças dos feitos heróicos passados, utilizados somente para contar vantagem e segurar na agremiação gente jovem e que aspira à luta revolucionária e o pragmatismo dos últimos 25 anos —se encontra eivado de contradições em suas fileiras de jovens militantes que rechaçam a podridão do seu direitismo, oportunismo e revisionismo de marca maior.

LEGADO DE PRESTES – O PECEDOBÊ

Como visto acima, o nome do Partido Comunista, longe de ser mera formalidade, envolve questões de princípios, o que foi corretamente resgatado em 1962. Mas o tempo passa e a conversa muda. O PCBrasileiro assumiu esta denominação para poder participar de eleições, mas “o avanço das liberdades democráticas” e da “legalidade” dispensou o PCdoB desta formalidade. No entanto, a ditadura dos marqueteiros eleitorais definiu que este negócio de comunismo estava muito desgastado, o máximo que se podia falar era de socialismo e que, mesmo assim, não pelo candidato à presidência.

A preposição colocada na sigla para diferenciar o PC dos oportunistas se transforma, na prática, no próprio nome da agremiação, que passa a esconder o termo comunista e a proferir apenas Pecedobê, acrescido da alcunha “O partido do socialismo”, como qualquer outro partido social-democrata. Afinal, depois de abandonados os princípios resta a máxima “pagando bem, que mal tem?”

Como atesta seu site na internet, o Pecedobê de Amazonas e Rabelo, que nada mais guarda com o PCdoB do Araguaia, para demonstrar sua capitulação à reação, varreu de sua literatura partidária documentos históricos da década de 60 e 70, tais como Grandes êxitos da Revolução Cultural, de 1968, “Guerra popular prolongada, caminho da luta armada no Brasil”, de 1969, “Cinquenta anos de luta, de 1972, “O partido — necessidade histórica, 1972 e A gloriosa bandeira de 35, de 1975.

PERSISTE A DEMANDA HISTÓRICA

O movimento comunista no Brasil, ao longo de sua história, foi duramente golpeado pela reação através de seus aparatos repressivos. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, foi através dos desvios de direita, do reformismo, do oportunismo e do revisionismo em que degeneraram suas direções que foi conduzido à fragmentação nos anos 60 e na prática oportunista de diferentes grupos hoje existentes, que reivindicam a condição de partido comunista.

Hoje, já no seu terceiro período histórico, o do combate sem tréguas ao oportunismo e ao revisionismo, segue como demanda a luta pela cabal reconstituição do Partido Comunista do Brasil, como autêntico e verdadeiro partido comunista marxista-leninista-maoísta, para levar adiante a meta da revolução e do socialismo no Brasil. Muito se falou, no passado recente, no “fim da história”, que “o comunismo está morto” e que “o capitalismo é eterno”, de “nova ordem mundial”, “paz duradoura” e outras sandices do gênero. Será que a crise geral do capitalismo no mundo atual e a crise do capitalismo burocrático em nosso país, bem como a crescente e formidável resistência dos povos do mundo ao imperialismo, permitem pensar assim? Será que a idéia de Partido Revolucionário do Proletariado se tornou obsoleta?

Só um pusilânime responderia afirmativamente a estas questões. A história demanda ao proletariado e aos que defendem e dedicam sua vida à causa do socialismo e lutam pela reconstituição do Partido Comunista do Brasil a resposta contrária.


Errata: Em AND 17, na matéria O desvio de direita no Partido Comunista do Brasil — parte I, p. 18, onde se lê “Novamente a reação golpeou o PC por etapa. Primeiro decretou sua ilegalidade, servindo-se do Plano Cohen…”, leia-se “Servindo-se de uma reedição do Plano Cohen, uma nova conspiração comunista para derrubar o governo Dutra…”

A principal contradição e o capitalismo burocrático no Brasil

A questão central para os marxistas é, em cada momento, saber definir, dentre as contradições fundamentais de determinada época, qual a principal — aquela cuja resolução determina a resolução das outras. Daí decorrerão a estratégia e a tática a serem utilizadas, a definição de alianças, o alvo principal e toda a gama de atividades do Partido Comunista. Neste aspecto houve a mesma avaliação em todas as organizações oriundas do processo de reconstrução do PCB de 1962 e mesmo em outras.

Em diversos trabalhos de Lênin e de Mao Tsetung fica demonstrado que as contradições fundamentais da época do imperialismo são: a contradição entre nações oprimidas e o imperialismo, a contradição entre o proletariado e a burguesia, a contradição entre o campesinato, principalmente pobre, e o sistema latifundiário, e as contradições interimperialistas. A contradição entre socialismo e imperialismo hoje só existe na esfera ideológica e na experiência histórica.

A contradição entre as nações pobres e o imperialismo é, sem dúvida, a principal ao longo de toda a época. É ela que determina o desenvolvimento de todas as outras. Nos países imperialistas é a sangria do Terceiro Mundo que permite abrandar, até certo ponto, a contradição entre capital e trabalho. Nos países dominados é ela a responsável pela miséria reinante e é a partilha das nações dominadas que determinará se os países imperialistas estão em paz ou guerreando entre si.

Um exemplo bastante ilustrativo se dá hoje na Guerra do Iraque. As contradições interimperialistas — que ficaram evidentes antes da guerra, em uma luta sobre quem exploraria aquele país —ficam amainadas pela invasão e partilha do butim, enquanto a mesma invasão amaina as contradições internas da sociedade iraquiana, unindo seu povo na guerra de libertação nacional.

Em um país invadido pelo imperialismo, a contradição principal coincide, mundialmente, com a contradição principal dentro do país, mas nem sempre é assim, nem nos países dominados, muito menos nos países imperialistas.

O que determina que a França, a Alemanha e o USA sejam países imperialistas, que sugam as riquezas do Terceiro Mundo e não Estados amantes da paz, que fazem acordos de ajuda mútua com nações menos desenvolvidas tecnologicamente que lhes facilitem o progresso? Inegavelmente é o fato de que a classe que está no poder nestes países é a burguesia e não o proletariado.

Isto demonstra que a contradição principal nos países imperialistas é aquela entre o capital e o trabalho, que só pode ser resolvida por meio de revolução socialista.

E nos países dominados, o que determina sua condição de parte do butim, e não de nação livre e independente? Sobre que base interna se dá, ou se permite, a dominação externa? Mao Tsetung, ao formular sobre a Nova Democracia, partiu e aprofundou a concepção marxista sobre o Estado e a análise de Lênin sobre o imperialismo. Demonstra que nos países coloniais e semicoloniais o capitalismo se desenvolve sob a penetração e domínio completo do imperialismo.

Ou seja, ele surge na época do capital imperialista, na época da exportação de capitais e da política colonial do capital monopolista, do capital financeiro, que se dá sobre uma base agrária com relações de produção pré-capitalistas, de caráter semifeudal e dá origem a uma burguesia lacaia que não tem interesse em levar a revolução democrático-burguesa adiante, pois está umbilicalmente ligada ao imperialismo.

Esta burguesia se divide em duas frações: a compradora, fundamentalmente ligada ao comércio exterior e ao capital financeiro, e a burguesia burocrática, ligada ao grande capital industrial.

A este modelo de capitalismo denominou-se capitalismo burocrático. Há ainda a burguesia nacional (média burguesia), que devido a sua debilidade econômica tem contradições com o imperialismo e os monopólios, mas teme a revolução popular. Deste seu caráter duplo deriva sua inconsequência política e conduta vacilante na luta política.

A contradição principal nos países dominados pelo imperialismo é a existente entre o campesinato, principalmente pobre, e o sistema latifundiário porque:

a.  é justamente sobre a base das relações atrasadas do campo que se dá a dominação imperialista que sobre elas se apóia e desenvolve o capitalismo burocrático;
b.  é ali que ela se dá de forma mais aguda, o que pode ser comprovado facilmente na história do Brasil, onde o campo foi sempre o palco das maiores lutas de nosso povo, nunca ficando em paz. Somente para citar algumas as lutas independentistas, como Confederação do Equador, Canudos, Contestado, o Cangaço, Ligas Camponesas;
c.  é no campo onde o Estado burguês latifundiário e serviçal do imperialismo é mais débil, as forças produtivas são mais atrasadas e maior é a opressão de classe.

No Brasil hoje, a crise do capitalismo burocrático, que tem como base a crise econômica crônica e em agudização, a crise social e uma acentuada subjugação ao imperialismo expressas num quadro de crise de decomposição do Estado burguês latifundiário, são o terreno mais maduro, constituem as melhores condições objetivas para as transformações revolucionárias democráticas que o país demanda. Politicamente, por um lado, a luta de massas, particularmente o crescente movimento camponês e a luta em seu seio entre seguir um caminho revolucionário ou reformista, a luta da classe operária e das massas empobrecidas nas grandes cidades em defesa dos seus direitos pisoteados pelos sucessivos governos e por uma nova e verdadeira democracia e, por outro, a falência da “esquerda democrática”, do oportunismo eleitoreiro na gerência do Estado reacionário, gerência esta pró-grande burguesia, pró-latifúndio e pró-imperialista, são as mais formidáveis condições subjetivas para a revolução brasileira avançar e triunfar, abrindo caminho para a construção socialista no país.