Nota do blog: ‘Vila Bandeira Vermelha: Quando o povo resiste’ narra a heroica história das 200 famílias sem-casa que largaram mão do oportunismo do então prefeito da cidade de Betim/MG Jésus Lima (PT) e lançaram-se na luta popular e revolucionária na conquista absoluta e irrevogável de seus direitos elementares, como o direito à moradia. Narrado pelos próprios sobreviventes da batalha e protagonistas da mesma, publicado no Jornal A Nova Democracia, escrito por Rogério Moraes, segue:
Vila Bandeira Vermelha: Quando o povo resiste
Nessa primeira quinzena de dezembro, uma prefeitura em Minas Gerais, faz a entrega de 180 casas populares a igual número de famílias — cerca de mil pessoas — que, no dia 26 de abril de 1999, enfrentou 600 policiais da temida polícia mineira em um terreno público abandonado no bairro Bandeirinhas, em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte. As residências em alvenaria com quarto, cozinha, banheiro e quintal, formam um conjunto com infra-estrutura básica (água, luz, telefone, asfalto nas ruas principais, escola, promessa de posto de saúde e área de lazer) batizado pelos moradores de Vila Bandeira Vermelha.
A ação da prefeitura de Betim — o oitavo município brasileiro em arrecadação e o segundo do estado — é a conquista do povo organizado que planejou, agiu, resistiu, lutou e também reagiu com violência, no momento em que os moradores acharam justo o revide, para garantir uma das condições básicas da vida: a moradia.
Houve baixas. Dois jovens operários, Erionides Anastácio dos Santos e Elder Gonçalves de Souza, assassinados a tiros, e dezenas de feridos: inclusive mulheres e crianças.
A batalha da Bandeira Vermelha em nada se diferenciou da repressão à luta do povo em todas as épocas da história do país. Desde o levante contra a exploração fiscal da Coroa Imperial, passando pela resistência dos trabalhadores submetidos à escravidão, aos desmandos da República Velha, etc., a história do Brasil está marcada por inúmeros movimentos como esse. Todos sufocados com violência e crueldade.
A violência policial contra as famílias da vila, recebeu uma resposta à altura por parte dos movimentos populares organizados e de democratas verdadeiros, apoio que, somado à disposição de resistência do povo, impediu uma estupidez ainda maior. Apesar da campanha de terror levada a cabo pela prefeitura e pelos partidos da “frente popular” (PT, PCdoB, PSB) que administravam a cidade naqueles meses — campanha inflada pela mídia em manchetes diárias, rotulando as famílias de “invasores comunistas” — o povo permaneceu no terreno, “impondo a democracia popular contra a farsa da administração petista”.
A repercussão do confronto entre os acampados e 600 policiais da tropa de choque da PM na Bandeira Vermelha, ganhou destaque internacional. O prefeito Jésus Lima, não viu outra solução senão negociar com os acampados no terreno tomado pelas 200 famílias, de acordo com as decisões da Assembléia Popular instalada desde o dia 15 de março de 1999.
“A embromação do orçamento participativo e do programa habitacional da prefeitura de Betim, com dezenas de milhares de inscritos por anos seguidos sem nenhuma solução, foi definitivamente desmascarada pelo povo, que decidiu construir com as próprias mãos seu destino”, sintetizam os coordenadores do movimento.
Gonçalves fez a vigilância. |
Em Minas Gerais, duas entidades — LPM (Luta Popular pela Moradia) e MCL (Movimento das Comissões de Luta)— organizam o povo pobre a lutar por seus direitos. No entanto, os heróicos acontecimentos na Bandeira Vermelha são iguais aos de muitos outros que, diariamente, acontecem nos grandes centros urbanos, em todas as regiões do Brasil. Grupos de 100, 200 ou mais famílias invadem um terreno, geralmente área pública, para garantir a moradia. São trabalhadores que não conseguem pagar aluguel e são despejados com suas famílias, indo morar debaixo de pontes e viadutos, ou nas ruas, sob marquises.
Só que a vila apresentou uma situação nova: a consciência de classe dos seus participantes. Situação que gerou organização, solidariedade e ação. O terror da polícia não conseguiu frear a disposição do povo rumo aos seus objetivos. A decisão de resistir foi o que garantiu a saída para os inúmeros dramas que essas famílias viveram nos dias de maior tensão.
O povo permanecia consciente de que esta seria uma luta difícil, mas, acima de tudo, estava “cansado de aguardar promessas e de esperar esmolas”, diz Estela Andréa, 24 anos, uma jovem negra que se integrou à luta com amor e sangue. A bala que quase lhe corta a perna, no dia do confronto com a polícia, não foi capaz de desanimá-la. Permaneceu por vários dias hospitalizada, em estado grave, com outros companheiros e companheiras que também foram alvejados pelos tais tiros de borracha e de chumbo.
Para a imprensa reacionária, os sem-cara de Betim.
Para a assembléia popular, Vila Bandeira Vermelha
Desde o primeiro dia de acampamento foi decidido que todos usariam um pano para cobrir os rostos: “medida de segurança contra a perseguição da polícia e da própria prefeitura, coisa que fatalmente aconteceria” — fala Cícero da Silva, um dos coordenadores do LPM. “Também decidimos só falar com a imprensa através de comunicados escritos, decisão que no primeiro dia foi relaxada e serviu de lição para confirmarmos que essa imprensa não ia nos ajudar em nada. O que fizeram foi papel de polícia, relatos detalhados das condições do acampamento e descrição das características físicas das pessoas, tentando identificar as lideranças. As primeiras matérias dos jornais nos chamavam de os sem cara de Betim. Apesar de termos lançado no primeiro dia um comunicado à toda a população, assinado pelas duas organizações — LPM e MCL — o prefeito dizia que não nos conhecia”, continua Cícero.
Para o coordenador do LPM, “nossa forma de organização incomodou muito a prefeitura. Tudo era decidido em assembléia. Aprovamos que somente dois representantes, das duas organizações, apareceriam em público e que a negociação com a prefeitura seria feita por eles, junto aos membros do Comitê de Apoio. Essa decisão impedia que os oportunistas da frente popular pudessem negociar separadamente com algumas famílias e continuassem ameaçando-as, buscando dividir nosso movimento.” Segundo Cícero, o Comitê de Apoio era formado por mais de 40 entidades de classe, além de várias pessoas democratas e progressistas. Sua tarefa era coordenar a solidariedade às famílias acampadas, bem como divulgar os objetivos da luta.
Marcelo foi um dos que sofreu perseguição. |
As negociações com a prefeitura não evoluíram, porque a assembléia também decidiu que só negociaria diretamente com o prefeito. Durante 40 dias, mais de 30 pedidos protocolados na prefeitura pelo Comitê de Apoio foram negados. Enquanto usava a imprensa para atacar os acampados, afirmando que “aquelas pessoas não precisavam de casa e que o movimento só queria desestabilizar o governo”, a prefeitura preparava, de fato, um grande ataque repressivo para desalojar as famílias. A queda de braço com a prefeitura fortalecia, a cada dia, o acampamento, porque “quanto mais seus representantes caluniavam o movimento, mais apoio o acampamento recebia”. Nesses 40 dias não faltou comida, remédio, roupa e médicos.
O Comitê de Apoio divulgava para a população de Betim e da capital os comunicados da Vila Bandeira Vermelha — nome dado pela Assembléia Popular ao acampamento nos seus primeiros dias, “coroando a unidade das duas bandeiras dos movimentos, homenageando o bairro Bandeirinhas e reverenciando a luta, exaltando-a o mais alto possível, pois, a cor vermelha significa o sangue dos combatentes que foi derramado e que clama por justiça em todo o mundo. Aqueles que lutam, erguem com orgulho uma bandeira vermelha, assumindo a missão de fazer valer os ideais dos que deram a vida em busca de liberdade”, como afirma um documento do LPM.
Na sociedade em que vivemos, é rara a solidariedade autêntica entre as pessoas ou grupos. Inclusive quando se trata de famílias que nada têm na vida, sequer um local para morar, apenas muita desilusão. Mas, na Bandeira Vermelha foi diferente. Dona Maria das Graças, 47 anos, 5 filhos, fez parte do rodízio de companheiros e companheiras, cuidando da cozinha do acampamento. Correu todos os riscos, segundo ela, porque já sabia que “a polícia vinha”. Ela tinha um grande problema na vida, que era pagar um aluguel de R$ 180,00. Revela que teve momentos de indecisão, “vontade de largar tudo… mas, via crianças e mulheres esperançosas, acreditando no futuro. Eu disse: não vou.”
Os coordenadores do LPM e do MCL relatam a batalha do dia 26 de abril. Cláudio Andrade do LPM conta: “O acampamento amanheceu sob forte tensão. Um helicóptero da Rede Globo sobrevoa o local às 6:15 da manhã, fazendo várias manobras. Os companheiros que montavam guarda na portaria percebem, ainda à distância, o movimento de um grande contingente de tropas policiais iniciando o cerco do acampamento, com dois tratores à frente. Toda essa manobra foi filmada pelos companheiros. Um grito de alerta mobiliza os coordenadores de grupos que, rapidamente, convocam todos os companheiros e companheiras para uma assembléia. A decisão de resistir é tomada com um vigoroso grito das nossas palavras de ordem: “Nem que a coisa engrossa! Essa terra é nossa!”, “Já estamos nessa terra e não vamos sair. Nosso lema é ocupar, resistir e construir!”, “Ocupar, resistir, construir o Poder Popular!”
Cláudio descreve a estratégia da polícia para atacar o acampamento:
1 Cerco para isolar o local, como já haviam feito com a Vila Corumbiara, em 1996 — terreno tomado na região industrial de Belo Horizonte, sob a coordenação do LPM e MCL;
2 Pressão com provocação, através da ação de comandos fustigando o acampamento;
3 Uso de tratores para arrebentar as cercas e abrir passagem para a tropa;
4 Uso de helicópteros para atirar bombas no interior do acampamento e provocar pânico;
5 Dispersar a massa e prender as lideranças.
A estratégia da polícia fracassou. Cícero da Silva, outro coordenador do LPM, demonstra o porque:
“Os companheiros e companheiras do acampamento estavam preparados para a possibilidade de um ataque da polícia. Tínhamos consciência de que nossa independência, a decisão de não nos submetermos à enrolação do tal orçamento participativo e às filas com milhares de famílias que esperam pelo programa habitacional da prefeitura, era considerada pelo governo municipal uma afronta inaceitável. Por isso, já nas reuniões de organização da tomada do terreno, discutimos sobre como agir nesse caso. Em primeiro lugar, era consenso entre todos os participantes o direito à defesa contra agressões policiais. Em segundo, discutimos como nos defender e nos organizamos para isso. Na chegada ao local do acampamento, a primeira tarefa cumprida por todos foi construir uma cerca, que, depois, foi reforçada com a construção de outra interna. Aprovamos que todos deveriam cobrir os rostos e usar nomes diferentes para não sermos identificados e perseguidos. Formamos uma Comissão de Vigilância e Autodefesa que se revezava 24 horas no perímetro das cercas e no interior do acampamento.”
“Durante os 41 dias em que vivemos ali antes do confronto, fizemos treinamento de autodefesa com todos os acampados.” Cícero conta ainda que os visitantes tinham que se identificar na portaria central do acampamento e só podiam entrar acompanhados de pessoas conhecidas do Comitê de Apoio. Essa medida foi tomada para impedir infiltração policial. A restrição à imprensa também cumpria esse objetivo. “Durante a assembléia”, conta Cláudio Andrade, “a atitude do conjunto dos companheiros era decidida e os coordenadores com os respectivos grupos ocuparam seus postos para a defesa do acampamento. Cada um sabia o que fazer: proteger a entrada impedindo a penetração da polícia; montar guarda em outro ponto provável de invasão; manter as pessoas organizadas na resistência em pequenos grupos; proteger as crianças.”
O povo sabia que essa seria uma luta difícil,
mas, acima de tudo, estava cansado de aguardar promessas
“A tropa se aproxima mais e, sem qualquer aviso ou tentativa de negociar, o trator começa a destruir a primeira cerca e os policiais começam a atirar. Do helicóptero são lançadas bombas de gás dentro do acampamento. É nesse momento que o companheiro Elder se prontifica para assumir o controle da câmara de filmagem para registrar os passos da polícia. Erionides assume o grupo designado para conter a investida do trator, lançando sobre ele um coquetel molotov. Esta ação destemida do companheiro Erionides custou-lhe a vida. Ele tombou morto, com um tiro na cabeça. Outra companheira, que o acompanhava na missão, foi gravemente ferida ao tentar socorrê-lo. Pouco depois o companheiro Elder foi baleado no abdômen. Mesmo ferido ele continuou filmando, como mostram as cenas gravadas por ele, até que foi, novamente, atingido na coxa. Só aí parou de filmar, pois não conseguia mais andar. Companheiros tentaram socorrê-lo, mas, percebendo a gravidade dos ferimentos, carregaram-no para fora do acampamento para ser socorrido pelos companheiros do Comitê de Apoio que se encontravam lá, impedidos pela polícia de entrar no acampamento. Elder foi socorrido, mas morreu no hospital. O assassinato dos companheiros Erionides e Elder confirma que atiradores de elite miravam suas vítimas, especialmente aqueles que percebiam em atividade de comando.”
“Dentro do acampamento houve corre-corre e muita atividade. Em meio aos gritos de crianças, outros gritos. Esses de comando, para manter os companheiros atentos em seus postos. Outros companheiros foram baleados. Paulinho foi atingido e perdeu uma das vistas. Izaú levou um tiro pelas costas e outro no calcanhar. A bala que até hoje está alojada em seu ombro. Várias companheiras foram atingidas por tiros de borracha que provocam ferimentos graves. Muitas crianças foram feridas por estilhaços de bombas, porque a polícia não economizou munição, usando armas de grosso calibre, como, escopetas, metralhadoras, fuzis, além de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo”, conclui Cláudio.
Segundo os coordenadores, a notícia da morte dos dois companheiros resultou em efeito exatamente contrário à intenção da repressão em causar o pânico e desorganizar a defesa: “O povo redobrou sua força e decisão de lutar. Ninguém saiu do acampamento. O helicóptero, apelidado pelo povo de a grande ave foi impedido de continuar a operar pela ação das pedras e esferas de aço lançadas pelos estilingues dos companheiros, que, dentro do acampamento, seguiam organizados e decididos.”
Cléber Costa de Farias, Coordenador do MCL, sintetiza assim a batalha:
“O motivo de termos resistido até o fim é que todos os companheiros estavam muito bem preparados. Nós levamos muito tempo mostrando em reuniões, assembléias, que aquela era a oportunidade que tínhamos para conseguir um lugar para morar. Foram dois anos de preparação. Por isso, quando a polícia chegou, todos sabiam que, perdendo aquela oportunidade, ficaria muito mais difícil conquistar outro terreno. E no confronto, quando vimos que dois companheiros foram covardemente assassinados, além de outros feridos gravemente, isso gerou mais resistência, mais firmeza e mais solidariedade, deixando as famílias decididas a defender todo mundo que estava ali dentro. Nosso movimento tinha vanguarda. Havia uma coordenação com o objetivo claro de conquistar nosso direito. E é isso que eu acho. Temos que mudar isso que tem no país. Temos que conquistar um pedaço de terra, mas, para mudar tudo que está aí. O povo não tem saúde, não tem escola, não tem emprego, está à mercê da miséria. Tudo isso foi o que levou o povo a ter a coragem de enfrentar a polícia. A miséria leva o povo a ter determinação e quando viu uma saída para se libertar do aluguel, agarrou. A experiência da Bandeira Vermelha levou o povo a ter a consciência de quem é quem em nosso país, quem o defende realmente.”
Marcelo Frutuoso Batista, 28 anos, foi para o movimento porque pagava aluguel de R$ 240,00. O dinheiro que ganhava não deixava sobra para alimentação. Trabalhava no trecho (entre São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro), fazendo serviços diversos, até que conheceu o movimento. Ele e a esposa não perdiam uma reunião. Sua dedicação o fez Coordenador de um dos grupos. Marcelo ainda se emociona quando narra os acontecimentos. Principalmente no que diz respeito à valentia das mulheres, que, para ele, foram as principais responsáveis por manter o moral de todos, estimulando os homens, com sua coragem, a se manter firmes. “Tinha mulher que foi mais forte que os maridos”, comenta. Segundo ele, em alguns casos o marido já tinha desistido da luta mas as esposas os incentivaram a continuar. “Mulheres que pegavam as crianças feridas no chão, botavam no braço e iam para a frente de luta. Um verdadeiro combate, sem dúvida.” O casal Maria Ribeiro e José Gonçalves de Souza atuou, junto a vários outros companheiros, na segurança do acampamento, alertas contra a repressão. “O desespero deu coragem, tinha medo de morar na ponte”, fala Maria.
Estela Andréa não tinha onde morar e vivia em uma casa, em Belo Horizonte, onde moravam dez pessoas de uma família. “Morava de favor”, disse. Tomou conhecimento do movimento e não perdeu a oportunidade, revela. “Quando cheguei tinha muita coisa para fazer, limpar o mato, fazer o barraco”, narra. Estela, no dia do confronto com a polícia “foi valente”, diz um dos coordenadores do LPM. Ela levou um tiro na perna, entre outras agressões, e ficou vários dias hospitalizada. Para ela não era uma simples ocupação de terreno baldio, “não era bagunça” explica, revelando que todos sabiam que a polícia vinha para tirar o pessoal na marra. “Corriam muitos boatos sobre a chegada da repressão e isso nos deixava apavorados”, continua. “Chegamos a pensar que eles não vinham mais e que tudo seria resolvido na conversa”, diz Estela. Mas a força pública veio e sem piedade. “O povo queria só o que é direito”, conclui.
Dona Maria das Graças disse que estava na cozinha quando foi alertada que a polícia estava cercando o acampamento. “O trator já estava derrubando a cerca”, lembra. Diz: “As crianças gritavam e eu saí da cozinha, em direção à portaria. Algum tempo depois, vi uma pessoa baleada. Era o Elder, que chegou carregado por companheiros e me pediu para guardar os documentos dele. Um PM gritou para eu sair e deixar só os homens. Como sair e deixar os homens? Fizemos um cerco e saímos enfrentando os soldados, impedindo que eles continuassem a penetrar no acampamento”, conclui
Os homens e mulheres da Vila Bandeira Vermelha deixaram que seus valores humanos mais altos falassem e foram, com toda garra, defender a honra da comunidade. Paus, pedras e o próprio corpo foram as trincheiras contra revólveres, escopetas, fuzis e metralhadoras. O sangue correu rápido, simbolizado nos dois operários que tombaram: Elder Gonçalves de Souza e Erionides Anastácio dos Santos, inscrevendo-os na lista dos heróis do povo.
Já estamos nessa terra e não vamos sair!
Nosso lema é ocupar, resistir e contruir!
Maria das Graças, Estela, Cícero, Cléber, Marcelo, Maria Ribeiro e Gonçalves são exemplos de pessoas que habitam, não só essa comunidade que viveu uma grande experiência de luta, mas, com certeza, estão espalhadas por esse imenso Brasil de confrontos sociais no dia-a-dia das famílias pobres. Vivem, com freqüência, acirrada luta na hora de garantir suas necessidades e os direitos básicos do ser humano. Briga feroz para conquistar, simplesmente, o que já é seu de fato e de direito. Foi essa identificação de classe, das condições reais de vida, que gerou o movimento e sua capacidade de organizar, resistir e conquistar.
A forte resistência dos acampados da Vila Bandeira Vermelha, a solidariedade dos moradores do bairro Bandeirinhas, vizinho, e a imediata ação do Comitê de Apoio, impediram que um segundo ataque da polícia acontecesse, naquele 26 de abril. Derrotada em seu intento, a administração Jésus Lima foi obrigada a recuar. O povo venceu a batalha.
O coordenador do LPM, Cícero da Silva denuncia “a ação do oportunismo, representado pelos partidos eleitoreiros: PT, PSB, PV, PSN e PCdoB, que durante toda a luta da Vila Bandeira Vermelha se portaram de maneira fascista e policial, atacando as organizações de luta independente do povo”. O coordenador lê para nós uma nota divulgada na região por esses partidos sob o título Em defesa da vida! Não à violência!. Nesta nota, em 10 pontos, o oportunismo acusava, não a polícia militar ou a prefeitura, e sim as famílias operárias que resistiram e impediram o massacre de centenas de companheiros. No ponto 1 da nota afirmam: ‘Os partidos da Frente Betim Popular defendem, como direito legítimo das pessoas, a luta por um pedaço de terra e teto. Reafirmam, como direito universal, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família, saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, trabalho, emprego e educação.’
“Como bons oportunistas”, fala Cícero, “prosseguem, logo abaixo no ponto 3 de seu manifesto”: ‘Os partidos da Frente Betim Popular condenam veementemente o uso da força e violência em conflitos sociais, lamentam a morte de dois sem-teto, e dos feridos durante o confronto’, e no ponto 5 ‘Condenam e repudiam o vandalismo de vereadores de direita e de lideranças do movimento, que, usando o cadáver e a dor dos familiares depredaram o prédio da prefeitura. Um patrimônio público da cidade…’, seguindo no ponto 6, alertam ‘o governo municipal de que setores conservadores de direita da cidade e do estado, se articulam para que se instale, em nosso município, a ingovernabilidade, o caos e o terror tome conta da cidade’ e defendem cinicamente, após o ataque maciço da polícia contra os acampados, ‘ampla negociação diretamente com os envolvidos e as entidades representativas do movimento dos sem-casa. Não admitimos o uso da força e da violência como meio, para solução de conflitos sociais’. Cícero prossegue indignado: “Esses partidos, que em nenhum momento foram até o acampamento, sequer no dia do assassinato de dois operários (que eles chamam de sem-teto), que mesmo reconhecendo a existência de 10 mil famílias cadastradas no projeto habitacional de Betim denunciaram que no nosso acampamento se instalara um campo de treinamento de guerrilha, acusam as lideranças de serem terroristas e, cinicamente, apresentam-se em linguagem altamente jurídica institucional, no ponto 10, como interlocutores entre a prefeitura e os acampados: ‘Por último, os partidos que assinam esse manifesto e que têm tradição de luta por uma sociedade justa e igualitária, se colocam à disposição das partes, como interlocutores, na busca de uma saída para o conflito, bem como reafirmam seu compromisso de lutar sem trégua conjuntamente com outras forças democráticas e populares pela continuidade de um governo que tem resgatado a cidadania em Betim.'”
“O descaramento dessa gente não tem tamanho”, fala o coordenador do LPM. “Eleitoreiros, enganadores e safados, como o próprio Jésus, que se fez político, apoiando movimentos de ocupação de terra e se elegeu prefeito, prometendo dar lotes ao povo. Assim que assumem o poder de Estado, revelam, de maneira muito clara, sua posição oportunista e o descaso com a vida do povo. Não vacilam em matar para impedir que possamos agir com independência e fazer valer nossos direitos. É como disse alguém, durante o enterro dos companheiros tombados na luta: A única terra que deram foi sete palmos para dois pais de família.” E arremata Cícero: “nas eleições municipais de 2000, ano seguinte ao confronto, o PT foi derrotado na disputa da prefeitura, como conseqüência desta batalha que desmascarou sua face antipopular e fascista. No processo eleitoral deste ano, o ex-prefeito, desta vez candidato a deputado estadual, ficou na 3.ª suplência, desmentindo a máxima reacionária de que o povo tem memória curta.”
Vila Bandeira Vermelha: 180 casas com infra-estrutura básica. É o coroamento da luta do povo de Betim pelo direito à moradia |
A comunidade da Vila Bandeira Vermelha, é considerada uma “semente” da luta popular. São 180 casas para as famílias que, há quase 3 anos, resistiram à ação da Polícia Militar e outras 20 famílias que também participaram do movimento terão suas casas construídas no bairro Teresópolis, no mesmo município.
No dia 28 de novembro, a poucos dias da inauguração das novas casas, os moradores da Vila foram à Câmara Municipal de Betim para exigir que o nome do novo bairro seja Vila Bandeira Vermelha e as ruas recebam os nomes de rua 26 de abril (dia do confronto), rua Erionides Anastácio, rua Elder Gonçalves e rua 15 de março (dia da tomada do terreno). Tiveram, ainda, que se enfrentar com vereadores do PT, que agrediram os moradores discursando no plenário contra o direito do povo de decidir sobre o nome do bairro e das ruas. Os homens, mulheres e crianças da Vila, mais uma vez, mostraram a consciência de sua força e garantiram a vitória da votação. “Foi uma questão de honra mostrar aos vereadores quem somos nós. Se eles votassem contra, faríamos as nossas placas. E, quanto ao nome do bairro, temos certeza que ninguém apagará o nome Vila Bandeira Vermelha da história de nosso país e nem da cabeça dos oportunistas”, disse um morador.
Hoje, às vésperas de realizar o maior sonho das famílias — a casa própria — o sentimento das pessoas é de vitória e reconhecimento do valor da organização. No entanto, todos são unânimes em afirmar que a comunidade de Vila Bandeira Vermelha “agora é que vai começar”. “Valeu a luta. É uma nova realidade, mas a luta vai continuar”, garante dona Maria das Graças. Continuar com a união, a solidariedade, a consciência. É o que pensa Marcelo, um dos coordenadores das comissões.
Todos têm a clareza de que o “povo não consegue nada sem a união”, por isso eles pretendem continuar lutando e divulgando a luta da Bandeira Vermelha, para que sirva de modelo para o desenvolvimento de outras comunidades que, atualmente,passam pelos mesmos problemas que eles passaram há 3 anos.